lasar segall: ensaio sobre a cor - sesc 24 de maio - de 26/10/18 a 5/3/19, terça a sábado, das 9h às 21h, domingos e feriados, das 9h às18h.
Escuta documentada Elaine Fontana
A partir da prática documentária é possível observar, através da coleta de dados, registro e documentação, outros problemas que podem ajudar a formular novos parâmetros para as práticas de mediação nas instituições culturais. Ao observar atentamente um dado específico, o educador é capaz de levantar novas hipóteses, buscar lógicas de trabalho e modos de operar inimagináveis até tê-las escutado ao deixar-se escutar. Os modos de registro pode ser individual ou coletivo, as questões podem ser identificadas individualmente por um educador que compartilha a sua hipótese, dúvida, problema central da pesquisa aos demais e tais questões podem gerar um ambiente comum de pesquisa ou manter-se individualmente. A prática documentária é capaz de reestruturar campos de trabalho, reexaminar as práticas de mediação e o lugar de onde articula discursos e ideias com os públicos da exposição, alinhando-se ao que emerge, às urgências localizadas no seu tempo e com a nova geração de trabalhadores da exposição. "Uma prática documentária, sendo também dissensualmente ficcional, inventa com uma problemática real" (Honorato, 2011, p.8) Um exemplo de uma prática documentária é a da educadora Ana Clara, que observou os trajetos dos visitantes da exposição. A hipótese inicial levantada pela educadora era a de que os visitantes, em geral, faziam percursos semelhantes num fluxo sequencial, por assuntos e núcleos como estão organizadas as obras. A educadora, também estudante de arquitetura, começou a observar os trajetos com mais atenção, no formato de documentação - registro e passou a desenhar os percursos dos visitantes. Ela se surpreende quando notou ter registrado caminhos desiguais, nem sempre lineares e tampouco em fluxos por núcleos ou por assuntos, como pensava ter visto. Reparou que visitantes iam de "pogrom" a "gado na montanha" num piscar de olhos em ziguezague, desarticulados às lógicas previstas para a circulação na exposição. O olhar diário, mas espontâneo, fazia com que Ana Clara tirasse conclusões enviesadas que foram refutadas quando passou a anotar com frequencia e atenção os fluxos dos visitantes, trazendo
um dado novo que contribui como um material de pesquisa para a mediação e pode desdobrar em ações mais assertivas a partir disso.
A prática documentária possibilita dar ênfase a um elemento pontual, aquele dentre tantos outros, evita-se com o detalhamento, tomar-se por certo conclusões amplas e genéricas. Como exemplo podemos destacar dois pontos ligados ao teatro e que foram explorados pelos educadores da exposição: Ivan, Julia, Mônica, Paulo e Renata ao contribuírem com a pesquisa sobre a cena e o ensaio. Estes são dois elementos que podemos enfatizar e criar desdobramentos na pesquisa de mediação. A relação do trabalho do educador com o teatro desencadeia o reexame da nossa prática na exposição de arte. Ao selecionar educadores do teatro, imaginava-se exercitar novos modos de operar na mediação. O espírito do teatro1 de ser ele mesmo ação e não representação de outro algo torna o ator presente, interessado pelo seu ato. Essa pesquisa interessava a atual curadoria educativa, de o educador conceber espaços de interesses mútuos, a fim de evitar reproduzir modos de operar e pensar em suprir déficits conteudísticos de toda ordem. A partir de recursos e experiências próprias dos educadores do teatro foi possível mobilizar um conjunto de outros problemas, alguns deles citados mais adiante. Tais semelhanças podem ser percebidas pois ambos os trabalhos envolvem
os
públicos:
pessoas
estranhas, diversas e com interesses múltiplos e desconhecidos. A relação pode ser espontânea, irregular e diária
e
também
sistemática
e
discursiva. O nosso trabalho é composto de
dinâmicas
inusitadas,
mas
também bastante conteudísticas, que envolvem 1
a
proposta
curatorial,
Para o diretor Tadeus Kantor “ao teatro reduzido ao papel subalterno, sobretudo do ponto de vista literário, que, aviltando-se cada vez mais como reprodução estúpida de cenas da vida, perde o instinto do teatro, o senso de liberdade criativa e a força de suas próprias formas de expressão e ação”
expográfica, contexto da instituição, no caso o Sesc 24 de maio - localizado no Centro de São Paulo, além das pesquisas e problemáticas da vida pessoal que aparecem quando nos relacionamos em equipe durante tantos meses. O teatro procura gerar espaços de trabalho em grupo, para conhecermos melhor uns aos outros, estabelecer elos de criação, e também pensar em meios de acessar aquela obra de modo a sentir prazer com a criação. O espaço da criação no teatro não pressupõe suprir faltas do público não iniciado, termo usado com frequencia no ambiente da educação não formal. Empresta-se do teatro a ideia de estar com o público e com a obra, numa esfera comum, dividindo-se um espaço comum e de risco. O ator é também obra. A presença de uma equipe ligada ao teatro nessa exposição pressupunha o exercício de aprofundar conhecimentos da cena, do corpo do ator para o corpo do mediador. Assim, foi possível experimentar o ensaio aberto, sem medo do público, podendo ocorrer erros, desvios e uma lógica apreendida no fazer, sem antecipar a vontade de ensinar, deixando de lado a finalidade própria dos vínculos educacionais. Em camadas sobrepostas, educadores e públicos se relacionaram com as obras nas suas diversas formas, sem identificarmos ao certo como estava se dando tais ligações. Na rodas finais de conversa dividimos com o público as suas impressões assim como se dá no teatro. O exemplo citado é apenas uma das referências possíveis de serem documentadas. Há uma diversidade de pesquisas e trabalhos realizados na exposição e podem ser conferidos na sequencia. No documento a seguir há registros de diversos educadores, dos supervisores e da coordenação intitulados por alguns como registros poéticos e enunciados pela coordenação/curadoria educativa como Prática documentária, com mesma intenção: a de escutar muitas vezes a mesma coisa e expôla aos outros, repensar vocabulários pois eles acabam por conduzir corpos e modos de relação, para comunicar outros problemas que possam gerar formas diversas de escuta dos públicos e imaginar modos inimagináveis de se relacionar com o que chamamos de mediação ou educação não formal nas instituições de arte.
A prática da mediação no cotidiano de um educativo Josiane Cavalcanti
Ao longo de meses de trabalho na exposição Lasar Segall: ensaio sobre a cor, muitas conversas aconteceram e com elas estabelecemos afetos, acertamos rotas, nos entendemos, desentendemos, voltamos a entender. Na conversa, sempre falta e, algumas palavras, diferentes para cada um de nós, ficam, ressoam, reverberam em nossas práticas pedagógicas com grupos e colegas de trabalho. A conversa em si é uma experiência significativa, principalmente quando existe abertura e escuta para contar sobre nossas histórias e pontos de vistas. Abaixo segue trechos de uma das inúmeras conversas que aconteceram entre eu, Josiane, assistente de coordenação pedagógica e os supervisores. Boa parte de meu trabalho nesse projeto foi mediar diversas situações, sempre a partir de uma boa conversa.
Josiane: Como é que esse texto apareceu, (A construção de uma comunidade pedagógica: um diálogo, de bell hooks) se é que ele apareceu no nosso cotidiano, o que aconteceu, e se não aconteceu, o que não aconteceu, pensando nessa ideia de criar uma comunidade pedagógica. E aí, acho que foi um desafio o tempo todo, colocado pra vocês, como supervisores, de como a gente poderia construir uma relação bacana com a nossa equipe, como a gente ia se colocar como uma autoridade em termos de trabalho pedagógico e de acompanhamento do cotidiano deles, ou, como poderíamos exercer autoridade sem sermos autoritários, sem ficar se apoiando em mecanismos de poder que já estão aí colocados há muito tempo, como a gente podia, ao contrário, fazer de um outro jeito, partindo da nossa experiência enquanto educadores, pois nós somos educadores tanto quanto a equipe, mas agora num outro cargo, uma outra função.
Rodrigo: uma coisa que fica muito evidente no meu trabalho como supervisor com eles (educadores) foi de tentar criar um vínculo e uma proximidade com eles, pra tentar, a partir da identificação de questões que eu sentia enquanto educador e que eu percebo também neles, tentar de alguma forma melhorar, por exemplo, ficar de volante no espaço expositivo, quando não tem grupo agendado em algum dia, então você vai ficar em pé o dia todo, volanteando no espaço expositivo, mas não, podemos criar um rodízio, horários de estudo, sempre a partir desse processo de identificação mesmo, de situações que eu vivenciei como educador, que eu talvez não gostasse muito, ou sentisse que aquilo fosse um pouco ruim pro meu trabalho, e pra mim. Eu tentei pensar a partir dessa chave da empatia, com eles, e tentar criar uma relação de confiança pra tentar desenvolver esse trabalho. E partir disso, acho que eles conseguiam ter essa relação, de me ver como uma autoridade mas não como um supervisor autoritário. Uma coisa que me chamou muita atenção no texto da bell hooks, que me marcou, e que agora estou vendo isso reverberar com as turmas da manhã e da tarde, é que a bell hooks fala que o educador precisa entender que os corpos são diferentes, e são moldados e construídos historicamente também. Não é uma questão só biológica, mas também a questão social. E aí me vem à mente, a proposta inicial da Sabrina, da Thamires e da Flávia, de falarem da experiência delas enquanto
educadoras negras, atendendo no espaço expositivo. E também penso o quanto isso é relevante pra gente pensar na nossa mediação, quando nós atendemos grupos, principalmente grupos de escolas públicas, grupos que a gente percebe que tem uma certa carência de referência de espaços expositivos, espaços museológicos, que não tem essa percepção de pertencimento em ambientes . E quando eles chegam ou eles se sentem intimidados e acuados ou se sentem totalmente livres para fazerem o que quiserem ao ponto de quererem tocar nas obras, passar na faixa que tem chão, pisar onde não pode pisar, e aí temos que trabalhar essas questões de educação patrimonial com eles. E perceber essas diferenças. São corpos diferentes, de realidades diferentes, contextos sociais e econômicos diferentes, então, como que dois alunos que são da mesma escola, da mesma sala de aula, têm relações diferentes com aquele ambiente. Como que a gente lida com esse mesmo grupo, tão heterogêneo, com pessoas que percebem a exposição de um jeito diferente. E aí, acho que nesse diálogo com a bell hooks a gente pode estabelecer reflexões em cima disso, e como você falou, esse momento é de refletir sobre o que a gente vivenciou e como o trabalho com esta exposição tem reverberado na gente.
Luana: pode ser interessante reler esse texto no final do processo, porque a partir do que a gente experimentou como trabalho, podemos ter uma base pra pensar o contexto. Como construímos relações, como os processos aconteceram, e lendo o texto talvez a gente veja coisas que a gente vivenciou, mas não tínhamos um embasamento teórico pra já elaborar essa reflexão. Josiane: quando começamos a falar de acompanhamento pedagógico, esse acompanhamento poderia ser feito tanto por mim quanto por vocês e pelos próprios educadores, mas que sim, vocês supervisores tinham uma responsabilidade nesse sentido porque vocês têm tempo e atribuições de cargo que competem a vocês fazerem isso. Mesmo assim, lembro-me de sentir vontade de realizar visitas, e daí vocês poderiam acompanhar a visita que eu fizesse, e lembro de que quando senti esse desejo de querer dar visita mesmo estando num cargo com uma função mais estratégica que é a assistência de coordenação, que tem uma carga, eu não queria ficar no mesmo fluxo, e aí eu estou pensando na relação mente/corpo que a bell hooks fala, nessa dissociação entre mente e corpo. Então eu não queria ficar só assim, entra no Sesc, vai pra exposição, fica na salinha do educativo, sento na mesa e faço reunião com vocês e vou embora. Quase sem passar pela exposição, ou passo de maneira pontual pra fazer alguma observação, olhar algumas visitas, conversar com alguns educadores. Então pensei ‘se eu ficar um tempo no espaço expositivo e me comprometer a fazer uma visita’, eu posso ter um papel na coordenação realizando uma prática diferenciada porque a coordenação é essencialmente estratégica. E acho que só ficar no background é um pouco ruim, porque a gente começa a ficar um pouco distante, a ponto de alguém falar alguma coisa, da equipe de educadores e relatar alguma situação que é muito específica da experiência nessa exposição e não conhecer exatamente o que é, porque não estou vivendo isso no corpo mesmo. Essa questão do corpo do educador no espaço expositivo, por exemplo, é uma questão que está aparecendo muito, inclusive estamos vendo isso nas práticas documentárias deles. Essa é uma questão relevante pra eles, e eu já passei por essa experiência em outras exposições, mas não sei o que é essa experiência aqui. Então como a gente poderia pensar isso. Como eles estão lá todos os dias, com o corpo, digo ‘pense sobre isso vocês’ dentro da experiência que vocês estão vivendo e eu não. Falo isso pensando nas práticas pedagógicas engajadas que a bell hooks fala, porque eu também gostaria de trazer uma prática no sentido de criar uma comunidade pedagógica, então o que eu como assistente de
coordenação posso fazer. Mas isso anão aconteceu, eu não fiz nenhuma visita, eu fiquei numa posição mais tradicional, ocupando um lugar que era esperado de mim, numa posição mais estratégica, mais estrutural. Mas gostaria sim de ter ocupado outros lugares, num aspecto mais experimental, de realizar outras práticas além das que eu já realizo normalmente. Lucas: Acho que antes de construir uma autonomia, pra mim tem uma coisa de simbolicamente ocupar aquele espaço e que passa por uma identificação que é o tipo de conteúdo, o tipo de abordagem e o tipo de dinâmica das pessoas contemple a experiência histórica, social e subjetiva das pessoas que estão ali, que não seja um legado da academia ao qual as pessoas tenham que se adaptar independente de sua trajetória, mas seja justamente um modelo que permita que as experiências pessoais e subjetivas, uma discussão, por exemplo sobre, no caso da bell hooks que é uma autora americana, que é de um país que muito objetivamente cinde suas relações a partir de um recorte racial, de deixar que isso entre como algo, não transversal , mas como algo fundamental daquele trabalho. Por que é dessa autorização de reconhecer a diferença que, primeiro, os estudantes, ou em nosso caso que todos os educadores vão poder se conhecer como afetivamente implicados no trabalho que pode ser feito e aí que pode surgir novos formatos. Essa responsabilidade acaba se construindo, mas tem um fator anterior, que talvez seja o lugar da empatia ou da solidariedade mesmo, quando questões que são importantes individualmente pra eles podem ser contempladas como questões que também são importantes pro coletivo. E aí a construção da responsabilidade, o engajamento, isso se constrói, mas tem, não sei se pacto é uma boa palavra, mas uma condição colocada ali pra que eles possam se afirmar na sua individualidade e se entender como coletivo primeiro. E parece que vocês tentaram fazer isso desde o começo, na formação, quando vocês permitem que eles trabalhem oficinas totalmente atravessadas pelas pesquisas, interesses e militâncias que pra eles são importantes. Então coloca numa condição de igualdade aquilo que a instituição oferece, uma exposição de perfil museológico oferece, que as próprias obras trazem e representam, pra ser colocado numa condição igual a que pra eles é importante discutir a partir de quem eles são, como mediadores que portanto vão considerar aquilo que vem de fora, que vem com o outro como material mas também do que eles encontram nas pinturas porque todos os debates que eles colocaram, nas oficinas por exemplo, estão presentes ali, só não foram nomeados pela historiografia que a gente conhece até hoje. A representação de pessoas negras no Brasil no Modernismo está aí nas pinturas, discussão sobre gênero está aí nas pinturas, o horror da guerra, a origem do totalitarismo está ali nas pinturas, só acho que a historiografia nunca foi... não considera a priori que são conteúdos que o interesse público vai encontrar. Então eles vão trabalhar com esses públicos, e eles também vão encontrar uma experiência de vida ali.
Pretendo registrar momentos que auto me questionei sobre a importância da minha formação dentro deste espaço de mediação e arte educação numa exposição cultural. As primeiras semanas e contato com a exposição foi a experimentação de um corpo feminino/negro/periférico dentro de um exposição cultural, com o máximo de limitações, meu esforço maior foi tentar estar habituada sobre as importantes informações que seriam relevantes para minha construção de diálogo com o público. O grande papel de um Assistente Social é o ouvir, muitas vezes, em situações diversas o usuário o procura não com a certeza de que seu problema de fato vai ser resolvido, mas com a esperança de que alguém vai ouvi-lo. Entender quem é esse público que chega até aqui, é entender o que a exposição pode lhe dizer naquele momento, a exposição Lasar Segall Ensaio Sobre a Cor emergiu muitas questões sociais palpáveis e muito próximas ao nosso cotidiano, tive a oportunidade de conhecer escolas de muitas periferias de São Paulo, jovens que nunca visitaram o centro, muito menos foram a algum museu, essa ocupação de território ressaltou muito a importância e sensibilidade em apresentar este espaço. Em uma das mediações recebi um grupo de quinze meninos de 16 a 17 anos, vieram de uma escola do Jova Rural, Zona Norte de São Paulo, na apresentação do grupo descobri que todos eram amigos e membros do mesmo time de futebol da escola. Se colocarmos em porcentagem até hoje o grande sonho de um menino da periferia é ser Jogador de Futebol, é ser o Neymar, no nosso diálogo naquela manhã o papo não foi diferente, percebi então que poderia apresentar o Lasar Segall a eles na perspectiva de um homem que também era cheio de sonhos, transformar um artista no mais próximo possível a um adolescente é humanizá lo e talvez até torná-lo referência. Falar sobre masculinidades pra mim foi a grande chave nesta mediação, pensar no Lasar Segall como um homem que sonhava e muitas vezes se frustrava, era entender que um menino de periferia também obtinha sonhos, cobranças sobre sua masculinidade diante da sociedade, de ser forte, ter uma namorada entre outros, falar sobre narrativas de guerra, maternidade num olhar tão pessoal que Segall trás as obras é apresentar ao grupo de adolescentes que a sensibilidade é uma importante ferramenta de expressão.
A partir do olhar deles a obra Dois Nus, que Lasar retrata em um contexto de dialogar as realidades dos Magues, sem hipersexualizar os corpos apenas retratando uma cena de liberdade, surgiu o assunto na mediação sobre um fato pouco falado no universo masculino que é a sexualidade, os meninos foram abertos a dizer o quanto já na idade deles existia a cobrança para não serem mais virgens, ou outras situações constrangedoras. Percebi que era o momento sim de através daquela obra reafirmar que como homens que tinham sentimento, era importante respeitar o seu tempo, se protegerem de doenças e serem responsáveis, houve o assunto de gravidez na adolescência, fato muito real no cotidiano dos garotos pois tinha alguma irmã, prima muito próxima que já estava encarando este desafio de ser mãe muito cedo. O assunto entrou numa chave em que eles não tinham abertura em muitas espaços, não conversam com os amigos, familiares e muito menos na escola, fato que o professor que acompanhou a visita compartilhou mais tarde. , portanto foi importante para eles este compartilhamento e transformar este lugar de mediação neste discurso fez a percepção de arte para outros quadros da exposição se tornar mais próximo. Gabriela Ramos. 19/02
Este registro se propõe a trazer reflexões para além do campo estético dinâmicas sociais ocorridas entre as décadas de 1930 e 1945 e entre a década de 1980 e primeira década do século XXI. Através do excerto de uma reportagem de jornal publicada pelo site da BBC Brasil, em 2015 e citação do trecho do livro publicado pela autora e pesquisadora Sarah Schulman pretendo apresentar algumas imagens e estabelecer relações para se pensar em políticas de extermínio, entre as quais, ainda que díspares, jamais deveriam ser consideradas como mera casualidade. Em ambas, a omissão, em um primeiro momento e a perseguição numa segunda etapa, através dos textos e imagens abaixo, busco como ponto de partida provocar uma discussão sobre o tratamento dado aos judeus e a cultura judaica e o tratamento dado a comunidade LGBT, sobretudo aos homens gays que viriam a se tornar soropositivos. Embora não tenha amadurecido de maneira a produzir uma visita temática nos meses em que a exposição estava vigente, esta reflexão, mais do que nunca no atual contexto brasileiro e as políticas de saúde pública, deixo registrado aqui por onde meus pensamentos percorreram e questões que me despertam interesse, seja para elaboração crítica estética, seja para elaboração crítica social. O homem que sobreviveu a 8 campos de concentração NAZISTAS Um sobrevivente do Holocausto que escapou da morte em oito campos de concentração nazistas durante a Segunda Guerra Mundial relatou suas experiências à BBC, no ano em que a liberação do campo de Auschwitz completa 70 anos. Nascido em uma família de JUDEUS ORTODOXOS na cidade de Sosnowiec, na Polônia, Ferster tinha 17 anos quando a Segunda Guerra Mundial começou, em 1939. Em 1943, aos 20 anos de idade os nazistas foram buscá-lo em casa. Entre 1943 e 1945, ele viveu em oito campos de concentração diferentes na Alemanha e na Polônia, onde enfrentou TRABALHOS FORÇADOS, DESNUTRIÇÃO E DOENÇAS como tifo. Ferster conta sobre a chegada do racionamento, a fome generalizada e as doenças que se proliferavam pelo GUETO judeu na cidade polonesa.
"Não tínhamos remédios. As pessoas estavam morrendo e a vida ERA muito difícil. E, em um certo momento, reuniram vários líderes da cidade e dispararam (contra eles). Assim, sem mais nem menos. [...] Todo mundo sabia que as pessoas selecionadas pela Gestapo nunca voltavam". [...] "Fazia um frio insuportável, uns 25 ou 26 graus abaixo de zero. Os soldados começaram a nos bater, gritando que não éramos rápidos. Muitos não podiam aguentar,
tinham pneumonia. E alguns morreram", disse. No fim de 1943, houve um SURTO de tifo no campo em que Ferster estava e ele ficou MUITO DOENTE. Muitos morreram devido à doença, mas ele sobreviveu. Ferster se lembra de ver corpos dos (...) formando torres altíssimas".
MORTOS PELA DOENÇA
"empilhados
MULLEN – Tom. O homem que sobreviveu a 8 campos de concentração nazistas. 2015. acesso em fevereiro de 2019. Link: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/10/151026_sobrevivente_campos_co ncentracao_fn
O Prazer de Ser Desconfortável "O que nós internalizamos como consequência da CRISE DA AID$? Assim como a maioria dos traumas históricos de abuso, os perpetradores - o Estado, nossas famílias, a mídia, a indústria privada - tem de modo geral fingido que o ASSASSINATO EM MASSA e a destruição cultural causada pela AIDS, criada por negligência deles, nunca aconteceu. Eles fingem que não existe nada que eles pudessem ter feito, e que nenhum sobrevivente ou testemunha ainda está vivo hoje em dia com assuntos inacabados. Eles provavelmente acreditam, assim como eles fingem, que a perda daqueles indivíduos não teve qualquer impacto em nossa sociedade, e que o abandono e a subsequente alienação de um povo e uma cultura não importam. Obviamente isso não poderia ser mais falso. Meus próprios estudos sobre o ativismo da AIDS, o ACT UP Oral History Project, revela a VERDADEIRA MENSAGEM DA AIDS:
'QUE UM GRUPO DE PESSOAS DESPREZADAS E SEM NENHUM DIREITO OU REPRESENTAÇÃO, QUE FORAM ABANDONADAS POR SEUS GOVERNOS, FAMÍLIAS E SOCIEDADE, ENCARANDO UMA DOENÇA TERMINAL, CRIARAM VÍNCULOS E SE UNIRAM CONTRA TODAS AS PROBABILIDADES E FORÇARAM ESSA CULTURA - CONTRA A SUA VONTADE - A MUDAR O SEU COMPORTAMENTO EM RELAÇÃO AS PESSOAS COM AIDS, E ASSIM SALVARAM A VIDA UNS DOS OUTROS.'
Essa é a história mais impressionante que eu já vivenciei, e deveria e PODERIA ser um modelo para o comportamento humano em todos os domínios. A verdadeira mensagem da crise da AIDS é que cobrar a responsabilidade das pessoas no poder funciona. Essa mensagem, no entanto, foi OCULTADA e feita inacessível (temporariamente, nós esperamos), desconhecida por muitas pessoas gays ou heteros. Ao invés disso, o que a maioria das pessoas internalizou, erroneamente, como a mensagem dominante da crise da AIDS é: 1. NOSSA SEXUALIDADE É PERIGOSA E DEVE SER CONTROLADA; 2. NINGUÉM SE IMPORTA COM AQUILO QUE ACONTECE COM A GENTE. Nesse sentido, os gays são os NOVOS JUDEUS. Tão traumatizados pela morte em massa e a indiferença dos outros, nós nos assimilamos a cultura que permitiu a nossa destruição. Nós pedimos acesso aos seus valores e os colocamos no lugar dos nossos, de uma maneira que sabota a nossa distinção e força. Nesse processo, nós podemos assumir papéis opressores - por exemplo, o aumento dos SENTIMENTOS ANTI-IMIGRAÇÃO na população LGB da Europa, ou as ATITUDES PRÓ-MILITAR pelo fim da política Don't Ask, Don't Tell." Schulman, Sarah. The Pleasure of Being Uncomfortable in The Gentrification of the Mind: Witness to a Lost Imagination. Califórnia (USA): University of California Press, 2013.
Lasar Segall, Duas Amigas. 1917/1918 (1913?)
Lasar Segall, Rua das Erradias. 1956
Lasar Segall, ĂŠxodo II. 1949
Lasar Segall, Pogrom. 1937
The Face of AIDS. 1990
Nan Goldin, Gotscho kissing Gilles. 1993
Nan Goldin, Gilles' Arm. 1993
Nan Goldin, Positive Grid. 2010
Legenda: Sem camisinha você está dormindo com AIDS. Proteja-se. — campanha da ONG francesa AIDES, 2004.
Meu nome é Júlia. Eu sou atriz, educadora e, às vezes, eu teimo que sei escrever alguma coisa.
Dedico essa crônica à todas as crianças que eu pude atender nesses cinco meses de relacionamento sério com o Lasar Segall, em agradecimento aos momentos sublimes que eu pude vivenciar podendo observar a melancolia de Segall através das retinas tão sábias e ingênuas desses pequenos visitantes, mas especialmente, ao Riquelme. Um menino pequenininho, com cara de atentado, muito esperto e cheio de sabedoria, a Alanis e a Alice, duas pequeninas cheias de criatividade e independência, ao Daniel, filho da minha amiga Débora que fez a oficina dos dedoches e ensinou para a galera do educativo o que são as janelas da alma e, por último, mas não menos importante, ao Bryan, o garoto que mora na 7 de Abril.
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE CAPÍTULO II Do Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade ART. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis. ART. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. Por uma comunidade pedagógica que reconheça a necessidade de auxiliar TODA E QUALQUER CRIANÇA a conhecer, explorar e compreender um espaço expositivo.
“Tia, Tia, Tia! Que hora nois vai na piscina?” “Tia, Tia, Tia! Tem quadra pá nois jogar bola?” Era essa a nossa rotina no educativo. As vezes eles vinham até sem saber que estavam a caminho de uma exposição de pintura. Eu ficava com dó. Era entre os meses de novembro e dezembro então já fazia muito calor e isso gerava uma expectativa enorme de vir “brincar na piscina do SESC”. Muitos vinham com roupa de banho por baixo do uniforme ou levavam toalhas de banho dentro das mochilinhas escolares. Para eles tudo era um evento. O caminho dentro do ônibus, a saída no terminal de ônibus, passar pelo Teatro Municipal, as ruas cheias de gente, a tia que usava o cabelo curtinho “igual de menino” e que tinha brincos gigantes nas orelhas.
Era uma sexta – feira. Não me recordo ao certo quantos alunos eram, acredito que mais de 50, porquê dividimos o grupo em três educadores. Eu dei o azar (ou sorte) de ficar com o grupo dos mais bagunceiros. Em particular, eu gosto dos mais agitados. As crianças mais falantes e que questionam mais, geralmente, compram melhor a sua ideia quando você se propõe a observar o espaço a partir das retinas dos olhinhos deslumbrados delas, e era isso que eu procurava fazer. Olhar para os pés da criança representada na obra “Viúva e filho II” e rir sozinha porque uma pequena visitante disse: “tia, a mãe tá brava porque o bebezinho tá com o pé sujo”, com certeza me fez resinificar a minha opinião crítica e densa sobre um quadro pintado no período pós Primeira Guerra. Eles tinham entre oito e dez anos. Quando a professora direcionou o grupo até mim, tinha um rapazinho miúdo no grupo do outro educador que olhou para a professora de longe e riu. Quando ela se deu conta virou para ele e disse: “Riquelme! Você no mesmo grupo do João Vitor? Nem pensar! Pode vir pra esse grupo aqui! ” e apontou na direção em que eu estava. No momento em que ele chegou até nós já um pouco receoso pela bronca que tomou da professora, ficou parado num canto meio distante enquanto os colegas zoavam com ele, daí então, eu me aproximei: - E ai, parça! Daora? - Daora... - Como você se chama? - Riquelme... - Prazer, Riquelme! Eu sou a Júlia, sou educadora na exposição de um pintor chamado Lasar Segall e vou acompanhar vocês aqui no SESC. Eu tava conversando com os seus colegas pra avisar que agora nós vamos subir até o terceiro andar pela rampa pra usar o banheiro e beber água pra depois a gente poder conversar um pouco, beleza? -Beleza... - Então cola aqui do meu lado pra gente subir trocando uma ideia! Ele deu um sorrisinho com ar de “você tá me conquistando” e foi subindo do meu lado junto com as outras crianças. Durante o trajeto até o terceiro andar, eu sempre costumava perguntar se a viagem tinha sido legal, o que eles fizeram no ônibus e de onde eles eram. Fazer essas perguntas num contexto informal tornava o diálogo mais orgânico e a aproximação mais direta com os próprios alunos. Foi uma visita marcante... Em particular, eu tive poucos problemas com indisciplina dentro do espaço expositivo. Quando meu intuito era orientar as crianças sobre não correr e não tocar nos quadros, geralmente eu iniciava o acolhimento falando sobre saudade e perguntava para eles o que eles gostariam que fosse preservado para sempre, para que os seus filhos e netos pudessem ver no futuro. A medida em que eles respondiam, eu falava sobre os quadros do Segall, o quanto Segall era apegado aos quadros que pintava e que, o Segall também tinha
o desejo de que as pessoas cuidassem daquelas pinturas para que elas pudessem ser vistas pelo maior número de pessoas possível. Quando chegamos ao espaço expositivo, eu relatei um pouco sobre a vida do artista e, quando terminei, pedi que eles se dividissem e trios e elegessem um quadro cada trio para que, a partir da escolha deles, a medicação ocorresse. Os trios transitaram pelo espaço e depois de escolherem os quadros, iniciamos as mediações. O trio do Riquelme quis ser o primeiro. Chamei as outras crianças e pedi que todos sentassem junto comigo no chão, virados em direção ao quadro. A obra escolhida era “Mãe Negra”, quadro que Lasar Segall pinta quando chega ao Brasil na década de 1920. Grande parte dos integrantes da equipe educativa, inclusive eu, já haviam, em determinado momento, feito críticas pesarosas sobre a maneira como os quadros do segundo segmento tinham sido dispostos ali. Essa obra, especificamente e “ Jovens negras num lugarejo”, eram quadros bastante polêmicos e alvo de diversas críticas, principalmente relacionadas a maneira como a figura dessas mulheres eram representadas. Um traço naturalista, talvez, olhares pouco expressivos quase como se as figuras representas não tivessem identidade. Pouquíssima cor, uma paleta “nude” e muita rigorosidade na demarcação dos fenótipos das pessoas representadas ali, trazendo um ar minucioso como uma descrição. Confesso que, Num primeiro momento, a escolha me surpreendeu. Geralmente, os meninos escolhiam o “Guerra” por ser uma obra que chama tanta atenção por sua dimensão gigantesca e pelo tema que, por influência dos games e dos desenhos animados, os garotos tinham mais familiaridade: - Falem aí, meninos. Porquê vocês escolheram esse quadro? - Por causa do racismo, tia. - Mas como assim, racismo? - Porque a “muié” é negra e tá com o bebê na favela e um monte de gente maltrata quem é negro e quem mora na favela e isso não pode. - Humm... E por que não pode? - Porque todo mundo é igual, tia! - E a gente tem que respeitar que tem gente com a pele mais clara, mais escura e que todo mundo pode ser amigo igual! Nessa hora, a professora participou pedindo que todos nós estendêssemos os braços um do lado do outro e, num ato brilhante como docente, ela disse: - Todo mundo aqui é da mesma cor? - NAAAÃO! A maior parte do grupo era composto por crianças negras, inclusive os próprios garotos que escolheram o quadro “Mãe Negra” para mediação, então a professora continuou: - Mas todo mundo aqui tem o direito de ser respeitado do mesmo jeito, não tem?
- SIM! - E porque nós devemos ser respeitados do mesmo jeito? A maior parte dos alunos (e eu também), respondemos “por que nós éramos todos iguais”. Nesse momento, o meu parceiro Riquelme, sentado ao meu lado se manifesta e diz: - Não, tia! A gente não tem que ser respeitado porque é todo mundo igual... Eu, um tanto intrigada, questionei: - Não, Riquelme? Porquê, não? - Nóis tem que ser respeitado, porque todo mundo é diferente... Os meus olhos encheram de lágrimas. No entanto eu precisava manter a compostura visto que, éramos eu, a imensurável sabedoria do Riquelme, mais a professora e todas as outras crianças ali, diante da Mãe Negra, das Jovens negras, dos Mulatos, da Zulmira, do Morro Vermelho e de toda a individualidade daquele segmento que, de acordo com o próprio Riquelme, deviam ter suas diferenças e especificidades respeitadas sim, porque isso era direito deles. Não só das obras ou de todas as pessoas negras que modelaram para o Segall e para tantos outros modernistas, mas para elxs, aquelas crianças da EMEI da ZL que diziam: pessoas negras tem o direito de serem respeitadas, “NÓS temos o direito de sermos respeitados”. Depois disso, tudo foi festa. Os outros quadros mediados, a cara de choro do menino do quadro “Mulato I” que, segundo as crianças tinha levado uma bronca da mãe e por isso estava triste, as florestas de Segall que as crianças não acreditavam que aqueles rabiscos no caderninho tinham se transformado em todos aqueles troncos de árvore, sem contar o elevador que, inclusive, duas meninas nunca tinham andado e, o Gran Finale, o espelho d’agua. Ah! O Espelho d’agua... Você já se perguntou porque criança gosta tanto de água? Aliás...se você pudesse descrever o alívio de molhar o corpo num dia de calor, como você descreveria? E se você fosse uma criança, num passeio com a escola, no SESC, num dia de calor e te levam para conhecer um negócio que chamam de “Espelho d’água” que na verdade é muito parecido com uma piscina de criança, como você descreveria? As crianças não tinham levado roupa de banho, mas isso não foi impedimento para que o passeio delas terminassem com a chave de ouro que eles de fato mereciam. No final da visita, ainda em tempo hábil, eu levei todos novamente ao terceiro andar que é denominado “Espaço de Convivência” para que pudessem secar no sol, então com Riquelme sentadinho do meu lado com um sorrisão no rosto, eu perguntei: - E aí, Riquelme? O passeio foi legal? - Não tia... - Não foi legal? - Não, tia. O passeio não foi legal, foi perfeito.
Seja o Outro O que fazer quando você é responsável, para mediar algo para um público que não é o que você está acostumado a atender? Que tipo de público seria esse? Grupo acessíveis! Antes de entrarmos em detalhe com o contexto, precisamos entender o que são Grupo Acessíveis? Grupo Acessíveis são grupos com pessoas que são deficientes visuais, pessoas surdas ou pessoas com deficiência mental, também se enquadram cadeirantes ou pessoas de mais idade, entre outras ramificações! Agora que sabemos quem é o nosso público sabemos que o desafio do mediador, é conseguir mediar a todo tipo de pessoa, mas estamos no lugar cômodo de mediação, onde nosso público sempre são grupos de pessoas que escutam, que enxergam ou até mesmo que não precisam de ajuda na locomoção, porém o que fazer quando exige de nós “Acessibilidade”? O primeiro passo sempre é ficar assustado e pensar eu não consigo! Não isso não pode tomar conta de nós, sim é assustador estar numa responsabilidade e ela ser posta à prova! Isso acontece porque sempre se sentimos inseguro, quando algo é diferente de nós, quando a possibilidade de falharmos, é para isso que precisamos rever nosso método, mas não somente para aquele padrão de público que você é acostumado a atender, e sim para aquele que você não está! A dificuldade aumenta quando você não está em um ambiente que te da alternativas e meios que sejam de ajuda para sua mediação para com esse público, esse foi o caso da exposição Lasar Segall: Ensaio sobre a cor, e o que fazer? Eu me perguntei diversas vezes isso, como se aperta um parafuso sem a chave? Porém a resposta era mais simples do que parece. Imagine você é convidado para uma festa onde você não conhece ninguém! Onde todas as pessoas que vão estar lá nem se quer sabe quem é você, onde você é visto como “diferente”, você ao ir a essa festa logo quando chegar você gostaria que as pessoas desse lugar tratassem você como diferente? Ou alguém olhasse para você com cara de dó por ser o único que não conhece alguém? Claro isso não seria confortável! E como você gostaria que fosse tratado como igual, como todos são tratados, não a nenhuma dificuldade nisso! Porém isso só é possível quando você se coloca no lugar do outro! Mediar é exatamente isso, você deve se colocar no lugar do outro, seja o outro! Me perguntei diversas vezes na exposição Lasar Segall: Ensaio sobre a cor se as pessoas estavam confortáveis, se as pessoas preferiam que eu a abordasse quando elas chegassem, ou se eu esperasse elas virem até a mim se houvesse necessidade, mas isso não se dava a somente a grupo de pessoas espontâneas também se dava a grupo de escola, e foi então onde tive minha primeira experiência com acessibilidade na exposição.
Seguimos o roteiro como de costume, aguardamos a chegada da escola, normalmente isso é uma rotina para nós educadores, porém nesse dia ao estar aconteceu algo que não aconteceu desde então, a chegada do grupo ocorreu e a separação para os educadores darem iniciou na visita também, porém ao tomar meu grupo ao meu lado fui avisado a professora que havia uma garota que ela tinha uma leve deficiência mental, de primeiro momento qual foi o meu pensamento? Eu não vou consegui, E realmente posso afirmar é assustador achar que você não consegue algo que está por sua responsabilidade, e nesse momento eu só queria continuar a visita enquanto fazia um grande monologo em minha cabeça do que fazer agora. Na entrada da exposição como de costume nós apresentamos eu com o grupo e o grupo a mim, porém foi onde tive meu primeiro problema depois da apresentação, eu iria começar a visita e como já sabia que meu grupo necessitava de acessibilidade, o que eu fiz? Foi a iniciar a visita de um modo mais simples, e eu sempre perguntava se a garota que a professora havia comentado a mim, estava entendendo ou estava muito complicado, e então esse foi o primeiro erro para eu entender realmente o que é uma visita com acessibilidade, nos primeiros 10 minutos de visita a garota ela simplesmente deixou o grupo e não estava confortável e foi onde eu notei, que na verdade ela não era um convidado que não era de casa, Ela é uma pessoa e ela tem sentimentos e necessidade como todos, e então eu notei que eu não precisava me virar em três por que havia alguém diferente de mim, mas eu precisava me colocar no lugar do outro! Eu precisava ser aquela garota! E assim pensar como gostaria de ser recebido, gostaria ter tratamento especial? Essas perguntas essa reflexão de me colocar no lugar do outro me fez realmente a entender o que é “Acessibilidade”, eu mudei minha atitude e levei o grupo como sempre levo ciente que havia alguém no meu grupo que necessitava de uma visita acessível, mas necessitava mais ainda de ser igual! De ser tratada como todos são tratados, no final da visita eu até mesmo recebi um agradecimento dessa garota, o que me mostrou a necessidade de se pôr no lugar do outro, como o exemplo dado anteriormente a festa é bem mais legal quando você enturma as pessoas nela, a mediação do mesmo modo ela é melhor quando todos são encarados horizontalmente. Com todas essas reflexões durante as mediações na exposição Lasar Segall: Ensaio sobre a cor, eu consegui entender melhor duas coisas: O que é um mediador? E o que é acessibilidade? Durante ela, percebemos que o mediador ele está pronto a mediar a qualquer tipo de público, até mesmo quando não há público, e tudo isso exige desafios que precisam ser encarados.
E uma das grande experiência foi entender a acessibilidade, a palavra “acessibilidade” significa aquilo que é atingível, que tem acesso fácil, mas não quer dizer que porque o acesso tem que ser fácil que você deve ter piedade ou dó, não acessibilidade ela é nada menos que ser o outro, nós produzimos acessibilidade sempre quando nós importamos em fazer uma mediação que todos que estão se sintam bem e possam ser mediados, isso é acessibilidade, por mais que as vezes possamos sentir medo ou inseguros, pense que quem está a ser mediado também tem seus medos e suas insegurança, pode ser que nem sempre tenhamos as ferramentas em nossas mãos, mas temos uma certeza que sempre vamos poder se colocar no lugar do outro, e essa é a chave para conseguir entender o grande privilégio de mediar com acessibilidade.
INTRODUÇÃO O trabalho como mediador cultural me atraiu desde o início de minha graduação, pela possibilidade de poder atuar em educação sem a rigidez dos espaços formais, como a escola, e suas dificuldades vinculadas à problemas de cunho estrutural e socioeconômico em nosso país. Como bacharelando em História, me encantava a possibilidade de ganhar a vida através de trocas intelectuais. Concretizando esse objetivo, tive duas oportunidades consecutivas no Sesc 24 de Maio, nas exposições Jamaica Jamaica e Lasar Segall: ensaio sobre cor, entre fevereiro de 2018 e março de 2019. Sendo duas exposições de conteúdos muito diferentes, quero aqui refletir sobre essas diferenças no que tange a sua relação com os públicos e as práticas de mediação vinculadas aos mesmos.
JAMAICA JAMAICA Meu encanto foi de certa forma frustrado na primeira experiência. Atuando no Educativo da exposição Jamaica Jamaica, recebendo na maior parte das vezes visitantes do ensino fundamental da rede pública, fui confrontado pelas dificuldades que levianamente presumi que não teria nesse espaço. Uma dificuldade que me foi bem impactante, foi a falta de conteúdo formal por parte desses estudantes. Jovens do sexto, sétimo ano com quase nenhuma familiaridade com fatos históricos centrais de nossa formação, como a colonização e a escravidão por exemplo, nem conhecimentos relativos às geografias. Entendo que tal afirmação soe contraditória em relação a minha motivação inicial, e em algum lugar ela possa ser de fato, mas é igualmente verdadeiro que senti falta desses conteúdos para elaborar com o grupo alguma reflexão sobre o país caribenho cuja história e localização eram quase que completamente desconhecidas. Ainda considerando os grupos não escolares, era necessário lidar com graus variados de formação, faixa etária e familiaridade com espaços expositivos, o que terminava por exigir de mim o uso de um momento inicial de conversa, de acolhimento, a cada encontro, para tentar mapear o nível de familiaridade entre visitantes e o espaço expositivo, ou mais especificamente sobre certos conteúdos que eles encontrariam ali. Tal dinâmica, bem como a popularidade do tema em torno das estéticas jamaicanas (negras/periféricas), sua música, a influência da religião cristã, a conexão cultural e estética com a África promovida pelo rastafarianismo, facilitaram a elaboração de reflexões com os grupos. A expografia, multimídia e com muitas formas de interação manual, proporcionava uma grande atração aos respectivos conteúdos. Ao longo do trabalho houve uma transformação de um formato mais rígido e conteudista, com o qual eu contraditoriamente concebia o trabalho como mediador, para algo mais aberto. Abrindo um processo de compreensão dessa dinâmica de transmissão de conteúdo, e as diferenças nos formatos ligadas à figura do professor, educador, guia, mediador, e pensando na autonomia do visitante para escolha de um ou mais formatos, ou nenhum destes. Sem que tivesse esse conhecimento formalizado, eu me aproximava do conceito de compartilhamento de sensibilidades proposto pelo filósofo francês Jacques Rancière (A partilha do sensível: estética e política). Os resultados me foram muito satisfatórios. LASAR SEGALL
A presente experiência, Lasar Segall: ensaio sobre cor, trouxe novos desafios. Um tema que eu via a princípio como sisudo, referente a um artista plástico consagrado, cujas obras remetem a questões relativas à miserabilidade da existência, numa exposição formada na sua totalidade por obras pictóricas, ou seja, sem qualquer possibilidade de interação que não visual. Além de uma expografia mais silenciosa, com suas paredes brancas que lembrava uma galeria de arte. Tal composição parecia convidar à uma meditação contemplativa apenas das obras. Já durante a primeira visita, pude observar que o espaço saturava os grupos visitantes muito rapidamente. Eram grupos um tanto mais jovens dos que recebia na Jamaica Jamaica, entre nove e onze anos. Seus corpos num estado brincante feriam a dinâmica subentendida daquele espaço. Procurei contornar essa dificuldade investindo no acolhimento. Este foi bastante ampliado, com cerca de 30, 40 minutos ou mais. Nestes procurava fazer um mapeamento de seu repertório e expectativas por meio de uma conversa em roda, com algumas perguntas chave: “De onde vocês vieram? ”, “Demorou muito? ”, “O que vieram fazendo no caminho? ”, “Sabem o que vieram fazer aqui? ”. Muitas vezes me parecia não haver qualquer expectativa da parte deles em relação ao espaço expositivo, muito mais com o lanche e a piscina. Outras vezes ela aparecia como: “ver arte”, “ver pintura”, “coisa velha”... Em resposta, eu procurava introduzir questões sobre cultura, arte, linguagem, sociabilidade e lazer por meio de um debate mediado, buscando estabelecer uma compreensão razoável sobre a função de um espaço expositivo como aquele. Questões sobre identificação, identidade, território e pertencimento também entravam nesse bojo. Se tratando muitas vezes de jovens periféricos, era interessante explorar essas demarcações virtuais da cidade (estéticas, culturais, socioeconômicas), bem como suas intersecções. Sentia que isso os deixava mais à vontade, lhes dava confiança para participar da mediação e abria possibilidade para estabelecer conexões com o espaço, eventualmente a identificação. Era um risco que nessa chave, o conteúdo da exposição, o olhar de Lasar Segall, perdesse o protagonismo, com a mediação sendo ampliada para toda a experiência daquela turma em sair da escola, vir para o centro da cidade, conhecer uma unidade do Sesc e um espaço expositivo de artes plásticas. Porém, muitas vezes o conteúdo de Segall passava a ser olhado dentro de toda essa dinâmica de estímulos. Nesse âmbito, também ganhava importância circular pelo prédio, falar sobre sua história, sua arquitetura, as pessoas que circulam ali, procurando saber que tipo de relação eles estavam estabelecendo com aquele espaço, se era um espaço convidativo para eles ou não, e o porquê. Sobre o conteúdo expositivo, ainda no acolhimento, eu procurava introduzir uma conversa sobre registro, suas diversas modalidades e funções, para então chegar na questão acerca do registro/expressão de subjetividades. Era corriqueira a atividade, a título de ilustração, em que eu propunha que eles imaginassem um atropelamento, bem como as formas de registro do mesmo. Partindo posteriormente do desenho como uma dessas modalidades, conduzia o debate para formas de registro de subjetividades: a dor do acidente, a gravidade, o luto, a tristeza, a revolta, etc. A partir daí eu partia para o assunto Segall. Sobre sua biografia, explorava na conversa as diferenças entre a Rússia (nacionalidade de Segall) e o Brasil; clima, paisagem, natureza, população... O frio era uma das poucas informações que tinham sobre a Rússia, me permitindo trabalhar a relação entre frio e
luminosidade e o quanto isso podia influenciar nas relações interpessoais, procurando estabelecer possibilidades em relação a escolha do Brasil como pátria por Segall. Por fim, os convidava a participar do processo de curadoria e mediação. Eles eram divididos em grupos e escolhiam cartas aleatórias que os solicitavam a escolher em conjunto a obra de Segall que eles achassem a mais feia, a mais estranha, a mais bonita, a que eles levariam para casa, etc. Nesse processo eles tinham que percorrer todo o acervo de forma atenta e conversar sobre as mesmas com os integrantes do grupo para chegarem num consenso, finalmente defender sua escolha perante seus demais colegas. Presumo que essa prática canalizava a energia de seus corpos brincantes, bem como sua atenção, ao fim proporcionando a já mencionada sociabilidade por meio de objetos de arte, uma das funções da mesma que havia sido introduzida por mim e debatida no acolhimento.
Registros do abandono: Sobre o processo de criação do educador. Este material pretende-se como um registro do que poderia ter sido. Algo como a memória do que quase existiu. Isso por que o abandono faz parte do processo e tudo que é, contêm aquilo que não foi. Segue então, o rascunho, os vestígios e as algumas memórias
Formação: Ideias que as vezes morrem no papel
Perguntas nunca feitas:
LaboratĂłrio de visitas que nĂŁo aconteceram:
Materiais de apoio projetados:
Pesquisas interrompidas:
Propostas não feitas por: Amanda Suterio Andreia Bezerra Flávia Santos Felipe Mamone Júlia Xavier Lucas Oliveira Paulo Henrique Marcondes Vanessa Nascimento
A “História” oficial (com H maiúsculo para destacar a virilidade de certos sujeitos) presente nos discursos vigentes, geralmente é contada pelo lado do vencedor. E em certa medida, também é o que acontece quando vamos relatar experiências educativas/de mediação. Não que seja o mesmo peso, mas talvez tenha sido internalizado. Devemos exaltar nossos acertos, alcançar a perfeição, dar o nosso melhor, competir entre si, para então, quem sabe, descansar a cabeça em paz na hora de dormir. Acontece que sou um ser errante, que tropeça, tem obstáculos na vida e estruturas maiores do que eu possa enxergar. Franz Fanon em seu livro “Peles Negras, Máscaras Brancas”, diz que: Cheguei ao mundo pretendendo descobrir um sentido nas coisas, minha alma cheia do desejo de estar na origem do mundo, e eis que me descubro objeto em meio a outros objetos[...]Peço que me considerem a partir do meu Desejo. Eu não sou apenas aqui-agora, enclausurado na minha coisidade. Sou para além e para outra coisa. Exijo que levem em consideração minha atividade negadora, na medida em que persigo algo além da vida imediata; na medida em que luto pelo nascimento de um mundo humano, isto é, um mundo de reconhecimentos recíprocos.
Eu sou real. Feita de carne e osso, como todo mundo, com capacidades intelectuais como qualquer outro ser humano. Apesar de alguns lugares e pessoas me verem como um objeto, quero mostrar que sou muito mais profunda e complexa que o lado externo possa aparentar. Não sou a imagem que a “História” traz em seus livros didáticos, mas seguindo os meus desejos, quero dizer como sou, além de uma imagem e de uma “coisidade”. Para aqueles que não me conhecem, me chamo Flávia. Amo escutar música, gosto de comer doces, odeio salada de tomate, tenho a tendência de as vezes cantar em momentos inoportunos, as vezes minha cara reflete o que eu to sentindo, e tendo a achar isso bem negativo. Sou bem contraditória, não que isso seja ruim, pois faz parte da vida. Em certo momento acreditei que falar sobre “sentimentos” ou “pensamentos” fosse uma perda de tempo e que não valia a pena. O que chega a ser meio irônico e engraçado já que é o que eu estou me propondo a fazer neste momento. Sou uma “educadora em formação” (sempre achei que falar que sou uma Educadora não cabia a mim, pois tenho grande respeito pela profissão e acho uma palavra de muito peso, ainda não consigo me identificar plenamente como tal – quem sabe no futuro). Isto colocado,
tive várias experiências no educativo da exposição “Lasar Segall: Ensaio sobre a cor”, feita no SESC 24 de maio. Umas que me fizeram sentir grande como uma muralha e outras pequenininha, feito uma formiga. E estou aqui para falar dessa sensação de formiguinha. Não quero com esse texto, que quem estiver lendo ache que eu vou falar somente de sofrimentos, de tristezas, de angústias, mas sim de quando as coisas dão errado e o que fazer depois. Eu, junto ao meu colega de trabalho chamado Ivan, fizemos uma oficina chamada “Autorretratos poéticos”, com a intencionalidade que os participantes fizessem autorretratos em linguagem diferentes das “tradicionais” e que refletissem sobre si mesmos, em diálogo ao artista Lasar Segall, que utilizava muito desse recurso. Falar sobre si é um lugar que pode trazer conforto ou angústia, amor ou ódio, dúvidas e certezas. Constantemente somos bombardeados com coisas do que deveríamos fazer, escrever ou falar devido ao nosso gênero, classe, raça ou orientação do desejo, como nos portar, quem nós somos. Mas é possível refletir sem esses ruídos? Como se revelar a mais que essas amarras? Como analisar o que somos e fazer escolhas artísticas para colocar isso em um projeto, seja um poema, um desenho ou uma colagem? Era essa a reflexão que queríamos, e o desafio da oficina. Aconteceu o primeiro dia – uma experiência incrível, diga-se de passagem (mas como o intuito desse texto não é para falar sobre “coisas que deram certo”, deixo para a sua imaginação). Veio o segundo dia de oficina e junto com ele pensamentos de: “será que vem pessoas? ”, “tomara que seja tão legal quanto a anterior”, “espero não falar nenhuma besteira”, “tomara que a proposta fique bacana e bem amarrada” “Elas vão gostar da experiência?” e o pior: e se der tudo errado? E já digo de antemão: deu tudo errado (ou pelo menos foi como eu me senti naquela hora). O terceiro dia foi obtido resultados diferentes daqueles esperados, o que foi uma surpresa muito positiva para nós, mas irei focar no relato da segunda experiência. A oficina começava as 14hrs. Faltavam só 5 minutos para iniciar, e somente 2 pessoas estavam no espaço educativo, uma colega de trabalho e o Manoel2. A mesa estava toda preparada com os mais diversos materiais, que ia de papel celofane a linha de costura. Eu e o Ivan tínhamos em mente que mesmo viesse somente 1 pessoa, daríamos a oficina. Quando deu 2 horas avisamos aqueles que 2
Nome fictício
estavam esperando que iriamos dar mais uns 5 minutos, só para ver se chegava mais alguém. Não sei explicar o porquê, mas havia uma tensão no ar. E o senhor estava com um olhar meio suspeito, julgador e até um pouco ameaçador. Ela consistia em 3 etapas. Primeiramente queríamos que as pessoas falassem sobre si mesmas. Mas não de uma maneira convencional, onde geralmente vem coisas como idade, o que estuda, onde trabalha etc, e sim com duas questões básicas: o que te motiva diariamente e alimenta o seu espírito, e o que é autorretrato para elas. A segunda parte era produzir dois autorretratos, mas em tempos diferentes e maneiras diferentes. Foram dados na primeira ordem de 10 a 15 minutos para que os indivíduos fizessem o autorretrato na linguagem que eles quisessem, podia ser desenho, colagem, poesia, textos, dobraduras, entre outras coisas. Entre uma produção e outra, os participantes deveriam se olhar no espelho ou celular por um tempo x, para então partirem para segunda produção, onde o tempo era menor e propositalmente deveria ser feito um autorretrato com a linguagem diferente daquela produzida pela primeira vez. Foi dado trinta minutos na última fase e nesse tempo tinha que ser feito uma última produção, mas obrigatoriamente deveria ser utilizado pelo menos 1 autorretrato e ter colagens. A princípio, ficamos preocupados pois era uma oficina bem silenciosa, mas entendemos que era necessário já que havia uma autorreflexão. Antes da oficina final, foi feito um laboratório com os educadores e educadoras, com a proposta de analisar e discutir o nosso projeto, e vimos que foi bem aceita e com apontamentos contundentes. No primeiro e no terceiro dia de oficina, deu certo também (talvez o conceito de “dar certo” seja problemático, mas vamos deixa-lo assim por enquanto). No segundo dia, quando fazíamos os enunciados, nada acontecia. Manoel na hora de falar de si mesmo, comentou sobre seu trabalho e sua idade, mesmo sendo o oposto daquilo proposto. Na hora de fazer os autorretratos, não havia motivação e interesse, e ele sempre era o primeiro a terminar, não utilizando todo o tempo, produzindo as mesmas coisas em cada fase, possuindo uma expressão de deboche na cara. Ao finalizar a oficina, o que sentimos foi uma grande perda de energia ao longo do processo, um deboche e um mix de sensações que não dá para explicar em palavras. Ou seja, todas as proposições que fizemos não foram realizadas.
O que fazer quando isso acontece? Quando não há interesse, motivação, conexão e público? Apesar de não ter uma resposta fixa e teoricamente formulada, e mesmo ficando confusa e chateada após o ocorrido, deixo registrado: coisas assim acontecem. Não que eu deva suprimir meus sentimentos, desejos e tristezas, mas necessário manter a mente aberta para a humanidade que existe em mim e nos outros. Por exemplo: as vezes o sujeito pode estar em um dia ruim, a mente está afastada por razões x, a prática proposta talvez não faça sentido naquele momento. Compartilhar com figuras de confiança e conhecimento as angústias e aflições é importante para que haja outra visão do ocorrido, um diálogo e acompanhamento. Saber que não fui a única que já passou por situações parecidas e que aprendemos com erros e acertos foi vital para processar o acontecido. Estando em uma exposição de arte, em um espaço educativo, tanto como educadora e como estagiárias, os desafios podem vir de maneiras diferentes. Não negar seus sentimentos ou diminui-los é essencial para a reflexão. A vida moderna nos cobra uma dureza e um aspecto “blasé”, o que eu não julgo afinal, muitas vezes é preciso para a nossa sobrevivência, por isso tudo bem se sentir as vezes como uma formiguinha, como citei no começo do texto. Mas o que é preciso é uma autorreflexão para encontrar autenticidade no que é feito, o que é importante, o que reverbera e principalmente no que faz sentido, para então estar preparado para o que vier depois. Algumas figuras podem questionar nossa legitimidade, nosso trabalho, o porquê de aquilo estar sendo feito, ao mesmo tempo que outras podem acolher, refletir, se inspirar e escutar. O importante é a seriedade, amor e respeito as coisas feitas e até mesmo das não feitas. Da mesma maneira que fazem uma leitura sobre a minha pessoa e minha subjetividade, não necessariamente correspondendo a realidade por n fatores, também pode ocorrer assim com as oficinas. Elas são pensadas, estruturadas, planejadas e colocadas em prática, mas uma parte pode sair “fora do planejado”, sem a dualidade de “boa e ruim” ou “bem e mal”, mas com as devidas complexidades e respeito que elas merecem. Pegar para si o que importa, das diversas experiências que temos, desde o trabalho em uma oficina, exposição ou em qualquer lugar que passamos, com suas dores e amores, para que assim nosso coração possa crescer entre o amor e o fogo, entre a vida e o fogo. Para todas e todos que seguiram a leitura no final, espero com o texto não colocar uma resposta
oficial e finalizada, mas que aja uma reflexão. Quero agradecer a colegas que ficaram ao meu lado nessa jornada, que sem vocês nada seria possível. Um abraço especial para o Ivan, colega que virou amigo, idealizador da oficina e que me convidou para essa incrível jornada com muitos sentimentos. Obrigada e até logo. VERBO SER Que vai ser quando crescer? Vivem perguntando em redor. Que é ser? É ter um corpo, um jeito, um nome? Tenho os três. E sou? Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito? Ou a gente só principia a ser quando cresce? É terrível, ser? Dói? É bom? É triste? Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas? Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R. Que vou ser quando crescer? Sou obrigado a? Posso escolher? Não dá para entender. Não vou ser. Vou crescer assim mesmo. Sem ser Esquecer.
Carlos Drummond de Andrade
Tami
Adriano
O estágio em uma exposição de arte como mediadora envolve diversas atividades desde o estudo sobre o que está sendo exposto, formas de mediação etc. até o atendimento ao público em visitas espontâneas ou agendadas, mas há uma atividade comum em espaços desse tipo que pode ser especialmente intrigante: o ato de “volantear”. O nome soa estranho à primeira vista, mas depois percebe-se que, senão o próprio nome, pelo menos o seu significado é muito comum em espaços expositivos, especialmente no que diz respeito ao trabalho com o público nesses lugares. O “volanteio”, que é a prática de a mediadora ficar principalmente em pé e andar pelo espaço a fim de ser acionada por um visitante caso este queira uma visita, conversar, tirar uma dúvida etc. é visto como uma forma de a mediadora se apresentar disponível ao público e manifestar a disposição de seu corpo à comunicação e à sociabilidade com as pessoas que adentram aquele espaço como visitantes da exposição. Essa postura de corpo (por parte da equipe educativa), a de se mostrar em pé e andando pelo espaço expositivo, é colocada em diversas exposições e instituições como uma das formas primordiais de fazer o público se sentir confortável e convidado a acessar o espaço da exposição e, caso queira, a conversar com uma mediadora. Desse modo, é quase inevitável formular a pergunta: porque o corpo em pé e andando é visto como o “corpo aberto” e disponível para o contato com o visitante? Mas essa pergunta, ao mesmo tempo em que é necessária, não esgota os questionamentos sobre as relações feitas entre o corpo da mediadora e os corpos dos visitantes em uma exposição de arte; além desta, outra pergunta também é de extrema importância: o “ficar em pé e andar pelo espaço” é realmente a melhor forma de fazer isso? No que diz respeito à primeira pergunta, não vale tanto, aqui, tentar respondê-la minuciosamente, mas sim resgatar algumas experiências das mediadoras e mediadores da exposição em questão para explorar os significados e resultados práticos dessa ação tão requerida das mediadoras em algumas instituições. O ato, por parte da mediadora, de “volantear” – andar pelo espaço da exposição talvez por um período de tempo considerável – pode resultar em alguns momentos de tédio, ócio (o que pode ser produtivo, uma vez que pode abrir portas para a criação), muito provavelmente cansaço, fisicamente mesmo falando, alguns momentos de compartilhamento com os colegas etc. De todos esses momentos, talvez o menos frequente seja o de contato com o visitante espontaneamente iniciado por este mesmo. Somando-se a isso, esses contatos geralmente têm por objeto uma pergunta pontual (em ordem de frequência livremente calculada a partir da experiência): pode tirar foto? não pode suar flash? essa exposição tem catálogo? a exposição fica até quando? hoje tem visita? A maioria dessas perguntas tem por fim apenas a sua resposta, e não estabelecer um contato vívido com a mediadora e então dialogar sobre a exposição e suas possibilidades (dentre as
perguntas citadas, a única que foge a essa classificação é a última, a partir da qual mediadora e visitante provavelmente se põem a olhar para as obras e visitar a exposição juntos). Na maioria delas, o público aciona a equipe educativa (e a equipe educativa ao público) por uma chave de educação patrimonial (“Pode tirar foto?”, “Licença, não pode ultrapassar essa faixa”) e de formação de público. A pessoa que visita a exposição não precisa querer um “contato vívido” com a equipe educativa nem esta, por sua vez, precisa se lançar ao público a todo momento. O trabalho de “volanteio”, no entanto, pode se mostrar um pouco descompassado se se quer aproveitar e multiplicar as possibilidades dos contatos entre a equipe educativa e os visitantes, especialmente se a intenção é trabalhar as obras e as experiências do público com elas. Modos de contato e sociabilidade outros podem ser criados (e a criação é parte importante do trabalho da mediadora) para que haja uma multiplicação dos modos de estar em uma exposição, tanto por parte da equipe educativa quanto dos visitantes (o que poderia inclusive multiplicar os visitantes), e uma ampliação do horizonte possível dos contatos entre uns e outros e seu conteúdo. A equipe educativa da exposição Lasar Segall: ensaio sobre a cor experienciou majoritariamente o volanteio como forma de estar no espaço. Considerando que a expografia (a organização do espaço da exposição) foi concebida tendo como base uma cidade, pode-se dizer que as mediadoras e mediadores, quase sempre em pé e andando, assemelhavam-se a passantes e pedestres nessa cidade, possivelmente preocupados com compromissos, com não se atrasar, parecendo ensimesmados e apressados. Se a expografia propõe uma cidade, e ela tem ruas, uma praça e bancos de praça, poder-se-ia ter deixado o volanteio em segundo plano e experimentado a ocupação da praça pública, pelas mediadoras e pelos visitantes, para manifestar uma sociabilidade mais afeita às conversas e menos às perguntas apressadas no meio da rua entre uma faixa de pedestre e outra.
Adriano Andreia Tami
Adriano
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