POESIA E NATUREZA

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QUE MUNDO SENÃO ESTE?

APANHADOR DE PIRILAMPOS (…)

Já nos lagos as nuvens

A poluição dos escapes

Não se reflectem, não.

Os herbicidas

E pela mão dos barcos Navegam os silêncios

Foram--vos empurrando Foram

Que um dia a porto firme

Para fora

Nem sequer chegarão.

Do pinheiro Manso O ar que respiramos Será de falta de ar?

Antiga minha luz

Quem nos espreita do alto, alto,

Particular

Pelo buraco feito

Em noites doces

Na camada de ozono?

Procuro--vos Procuro

É o perigo que espreita

E nada encontro

Num mundo ao abandono.

Senão lixo Que mundo senão este

Entre as folhas

Deixaremos um dia Para oferecer a quem

Fazeis--me Fazeis

Depois de nós vier?

Tanta falta

Que mundo senão este

Neste mundo escuro

- não me podem dizer?

Fernando Assis Pacheco

Maria Alberta Meneres


CERTEZA

A PALAVRA Sereno, o parque espera. Falo Falo da natureza.

Mostra os braços cortados.

E nas minhas palavras vou sentindo

E sonha a Primavera

A dureza das pedras,

Com seus olhos gelados.

A frescura das fontes, O perfume das flores.

É um mundo que há-de vir

Digo, e tenho na voz

Naquela fé dormente;

O mistério das coisas nomeadas.

Um sonho que há-de abrir

Nem preciso de as ver.

Em ninhos e semente.

Tanto as olhei, olhei, Interroguei,

Basta que um novo sol

Analisei

Desça do velho céu,

E referi, outrora,

E diga ao rouxinol

Que nos nos próprios sinais com que as marquei

Que a vida não morreu.

As reconheço agora.

Miguel Torga

Miguel Torga


PERDÃO

PASTORAL Não há, não, Duas folhas iguais em toda a criação.

Eis-nos mortas, pelo chão!

Ou nervura a menos, ou célula a mais, Não há, de certeza, duas folhas iguais.

E fomos belas, altas frondosas. E demos doces frutas saborosas

Limbo todas têm, Que é próprio das folhas; Pecíolo algumas; Bainha nem todas. Umas são fendidas, Crenadas, lobadas, Inteiras, partidas, Singelas, dobradas. Outras acerosas, Redondas, agudas, Macias, viscosas, Fibrosas, carnudas.

Que mataram a sede e foram pão. Em nós, cheias de enlevo e mansidão, Fizeram ninho as aves amorosas. Pelas sestas de Julho a arder, piedosas Fomos a sombra e a voz da solidão. Fomos o berço do homem, e o seu lume;

Nas formas presentes, Nos actos distantes, Mesmo semelhantes São sempre diferentes.

Demos-lhe bênçãos, cantos e perfume; Caixão, em nós descansa, até final. Demos a vida a quem nos tira a vida Mas só nos dói a ingratidão sofrida Dum mal inútil, - feito só por mal!

A. Correia de Oliveira

Umas vão e caem no charco cinzento, E lançam apelos nas ondas que fazem; Outras vão e jazem Sem mais movimento. Mas outras não jazem, Nem caem, nem gritam, Apenas volitam Nas dobras do vento. É dessas que eu sou.

António Gedeão


PLANTAR UMA FLORESTA FLORESTA

À ÁGUA

Quem planta uma floresta planta uma festa.

Ninguém ouve a canção, mas o ribeiro canta! Canta porque um alegre deus o acompanha! Quantos mais tombos, mais a voz levanta!

Planta a música e os ninhos, Faz saltar os coelhinhos.

Canta porque vem limpo da montanha!

Planta o verde vertical, Verte o verde, Vário verde vegetal.

Espelho do céu, é quanto quanto mais partido Que mais imagens tem da grande altura. E quebraquebra-se a cantar, enternecido

Planta o perfume Das seivas e flores, Solta borboletas de todas as cores.

De regar a paisagem de frescura. Água impoluta da nascente,

Planta abelhas, abelhas, planta pinhões E os piqueniques das excursões. (…) Planta um pião Na mão de uma criança: A floresta ri, rodopia e avança.

És a pura poesia Que se dá presente Às arestas da humana penedia…

Miguel Torga

Luísa Ducla Soares


POEMA DO POSTE COM FLORES AMARELAS

POESIA Vieram os operários, puseram o poste de ferro na berma do

Um dia juntei todas as palavras

passeio e foram-se para voltar noutro dia.

Que já aprendera e

O poste tinha sido pintado há pouco de verde

Busquei para elas novos sentidos,

e quando lhe batia o sol rutilava como as escamas dos dragões.

Novas maneiras de soar e de voar

Mesmo junto do poste, no passeio, havia uma árvore que dava

Até ao coração dos homens.

flores amarelas, e o vento fez cair algumas flores amarelas sobre

Censuraram--me por tê tê--lo feito Censuraram

o poste verde.

E houve até quem dissesse:

As pessoas que por ali passavam diziam «que chatice de poste»,

“As palavras são o que são

mas o poeta sorria para as flores amarelas.

E procurar para elas novos significados António Gedeão

É pura perda de tempo e ofensa aos deuses”. Eu não lhes dei ouvidos continuei E contin uei a escrever, aprendendo O sabor de casar a palavra “água” Com a palavra “vento” e a palavra “Corpo” com a palavra “terra” E a palavra “homem” com a palavra “sonho” “vida”.(…) E a palavra “natureza” com a palavra “vida”. José Jorge Letria


SONHO EU QUERO ESCREVER COISAS VERDES

eu quero escrever coisas verdes verdes comos as folhas desta floresta molhada verdes como os teus olhos que só a saudade deixa ver verde como a menina de uma trança só que soletra em português sa-po sa-po verdes como a cobra esguia que me surpreendeu naquela cubata sem outra história verdes como a manhã azul que acaba de nascer

Sonhei com lúcidos delírios A luz de um puro amanhecer Numa planícies onde crescem lírios

eu quero escrever coisas verdes

E há regatos cantantes a correr. Arlindo Barbeitos

Sophia de Mello Breyner Andresen


LIÇÃO

AMA AS ÁRVORES

Oiço todos os dias, De manhãzinha, Um bonito poema Cantado por um melro

Ouve, meu filho: - Cheio de carinho

Madrugador.

Ama as árvores, ama e, se puderes,

Um poema de amor

(E poderás: tu podes quanto queres!)

Singelo e desprendido

Vai-as plantando à beira do caminho.

Que me deixa no ouvido Envergonhado

Hoje uma, outra amanhã… devagarinho.

A lilição ção virginal

Serão em fruto e em flor quando cresceres,

Do natural, Que é sempre o mesmo e variado.

Façam os outros como tu fizeres, Aves de Abril que vão compondo o ninho. (…) António Correia de Oliveira

Miguel Torga


LIÇÃO SOBRE A ÁGUA ÁRVORES CONDENADAS Esta árvore deve ir abaixo, porque está velha. Esta árvore deve ir abaixo porque estorva. Esta árvore deve ir abaixo porque não deixa ver quem vai na rua. Verdade é que nem a árvore está velha, nem estorva, nem impede que se vejam as pessoas que se querem ver. Mas, é árvore… Deve morrer porque tem a pouca sorte de ser árvore.

Este líquido é água.

O homem antigo, se não amava as árvores, respeitava-as por instinto. Foi a maneira de nos legar algumas. O homem moderno põe em jogo uma espécie de inteligência para as destruir. Nem quer que tenham fisiologia. Não admite que levantem passeios, nem arremessem folhas aos telhados. Quer que sejam inertes como candeeiro. O homem actual deixará à

Quando pura É inodora, insípida e incolor. Reduzida a vapor, Sob tensão e alta temperatura, Move os êmbolos das máquinas que, por isso, Se denominam máquinas a vapor.

posteridade, em vez de árvores, pérgulas de cimento. Confunde urbanismo com desarborização. O urbanismo que pede verdura é

É um bom dissolvente.

entre nós sinónimo de secura. Ninguém urbaniza sem pôr raízes

Embora com excepções mas de um modo geral,

ao sol.

Dissolve tudo bem, ácidos, bases e sais. Em Portugal, só com poetas se pode contar para defender

árvores condenadas.

Congela a zero graus centesimais E ferve a cem, quando à pressão normal. (…)

João de Araújo Correia

António Gedeão


NA PRAIA DA AREIA BRANCA

Na praia da Areia Branca Os búzios não falam só do mar: - falam das pragas, dos clamores, Da fome dos pescadores E dos lenços tristes a acenar. Búzios da praia da da Areia Branca: - um dia, Haveis de falar

ÁRVORES DO ALENTEJO

Horas mortas? Curvada aos pés do Monte A planície é um brasido? e, torturadas, As árvores sangrentas, revoltadas, Gritam a Deus a bênção duma fonte! E quando, manhã alta, o sol posponte A oiro e giesta, a arder, pelas estradas, Esfíngicas, recortam desgrenhadas Os trágicos perfis no horizonte! Árvores! Corações, almas que choram, Almas iguais à minha, almas que imploram Em vão remédio para tanta mágoa! Árvores! Não choreis! Olhai e vede: - Também ando a gritar, morta de sede, pedindo a Deus a minha gota de água.

Unicamente do mar. mar Florbela Espanca

Sidónio Muralha


AS ÁRVORES

AS ÁRVORES E OS LIVROS

Eu espero, sim, que essas árvores cresçam. Adormeço com elas todas as noites,

embalado

pela

sua

sombra.

Lembro-as de memória, sobre a relva verde. Lembro as suas folhas, caindo de noite. Mesmo as que ainda não vi, eu espero que cresçam, que me esperem, que me abriguem nesse dia em que mais precisarei delas, ouvindo o ruído

As árvores como os livros têm folhas e margens lisas ou recortadas, e capas (isto é copas) e capítulos de flores e letras de oiro nas lombadas. E são histórias de reis, histórias de fadas, as mais fantásticas aventuras, que se podem ler nas suas páginas, no pecíolo, no limbo, nas nervuras. As florestas são imensas bibliotecas, e até há florestas especializadas, com faias, bétulas e um letreiro a dizer: «Floresta «Floresta das zonas temperadas». É evidente que não podes plantar no teu quarto, plátanos ou azinheiras. Para começar a construir uma biblioteca, basta um vaso de sardinheiras.

do mar não muito longe. Tenho, a cada minuto, saudades dessas árvores. Jorge Sousa Braga Francisco José Viegas


UMA FILA DE ÁRVORES

VIVAM APENAS

CAMINHA PELA MINHA RUA EM DIRECÇÃO DIRECÇÃO AO NORTE. As árvores caminham lentamente, com o rosto levantado, arrogantes ou tristes, com essa lentidão do equilibrista sobre um campo de minas. Pudessem ser amigos que fugiram da morte, pois a morte tem apego ao Sul. Pudessem ser uma fila de homens sem casa nem família com a convicção do soldado que avança para a derrota.

Vivam, apenas Sejam bons como o sol. Livres como o vento. Naturais como as fontes.

Imitem as árvores dos caminhos Mas são apenas árvores, altas, de folha perene, cujos passos impassíveis nunca perdem o ritmo, uma fila que o vento não dissolve nem extingue. Eu não quero saber que dor as sujeita, nem que mão imprudente as animou a crescer. Apenas as observo passar, dia após dia, passar desde a infância, desde o primeiro amor. Quereria perguntarperguntar-lhes os nomes, mas calocalo-me. Quereria que a noite chegasse e as cobrisse: Que inclinassem inclinassem apenas a cabeça ao morrer.

que dão flores e frutos sem complicações.

Mas não queiram convencer os cardos e transformar os espinhos em rosas e canções.

(…) José Gomes Ferreira

Jesus Urceloy


NATUREZA ENTRA PRIMAVERA

Ao abrir a janela, o perfume das flores entra sem pedir licença. A brisa suave, mas ainda gelada, Se confunde com o calor dos primeiros raios de sol Que revelam um novo dia. Não basta abrir a janela Para ver os campos e o rio. Não é bastante não ser cego Para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia filosofia nenhuma. Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.

Os pássaros cantam e anunciam que uma linda estação está chegando! As pessoas se sentem mais dispostas, A rotina parece, por instante, ter desaparecido! A estação mais doce do ano invade o coração: Pode entrar, primavera!!!

Há só cada um de nós, como uma cave. Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora; E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse, Que nunca é o que se vê quando se abre a janela. janela.

Alberto Caeiro

Carolina Teijeira


António Ramos Rosa

PLANTAR ESCREVER UM LIVRO, CRIAR UM FILHO, PLAN TAR UMA ÁRVORE

CADA ÁRVORE É UM SER PARA SER EM NÓS Escrevi um livro. Cada árvore é um ser para ser em nós

sonhá--lo Quantos anos a sonhá

Para ver uma árvore não basta vêvê-a

rascunhá--lo nas mesas dos cafés, A rascunhá

a árvore é uma lenta reverência

escrevê--lo nos intervalos do emprego, A escrevê

uma presença reminiscente

vivê--lo, A vivê

uma habitação perdida

sofrê--lo, A sofrê

e encontrada

Na província, nas cidades...!

À sombra de uma árvore

Criei um filho.

o tempo já não é o tempo

Tanta alegria no meu coração!

mas a magia de um instante que começa sem fim

Só ainda não plantei uma árvore.

a árvore apaziguaapazigua-nos com a sua atmosfera de folhas

protegê--lo? O frágil caule como protegê

e de sombras interiores

Como não deixar que os bicos

nós habitamos a árvore com a nossa respiração

Maculem as pequeninas folhas?

com a da árvore

árvore--menina? E como dialogar com uma árvore

com a árvore nós partilhamos o mundo com os deuses

Agora vai sendo tempo. Os anos já me pesam Amanhã vou plantar uma árvore. Saul Dias


FRUTOS

OS PÁSSAROS E AS ÁRVORES Os pássaros nascem na ponta das árvores

Pêssegos, Pêras, Laranjas,

As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros

Morangos, Cerejas, Figos,

Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores

Maçãs, Melão, Melancia,

As árvores começam onde as árvores acabam

Ó música dos meus sentidos,

Os pássaros fazem cantar as as árvores

Pura delícia da língua;

Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentammovimentam-se

DeixaiDeixai-me agora falar

Deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal

Do fruto que me fascina,

Como pássaros poisam as folhas na terra

Pelo sabor, pela cor,

Quando o Outono desce veladamente sobre os campos

Pelo aroma das sílabas:

Gostaria de dizer que os pássaros emanam emanam das árvores

Tangerina, Tangerina

Mas deixo essa forma de dizer ao romancista É complicado e não se dá bem na poesia Não foi ainda isolada da filosofia Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros Eugénio de Andrade

De quem é a mão a inúmera mão? Eu passo e mudamuda-sese-me o coração.

Rui Belo


A NATUREZA

Não há nada que supere, Que esteja ou que faça, Surpreenda, Nasça, Sem a força, intensidade e graça. Brilho incomum, Reflexo do sol, E da lua, Barulho e constância Caminho das águas.

A natureza é grande, exuberante e mística Na alma do poeta, Na mão do escritor, No sorriso da criança,

Rejuvenesce meu ser, Purifica minha alma, Liberta meu espírito, Mata a minha sede, Devolve a lucidez, Porque é o bembem-estar É o alívio da estrada.

No verde da mata, Na limpidez das águas. A natureza é grande, exuberante e mística, No pôrpôr-dodo-sol, Na aurora de um novo dia, Na variedade da fauna,

É este retorno ao que somos Lembrança das reacções químicas Que nos permitiram esta vida. É a natureza que se refaz a todo instante, Num propósito constante De existir.

Na crença do amor, Na harmonia do homem com o cosmos! cosmo

Heloísa Gehlen

Não há o que mais enterneça Este ser, que é humano, Em qualquer ideia, em qualquer plano, Desviar seu espírito e seu corpo, Do sentido cativo da água!

William Wollinger


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