ELEFANTE BU #54

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#54 abril de 2011


nº54 o feito daquele pessoal que surgiu na mesma época e que se aproveitaram de uma situação peculiar para aparecer. Algumas bandas já acabaram, outra seguiram a carreira sustentadas por um público fidelíssimo que conquistaram justo nesse período. Poucas realmente se tornaram grandes, mas não o bastante para ganhar rádios e desbancar alguns emos. De qualquer forma, o que mais chamou a atenção foi a qualidade e a diversidade dos trabalhos. Claro que não falei de todas. Há muitas outras bandas que poderia ter mencionado como Plastique Noir, Vanguart, Leela... ficaram essa por uma questão de afinidade maior porque são trabalhos que escuto com alguma freqüência até hoje. Essa edição também conta com as colaborações de pessoas muito bacanas. Rúbia Cunha reestreou como resenhista, Marcelo Mendes também retornou com crônicas e comentários sobre fatos que marcaram a cultura nacional recente, Rodrigo Daca veio com seus escritos de outro mundo. E teve o retorno de Pedro Wolff e de Cristiano Viteck. Pedro colaborou pela primeira vez com um conto de realismo fantástico. Dessa vez ele faz alguns questionamentos sobre o crime de Realengo. Você pode se perguntar que talvez o Elebu não seja lugar para tal assunto. Eu discordo. Cultura pop sempre estará em evidência, mas espaços para reflexão sempre terá o seu lugar no zine. Boa leitura!

Que sufoco! Quando estava próxima a concluir o zine, um piripaque aconteceu que o arquivo continuou a existir, ele era aberto, mas nada aparecia. Pânico. Mexe daqui e acolá para descobrir o problema. Até que o melhor seria pedir penico e fazer tudo de novo. Sorte que os textos estavam em Word (sempre estão) e as fotos salvas. Mas o capricho da primeira versão já tinha ido embora. Não podia mais gastar tempo com essa edição. Ela precisava ir para rua, pois há um projeto novinho para a próxima edição que precisa ser colocado em prática. Ainda bem que existe um “arquivo backup” que guarda o formato original do zine. Aí é acioná-lo, pedir para “salvar como” e começar tudo de novo. Dramas à parte, essa edição traz na capa uma das bandas mais sensacionais: Garotas Suecas. Eu ouvia falar no trabalho deles fazia um tempão, mas toda vez me vinha à cabeça a memória de uma apresentação que vi deles e detestei. Pensava: “como pode as pessoas falarem tão bem daquele lixo?” A impressão ruim foi substituída por uma belíssima surpresa quando um amigo disse que eu deveria baixar o disco no site oficial deles. Meio ressabiada, aceitei a sugestão e... pronto! Achei o disco sensacional, de ficar apaixonada pela banda e tudo mais. Daí procurei o pessoal para um dedo de prosa que resultou nessa matéria. E a edição também traz a matéria das bandas indies. Era algo que tinha vontade de fazer há muito tempo porque achava que deveria celebrar

créditos edição: Djenane Arraes

capa: foto divulgação da banda Garotas Suecas

textos: Djenane Arraes Rodrigo Daca Rúbia Cunha Marcelo Mendes Cristiano Viteck

Pedro Wolff


garotas suecas

nevilton

adele

cisne negro

samba

democraicia odara

agradecimentos: André Diniz Garotas Suecas Nevilton Demétrio Panarotto

contato: @elefantebu elefantebu@yahoo.com.br issuu.com/elefantebu elefantebu.tumblr.com

indie 2000-2005

15'39'’

a música e eu


garota

tropical O sexteto Garotas Suecas conquista a crĂ­tica nacional e estrangeira ao resgatar e evoluir dentro da influĂŞncia tropicalista por Djenane Arraes


É uma banda de seis pessoas de visual peculiar, meio retrô sem ser necessariamente chique. Mas nada desagradável. Você seria capaz de usar as roupas na rua numa boa, principalmente em shows, meio natural de tipos únicos. O nome da banda é Garotas Suecas, mas origem é São Paulo e menina mesmo só tem uma: Irina Bertolucci, que toca teclado e canta uma das músicas mais interessantes do disco: Sunday Night Blues. A faixa encerra o disco Escaldante Banda. Essa foi a primeira música em inglês do repertório das Garotas Suecas. Diz o seguinte: “Sunday night blues/ The fantastic show is on TV/ And i can't help it/ to sita round and Wonder how life could be”. De alguma forma, a música lembrou a versão de Baby em inglês que encerra Jardim Elétrico, dos Mutantes. Uma não tem nada a ver com a outra, mas as funções são as mesmas. Em detalhes assim é que se capta qual é a fonte em que a banda de São Paulo bebe a água. A qualidade deste líquido não poderia ser melhor. Tomaz Paoliello é o guitarrista. Ele disse que Sunday Night Blues, como o próprio nome sugere, nasceu um blues. “Mas aí a gente começou a discutir qual era o sentido em fazer um blues? Ele não teria nada diferente dos milhares de outros feitos nos Estados Unidos. Ia acrescentar nada. Daí fomos abrasileirando a música”. O resultado é uma batida no violão que lembra os melhores tempos de Jorge Ben Jor e dos tropicalistas com um uma percussão discreta e trombone. “A gente bebe de várias fontes: da tropicália, gostamos de Jorge Ben. Rita Lee provavelmente é a maior ídolo da banda. E o Tim Maia também. A gente tende a se filiar à música brasileira em geral”. Mas não é uma imitação. É uma evolução do samba pop tropicalista, movimento que, por si só, ainda é a coisa mais moderna em termos de pensamento da música que existe. Escaldante Banda recebeu críticas elogiosas pelo disco e pelo som erroneamente classificado de retrô tanto dos críticos nacionais quanto da imprensa estrangeira. “Inclusive saíram críticas positivas na Times, na Spin Magazine. A gente não tem do que reclamar”, disse Tomaz. A banda tem mesmo que estar satisfeita com os resultados do trabalho. É um disco e tanto: um dos mais interessantes lançados no ano passado. O som é cheio de molejo – agradeço por não confundir com o grupo de pagode ou axé e derivados –, muito estimulante, funky, dançante. Principalmente Mercado Roque Santeiro: “E pode ser que eu esteja errado/ mas se não tem no roque ainda não foi inventado”. A Garotas Suecas não chama atenção apenas pelo violão bem ritmado. As letras são espertíssimas e inteligentes. Não espere papo pseudo-cabeça de bicho-grilo. São histórias divertidas que, por vezes, narram coisas inusitadas, como em Olhos da Cara e Banho de Bucha. Mas há espaço para algum lirismo. Ela é

uma dessas canções de mensagens simples e som tranqüilo: “Ela me pediu para lhe escrever uma canção/ palavras simples sobre os acordes do meu violão”. As variações dos temas são muito bem conduzidas pelo vocalista Guilherme Saldanha. O timbre de voz que ele tem é perfeito para o tipo de som elaborado pela Garotas Suecas. Completam o sexteto Perdido (baixo), Nico Paoliello (bateria) e Sérgio Sayeng (guitarra). Só não se tem certeza se os adolescentes de hoje, bitolados no emo e derivados, vão entender alguma coisa. Garotas Suecas faz som para todos, mas no Brasil é pescado ainda por um público menor do que a banda merecia. “Nós estamos nos meios de comunicação e nossas músicas são tocadas. O lance é que o público é a outra metade do negócio. Tem melhorado muito. Fizemos turnês em São Paulo e no Sul”. As grandes viagens, por hora, estão reservadas para o exterior. É possível que o público estadunidense esteja mais familiarizado com o sexteto do que o próprio brasileiro. O mais interessante é que, no caso deles, nem idioma é barreira. “Lá nos Estados Unidos, que é onde nós temos uma experiência maior, o pessoal tem uma relação com a música cantada em português, seja por causa da bossa nova, seja por causa das bandas da época da tropicália, como os Mutantes. Eles têm essa familiaridade com o som do português. Todo mundo vem falar que o som da língua é lindo. Toda vez que a gente declarava que gostaria de cantar e compor mais em inglês, falavam: 'Não, imagina!'”. Os gringos estão rendidos à brasilidade. Falta agora os próprios brasileiros. Está aí a garotas Suecas para ajudar no processo.


uma banda

brasileira Texto e fotos por Cristiano Viteck Nos distantes anos 1980, Humberto Gessinger e sua banda Engenheiros do Havaí fizeram poesia sobre o drama que pode ser para um jovem viver afastado dos grandes centros urbanos, estando, portanto, distante das virtudes e pecados oferecidos pelas metrópoles. O reclame foi registrado na faixa Longe Demais das Capitais, sendo o sujeito longínquo a cidade de Porto Alegre. A música pode até fazer sentido, se pensarmos que a capital gaúcha, de certo modo, não tem aquela grandiosidade toda de uma São Paulo da vida. Mas, em todo o caso, os versos de Longe Demais das Capitais nunca serviram tão bem como para descrever a epopéia da banda Nevilton. Surgido em 2007, em pouco mais de três anos de atividade o grupo teve uma ascensão inimaginável para uma banda nascida em Umuarama, cidade localizada na região noroeste, interiorzão do Paraná. Com cerca de 100 mil habitantes, a cidade fica a cerca de 600 Km de Curitiba, tão distante da capital do estado que é muito mais fácil e rápido chegar ao Paraguai pela Ponte Ayrton Senna, na cidade de Guaíra, distante cerca de 150 Km. Sem qualquer tradição roqueira, Umuarama é regionalmente conhecida pelas suas festas de peões e de sertanejos universitários, tribos que têm muito mais a ver com a principal vocação econômica da cidade, a bovinocultura de corte. É desse cenário improvável que surgiu a principal revelação do rock nacional em 2010, que com apenas um EP com cinco músicas (Pressuposto, lançado em fevereiro do ano passado) recebeu elogios rasgados da crítica, conquistou lugar nos palcos dos principais festivais independentes do país e até mesmo foi escalada para abrir o show do Green Day em São Paulo. Como se não bastasse, teve coroada a trajetória do EP Pressuposto pela revista Rolling Stone, que elegeu o disquinho como o quarto melhor lançamento nacional de 2010 e a faixa O Morno, a segunda melhor música. Formado por Nevilton (voz e guitarra), Lobão (baixo e backing vocals) e Chapolla (bateria e backing vocals), o grupo está preparando as malas para mudar-se para São Paulo. Sem pressa, mas confiando no próprio taco, o Nevilton leva na bagagem um disco novo já gravado, esperando apenas a melhor hora/proposta para lançá-lo. E, quem sabe, cumprir a missão da banda que, segundo eles afirmam na entrevista a seguir, “é não deixar o samba morrer”.



Cristiano Viteck – Estava nos planos da banda ter uma ascensão tão rápida a partir do lançamento do EP Pressuposto? Nevilton – Todo o trabalho que a gente vai fazendo é sempre querendo cada vez mais repercussão e chegar mais longe. Mas, não tínhamos uma meta de ficar entre os melhores discos... O lance foi fazer com muito carinho para que se diferenciasse dos outros discos. O EP tem músicas legais, com uma textura legal. O pessoal viu que estávamos ralando mesmo para o disco sair. Aliado aos shows e muito trabalho, conseguimos ótimas repercussões, acima do que tínhamos esperado. Cristiano Viteck – A banda ainda mora em Umuarama, mas está preparando a mudança pra São Paulo. É uma coisa meio louca isso que está acontecendo com o Nevilton, até porque Umuarama não tem nenhuma tradição roqueira. Nevilton – Em Umuarama houve poucas bandas de rock. A banda que mais conseguiu repercussão, a Hipnoise, foi no final dos anos 1990 e começo de 2000 e que era a banda que o Lobão tocava. Essa banda tocou muito na região, mas a ênfase era nos covers de bandas alternativas como Pixies, Weezer. Acho que isso foi parte do processo até que surgisse uma banda que fizesse um som autoral e que mergulhasse de cabeça no trabalho. Espero que o nosso trabalho, não só pra Umuarama, mas para outras cidades interioranas, que não têm essa cultura, que o nosso trabalho possa servir de exemplo para mais bandas de cidades menores trabalharem com garra e irem pra cima que as coisas vão acontecendo. É parte por parte, tijolo a tijolo. Cristiano Viteck – Mudou alguma coisa pra banda em Umuarama ou impera a regra que santo de casa não faz milagre? Nevilton – Rola muito disso de santo de casa não fazer milagre. Mas nossa preocupação não é fazer milagre em Umuarama, nem em Cianorte (cidade do baterista Chapolla). A gente continua fazendo um show ou outro lá. A repercussão junto às pessoas que sempre acompanharam o nosso trabalho não mudou. Acontece de ir a alguns lugares aleatórios e o pessoal diz que já te viu no jornal, na TV e que não imaginava isso quando a gente só tocava na garagem ou no bar lá da cidade. É legal ver como a abrangência aumenta até numa visão micro, uma visão local, na cidade. Cristiano Viteck – Nessa época do ano em 2010, vocês estavam lançando o EP lá em Umuarama e meses depois estavam tocando pelo Brasil e inclusive abrindo um show para o Green Day em São Paulo. Como lidar com isso? Nevilton – A gente também não sabia. A gente só vai fazendo e querendo fazer cada vez mais. Ano passado, janeiro, fevereiro foram meio parados pra gente. Mas ainda em 10 de fevereiro a gente lançou o disco e nisso já estávamos em São Paulo e saímos em turnê, que já vinha sendo planejada

desde dezembro de 2009 junto com o pessoal do Fora do Eixo, que é uma plataforma que tem trabalhado com muitas bandas para aumentar as atividades culturais em vários pontos do país. Cada coisa que vai acontecendo a gente curte muito. Mas, vamos sempre devagar porque a gente sabe que nada vai ser pra sempre assim, com gostinho de novidade. Mas, olha o que a gente é? A gente não é nada ainda. Temos muito que fazer e essa é a motivação. Cristiano Viteck – Quando vocês lançaram o disco e começaram a receber o retorno na forma de críticas positivas da imprensa, de pessoas interessadas no trabalho do Nevilton, como foi isso? Nevilton – A triagem inicial foi ver os veículos onde as pessoas falam de música nova, descobrir uns programas bacanas de rádio... Mandamos o disco para vários lugares e acabou virando uma bola de neve. Alguns lugares-chave começam a falar e vários outros vão na onda mesmo, porque viram que saiu a resenha na Rolling Stone, que saiu na Noize e isso vai virando uma cauda longa, assim... num jeito inocente de falar. Cristiano Viteck – Várias bandas têm surgido no Brasil fora do eixo de São Paulo, como Vanguart, o Macaco Bong, mas ainda assim são bandas centradas em capitais de seus Estados de origem. Mas, entre essas, o Nevilton é a que está realmente longe demais das capitais. Lobão – A gente tentou não se prender a esses conceitos. Mesmo no interior, se não tinha lugar pra tocar, a gente fez. Se o lugar pra tocar era longe e a van era muito cara, a gente foi de carro. A gente tinha um Uno, o saudoso Átila... Nevilton – Viajamos pra Palmas, no Tocantins, 2.300 km de Umuarama a Palmas, dois dias na estrada pra chegar lá e tocar com Pato Fu, Ratos de Porão... Depois saiu no Estado de Tocantins, talvez o jornal mais bacana de Tocantins, uma puta resenha legal dizendo que quem brilhou na noite foi o Nevilton... Algumas coisas assim que a gente viajou, tocou com garra e conseguiu uma repercussão legal. Isso abre portas para outros festivais chamarem... Lobão – Vindo de uma cidade pequena, a gente teve que aprender tudo, desde tocar e produzir as músicas, administrar a banda, fazer as artes gráficas, mexer com as mídias sociais. Se a gente estivesse em uma cidade grande teríamos os amigos que fariam. Então, isso foi muito importante pra gente, que hoje consegue fazer sozinho o que uma equipe faria. Com esse know-how de fazer tudo, é possível otimizar a nossa profissão pra atingir o nosso objetivo com mais clareza. Nevilton – Do jeito que a gente está falando parece uma entrevista de negócios. Mas, é um negócio inteiramente punk, nós mesmos fazendo a história... Cristiano Viteck – Vocês estão frequentemente tocando em São Paulo, onde tem incontáveis bandas batalhando um espaço pra tocar. Vocês foram bem recebidos no começo ou teve um certo bairrismo?


Lobão – Não me lembro de ter sentido isso... Muito pelo contrário. Até por a gente ser do interior, rola um interesse maior... Fomos muito bem recebidos, ficamos na casa de bandas de lá, usamos equipamentos delas.

shows, tendo boa repercussão, temos um clipe pronto pra lançar logo e estamos em pré-produção de um outro. Tem muito que rolar, então não há pressa. E mesmo que o disco seja lançado só por nós, vamos tomar todos os cuidados para que seja divulgado de uma maneira legal e que consiga chegar a todos os lugares. A gente vai fazer bonito.

Cristiano Viteck – Antes de formar a banda, em 2006, Nevilton e Lobão foram morar um tempo em Los Angeles, nos Estados Unidos. Qual era a ideia de vocês quando se mudaram pra lá? Era aprender como funciona o mercado musical de lá ou o quê?

Cristiano Viteck – Abrir o show do Green Day ajudou bastante na divulgação da banda?

Lobão – A ideia foi ficar fluente no inglês. E que bom que a gente conheceu a cultura norte-americana e o music business. Assim como a gente tem aqui os cursos do Senac, Sebrae, cursos de microempresas, eles têm monografias, livros sobre music business. Isso é uma coisa muito interessante! A gente trabalhou pra caramba também fora da música. Conseguimos ver o show business funcionando porque a gente também trabalhou em eventos. Então, esse negócio de ir pra lá aprender inglês acabou refletindo diretamente na nossa questão musical. Trabalhamos em estruturas de shows enormes, como do Guns n' Roses... Cristiano Viteck – Como vocês foram trabalhar num show do Guns n' Roses? Lobão – O nosso emprego era ser segurança de eventos. Cristiano Viteck – O Nevilton de segurança? (risos) Lobão – (risos) O Nevilton botava uma ordem na casa que você tinha que ver! Deixava um costeletão e uma cara de mau! (risos). A gente trabalhou tanto na frente recepcionando o público como no backstage, toda a movimentação de iluminação, estrutura física, coisa louca cara! Nevilton – Eu tava sempre muito bem armado com um rádio amador e um farolete. Eu podia chamar reforço a qualquer hora! Lobão – A gente trabalhou no Oscar também! Vimos vários tipos de eventos, de vários níveis diferentes e percebemos que o negócio é ser profissional. Trabalhando profissionalmente, não tem como dar errado.

Lobão – Tocar pra 30 mil pessoas e abrir o show do Green Day foi bastante emocionante. E a repercussão foi boa. Os fãs do Green Day que viram a gente, alguns adoraram outros não. Mas mesmo quando rolou papo negativo na internet, foi bom porque tinha gente que ia lá e defendia. É legal quando as coisas saem do nosso poder e a gente não controla mais. Dá um pouco de medo porque temos que pensar mais no que estamos fazendo. Mas é legal saber que tem gente que hoje conhece a nossa banda por causa dessa aparição no show do Green Day. Cristiano Viteck – As influências da banda são diversas... Nevilton – Ainda mais agora, com o Chapolla na banda, a salada está completa... Chapola – Eu tenho muito da escola do hardcore, mas também muita coisa de rock, como Led Zeppelin, Queens of The Stone Age, Foo Fighters... E depois que eu entrei na banda comecei a ouvir mais coisas brasileiras. Estou ouvindo até Alceu Valença! Lobão – Eu tive uma formação alternativa dos anos 1980, 1990: Superchunk, Pixies, Pearl Jam... Mas eu tenho muito dos anos 1950 também e eu tento mixar isso. Nevilton – O Lobão me fez gostar de Pink Floyd também. A gente gosta também de jazz e um monte de bebop estranho... Eu gosto de muita música brasileira, principalmente falando a respeito de letras. Temos ótimos letristas no Brasil como Belchior, Fagner, Chico Buarque, Zé Rodriguez, Zé Geraldo, Alceu Valença. E gosto também de muito rock and roll, da guitarra do Jimmy Page, Jimi Hendrix, Clapton, B. B. King... Ao mesmo tempo gosto desde de Tom Jobim ao Pavement, as guitarras malucas dos Smiths, Modest Mouse, Cake... A gente sempre está escutando várias coisas...

Cristiano Viteck – E o primeiro álbum, em que pé está o novo trabalho? Nevilton – Está pronto. Lobão – Está gravado, masterizado, capa feita. Só falta resolver o lançamento. Cristiano Viteck – Alguma gravadora ou selo interessado? Lobão – Propostas existem. Tem gente que procura, quer saber, mas não desenvolve... A gente quer lançar legal, com boa distribuição... Não adianta fechar qualquer negócio só pra lançar. Nevilton – Por isso que ele está pronto há algum tempo e a gente não lançou. Mais cedo ou mais tarde a gente lança. Estamos fazendo bastante

Cristiano Viteck – Hoje, então, vocês já conseguem definir que tipo de banda é a Nevilton, ou vocês ainda estão descobrindo isso? Que rumos musicais a banda deve seguir no futuro? Nevilton – A definição de gênero seria uma banda brasileira. Talvez uma banda brasileira de rock... Com relação ao futuro da banda, talvez a resposta seja a mesma se você tivesse perguntado isso pra mim há três anos ou um ano atrás: é trabalhar cada vez mais e tentar fazer cada vez melhor as coisas pra não decepcionar a galera que já nos acompanha e, ao mesmo tempo, cativar mais pessoas para chegar sempre em mais lugares. A missão é não deixar o samba morrer!


quando ser indie era

bacana Como a primeira década do novo século revelou as melhores coisas que estavam escondidos no indie nacional por Djenane Arraes

ludov

Depois dos Maybees, o pessoal do Ludov resolveu cantar em português e demorou um tempo até encontrar o nome perfeito para o projeto e tocar as coisas. Os três anos que separaram Picture Perfect (Maybees, 2000) de O Exercício das Pequenas Coisas (Ludov, 2005) valeram à pena. O álbum foi beneficiado pelo megahit Princesa, lançado no EP Dois a Rodar. Mas tinha muita coisa boa por ali: Dorme em Paz, Estrelas e o segundo grande hit Kriptonita. A banda sofreu muitas mudanças de formação no processo, mas conseguiram manter a base com Vanessa Krongold, Mauro Motoki e Habacuque Lima.


A velocidade da informação e do tão rápido que as coisas mudam nos dias hoje trouxe alguns efeitos interessantes. Não é preciso mais esperar 20 anos para se reconhecer o valor de uma determinada década. Em pleno início de 2011 existe a percepção de que a primeira metade dos anos 2000 foi ouro. A MTV ainda não tinha se afundado na mediocridade, as gravadoras estavam em crise de identidade, pipocava na internet sites alternativos e populares o suficiente para dar visibilidade às bandas. Os festivais eram organizados em regiões sem tradição na música pop. Jornalistas militantes revelavam talentos do Acre. Os grandes jornais tiveram de se render e abriram espaço para os indies. Era a hora e a vez dos pequenos. A efervescência musical de altíssima qualidade que aconteceu de 2000 a 2005 foi o auge do processo iniciado em meados da década de 1990 com a popularização da internet, o surgimento dos arquivos em MP3 que facilitavam a troca de informações de áudio, e o barateamento dos meios de produção. A tecnologia pegou as grandes gravadoras de surpresa. As majors encontravam-se engessadas em investir no filão dos revivais acústicos das grandes bandas da década de 1980. O sucesso do primeiro acústico MTV dos Titãs criou filão viciado. De repente, as rádios foram invadidas com sucessos requentados que competiam diretamente com os principais trabalhos das bandas mais novas: O Sepultura chega ao auge com Roots (mas o estilo não tem apelo comercial no Brasil); o Pato Fu lança os discos mais populares da carreira; os Racionais dão visibilidade e voz ao rap; Cassia Eller chega ao auge da popularidade; Skank lança Garota Nacional; Raimundos sai do nicho hardcore e ganha as rádios; Marisa Monte dita tendências às novas cantoras; o engajamento social em forma de música dO Rappa ganha a melhor personificação em Lado B Lado A; Charlie Brown Jr satisfazia os adolescentes. Os requentados e as grandes bandas ocuparam as mídias tradicionais – rádio e televisão – de forma massiva e exaustiva. As bandas menores, por outro lado, descobriram primeiro o grande filão que era a internet e estabeleceram bases por ali. Enquanto desenvolviam novos trabalhos inspirados nos alternativos de primeira hora – Karnak, Graforréia Xilarmônica, Little Quail, Júpiter Maçã, Mundo Livre, e a exceção Los Hermanos –, observavam como espectadores privilegiados as novas tecnologias e a pirataria minguarem as grandes gravadoras. Mais do que isso, começaram a se movimentar e a organizar festivais locais em que as grandes bandas que não tivessem uma mínima identificação com o perfil do evento simplesmente não entravam. Enquanto os indies se movimentavam de forma impressionante, as gravadoras perdiam tempo em tentar barrar as novas tecnologias e hábitos de consumo em vez de assimilá-los. O resultado foi a eclosão de uma crise mundial no ano 2000, por conseqüência, a abertura de uma janela de visibilidade para os indies. Abertura esta que durou de cinco a seis anos, até as gravadoras reagirem e fecharem o mercado mais uma vez. Tempo suficiente para muitas bandas mostrarem o quanto as pessoas podem ser felizes bem longe das rádios e da televisão. Lembre de alguns deles.

los hermanos Não dá para falar do indie nacional dos anos 2000 sem mencionar a banda que influenciou oito em cada 10 bandas daquela época. Quando Anna Júlia começou a tocar nas rádios, ou uma festa. Mas quando a música começou a tocar demais, que atire a primeira pedra aquele que não torceu o nariz pra música na época ou não reclamou. Naquele momento, Los Hermanos se transformaram em vilões. Mas veio a história da produção do segundo disco, Bloco do Eu Sozinho, de 2001. A gravadora queria outra Anna Júlia, mas os Hermanos desejavam fazer outro tipo de trabalho e peitaram. Vem uma notícia dessa, naquela época em que qualquer major era vista como os grandes vilões, piores do que o diabo? O quarteto só pôde sair como heróis nacionais. O resultado foi a criação de um verdadeiro culto de adoração à banda. Mas o disco é mesmo muito bom, assim como o sucessor Ventura.

relespública Era um quinteto Curitiba que não faria sucesso com rostos bonitos. Já que era assim, então os caras se vestiam de uma forma... muito brega. O som era retrô total, mas muito bem executado. Talvez foi uma das melhores produções do não tão competente assim (mas com talento para descobrir bons valores) Rafael Ramos. O disco O Circo Está Armado, de 2000, é fantástico. Logo na primeira música já escancarava uma verdade: “Rock no Brasil é diversão de maluco/ mas onde ele surgiu é profissão que dá lucro”.


bidê ou balde A primeira banda festejada do então aclamado rock gaúcho. O nome do primeiro disco era, por si só, motivo para tantos comentários: Se Sexo é o Que Importa, Só o Rock é Sobre o Amor. Eles fizeram uma versão em português de Buddy Holly, do Weezer, e provocaram polêmica em E Porque Não?, sobre pedofilia e incesto. A música merecia mesmo todas as cacetadas e reclamações que ganhou porque não se faz piada disso. Mas o resto do disco era bem legal. O Bidê continuou em boa forma em Outubro ou Nada (2002), que tinha as sensacionais Bromélias, Microondas e Cores Bonitas.

autoramas

Gabriel Thomaz, Bacalhau e Simone formaram a banda em 1998 e apontaram uma alternativa pouco usada logo no primeiro disco: gravou Stress, Depressão e Síndrome do Pânico pelo selo Astronauta e licenciou a distribuição pela Universal. O primeiro disco recebeu boas críticas pelos bons hits, como Carinha Triste, Fale Mal de Mim e Catchy Chorus. Apesar dos discos seguintes não terem o mesmo impacto do primeiro, a veia de compositor de Gabriel Thomaz apenas se apurou. Em Vida Real, de 2001, o ex-Little Quail escreveu uma das melhores canções da: A História da Vida de Cada Um. Gabriel só voltaria a compor com tal qualidade em Teletransporte, disco de 2007. Mas aí foi um disco inteiro para confirmar o que muitos apenas desconfiavam: que ele era o melhor letrista de rock da atualidade.

mqn Goiânia foi um importante pólo no estabelecimento de um movimento indie nacional. Fabrício Nobre é um dos homens por trás dos festivais Bananada, Goiânia Noise e do selo Monstro. Ele também tinha a MQN, de stoner rock, apensar de ninguém saber explicar exatamente o que era isso. De qualquer forma, a banda faz muito barulho e faz a alegria do pessoal nos festivais à fora.

bois de gerião Ao lado dos Gramofocas, foi a primeira banda promissora que surgiu em Brasília depois da geração dos anos 1990. Mas diferente dos Gramofocas, a Bois de Gerião tinha tudo para estourar nacionalmente. Fizeram um disco excelente que poderia tocar nas rádios do início ao fim na maior tranqüilidade. Mas não aconteceu por uma baita falta de sorte e movimentos errados na carreira. A banda encerrou as atividades faz um bom tempo, mas ficaram coisas muito legais, como a versão rock'n'roll de Trenzinho Caipira, de Villa-Lobos.

wonkavision Era a banda powerpop mais legal do Sul. Eles geraram muito comentários com o single da politicamente incorreta O Plano Mudou e depois fez o EP Preview, que era disputado à tapa. O primeiro disco homônimo chegou ao mercado em 2004, com produção de John, do Pato Fu. A Wonkavision seguia a mesma fórmula dos conterrâneos: um cara e uma menina nos vocais. A diferença era que eles usavam o politicamente incorreto com muito mais inteligência. Só mesmo a Wonkavision para fazer as pessoas cantarem com um sorriso no rosto: “Vou pular a janela afora/ vou cortar meu pulso agora/ seja o que Deus planejou/ o plano mudou”.

cachorro grande Hoje eles são tratados com algum ceticismo e pouco caso. Mas naquele tempo, o Cachorro Grande era o “ó do borogodó”. Ninguém era mais bêbado, sujo e legal do que eles. O primeiro disco homônimo é de 2001. Tinha músicas incríveis ali: Lunático e Sexperiensed eram as melhores. A crítica fez uma festa no lançamento de As Próximas Horas Serão Muito Boas (2004).


móveis coloniais de acajú É a principal banda de Brasília da atualidade e uma das mais importantes do indie brasileiro. Disparada. A MCA tem um sistema muito interessante de gerenciamento de banda. Os próprios músicos são os produtores, administradores, designers, publicitários, marqueteiros, etc. O primeiro disco, Idem, foi lançado tardiamente em 2005. Tardiamente porque todo o repertório dele era conhecido pelo público fiel, fisgado pelas performances sensacionais no palco, pela “roda” de Copacabana, e pelo projeto inovador “Móveis Convida” – importantíssimo para se estabelecer um circuito de shows da banda em Brasília e para fidelizar, sobretudo, o público universitário. Outros hits são cantados em coro pelo público: Perca Peso, Menina-Moça, Seria o Rolex?... basicamente o primeiro disco por inteiro. O MCA também foi uma das bandas que mais marcou presença em festivais pelo Brasil.

vídeo hits Banda de vida curta liderada por Diego Medina. Em 2001, a Vídeo Hits lançou o Registro Sonoro Oficial: produzido com todo amor desse mundo só pra você. Além das ótimas Sentido Anti-Horário e (vo)C, houve o resgate da fase psicodélica de Ronnie Von em Silvia 20 Horas Domingo, com a participação do próprio. Essa foi a primeira vez, em muitos décadas, que alguém reconheceu a importância do pequeno príncipe. Anos depois, a turma do indie seria reunida para um disco tributo a Ronnie Von.

bnegão O racha do Planet Hemp foi uma das melhores coisas que poderia ter acontecido para a música. Enquanto Marcelo D2 dominava a cena no mainstream, BNegão foi quem de fato encontrou a batida perfeita. Ele lançou em 2003 o excepcional Enxugando Gelo. Com todo respeito aos Racionais, eles nunca conseguiriam musicalmente fazer frente ao que BNegão realizou neste disco. Foi, sem a menor sobra de dúvida, uma das melhores contribuições prestadas ao gênero. A faixa título é fantástica e V.V foi a união mais feliz do samba com rap já feita.

mombojó Foi a banda que melhor deu continuidade ao movimento mangue beat. Surgiram como uma banda promissora que estava na cola da Mundo Livre. Mas quando a banda de Fred 04 declinou pedida em politicagem panfletária, a Mombojó seguiu em frente e se apropriou daquela sonoridade.

sonic júnior Foi um dos representantes mais interessantes saídos do Nordeste. De Alagoas mais precisamente. Começou como uma dessas bandas de um homem só, no caso, o Juninho. Um amigo trouxe um groovebox dos Estados Unidos e ele começou a fazer um som dali. Passou um tempo, convidou o guitarrista Aldo Jones para criar as melodias em cima das bases que ele fazia no instrumento. A química foi muito boa. Lançou o primeiro álbum homônimo em 2001. Dessa leva veio o hit Parceiro. Em 2003, o Juninho veio com outra bomba dançante: O Mundo Lá Fora. O parceiro dessa vez foi Paulinho Pessoa. A mancha na carreira foi a produção do disco do Paulo Ricardo, seguida da turnê em 2004. O consolo é que a produção de Juninho supera e muito esses tropeços.



discos adele - 21

radiohead - the king of the limbs

Estar num país de cantoras e vivenciando um momento em que elas são as únicas que mostram trabalhos interessantes e comerciais ao mesmo tempo. O que isso tem com a Adele? É que você passa a estar tão calejado com essa história de voz feminina que passa a ter mais desconfiança quando a imprensa estrangeira aclama uma nova jovem, em especial se ela for inglesa, de voz singular e atrelada a marca Ronson. Verdade seja dita: não há ninguém melhor para trabalhar com artistas com estas características do que ele. O primeiro impacto de 21, de Adele é poderoso, porque a organização das faixas do disco favorece. Rolling in The Deep é uma cacetada. Não por menos é a faixa que a cantora divulgou primeiro. Rumours Has It, a segunda faixa, é outra fantástica. Enquanto o baixo e a bateria permanecem pesados, Adele vai bem. O problema é quando ela se depara com instrumentos mais suaves, como o piano e um arranjo de cordas. Aí desanda. Ela parece não saber dosar o poder da voz dela ao arranjo mais delicado. Cansa! Aliás, esse parece ser o grande mal de cantoras de voz poderosa: nem tudo é dramaticidade, nem tudo é grito, nem tudo é extensão de voz. No fim, 21 é um baita 50%.

O que Thom Yorke tem de genial, tem de chato. Assim, na mesma magnitude. The King of Limbs é a mais perfeita tradução dessa dualidade do inglês caolho. Ninguém pode dizer que esse disco é ruim. Não mesmo. A sonoridade do disco de mantém superior a todos os imitadores no mercado, famosos ou não. Radiohead ainda mostra boa forma ao longo das oito canções – todas com mais de três minutos e diferentes uma das outras. Feral é interessante por ser basicamente bateria, programação e vocalização. De repente ela mostra o frescor que é não ouvir Thom Yorke sonolento e em seus extensivos “huuuuuuuu”. Esses maneirismos não faltam no resto do disco. Agora é fácil entender porque razão Lotus Flower foi escolhida como single: é a música mais parecida com uma música comum do disco. O lado chato do Radiohead está justo na unidade de The King of Limbs. É escutá-lo e olhar para a cama. O pior é que não falo nem no sentido divertido dela: a vontade de dormir por oito horas aflora depois de ficar escutando esse mantra por muito tempo. Ainda bem que são apenas oito faixas. O disco ficaria ainda melhor se duas delas fossem para o espaço.

nada surf - if i had a hi-fi

rosie and me - bird and whale

Gosto muito do som da Nada Surf. Trio de Nova York que lançou alguns bons discos chamados por lá de rock alternativo. No meu entendimento, o que eles fazer de verdade é um pop-rock muito do agradável que veio atrás do Weezer e outros similares. Em If I Had a Hi-Fi, a banda deu uma pausa da sequência nos discos de inéditas para fazer covers. Parece que é algo inevitável quando se chega a certo tempo de carreira. Alguns conseguem fazer um trabalho diferenciado em trabalhos assim. Outros, nem tanto. É o caso da Nada Surf. Eles pegaram alguns clássicos conhecidos e obscuros para o estilo do trio. Até aí beleza: fazer cover pelo cover é karaokê. Não falo nada dos obscuros (para mim) e, se assim são, viram inéditas. É o caso de Evolucion e Bye Bye Beaute, músicas em espanhol e francês respectivamente. Elas funcionaram perfeitamente por causa da minha ignorância. Mas no caso, por exemplo, de Enjoy The Silence, do Depeche Mode, a coisa muda de figura. A versão desta música não “inflói nem contribói”, então qual o sentido dela? O mesmo vale para Janine, de Arthur Russell. O que já não era grande coisa, virou uma vinhetinha ainda mais sem-sal. Então qual é a lógica?

Rosie And Me é uma banda curitibana que canta em inglês e faz indie folk, daquele tipo que entraria na trilha sonora do filme Juno. Embora exista certo encanto no gênero no Brasil, porque ninguém por aqui se incomoda em fazer parecido com a PJ Harvey, apesar a cantora seja extremamente querida, se você projetar um disco como Bird and Whale para fora, em que ele será diferente? No sotaque? A voz da Rosanne é muito agradável, mas não tem nada de especial, o toque do violão é o mesmo nas seis faixas. A diferença é que em uma ele pode ser mais acelerado do que na outra. As letras são bacaninhas. A faixa título diz o seguinte: “It's two against the world but we'll be brave/ I thank god for the Day i heard your name”. Beleza, mas porque será que ao escutar isso você começa a sentir falta do nonsense cretino da Mallu Magalhães? Lembra do pá, pá, pá, pá? Ou do Semáforo da Vanguart? O pior é que isso passa longe da comparação. É aquela história: eu posso escutar a mesma coisa de uma banda qualquer do Oregon ou de Seattle. Até mesmo os desenhos são comuns no indie folk. Rosie And Me toca certinho, mas falta o algo mais necessário. Desse jeito, continuo só acreditando no semáforo...



filmes/séries cisne negro Cisne Negro (Black Swan, EUA, 2010), de Darren Aronofsky, é uma obra-prima. Ponto. É o tipo do filme onde se tem uma história original muito bem contada, direção certeira, uma interpretação perfeita da Natalie Portman – que é uma das minhas atrizes favoritas. Os efeitos são bem discretos e baratos, mas nem mesmo as falhas técnicas tiram a fascinação da história mais original que usa balé como pano de fundo. Na história, Nina é uma bailarina perfeccionista, mas também inocente e quase virginal. Na aposentadoria da primeira bailarina, interpretada por uma assustadora Winona Ryder, Nina assume o posto. Embora não tenha problemas em interpretar Odette, a cisne branca e símbolo da pureza, encarnar Odile, a cisne negra e personificação da sedução, torna-se um problema. Esse é o ponto mais interessante do filme. Sim, existe a questão da dualidade, os aspectos cruéis do mundo do balé e tudo mais. Mas a psicose de Nina é o elemento mais bacana, porque é na maluquice que ela começa a vivenciar os dois personagens à perfeição que ela tanto preza. O momento derradeiro de Cisne Negro deixa isso claro.

inverno da alma Tudo é feio em Inverno da Alma (Winter's Bone, EUA, 2010). O lugar onde a história ocorre parece ter sido abandonado por deus, as pessoas parecem ter couro de jacaré de tão ásperas e desprovidas de emoções. Tudo é sujo, tudo é feio, tudo é cinza. É o tipo do lugar onde ninguém desejaria sequer estar de passagem. Falta... humanidade? Mas não quer dizer que tudo seja desprovido de sentimento. A mocinha da história Ree Dolly (Jennifer Lawrence) está cheio deles, mas não os exterioriza. Ou se esforça ao máximo para não demonstrar fragilidade. Ela poderia ser devorada num lugar como aquele. É a alma honrada diante de pessoas embrutecidas. O rosto bonito naquele mar de pessoas sem atrativos. Aos 17 anos, cuida da mãe incapaz e dos irmãos menores. Quer servir o exercito não por ter algum amor à pátria. Ela só quer os benefícios. Mas eis que surge um problema na justiça que envolve o pai traficante desaparecido que pode tirar dela o único bem que possui: a casa onde mora. De certa forma, o espectador torce para que ela falhe e vá embora daquele lugar infernal. Talvez assim ela possa se salvar. Mas Ree leva a jornada até o fim. E você se agonia por causa disso, mas a acompanha.

pânico nas ilhas rochosas Pânico nas Ilhas Rochosas (2011, Austrália/Nova Zelândia) acabou ganhando um novo nome devido à má tradução por conta da similaridade de uma palavra inglesa com a portuguesa. A confusão, creio eu, deve-se ao pano de fundo utilizado na trama, onde o grande clichê para instaurar o pânico envolve um vírus mortal capaz de matar os infectados em poucas horas em um festival de rock. Mas claro que há uma mutabilidade que não deixa bem claro porque algumas pessoas morrem tão rapidamente e outras demoram a apresentar os sintomas da infecção levando o contágio a outros locais despreparados para a grande contaminação desenvolvida pelos militares. Os porquês surgem no decorrer da história e quase todas as respostas são apresentadas, não deixando muitas coisas ao acaso, mas para um festival de rock, poucas bandas surgiram e o que mais marcou presença foram os vômitos despejados a todo vapor. Sim! Outro clichê indica que a história não terminou, pois o governo entrou aonde não foi chamado. (Rúbia Cunha)

minhas mães e meu pai A história é bem simples: um casal já maduro entra em crise no casamento. Quando surge um terceiro elemento, o casal é forçado a enfrentar as coisas que não estão dando certo. Há vários filmes do tipo, correto? Sim! O único ponto diferente deste filme em relação a inúmeros outros é que o casal em questão é de lésbicas. Quer saber? Isso não faz a menor diferença na história. Poderia ser perfeitamente um casal heterossexual em crise. É justo esse o ponto mais forte de Minhas Mães e Meu Pai (The Kids Are All Right, EUA, 2010), de Lisa Cholodenko. Jules (Julianne Moore) e Nic (Annettte Bening) formam um casal de meia idade com filhos adolescentes. Nic é uma controladora que tenta ser racional todo o tempo ao passo que Jules se sente desvalorizada. Jules se envolve com Paul (Mark Ruffalo): pai biológico dos filhos do casal: ele não podia ser a pessoa mais esperta do mundo, mas deu o frescor que ela necessitava para se sentir desejada mais uma vez. Aqui o filme aborda outra questão: a traição de Jules com um homem não foi uma questão de gênero. Minhas Mães e Meu Pai não é um filme gay apesar de todo o barulho. É só uma história bem contada e que as pessoas deveriam assistir e pensar.


15'39'’

Mas ĂŠ isso, um acontecimento


hq/livros 1001 discos para se ouvir... 1001 Discos Para Se Ouvir Antes de Morrer, organizado por Robert Dimery, assim como o similar do cinema, é daqueles livros perfeitos para se dar de presente. Bem ilustrado, com curiosidades e barato. Paguei R$ 32 pelo meu exemplar. Considere que a edição das 500 Melhores Músicas Internacionais da Rolling Stone custa R$ 20 tabelado, e que 1001 não passa de uma edição bem expandida de especiais desses periódicos, então vale o preço. Além do preço, 1001 vale à pena por funcionar como uma espécie de catálogo expresso dos discos mais relevantes e óbvios. É uma seleção feita por críticos anglo-saxãos, mas há espaço para a produção nacional, mesmo quando não se concorde com ela. Eu jamais colocaria o primeiro disco dos Mutantes em detrimento de A Divina Comédia ou Ando meio Desligado. Ou incluir Caetano Veloso de 1968, mas esquecer Transa, que é o melhor disco dele. Fora que os comentários em cima dos discos brasileiros, em particular, são um tanto quanto equivocados. Logo, se perde total confiança em relação às demais informações. Recomendado para puro entretenimento, mas não para pesquisas sérias.

15'39'’ / Mas é isso... Demétrio Panarotto é um sujeito de múltiplos talentos artísticos. Primeiro eu conheci, em 2002, o lado músico com a banda Repolho. No ano passado descobri o lado cineasta com os documentários História da Cerveja em Santa Catarina e Cerveja Falada. Mais recente, descobri que Demétrio Panarotto é poeta: um bem bacana que faz versos com propósitos. O primeiro livro (que eu gosto mais) é o 15'39''. Não sei ao certo a razão do título, mas penso que é o tempo que se gasta para ler todas as crônicas do cotidiano em forma de versos. É um livro muito espirituoso, engraçado, que você lê de uma vez e se diverte. “que porra é essa? sentia o cérebro no calcanhar ou perto de qualquer órgão do corpo que não a cabeça...”. O outro, Mas é isso, um acontecimento, também traz crônicas em versos, mas o espírito não é tão leve e liberto quanto no primeiro livro. Demétrio mostra que ao mesmo tempo em que pode falar da festa no galinheiro, ele relaciona a música de Chopin com o trabalhar na lavoura. Tudo em palavras simples, mas que trazem imagens muito sólidas. Os dois trabalhos são boas leituras. Demétrio fez tudo de um jeito que torna a poesia interessante até para quem não liga muito para versos. Vale à pena conhecer.

criaturas flamejantes Jerry Lee Lewis é um sujeito e tanto. Ele já foi preso duas vezes no mesmo dia na década de 1970. Depois de deixar a filha na escola, ele ficou tão bêbado que capotou o carro. Quando ele fez o teste na delegacia, o bafômetro acusou nada. E o sujeito que mal conseguia fazer o “4” com as pernas foi liberado. Jerry Lee bebeu mais um pouco e foi bater em Graceland para encher a paciência de Elvis Presley. Na mesma hora que dizia que amava o rival, ameaçava matá-lo. A polícia foi acionada novamente. Ah, e teve a vez que Jerry Lee perdeu uma música que o Bob Dylan compôs especialmente pra ele. E quando John Lennon se ajoelhou para humildemente beijar os seus pés, Jerry Lee olhou para o sapato para ver se o ex-beatle não tinha estragado o brilho. Essas histórias e muitas outras são contadas de forma visceral por Nick Tosches em Criaturas Flamejantes. Trata-se de um livro sensacional sobre os primórdios do rock e os protagonistas obscuros ou não dessa história. Conta, por exemplo, que o rock já existia desde a década de 1930. Tosches não alivia e vomita um mundo de informações a cada página. Por isso, recomenda-se parcimônia na leitura, se você quiser absorver as informações ali.

insônia Como todos sabem, King é considerado um dos mestres do terror. Grande parte de seus livros foram transformados em filmes e se não me engano alguns viraram séries. Mas como amante da leitura de King, devo alertar que demorei mais do que o costume para ler Insônia. O livro em questão começa com uma narrativa arrastada, tediosa, um tanto quanto difícil de engolir. Mas depois do terceiro capítulo a leitura vai ganhando dinâmica e se tornando mais empolgante. Os assuntos abordados no mundo surreal em que as personagens vivem, tornam-se quase familiares às pessoas mediúnicas. Claro que há um pouco de enfeites que tornam angustiante certas passagens, mas King é sempre King e ele continuou sendo um dos meus autores favoritos. Recomendo-o então para quem tem paciência, mas quem não tiver... Fuja do livro, pois até mesmo leitores que amam King encontram um prova de resistência mental para se manter lendo Insônia, chegando a julgá-lo como um dos livros mais fracos do escritor. (Rúbia Cunha)


algumas palavras sobre o

samba Confira a entrevista com AndrĂŠ Diniz, autor dos livros Alamanaque do Samba, Almanaque do Choro e Almanaque do Carnaval e outros trabalhos sobre bambas com muito ritmo nos pĂŠs


Elefante Bu – Diogo Nogueira disse numa entrevista que o samba tem um ciclo de mídia de sete anos, Ou seja, a cada sete anos existe um boom de intérpretes e compositores. Depois o gênero sai um pouco da mídia. Você concorda com ele? André Diniz – Não concordo muito não. A lógica não é essa. Na realidade, o samba sempre esteve na mídia. Nasceu com ela. O samba foi um gênero importantíssimo para a consolidação da industria fonográfica no Brasil. Sendo assim, ele sempre foi mercado. O problema é que na cabeça das pessoas existem muitos sambas. De qual samba ele estaria falando? Como acho que samba é uma coisa só, inclusive aqueles que são rotulados de mercadológico, o samba sempre esteve e estará por ai. O que acontece, assim como qualquer outro estilo, são os fenômenos de venda, cada vez mais raros no mundo de hoje. EleBu – Você acha que Nara Leão foi mesmo fundamental no resgate dos sambistas na década de 1960? André – Nara foi a ponta artística de todo um movimento. Ela realmente foi importante, sobretudo ao trazer a tona sambista de morro, mas havia um movimento de toda a classe média intelectualizada na valorização da cultura popular. EleBu – Antes da retomada do samba, como esses grandes compositores sobreviviam ao ostracismo? André – De novo aqui quero pontuar. Havia compositores e compositores... De quais estamos falando? A palavra retomada não é propícia porque o samba sempre esteve por aí. O mangue beat e o funk quando surgiram com força, faziam uma referencia ao samba, quando não produziam músicas parecidas. Exemplo disso é Marcelo D2. Elebu – Aqui falo dos compositores como o Cartola, Zé Kéti, Candeia... sambistas que sofreram um baque com a entrada da bossa nova e do rock no Brasil. Como esses caras sobreviveram? Sobretudo por não mal lançavam discos, o pagamento de direitos autorais era algo além da imaginação, com os antigos programas de rádio em queda e dando espaços a outros formatos. André – Esse é o problema. A bossa nova é samba. Quando você me pergunta isso está segmentando, na minha visão, o que é samba. Jobim, Gilberto, Vinicius, faziam samba. Cartola, Zé Kéti, Candeia, também fazem samba: um samba chamado hoje de raiz, mas é muito difícil separar essa lógica. Esse raciocínio sempre leva a excluir alguém. No seu ponto de vista, certamente, eles, especificamente, não tinha muito espaço. Mas, a mesma bossa nova que vai engolir os sambistas de "raiz" irá recuperá-los para o mercado. Não falamos de Nara Leão, musa da bossa, e não foi ela que trouxe a baila esses compositores? Então, dentro dessa lógica,

mesmo a bossa nova é contraditória. Exclui, mas inclui, ao mesmo tempo. EleBu – Ouvi uma vez um historiador afirmar que Noel Rosa foi muito mais importante para a cultura popular brasileira do que Villa-Lobos. Você concorda? André – São coisas diferentes. Noel ajudou a consolidar o samba no gosto do brasileiro e construiu sua obra na geografia carioca. Foi importantíssimo na troca de linguagens com compositores do morro. Villa trabalhava em outro plano, o da música mais culta, erudita. Ambos tiveram importância similares em suas áreas. Elebu – Em que momento o chorinho deixou de ser uma manifestação popular para virar um estilo mais elitizado? André – O choro nunca foi muito popular no sentido de divulgação. Ele é de origem popular, nasceu com a classe media baixa do segundo Império. Acho que a sua aproximação de compositores de escola, como Radamés de Villa-Lobos, refinou o estilo. Recentemente, mais ou menos nos anos 1980, o grande número de instrumentistas, compositores e maestros com formação musical em universidades e escolas, fez o do gênero uma linguagem diferenciada dos primórdios, tocada por músicos intuitos e amadores. Elebu – Você acha que, hoje, o Hamilton de Holanda é o grande nome do chorinho brasileiro? André – É um dos grandes nomes, sem duvida. Mas temos muitos outros. Elebu – Que outras pessoas você gostaria de destacar? André – O Yamandu Costa, o Mauricio Carrilho, o Proveta, enfim, temos muitos nomes e é sempre complicado ficar citando nomes porque você acaba esquecendo alguns. Elebu - Quanto tempo foi necessário para fazer os Almanaques? André – Cada um teve sua lógica e seu tempo necessário. O que demorei mais foi o do samba, mais ou menos um ano. Elebu – Uma curiosidade: do que era feito o carnaval antes das marchinhas? André – Tocava-se e ouvia-se de tudo. Até trecho de ópera tinha no carnaval. Só com surgimento da marchinha, mais ou menos nos anos 1920 e do samba, depois de Pelo Telefone, de Donga e Mauro de Almeida, em 1917 (ano da gravação), é que esses gêneros aos poucos foram ocupando seus espaços no carnaval.


muito barulho por nada

(ou burocracia por Marcelo Mendes


odara) Quem defende os gênios? Tão poucos, tão isolados, tão sem voz neste nosso país, onde grassa a malícia e o tal e famoso jeitinho. A liberdade, a nossa liberdade, a de homem comum, claramente deve acabar onde começa a do gênio, afinal “enquanto os homens exercem seus podres poderes/ motos e fuscas avançam os sinais vermelhos”. E falar mal? Que falem mal dos lobos desdentados, que não mordem de volta, que falem mal dos caretas, dos retrógrados. Falem mal da Zizi Possi, do Erasmo Carlos. Não se enganem: fazer um blog é como fazer um show, ou um disco, ou um longa-metragem para o cinema, e todo mundo sabe disso, todo mundo em sã consciência, ou pelo menos toda pessoa com forte capacidade criativa – ou, como diria um gênio, citando outro, apenas “os fortes”. Para quem não sabe, não é um gênio que vai perder seu tempo explicando como e por que comparar um Blog, desculpem-me, um vlog, com um show, uma turnê, um filme, um CD ou um DVD. Um vlog, fiquem sabendo, exige gente, desprendimento, vontade e, finalmente, aquele artigo de luxo, de que apenas os fortes dispõem: criatividade. E dinheiro, claro. Não conheço blog, desculpem-me, vlog algum que se faça sem pelo menos R$ 1 milhão, ou o equivalente em criatividade. Isso tudo sem contar o desprendimento: a vontade dos fortes, aparentemente, é levar poesia, e outras commodities, aos fracos, mesmo sob ameaça e censura, ou seja, a despeito de sua vida pessoal e até de seu conforto. São mártires. Este é um ponto central, que as pessoas fingem não ver: o gênio não quer que se beneficiar, mas dar oportunidade,melhor: democratizar. Fato: apenas um vlog é capaz de disponibilizar poesia para milhares de pessoas de uma só vez. Mas não

basta ter um computador, uma boa conexão e um programinha que se baixa gratuitamente na internet, o Flash, e pronto. É preciso que alguém leve poesia para estas pessoas carentes de poesia (e não venha me dizer que basta disponibilizar grande parte das obras de domínio público em um site do governo para resolver o problema, ou mesmo que um blog estático, com simples transcrições de poemas, como muitos “internautas” fazem, seja suficiente; biblioteca nem pensar – ou estamos no século 19?). Não precisa ser gênio para fazer os cálculos: se falta poesia, é preciso que alguém, alguma pessoa generosa, democrática, iluminada, criativa, enfim, “forte”, faça 365 vídeos lendo poesia e disponibilize neste meio tão difundido, mas tão desprovido de beleza, a internet, para que estas pessoas desabonadas tenham onde matar sua sede. É um projeto bonito, singelo mesmo. Tem a beleza e a simplicidade que só os gênios são capazes de desenhar: as pessoas não lêem? Leia para elas! Falta poesia? Façam vídeos! Não têm livro? Internet. Falta pão? Brioche! Na bastilha da genialidade, afugentam-se, solitários e constantemente ameaçados, aqueles que podem nos iluminar com poesia; aqueles a quem devemos ser gratos pelas idéias, e pela vontade de compartilhar sua luz. Do outro lado, grita a “corja da internet” – esse povo que tem a cara de pau de produzir o que chamam de informação e cultura (com minúscula), que, enfim, “se expressa”, entre aspas, fique bem claro, além de produzir blogs e vlogs, de graça, sem gastar um tostão sequer. Não sabem que Cultura, com maiúscula, é caro, tem valor – 1.3 milhão, se estamos falando de vlogs. Vou dizer o que falta à “corja da internet”. Poesia é claro. E ainda mordem a mão de quem a estende para dar o que lhes falta.


por Rodrigo Daca Uma relação tempestuosa como qualquer outra, com seus problemas, alegrias e um porém que jamais havia notado: trata-se sim de uma maldição. Quem tem o dom da arte, carrega consigo até o fim da vida o martírio de ter de criar e viver ao mesmo tempo. E criar apenas pela necessidade de criar. A criação é a parte boa e agradável da maldição. É o que te põe o sorriso no rosto e te possibilita traduzir as coisas que aos olhos e mentes mais desatentos, parecem ser impossíveis. A facilidade também está no pacote. O fato de pegar as coisas no ar antes de qualquer outro, te faz especial, te dá poder. O caráter é revelado com o poder. Aí é que a gente vê que a história do pioneiro do blues Robert Johnson de lenda passa a ser uma possível verdade. Diz-se que Robert fez um pacto com o diabo no qual ele jamais seria esquecido. Trocou este pequeno favor pelo valor de sua alma. E ele deve ter achado barato. Mas veio a óbito pouco depois numa situação escusa e até hoje mal explicada. Viveu apenas 27 anos e virou influência para grande parte dos artistas de blues e rock and roll. Maldição dada, maldição cumprida, diria o diabo. Conversando com um amigo, percebi que era isso mesmo aquilo que nós músicos chamamos de "a nossa cachaça": algo que não se larga do dia para noite nem no melhor AA do mundo (olha a Amy Winehouse). Só que você precisa viver também, pagar as contas. Na maioria dos casos, o artista é péssimo em administrar isso. Então se submete à outras atividades – lícita em sua maioria –, para não se preocupar em pagar o aluguel, a luz ou o telefone. Fora alimentação e pequenos vícios. A criação, por outro lado, não é uma coisa automática, pragmática. Não tem hora para acontecer. O riff de guitarra de Satisfaction (I Can´t Get No), dos Rolling Stones, surgiu no meio do sono de Keith Richards, que gravou e voltou a dormir. Eu percebi que ainda há muita gente acreditando em ser descoberto como há 40, 50 anos. Eu mesmo na minha juventude depois de assistir ao filme Backbeat - Os 5 Rapazes de Liverpool, achei possível, mas já estávamos nos anos 1990. Too late, too sad. O escape que a música me proporciona hoje, já que não dependo dela para sobreviver, me leva a fazer todas as outras atividades com mais gosto, porque eu sei que no fim de semana eu e ela estaremos juntos.

a música

e eu


o lobo e os

cordeiros por Marcelo Mendes

A história, todo mundo conhece. Talvez até mesmo a frase: “Pra que essa boca tão grande?”. No lugar da Chapeuzinho Vermelho, um jovem cantor sertanejo tão ameaçador quanto a personagem original; no lugar do Lobo Mau, um misto de lobo e vovozinha viúva dos anos 1980, que, apesar da boca hiperbólica, perdeu os dentes há muito tempo. A fábula, atualizada, perde a moral original: tanto o Lobo quanto a Chapéu saem ilesos, não há pecado, não há vítimas, não há castigo. Nem a Chapeuzinho desobedeceu a mamãe ao pegar o atalho pela floresta (muito longe disso); nem o Lobo foi castigado por ser mau. Pelo contrário, ganhou afagos pela possibilidade da mordida e da lição que esta nova Chapeuzinho, muito provavelmente, não tinha sequer como aprender, não tendo saído da segurança de seu caminho. Talvez seja apenas uma confusão de fábulas: este lobo contemporâneo tanto ameaçou abocanhar chapeuzinhos vermelhos sem pecados pelo caminho, que perdeu a credibilidade. Está mais para Pedrodo que para lobo, na verdade. As chapeuzinhos vieram de óculos, eram monstros também desdentados da música popular brasileira, eram parte do stablishment, da ordem dos músicos, de todos os lugares – relacionando-se entre si apenas pelo fato de que nunca saíram do caminho seguro, ou seja: nunca puseram os pezinhos na floresta. Todas elas se espantaram perante a boca do lobo, mas a mordida não veio. Aliás, quem mordeu foi a própria chapeuzinho, com a promessa de numerar seus uivos, respeitar sua dignidade de lobo ferido e dar-lhe um emprego na própria casa da chapeuzinho, longe da assustadora floresta, ao lado de outros lobos e lobas amansados, e de outras chapeuzinhos universitárias. Mas, afinal, qual seria a moral desta nova fábula? Não sei. Talvez o Lobo queira sentir-se selvagem.Talvez queira apenas o corretivo e a atenção dos caçadores em resposta à ameaça de sua mordida que nunca vem. Parte da lição desta nova fábula, entretanto, é assustadora: ninguém mais tem medo do Lobo Mau. Pior: não há Lobo Mau: apenas cordeiros em pele de lobo. A Chapeuzinho da história original virou modelo de transgressão: pelo menos ela desobedeceu a mamãe e encarou a boca do verdadeiro Lobão, o que não só morde, mas come.


lacunas em realengo

por Pedro Wolff


Após o massacre no Realengo, muito têm se questionado sobre por qual razão e qual é o problema que Wellington Menezes de Oliveira para realizar aquele ato inominável. Problemas mentais ficam a parte do exame criminológico. Independente do diagnóstico psiquiátrico, ele pode ser considerado como um suicida midiático. Semelhante as intenções de Mateus da Costa Meira, mais conhecido por "O Atirador do Cinema", ou "O Atirador do Shopping", que com uma metralhadora portátil disparou conta uma plateia de um cinema em São Paulo em 1999. E semelhante também aos homens bombas, provavel inspiração de Welligton. Ele, como uma triste parcela da humanidade, ceifa a própria vida. Porém, infelizmente ele o fez causando comoção internacional. Agora, diante dos poucos fatos apresentados até agora, será que sua intenção era aparecer? Ser e ser visto? É fácil pensar assim de alguém que viveu a vida inteira na sombra. Dentro de sua mentalidade, talvez, ele tentou fazer um protesto contra o bullying (violência escolar). Alguém possa querer taxar ele como “coitado é doidinho”. Mas creio que no caso de Wellington foi mesmo o espetáculo midiático visto e inspirado no 11 de setembro. Mas tentar classificar Wellington é apenas a ponta do iceberg. Agora esse trágico fato ocorrido em uma escola brasileira deve ser discutido com exaustão e são necessárias mudanças políticas e na conduta da sociedade. No caso dele, todos os fatores devem ser levados em consideração. Ele, até o que foi dito tinha uma mãe esquizofrênica, fazia uso de medicamentos, e era massacrado mentalmente na escola. Ele não foi o único do mundo e nem será o último. Porém a escola é responsável pela integridade física e mental de seus alunos. Não pode deixar ao ponto de deixar alguém ser arremessado na lata de lixo. Foi dito que além do combate ao bullying deve haver preparo por parte dos educadores para identificar potenciais mentes agressivas e deve haver por parte do governo federal, estadual e municipal programas sociais para tratar de causadores e vítimas de violências. Sobre a segurança das escolas contra agentes externos, é da doutrina da educação brasileira não isolar as escolas, por considerar uma escola com livre trânsito de a comunidade ser mais segura. Assim como transparece que esta chacina não havia como ser impedida. Depois dos tiros em Columbine, todas as escolas estadunidenses instalaram detectores de metais em suas entradas. Seria essa uma solução para o Brasil? Há inúmeros exemplos de alunos entrarem armados contra o fato de a revista pessoal possa ser interpretada como uma forma de violência. Neste debate não me atrevo a adentrar e nem tenho propriedade para falar sobre o Batalhão Escolar da Polícia Militar. Outra questão mal resolvida é o desarmamento. É fato que Wellington poderia fazer um massacre com um facão. Mas também é fato que a indústria bélica age como qualquer outra pelo lucro em detrimento a qualquer outra coisa, e tira sua culpa quando ocorrem fatos como esse. Também é fato que a maioria dos homicídios ocorridos no Brasil são praticados por armas de fogo (registradas ou não). E contra aquele argumento que desarmamento irá desarmar os cidadãos de bens e deixar armados os bandidos. Muito dos alvos dos ladrões e dos latrocídas são as armas dos cidadãos de bens, na contramão do mantra “é para a minha segurança pessoal”. E se aquela pessoa se auto-denomina cidadão de bem, porque não limita o posse de sua arma apenas ao ambiente do clube de tiro. È a lei da ressonância: violência atrai violência ou gentileza atrai gentileza. Essa discussão é mais complexa porque no meio rural a realidade é diferente da cidade. Nas fazendas você está isolado e sem tempo hábil para a chegada de um socorro. O que não impede que as mesmas armas (legais e ilegais) sejam utilizadas para cometer crimes hediondos. Ao fim do artigo é difícil chegar a conclusões, mas abre interrogações. Ainda mais diante que o “talvez”, foi o principal advérbio nas narrativas jornalísticas.


#54 abril de 2011


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