corrente contínua Ano XXXII - Nº 227 - Julho/Agosto - 2009
A REVISTA DA ELETRONORTE
Waimiri Atroari, os filhos da esperança
Eletronorte
sumário
TRANSMISSÃO ONS: as linhas do desenvolvimento Página 3
TECNOLOGIA Inovações que transformam Página 11
circuito interno
MEIO AMBIENTE
Corpo técnico da Eletronorte leva conhecimento a outras instituições do Setor Elétrico Página 31
Um corredor para a diversidade Página 38
ENERGIA ATIVA
CORREIO CONTÍNUO
Eficiência e crescimento Página 36
FOTOLEGENDA
Página 54
Página 55
AMAZÔNIA E NÓS
RESPONSABILIDADE SOCIAL
Rondônia: diversidade, superação e desenvolvimento Página 44
Waimiri Atroari: etnia que renasce a cada dia Página 16
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SCN - Quadra 06 - Conjunto A Bloco B - Sala 305 - Entrada Norte 2 CEP: 70.716-901 Asa Norte - Brasília - DF. Fones: (61) 3429 6146/ 6164 e-mail: imprensa@eletronorte.gov.br site: www.eletronorte.gov.br
Prêmios 1998/2001/2003
Diretoria Executiva: Diretor-Presidente - Jorge Palmeira - Diretor de Planejamento e Engenharia - Adhemar Palocci - Diretor de Produção e Comercialização - Wady Charone - Diretor Econômico-Financeiro - Antonio Barra - Diretor de Gestão Corporativa - Tito Cardoso - Coordenação de Comunicação Empresarial: Isabel Cristina Moraes Ferreira - Gerência de Imprensa: Alexandre Accioly - Equipe de Jornalismo: Alexandre Accioly (DRT 1342-DF) - Bruna Maria Netto (DRT 8997-DF) - Byron de Quevedo (DRT 7566-DF) - César Fechine (DRT 9838-DF) - Érica Neiva (DRT 2347-BA) - Michele Silveira (DRT 11298- RS) - Terezinha Félix de Brito (DRT 954 –RO) - Assessorias de Comunicação das unidades regionais - Fotografia: Alexandre Mourão - Roberto Francisco - Rony Ramos - Assessorias de Comunicação das unidades regionais - Revisão: Cleide Passos - Arte gráfica: Jorge Ribeiro - Foto da capa: Rony Ramos - Arte da contracapa: Alexandre Velloso - Impressão: Brasília Artes Gráficas - Tiragem: 10 mil exemplares - Periodicidade: bimestral
TRANSMISSÃO Byron de Quevedo O sistema elétrico brasileiro movimenta em torno de 66 mil megawatts/dia. Porém, é a interconexão do sistema, com 93 mil quilômetros de linhas, e a sua versatilidade que o tornam único e especial. Esse sistema de vascularização da energia, com a predominância de hidrelétricas e com múltiplos proprietários, se entrelaça por meio do Sistema Interligado Nacional – SIN, sendo que apenas 3,4% da eletricidade do País está fora do SIN, em sistemas isolados na Amazônia. O coração da rede pulsa em Brasília, mais precisamente no Centro Nacional de Operação do Sistema – CNOS,
principal agente do Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS. Mas é nas extremidades que ele mostra a sua plenitude, iluminando campos e cidades. Uma complexa malha de providências está por trás do simples ato de se ligar uma lâmpada. Elas começam na sala de comando do CNOS, que é semelhante a um centro de comando de voos e aeronaves, como o Sindacta (foto). A diferença básica é que, enquanto os pontos luminosos dos painéis do Sindacta indicam aviões com centenas de pessoas dentro deles, cada ponto iluminado nas telas do CNOS significa milhões de pessoas que também não podem prescindir da energia. A
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ONS: as linhas do desenvolvimento
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semelhança entre os dois centros é tanta que durante recente crise dos aeroportos, o local recebeu técnicos da Infraero, que queriam adaptar o sistema para o controle aéreo. Hoje, o sistema elétrico em alta tensão tem capacidade instalada para o transporte
de 98,8 mil MW. O recorde de consumo é de 65,5 mil MW, evidenciando uma reserva energética. A energia hidráulica representa 89% do consumo brasileiro; as usinas térmicas convencionais (carvão, gás e óleo diesel) fornecem 11.895 MW; e as termonucleares
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Diretor-Geral do ONS, Hermes Chipp
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O que significou a criação do ONS para o Setor Elétrico brasileiro? Desde meados da década de 1970 até o final dos anos de 1990, o sistema elétrico interligado brasileiro teve sua operação coordenada por organismos colegiados, dos quais participavam as principais concessionárias do País. Eram os grupos coordenadores da Operação Interligada Sul/Sudeste e Nordeste e o Grupo Técnico Operacional da Região Norte. Em 1998, quando a reforma institucional do Setor Elétrico criou o Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS, já existiam as bases metodológicas, os modelos computacionais e os recursos humanos necessários para assumir a missão de operar o sistema elétrico de forma centralizada, com o objetivo de garantir ao mesmo tempo a segurança do atendimento e a redução dos custos operativos. Com a criação do ONS, a responsabilidade que era compartilhada pelos integrantes dos organismos colegiados passou a ser atribuída a uma única organização, que tem a missão de operar o Sistema Interligado Nacional - SIN com transparência, equidade e neutralidade. Que papel o ONS desempenha no atual modelo do Setor Elétrico? O ONS é uma entidade de direito privado, sem fins lucrativos, que coordena e controla a operação dos sistemas de geração e transmissão de energia elétrica no SIN, sob fiscalização e regulação da Agência Nacional de Energia Elétrica - Aneel. O Operador é uma associação civil, que tem como membros associados os agentes de geração, de transmissão, de distribuição, importadores e exportadores de energia e consumidores livres. Também participam representantes do Ministério de Minas e Energia e dos conselhos de consumidores. Seu papel é cuidar dos múltiplos aspectos técnicos relacionados à operação do SIN, fazendo a gestão dos recursos eletroenergéticos disponibilizados pelos agentes, na busca de prover a sociedade com segurança de suprimento e respeitando a modicidade tarifária. O ONS está estruturado com base em três macrofunções, que abrangem as diferentes atividades que lhe são atribuídas por lei: a administração dos serviços de transmissão, o planejamento e a programação da operação e a operação propriamente dita, executada em tempo real pelos seus centros de operação. A execução dessas atividades envolve de forma integrada diferentes campos do conhecimento técnico especializado.
Para o ONS, que influência têm o tamanho e a complexidade do sistema elétrico brasileiro? O sistema elétrico brasileiro é singular, tanto por suas dimensões geográficas, quanto por seu porte. Mas a característica que mais nos diferencia dos outros países é a relevância da hidroeletricidade em nossa matriz energética. A maior parte da energia produzida no País depende de um insumo cuja disponibilidade não pode ser completamente garantida nem prevista em um horizonte extenso. Em nosso caso, coordenar a operação significa definir, a cada instante, de que forma os recursos hídricos e termoelétricos serão utilizados para garantir o atendimento dos consumidores, com continuidade, segurança e ao menor custo de produção. E isso deve ser feito analisando-se um horizonte plurianual, em que possam ser avaliadas as consequências futuras das decisões tomadas no presente. Nesse cenário, a rede elétrica e, principalmente, as interligações entre regiões assumem um papel muito importante, pois viabilizam o aproveitamento da diversidade de comportamento entre as diferentes bacias hidrográficas, bem como o atendimento de regiões em situação de escassez de recursos hídricos com energia exportada por outras partes do sistema. O SIN é um dos mais modernos do mundo. A sua expansão conta com várias obras do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC. Qual a importância delas para o futuro do País? O Plano Anual da Operação Energética de 2009, divulgado em junho passado e disponível para consulta em nosso site (www.ons.org.br/), avalia, sob a ótica da operação, as condições de atendimento ao SIN para o quinquênio 2009-2013, recomendando, se necessário, ações adicionais para a adequação da oferta ao mercado previsto de energia elétrica. As avaliações realizadas indicam uma situação confortável de atendimento ao mercado nos próximos cinco anos. O critério de garantia de suprimento preconizado pelo Conselho Nacional de Política Energética, riscos de déficit de energia abaixo de 5%, é atendido com folga em todas as regiões, durante todo o quinquênio. Essa situação favorável de atendimento se deve, principalmente, à oferta agregada pelos leilões de energia nova e de linhas de transmissão realizados desde 2005. No total, nos próximos cinco anos deverão ser acrescidos
Arquivo ONS
ao SIN cerca de 28 mil MW. A oferta de energia elétrica proveniente das usinas que fazem parte do PAC é extremamente importante para a manutenção dessa situação confortável. Ela é composta por 124 usinas e soma 21.900 MW, aproximadamente 78% de toda a expansão considerada para o SIN no período 2009-2013. Em relação aos sistemas isolados, qual a expectativa de interligação deles ao SIN? A expansão das fronteiras do SIN começa a tornar-se uma realidade com a integração do Acre e de Rondônia, cujos testes de sincronização foram realizados com sucesso no final de julho, de acordo com as condições indicadas pelos estudos pré-operacionais do ONS. Na prática, a integração plena da Região Norte contempla diferentes marcos. Os outros dois são igualmente ambiciosos: a interligação Tucuruí-Manaus-Macapá e o sistema de escoamento da geração das usinas do Rio Madeira. Em todos esses casos, o ONS promove estudos com vistas a realizar a integração ao SIN. No caso de Tucuruí-Manaus-Macapá, os contratos de concessão com os vencedores dos três lotes foram assinados em outubro do ano passado, e a expectativa é de que a linha - com cerca de 1.800 km de extensão - comece a operar em 2011. Por fim, o Complexo do Madeira, considerado um dos maiores desafios para o Setor Elétrico, em razão da magnitude das duas usinas e da extensão das linhas de transmissão, tem previsão de início de operação em 2012. O Operador teve o cuidado de colocar como requisitos do edital de licitação do Madeira algumas medidas de gestão do conhecimento na área de transmissão em corrente contínua, em vista da necessidade de ampliação da formação especializada nessa área. A Rede de Gerenciamento de Energia - Reger é um dos projetos relevantes para o Setor Elétrico brasileiro. O que esse projeto mudará nos sistemas de controle? Certamente, a Reger está hoje entre os trabalhos mais estratégicos realizados pelo Operador. A implantação desse novo sistema de supervisão e controle representará um grande marco para a coordenação do SIN. Isto faz parte
e COSRN, no Nordeste; e o COSRNCO, no Norte-Centro-Oeste. E o SIN opera em vários níveis de tensão com milhares de pontos de torres, o que demonstra a importante função do ONS, monitorando e supervisionando a extensa rede. Segundo o engenheiro operador
do contínuo aperfeiçoamento dos processos, inerente à atividade de uma instituição que precisa lidar com tecnologia de ponta, no estado da arte. O primeiro passo do projeto Reger aconteceu com a recente assinatura dos contratos com o consórcio Siemens-Cepel e com a OSIsoft, para desenvolvimento do primeiro ciclo. A propósito, o Reger colhe os frutos do trabalho conjunto desenvolvido no âmbito do VLPGO (Very Large Power Grid Operators),onde foi estabelecida uma especificação de referência para sistemas de gerenciamento de energia. A partir da implantação de uma plataforma unificada de supervisão e controle, em substituição aos atuais recursos operacionais providos por diferentes fornecedores, o ONS terá melhores condições para garantir a continuidade dos processos de supervisão. Cada um dos seus centros de operação poderá ter as atribuições assumidas por outro, sem prejuízo para o sistema. O projeto tem um horizonte de longo prazo, dividido em ciclos. A primeira dessas fases será concluída em 30 meses, o que significa que a Reger estará em funcionamento já no segundo semestre de 2011. O ONS tem um corpo de profissionais qualificados. Como o Operador desenvolve seus recursos humanos? O cumprimento da missão institucional do ONS depende de uma bem-sucedida interação entre o desenvolvimento de sistemas e recursos tecnológicos e a capacitação de seus recursos humanos. Ao longo dos anos, temos investido em programas de desenvolvimento tecnológico e de gestão, utilizando o suporte de empresas de consultoria, centros de pesquisa e universidades. Além disso, temos tratado com muito cuidado a questão da gestão do conhecimento na organização. Em 2005, foi elaborado um Plano Diretor de Gestão do Conhecimento e, em 2007, iniciou-se a implantação de um processo estruturado para essa gestão. Hoje, já identificamos os conhecimentos de foco prioritário do ONS, isto é, aqueles que são estratégicos ou de responsabilidade específica do Operador, ou ainda que apresentem algum aspecto de criticidade, como concentração em poucos profissionais ou risco de perda desses conhecimentos. As iniciativas para sua retenção, criação ou disseminação são importantes para o fortalecimento e a perenidade do Operador. Afinal, o conhecimento é nosso maior patrimônio.
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Angra I e II e pequenas centrais geradoras suprem 2.007 MW. O CNOS possui centros regionais que conversam com 200 agentes de geração, transmissão e distribuição 24 horas por dia: o COSRS, no Sul; o COSRSE, no Sudeste;
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em tempo real do CNOS, João Lúcio Machado Fernandes, a coordenação começa na sede do Operador, no Rio de Janeiro, passa pela operação de tempo real e se conclui no dia seguinte com o relatório de análises.
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Tempo real – Operações em tempo real são aquelas preventivas para se manter a reserva operativa, controlar tensão e frequências, os limites das linhas de transmissão e demais normas e procedimentos. João Lúcio descreve a rotina: “Recebemos do Rio de Janeiro as instruções de operação, que são centenas. Vamos então para o tempo real. Às 6h30, recebo o programa de operações, vejo as intervenções e vou acompanhando, pois pode haver mudanças. Lidamos com mil unidades geradoras e 700 circuitos, sujeitos a intempéries e falhas operacionais e humanas. Temos a previsão de cargas, mas se há uma frente fria, a carga diminui; se ocorrer um ‘veranico’, a carga aumentará. Aí tomamos ações corretivas e reprogramamos a carga de energia de uma região para a outra, religamos equipamentos, flexibilizamos limites operativos, tudo sem exceder a capacidade de transporte das linhas de transmissão”. Os turnos vão se revezando, trocam-se os operadores e, enquanto isso, o País realiza suas atividades normalmente e poucos sabem daqueles que varam dias e noites atentos. Rostos iluminados pelas telas, olhos fixos, um turbilhão de pensamentos e um único desejo: que o novo dia traga a melhor surpresa, ou seja, nenhuma surpresa. João Lúcio (ao lado) lembra um caso: “Em 12 de março de 1998, por volta das 22 horas, horário de cargas altas, tínhamos as usinas do Rio Paraná cheias d’água e precisando gerar. Então veio o tal raio de Bauru, desligando as dez linhas da subestação que supre São Paulo. Aí, pela sobrecarga e queda da frequência e tensão, outras subestações foram sendo desligadas em série. Esse foi o resultado de dez anos sem investimentos na expansão da transmissão. O atual modelo do Setor Elétrico criou o ONS, a ANA, fortaleceu a Aneel, trouxe novas metodologias, melhorou a avaliação e a segurança eletromagnética. Dificilmente a mesma situação se repetirá”. Brasil x Argentina - No campo da energia não existe a rivalidade Brasil versus Argentina,
nem contra os tradicionais adversários do futebol, Uruguai e Paraguai; pelo contrário, todos se ajudam principalmente em situações de crise. O CNOS ‘conversa’ com esses países por meio de acordos internacionais. No caso do Paraguai, via Itaipu, onde consumimos toda a energia do lado brasileiro e compramos 90% da produzida do lado paraguaio. João Lúcio observa que com a Argentina temos pontos de conversão em Garabi I e II e Uruguaiana, porque a nossa frequência é de 60 hertz, e a dela, 50 hertz. “Melhoramos o intercâmbio. Agora enviamos a energia para a Argentina no período do inverno de lá. Depois ela nos devolve, a partir de outubro, quando as nossas hidrelétricas estão com cotas baixas”. O superintendente de Comercialização de Energia da Eletronorte, José Serafim Sobrinho (ao la do), não vê problema em interligar o SIN com sistemas de outros países da América do Sul. “Basta um bom acordo de despachos de cargas. Em breve, teremos uma série de usinas na Bolívia, no Peru, e de lá puxaremos as linhas, ajudando, inclusive, os outros países a crescerem. Com a diversidade climática, as bacias hidrográficas podem contribuir umas com as outras. No vale do Rio Orinoco, na Venezuela, o pico de vazão é em julho, junto, por exemplo, com a Usina Hidrelétrica Balbina, no Amazonas. Já na região central do Brasil, o pico das chuvas acontece entre fevereiro e março. A gestão das bacias propicia melhor uso de recursos e investimentos, pois a eletricidade pode transitar nos dois sentidos e garantir um abastecimento perene em todo continente ”, afirma. Copa do Mundo – O maior evento esportivo do planeta também é um bom termômetro para testar o sistema elétrico brasileiro. O coordenador de Certificação do CNOS, Plínio de Oliveira (acima), conta que durante os jogos da Seleção Brasileira de futebol o consumo sobe 11.500 mil MW em
Segurança sem cochilos - Os operadores e técnicos da Subestação Presidente Dutra, no Maranhão, bateram o recorde mundial em segurança no trabalho em 2009: são 21 anos sem acidentes do trabalho com afastamento do serviço. Um desempenho assim traz mais responsabilidades. Odorico Paulo Vieira Garcez, operador de tempo real do Centro de Operação Regional do Maranhão, conta que se sente realizado com sua profissão, tanto é que abandonou o jornalismo para ficar com ela, muito embora viva sob tensão. “É verdade: lidar com tensões é meu trabalho. Mas alivio-as fazendo trabalhos comunitários voluntários junto a jovens e idosos. A importância do operador em tempo real numa regional está na resposta diante de situações possíveis de causar blecautes. Um controle mal executado no meu sistema pode comprometer o fornecimento de energia elétrica em grande parte do País. Não posso cochilar. Se na saída de uma carga, por exemplo, eu cometo uma falha entre a média e a alta tensão, essa carga provoca rejeições na geradora, em nosso caso, na Usina Hidrelétrica Tucuruí. Tenho pouco tempo para restabelecer o fornecimento, principalmente para os grandes consumidores industriais que precisam manter os autofornos perenes. Manter as tensões dentro das faixas, com o mínimo de oscilações, é o que determina a qualidade da energia. E ainda há multas severas se a indisponibilidade do sistema ultrapassar o tempo previsto nos procedimentos estabelecidos pela Aneel. Um minuto é o tempo que tenho para dar uma resposta ao
Odorico e Hamilton: decisões rápidas em tempo mínimo
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minutos, o equivalente ao que é consumido pela Região Sul em um único dia. Quem imaginaria que assistir televisão economiza eletricidade e que o aumento no gasto de energia revela perda de popularidade? Segundo Plínio, no final da novela das 8h da noite há picos de até 4.500 MW. “Depois dela todos vão tomar banho, aparelhos e luzes são ligados e o consumo sobe. Durante o horário político, as pessoas vão procurar outra coisa para fazer e o consumo vai às alturas: quatro mil MW sobem em segundos”. E por falar em Copa do Mundo, lembram-se do Zagalo gritando para a Seleção Brasileira: “Joga pelas pontas!”. Com a eletricidade é a mesma coisa, mas é o País inteiro que grita: “Mais energia nas pontas!”. Ouviram o eco da torcida e as vitórias foram chegando aos consumidores residenciais, comerciais, industriais e de serviço público. Mas, como o Garrincha, jogam muito bem pelas pontas os técnicos dos centros regionais de operação da Eletronorte na região amazônica. De acordo com o superintendente de Engenharia de Operação e Manutenção da Transmissão, Sidney Custódio Santana Junior (abaixo), “com o ONS houve evolução nas formas de supervisão. Antes tínhamos uma subestação 1, que atendia a uma carga 1; e outra subestação 2 e uma geradora. Havia uma linha de transmissão unindo essa usina a uma subestação e mais uma linha. Isto é o que chamamos de critério ‘N’ de segurança. Significa que se perdêssemos essa linha o sistema seria interrompido. Agora temos o critério ‘N-1’, por meio do qual é possível manter o atendimento mesmo que se perca uma linha, uma vez que outra linha fará o abastecimento”.
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Secretário Nacional de Energia, Josias Matos de Araújo
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Qual a influência do governo junto ao ONS? O ONS tem participação junto ao governo no Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico, órgão coordenado pelo Ministro de Minas e Energia, que conta ainda com a Empresa de Pesquisa Energética – EPE, ANA, Aneel, ANP e demais órgãos envolvidos. É nesse Comitê que são tomadas as deliberações com relação ao Sistema Interligado Nacional - SIN. O ONS faz os estudos restabelecendo níveis de armazenamento de reservatório que vêm para o Comitê deliberar. O Operador tem total independência para operar, coordenar e verificar as mudanças de regra no setor, pois é também um órgão fiscalizador do sistema elétrico sob o ponto de vista de operação. A Aneel, em última instância, é a fiscalizadora do sistema. A parcela variável, calculada pelo ONS, é outra forma de multar as empresas? De fato a parcela variável acaba incidindo sobre o faturamento das empresas. Os cálculos são feitos pelo ONS, baseados na saída de atividade do equipamento e de acordo com o período que ele ficará indisponível. Se um equipamento ficar fora de ação por 20 horas, por exemplo, então ao ser feito o pagamento da receita anual permitida, o valor da penalização será automaticamente deduzido da receita da empresa. O sistema de transmissão brasileiro é suficiente para atender ao crescimento da demanda? Sim. Mas é necessário que o Brasil continue investindo no setor. Têm acontecido os leilões, os denominados A-3, das usinas térmicas; e os A-5, para geração hidráulica. Significa que a partir do momento em que a empresa vence
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ONS, avisando-o da disponibilidade do equipamento para a religação”. Já para o operador em tempo real, Hamilton Caldas da Silva, o seu trabalho é especial porque está à frente da atividade-fim da Empresa. “Só no Maranhão coordenamos nove subestações, além de instruir os operadores locais. Já vivemos situações de emergência resolvidas sob a coordenação do ONS para recompor o sistema. Há três anos perdemos duas linhas simultaneamente. Ver uma cidade apagada para nós é algo muito sério. E mesmo que a culpa não seja diretamente nossa, se não soubermos administrar esse sentimento, ele
o leilão, ela tem cinco anos para entregar as obras. Para usinas térmicas, a entrega é prevista para três anos e temos os leilões para se criar reservas energéticas. O Brasil cresce a uma taxa de 4,5% a 5% ao ano; ou seja, é necessário colocar todos os anos no sistema mais quatro mil MW. Por isto o Programa de Aceleração do crescimento - PAC já prevê obras vitais como Belo Monte, a ser leiloada ainda este ano; os projetos do Rio Tapajós, usinas térmicas e usinas alternativas, como é o caso das eólicas, com leilão previsto para novembro próximo. O SIN poderá vir a ser um sistema internacional na América do Sul? Queremos estreitar o relacionamento com os países vizinhos. Estamos negociando com o Peru uma linha de transmissão entre os dois países e a construção de várias hidrelétricas no lado peruano, cujo potencial é de 20 mil MW. Destes, seis mil já podem ser explorados por usinas de médio porte. Há um estudo sendo feito pela Aneel para regulamentar o atendimento energético às nossas áreas de fronteiras. Essas interligações não nos prejudicariam, pois nossas linhas já possuem boa margem de segurança, fazendo com que as linhas de um sistema interligado internacional adquiram o mesmo perfil. A solução para os sistemas isolados está a caminho? O objetivo do governo é interligar os sistemas do Acre, Rondônia, Amapá, Roraima e Manaus, hoje abastecidos por usinas térmicas na sua quase totalidade. Temos as hidrelétricas Balbina (AM), Samuel (RO) e Coaracy Nunes (AP), mas o restante é atendido com energia vinda de usinas térmicas caras, movidas a derivados de petróleo, o que leva as concessionárias, principalmente a Ele-
perdurará. Temos que nos conscientizar que somos profissionais capacitados e momentos como esse surgirão, não é um processo fácil. Mas é bom saber da nossa importância”. O gerente do Centro Regional, Décio Bueno, lista os principais clientes atendidos no Maranhão: a distribuidora estadual Cemar e os eletrointensivos Alumar e Vale. “Hoje o consumo da Alumar é uma vez e meia o consumo diário de todo o Maranhão, de 800 MW, em decorrência do processo de eletrólise durante a fabricação de alumínio, onde 85% do custo é energia elétrica. Mas o consumo do estado também tem crescido. Hoje nós temos duas
linhas de transmissão para São Luís, que estão sendo recapacitadas e expandidas. Os nossos operadores são muito exigidos, mas a modernização dos equipamentos e sistemas ajuda na tomada de decisões”.
Décio, à esquerda, e Mauro, à direita: valorizando treinamentos
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tronorte, a terem sérios problemas financeiros. Com o objetivo de eliminar o problema, a primeira decisão foi interligar o Acre a Rondônia, e Rondônia a Mato Grosso, o que será feito ainda este ano. Em 2011 teremos a interligação de Tucuruí com Manaus e Amapá. Já existem projetos de interligação de Roraima com o Amazonas. Quando essas providências se tornarem realidade, reduziremos muito o prejuízo, o que é chamado pela Aneel de custo evitado; ou seja, a cada linha construída, se evita custo de mais geração térmica. É bom lembrar que o valor aprovado, este ano, para a conta CCC, pela Aneel, é de R$ 2,5 bilhões. Ano passado esse valor foi superior a R$ 3,8 bilhões. Ou seja, já fizemos uma economia em torno de R$ 1 bilhão. Mas a CCC, pela lei atual, só encerrará seus benefícios no ano de 2023. Na região amazônica, certos locais serão atendidos por sistemas isolados específicos de unidades de células fotovoltaicas, energia eólica, bioenergia, biomassa, já contempladas pelo programa Luz para Todos.
Luzes da cidade – Num apagão há dois momentos periclitantes: quando o problema é técnico, vem o sentimento de desgaste devido à responsabilidade pela manutenção. Quando a falha é humana, o sentimento é pior. “A solução é dialogar com os companheiros e manter a tranquilidade, lembrando que as próximas ações devem ser mais cuidadosas, mas não podemos perder de vista a importância de tudo que fizemos e que ainda faremos. Nesses momentos valorizamos ainda mais os treinamentos. E não podemos desvalorizar o profissional, derrubando a sua autoestima, pois não dá para formar técnicos desse nível da noite para o dia. E a despeito do erro, temos que contar com o profissional de mente saudável e pronto para agir. Por exemplo, minha válvula de escape para aliviar as tensões é fazer trilha e mergulhar”, conta Décio. O gerente da Regional de Transmissão do Maranhão, Mauro Luiz Aquino dos Santos, no intuito de reduzir os problemas de comunicação entre os operadores de tempo real, instalou há alguns anos placas e câmeras de vídeo para gravar as instruções aos técnicos durante as trocas de turnos. “Desde então, as imagens gravadas não só servem como instrução de rotina, mas também se transformaram em importantes documentos de consulta e de aprendizado”. Como as luzes da cidade não podem se apagar, a energia dos nossos técnicos não pode esmorecer. Ninguém quer ficar no escuro. Afinal, a escuridão pode nublar a visão dos homens e roubar o brilho das cidades.
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Hamilton e família
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Mulheres em tempo real
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Quando elas caíram na real, já estavam casadas com operadores de tempo real. Aí foi um Deus nos acuda. Eram homens diferentes: sumiam no meio da noite para áreas de alta periculosidade. “Nós trabalhamos em subestações!” explicavam eles. Só que como elas nunca podiam entrar lá, por algum tempo pensaram que as subestações eram algum tipo de submundo. “Tá vindo aí um blecaute, tô indo para uma operação especial!”, gritavam eles lá de fora da casa, já entrando no carro. “Ahn han, eu ainda vou descobrir quem é esse ‘black’ e essa tal de ‘out’. É só faltar a luz que esses dois telefonam pra cá!”, murmuravam as jovens esposas daqueles operários tão apaixonados pelo trabalho de manter acesa as luzes da cidade. Agora são recordações e as famílias felizes, com os filhos já criados e encaminhados, juntam-se para rir, mas no início foi difícil, muito difícil. É o que dizem elas. Discussões, risos, lágrimas e abraços: foi assim. Alguns já calvos, outros com os cabelos brancos. Mas o que nunca mudou entre eles foi a amizade. Arcelino da Silva Nascimento, José Martins Soares, José Antônio, Joaquim Carlos Brito, Hamilton Caldas da Silva e Odorico Paulo Vieira Garcez são operadores em tempo real do Centro de Operações do Maranhão. Sim senhor, e suas mulheres, ‘operadoras da realidade do tempo’. Dona Valma Fontes Ribeiro Garcez é casada com Odorico há 21 anos. O casal tem dois filhos, Marcos Paulo e André Luiz. Ela conta que foi difícil adaptarse ao sistema de trabalho de turno do marido, pois impedia que eles participassem de festas, casamentos e encontros de casais. São religiosos e ficava difícil para ela ser conselheira com um marido que faltava
Odorico e família
muito aos encontros. “Procuro entender a profissão dele, mas os treinamentos são em locais tão distantes. O André Luiz só conheceu o pai quando tinha quatro meses. O Odorico estava fazendo um curso em Tucuruí. Mas olhando para trás, vendo tudo que construímos, mesmo com tudo que passamos, eu agradeço a Deus!”. Já dona Isabel Cristina, casada há 20 anos, a esposa do Hamilton, é mãe do Daniel e da Débora Cristina. Ela comenta como a rotina de sua família é diferente das demais: “Todo mundo vai ao cinema no final de semana, a gente não, só na quarta-feira. Este ano nem fizemos festa de Ano Novo, ele sempre trabalha nessa data!”. A família conseguiu adaptar-se à rotina de trabalho do pai, o mesmo não se pode dizer dos seus cães. Hamilton e Daniel chegaram à conclusão que é melhor não tê-los para não perdê-los. E Débora Cristina relata uma triste história: “Já tivemos quatro cães e foi um fracasso. As duas cadelas morreram logo, um fugiu e jamais foi encontrado e o outro enlouqueceu. Este último, um fila brasileiro enorme, de uma hora para outra começou a destruir tudo dentro de casa, possesso. Tivemos que sacrificá-lo!”. Hamilton adorava seus cães e seus cães o adoravam; mas agora vai explicar para um cachorro o sistema de turnos da Eletronorte! Já a Débora, que na sua meninice assistiu tantos cães partirem, sem dúvida hoje busca na ciência a resposta de tal incompatibilidade do seu lar com o lar dos seres caninos. Está estudando, ao mesmo tempo, veterinária e biologia. “Eu amo cães!” diz ela com uma ponta de saudade. Mas dona Isabel retruca. “Que nada, ela quer os coitados é para dissecar. Aqui cachorro não entra!”.
Eletronorte é a única estatal entre as 25 empresas mais inovadoras do Brasil “E como é que vocês conseguiram imprimir essa dinâmica, que parece típica de empresa privada? Porque isso não é comum.” A pergunta é feita pelo editor da revista Época Negócios, Marcos Todeschini, em entrevista realizada em Brasília, da qual participaram Neusa Maria Lobato Rodrigues, superintendente de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico e Eficiência Energética da Eletronorte, e os empregados João Nilson de Oliveira, de Tucuruí, e Raimundo Nonato de Oliveira Guimarães, de Macapá. As respostas enchem de lágrimas os olhos do entrevistador e entrevistados. “O amor que eu tenho pela Eletronorte é uma coisa maravilhosa. Nós, ‘eletrossauros’, somos apaixonados pela Empresa e esse amor consegue romper todos os problemas e percalços que temos.
Cada pessoa aqui dentro sabe da importância do seu papel”, responde Neusa. “Com o tempo, a gente vai criando amor pela equipe de trabalho e tem as pessoas como se fossem parentes, familiares nossos. Nós desenvolvemos as atividades juntos e, às vezes, se um colega precisar, ele está à vontade para ligar, porque me considera como irmão. Em nossa Divisão nós temos um slogan: o fácil foi feito, o difícil nós estamos fazendo e o impossível demora um pouco. E tudo isso vai alavancar o processo como um todo”, ensina Guimarães. João Nilson acrescenta: “Nós fazemos por amor à Empresa. Queremos ver uma Eletronorte que não para, que continue funcionando e gerando energia. Como eu tinha isso de
Wady Charone (à direita) recebe prêmio de Kátia Militello e Nelson Blecher
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César Fechine
Divulg ação
tecnologia
Inovações que transformam
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inventar coisas para mim, não foi difícil pensar em como melhorar os processos empresariais. O principal é o reconhecimento. A Empresa pede o registro da patente, divulga a inovação e divide o lucro com o empregado.” A entrevista foi feita para o Anuário de Inovação de Época Negócios, que teve edição lançada em julho de 2009 com a primeira edição do prêmio ‘As empresas mais inovadoras do Brasil/2009’. A Eletronorte ficou entre as 25 primeiras e foi reconhecida com o prêmio, uma parceria da revista e o Fórum de Inovação da Fundação Getúlio Vargas - FGV, juntamente com o instituto Great Place to Work - GPTW, e apoio técnico da Fundação Nacional de Qualidade - FNQ, na categoria Processo de Inovação. “Fizemos esse levantamento em parceria com a FGV para o anuário sobre inovação, que aborda os fenômenos que estão acontecendo nas empresas, processos e novos negócios. É a primeira vez que fazemos esse especial. Os pesquisadores visitaram as empresas, distribuíram os questionários e recebemos o resultado com os destaques”, explica o jornalista Marcos Todeschini (acima, ao lado de João Nilson), 28 anos, com passagens por veículos como Veja, Exame, 4Rodas e Superinteressante, trabalhando em Época Negócios desde o início deste ano como editor. “A primeira coisa que chama a atenção é a Eletronorte ser a única empresa estatal na pesquisa”, diz o jornalista. Por isso a pergunta citada no início desta matéria.
Após a premiação, o diretor de Produção e Comercialização, Wady Charone, afirmou que um dos fatores mais importantes para uma organização é manter a equipe motivada. “Um dos fatores que levam a isso é o reconhecimento, ver o brilho nos olhos dos empregados. Esse prêmio valoriza a Eletronorte, a única empresa do governo a ser agraciada, o que aumenta o nosso desafio para construir, inovar, crescer, agregar valor e mostrar que podemos fomentar a inovação.” O diretor-presidente, Jorge Palmeira, lembra que o processo de inovação na Eletronorte começou há anos, ou seja, com o programa TPM e vem se aprimorando. Hoje, com a carteira de projetos de pesquisa e desenvolvimento, temos não só no nível interno, mas também no externo, várias tecnologias e procedimentos que promovem a inovação, principalmente nos processos produtivos da organização e nos diversos pedidos de patentes.” Investimentos - Desde 2002, a Eletronorte celebrou contratos de projetos de P&D com uma rede de universidades e centros de pesquisa sediados em 20 estados, com o envolvimento de mais de 700 pesquisadores. Além dessa rede de instituições, a Empresa também executa pesquisas em seu Centro de Tecnologia, em Belém (PA), e no Centro de Pesquisa do Sistema Eletrobrás - Cepel (RJ). Atualmente, a Empresa faz a gestão direta de 205 projetos de P&D e participa de outros
87. Os projetos de inovação já geraram 111 produtos, sendo 22 protótipos, 34 softwares e 55 métodos. Esses projetos também resultaram em 31 soluções tecnológicas para a Empresa, sendo 20 na área de geração e 11 na de transmissão. Os investimentos em inovação não param de crescer. “O investimento médio da Empresa é de R$ 10 milhões por ano. E há R$ 50 milhões provisionados para os próximos três anos”, informa Álvaro Raineri (ao lado), gerente dos programas de P&D da Eletronorte. Mais de R$ 410 mil foram distribuídos aos empregados
conduzem o processo de inovação; o processo de inovação, que se inicia com a alocação de recursos e compreende as etapas de geração de ideias, desenvolvimento e implementação das inovações; e os resultados, evidenciados pelos ganhos financeiros gerados pelas dimensões anteriores. “A pesquisa procurou identificar os fatores que conferem a determinadas companhias diferenciais importantes em um mercado cada vez mais padronizado”, declarou ao final do evento de premiação o diretor-geral da Editora Globo, Frederic Zoghaib (acima). O Anuário de Inovação Época Negócios contém o perfil das 25 empresas vencedoras e de como foi feito o estudo que buscou entender os processos de produção para que as companhias fossem consideradas continuamente inovadoras. A maneira holística com que analisa as empresas possibilita ao Fórum de Inovação da FGV-Eaesp conciliar as modernas visões das práticas de inovação e da ‘arte de fazer a diferença’. que desenvolveram projetos inovadores por meio do Prêmio Muiraquitã. “Tudo isso levou ao aumento do número de pedidos de patentes da Empresa, que chegam hoje a 51 solicitações. Os autores dos projetos ganham 20% sobre o que for comercializado”, relata Neusa Lobato (ao lado). Retífica - Na entrevista com os nossos dois ‘professores pardais’ depreende-se que o dom para a invenção manifesta-se ainda na infância. O auxiliar técnico de manutenção João Nilson, desde pequeno inventa coisas e diz que nas empresas em que trabalhou sempre procurou um
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A primeira lista anual de Época Negócios com as empresas mais inovadoras do Brasil foi formada a partir de uma pesquisa feita por professores do Fórum de Inovação da Fundação Getúlio Vargas/ Escola de Administração de São Paulo – FGVEaesp. O Fórum conduz há sete anos estudos a respeito dos fatores que contribuem para que uma empresa ou instituição seja permeada por um processo contínuo de inovações, tanto tecnológicas quanto organizacionais. “O que se busca com a investigação é uma visão integrada da companhia”, sintetiza Marcos Vasconcellos, coordenador do Fórum. Mais de cem empresas se inscreveram para o prêmio e o levantamento foi resultado de 14 meses de trabalho. As candidatas preencheram extenso questionário que, no conjunto, radiografa todos os processos internos, capazes de levá-las – ou não – à condição de ‘organização inovadora’. Para se assegurar da precisão das informações enviadas, examinadores da Fundação Nacional da Qualidade – FNQ, juntamente com o instituto Great Place To Work – GPTW, deram apoio técnico ao levantamento e visitaram as 35 finalistas. Cinco dimensões foram analisadas pelos especialistas, cada uma com peso diferente no cômputo final: o papel da liderança na definição das estratégias e no incentivo à criatividade; o meio inovador interno, que estimula a iniciativa e o envolvimento das pessoas; as pessoas que
Divulgação
Diferenciais importantes
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jeito para melhorar o trabalho. Na Eletronorte desde 1984, João Nilson (à direita) tem várias inovações registradas, como o dispositivo para a usinagem de eixos mecânicos em tornos de pequeno porte. “Os equipamentos disponíveis na Usina Hidrelétrica Tucuruí não suportavam o diâmetro do anel coletor das máquinas da primeira etapa, que era maior do que o torno que nós temos para manutenção. E sem o anel a máquina não gera energia. Nós estamos falando de uma unidade geradora de 350 MW de potência, com três anéis, cada, totalizando 36”, detalha. Para fazer a retífica do anel coletor, a unidade geradora chegava a ficar parada por 30 dias e uma verdadeira operação de guerra era montada para transportar a peça com mais de dois metros de diâmetro até São Paulo, por meio de balsas e caminhão, muitas vezes em estradas intransitáveis. O custo total evitado pela Empresa após a utilização do dispositivo para usinagem é estimado em mais de R$ 28 milhões. “Eu pensava: já fiz tanta coisa e para eu fazer isso não vai custar. Falei para as pessoas que ia fazer, algumas duvidaram,
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O futuro da inovação
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O engenheiro Luis Cláudio Silva Frade (foto), chefe do Departamento de Gestão Tecnológica da Eletrobrás, está participando de um projeto iniciado em 2008 (estilo wikipédia), coordenado pelas professoras Anna Trifilova e Bettina von Stamm, ligadas ao Innovation Leadership Forum (ILF), que resultará na publicação de um livro sobre ‘O Futuro da Inovação’. O projeto contou com a contribuição de 350 profissionais de 60 países, sendo que cerca de 200 foram escolhidos para a publicação do livro que será lançado em novembro. No mês passado, o site do livro foi lançado na 20th Conference of The International Society for Professional Innovation Management (ISPIM), em Viena, na Áustria, e contém um artigo escrito por Frade, que retrata o pensamento sobre o futuro da inovação no Brasil. O site traz artigos sobre inovação de diversas vertentes, países e pessoas e pode ser consultado no endereço http://thefutureofinnovation.org/.
e eu disse, dá. Quando retifiquei o primeiro anel o pessoal disse, agora você concluiu a sua ideia. Eu tinha certeza que ia fazer e fiz”, diz o coautor de outras inovações. Após o dispositivo ser criado, o tempo máximo de manutenção dos anéis passou para três dias, tudo feito na própria Usina. “E o melhor é que, depois que nós começamos a fazer a retífica, a máquina parou de dar problema no anel coletor, aparece uma vez ou outra”, acrescenta Nilson. Escavadeira - O paraense Raimundo Nonato de Oliveira Guimarães (abaixo, ao centro) só foi registrado aos dois anos de idade. “Eu sou paraense, mas fui para o Amapá com dois anos e a minha mãe deixou para me registrar lá porque o meu avô era tabelião. Eu nasci em Belém, mas sou amapaense”, diz, num paradoxo compreensível para quem conhece o imenso ‘nortão’ do País.
Ensaios garantem confiabilidade de equipamentos
Técnico industrial de engenharia, Guimarães está há 32 anos na Eletronorte e trabalha na Usina Hidrelétrica Coaracy Nunes, a primeira hidrelétrica da Amazônia, localizada no município de Ferreira Gomes (AP). Ele é outro dos inventores premiados da Empresa. E pensar que tudo pode ter começado com uma brincadeira de menino. “Quando eu era criança, via aquelas pás carregadeiras. Aí eu peguei uma lata de leite, enchi de terra, furei do lado, inseri um arame, peguei uma lata de óleo, daquelas retangulares, cortei de fora a fora, amarrei um fio e um arame e ela puxava e ‘basculhava’”, conta. Hoje, Guimarães é autor de projetos como o reservatório para uso em máquinas pesadas, com sistema de retrolavagem, que permite a
laboratório para realizar os ensaios. Os técnicos já realizam diversas atividades, tais como ensaios de tensão suportável à frequência industrial, medição de capacitância e fator de dissipação, medição de descargas parciais e medição de radiointerferência, limitados ao nível de tensão de 800 mil Volts em corrente alternada. Após a entrega do novo laboratório, que está em construção, também serão realizados ensaios de impulso atmosférico (simulação de uma descarga atmosférica) e ensaios de impulso de manobra (simulação de um chaveamento), em até 2.400.000 Volts. Além de reduzir as despesas operacionais, o laboratório possibilitará a prestação de serviços para outras empresas, o que já acontece, por exemplo, com a Alunorte. “Executar esses ensaios é motivo de orgulho para a equipe e serve de estímulo à determinação na superação de novas dificuldades para ajudar a Eletronorte a atingir as suas metas de ser uma Empresa lucrativa”, finaliza Lídio. limpeza dos radiadores sem a necessidade de parada da máquina, entre outros. O projeto diminuiu significativamente os custos relativos à perda de produção, com uma economia estimada para a Empresa em R$ 440 mil por ano. Mas, afinal, como surgem essas inovações? Guimarães responde: “A inovação cai como se fosse uma tela, um quadro na frente da gente. De acordo com os problemas, aquilo vem na hora. A gente visualiza a solução e coloca em prática essa percepção. É um dom e uma aptidão.” E que dependem também de muito trabalho e observação. O mérito pelas inovações e melhorias que mudam a Empresa é, principalmente, de vocês, Guimarães, João Nilson e tantos outros valorosos empregados.
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O Centro de Tecnologia da Eletronorte, em Belém (PA), montou um laboratório a céu aberto para ensaios com alta tensão em buchas de transformadores e reatores de até 500 kV. O laboratório foi montado para propor soluções de modo a aumentar a confiabilidade das buchas de reatores e transformadores de potência de alta tensão, armazenados em almoxarifados da Empresa. E após a ocorrência de três sinistros no biênio 2008/2009 em reatores da Empresa, causados por avarias originadas nessas buchas. “Como resultado, foi emitido um relatório sugerindo maior eficiência e eficácia no armazenamento, padronização da especificação técnica e a realização de ensaios periódicos para avaliar o estado das buchas de reserva”, esclarece Francisco Roberto Reis França, superintendente do Centro de Tecnologia. Segundo Lídio Nascimento, gerente da Divisão de Tecnologia de Ensaios, a realização desses estudos pela equipe interna da Eletronorte evitará um gasto aproximado de R$ 1,4 milhão. “A Eletronorte, ao atuar dessa forma, reduz significativamente a possibilidade de ocorrência de novos sinistros e, portanto, de multas impostas pelo Operador Nacional do Sistema - ONS, de valor bastante elevado, conhecidas como parcela variável.” A opção por realizar os testes em laboratórios externos foi descartada em função do custo elevado, além da complexidade na logística de transporte das buchas, já que os principais laboratórios se situam nas regiões Sul e Sudeste do País. Frente a esse novo desafio, a equipe do processo de ensaios elétricos com alta tensão montou o
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RESPONSABILIDADE SOCIAL corrente contĂnua
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Waimiri Atroari: etnia que renasce a cada dia
“Em 1986, quando retomei os contatos com os índios Waimiri Atroari, após um afastamento de cerca de 12 anos, os encontrei numa situação muito difícil. Estavam doentes, tristes, perambulando pela rodovia BR-174, pedindo carona a caminhoneiros, dependentes de alimentação e doações. Morriam, em média, 20% ao ano. Podia-se dizer que es-
tavam caminhando para o extermínio. Aquele povo que conheci em 1969, de guerreiros altivos, defensores do seu território e de suas vidas, estava triste, aguardando algo que não sabia exatamente o que era... Ainda não havia demarcação nem definição dos limites de suas terras”. A descrição feita pelo consultor indigenista da Eletronorte, José Porfírio Carvalho, não é apenas a constatação de um especialista
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Érica Neiva
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Proteção ambiental preserva espécies em Balbina
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Arco e flexa, o maior símbolo do povo Kinja
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e estudioso das questões indígenas. São as palavras de um kaminja, expressão da língua materna Waimiri Atroari que provém da família linguística Karib e significa pessoa não-índia, que há 42 anos acompanha ativamente a vida da etnia, cujo território se localiza nas regiões sul do Estado de Roraima e norte do Amazonas. Com a construção da BR-174, rodovia construída entre 1974 e 1977, que liga Manaus (AM) a Boa Vista (RR) e atravessa a terra indígena Waimiri Atroari no sentido sul-norte, a situação piorou. A rodovia trouxe o contato com o homem branco e doenças como sarampo, malária, verminose e leishmaniose, matando inúmeros kinja, autodenominação dos Waimiri Atroari para si mesmos. Além desse empreendimento, a vida da comunidade foi afetada pela Mineração Taboca, instalada na parte leste da terra indígena, e pela construção da Usina Hidrelétrica Balbina. Entre 1974 e 1987, a população Waimiri Atroari foi reduzida de 1.500 para 374 pessoas distribuídas em sete aldeias. Na década de 1980 foram realizados estudos para identificar o nível de impacto ambiental que o reservatório de Balbina causaria à terra indígena Waimiri Atroari. O resultado mostrou que seriam inundados 30 mil hectares. O líder dos índios, Parwe Mário (acima), lembra-se que, em 1986, a comunidade passou a exigir me-
Percorrer o Centro de Proteção Ambiental – CPA da Usina Hidrelétrica Balbina é deparar-se com um universo de cores, sons e imagens vivas. Nos finais de tarde, essas sensações intensificam-se com a chegada gradativa de araras que realizam performances e provocam admiração. Após algum tempo, elas saem em revoada, deixando no céu a impressão de um dia multicor. Nesse cenário, encontramos a médica veterinária Stella Maris Lazzarini (na foto, com o peixe-boi), que em 1987 iniciou o trabalho de resgate de fauna em Balbina. Quando o CPA começou a funcionar efetivamente, em 1992, ela passou a trabalhar no local e hoje é a coordenadora dos programas ambientais da Usina. Para a veterinária, apesar da construção da hidrelétrica ter inundado uma floresta primária de terra firme e impactado várias espécies animais e vegetais, houve medidas compensatórias importantes como a Reserva Biológica Uatumã, que preserva intacta uma floresta com extensão duas vezes maior do que a área alagada pelo reservatório da Hidrelétrica; o Centro de Preservação e Pesquisa de Quelônios Aquáticos – CPPQA e o Centro de Preservação e Pesquisa de Mamíferos Aquáticos – CPPMA. “Além do Programa Waimiri Atroari e da Reserva Biológica Uatumã, foram preconizados programas ambientais já prevendo o impacto ambiental de Balbina, com o objetivo de mitigar os impactos negativos da hidrelétrica. São os programas de mamíferos e quelônios aquáticos que surgiram devido à interrupção da migração desses animais com a construção do empreendimento”, esclarece Stella. Em 1986, descobriu-se que cerca de 370 tartarugas da Amazônia (podocnemis expansa) agruparam-se
didas que mitigassem os danos da inundação. “Quando soubemos da hidrelétrica procuramos conhecer os impactos e começamos a cobrar os nossos direitos. Ao serem feitos os estudos, ficamos sabendo que duas aldeias seriam alagadas - a Tapypyna e a Taquari. Em 1988, a Eletronorte implantou o Programa Waimiri Atroari, que trouxe os benefícios que consideramos os mais importantes para nosso povo - saúde, educação, fiscalização e demarcação. A nossa terra foi demarcada, homologada e registrada em cartório”, recorda Parwe. É importante frisar que após o contato com os brancos, como forma de facilitar a co-
Usina não impediu a desova da tartaruga da Amazônia
municação, eles passaram a usar dois nomes, um indígena e outro em português, a exemplo de Parwe Mário; antes disso possuíam apenas o nome indígena. Anterior à implantação do Programa, como parte das ações mitigadoras, a Eletronorte se responsabilizou pelo financiamento da demarcação da área Waimiri Atroari que culminou na sua homologação em junho de 1989, por meio do Decreto nº 97.837/89, com uma área de 2.585.911 ha. Na mesma ocasião, no Estado do Pará, como forma de compensação pelos impactos causados pela Usina Hidrelétrica Tucuruí, a Eletronorte criou o Programa Paraka-
nã, adotando a mesma filosofia do Programa Waimiri Atroari. Invertendo a situação – Fruto de um convênio entre a Eletronorte e a Funai, o Programa Waimiri Atroari é um conjunto de ações indigenistas e ambientais voltado à valorização cultural, melhoria da qualidade de vida e preparação dos índios para se relacionarem de forma igualitária, esclarecida e autônoma com a sociedade à sua volta. Criado em 1988, com duração prevista de 25 anos, reúne 96 colaboradores nas áreas de saúde, educação, proteção ambiental, apoio à produção, docu-
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perto da futura barragem, sem poder subir o rio para desovar nos tabuleiros a montante. Em função disso, foram criadas praias artificiais para permitir a desova das tartarugas. Hoje o Centro possui 315 quelônios. “As tartarugas vêm entre os meses de agosto e outubro, encontram as praias artificiais e desovam em tabuleiros. Os ovos são cuidados e em janeiro e fevereiro são devolvidos à natureza. É um programa em que rapidamente se pode vislumbrar uma melhoria”, afirma a veterinária. De 1986 a 2008 já foram soltos cerca de 100 mil filhotes de tartaruga no Rio Uatumã e nos lagos da região.
Em busca da liberdade – Os peixes-boi são outra espécie impactada pela construção de Balbina, pois são habitantes naturais do Rio Uatumã. Hoje estão isolados em duas populações – uma está acima da barragem, e talvez fique no futuro como uma reserva genética da espécie; há também os que estão abaixo e provavelmente vão acompanhar os nativos e ganhar o Amazonas. O CPPMA foi criado para reabilitar esses animais, mas um dos dilemas é a sua superpopulação. Hoje são 45 peixes-boi, número considerado excessivo pela veterinária. “No início, o objetivo era apenas fazer a reabilitação, mas hoje é soltá-los para aumentar sua variabilidade genética. Mas para isso precisamos de mais apoio do Sistema Eletrobrás para monitorálos por meio de radiotransmissores, experiência que outras instituições realizam com grande êxito. Gastamos anualmente cerca de R$ 2 milhões com alimentação, mão de obra e medicamentos para mantê-los. Com a soltura seria R$ 1 milhão por ano. Eles viveriam um tempo no Uatumã e depois acompanhariam a migração dos nativos”, destaca Stella. Vários filhotes que estão no Centro tiveram as mães mortas por caçadores que ainda hoje capturam os animais, não mais pelo valor do couro, mas pela carne. O fato de a espécie reproduzir em cativeiro não diminui o risco de ser extinta. “Há filhotes que reabilitamos e conseguiram reproduzir. Agora queremos soltá-los para que se reproduzam na natureza e a espécie tenha uma chance de sobrevivência. Sabemos que manter o animal reproduzindo em cativeiro não tira o perigo de ser extinto”, explica Stella.
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mentação e memória, e administração. “O excelente desempenho dos colaboradores, a boa aplicação dos recursos e a continuidade das ações garantem o sucesso alcançado. Os Waimiri Atroari saíram de um índice de mortalidade de 20% ao ano para um crescimento de 5,8% ao ano. Hoje sua população é de 1.330 pessoas”, frisa o gerente do Programa, Marcelo de Sousa Cavalcante (à esquerda). A sede do Programa fica em Manaus, mas para as atividades em campo foi estruturado um centro denominado Núcleo de Apoio Waimiri Atroari – Nawa que possui múltiplas funções: infraestrutura de apoio, realização de reuniões, treinamentos, e projetos demonstrativos e experimentais. Localizado nas proximidades da BR-174 com o Rio Alalaú, o Nawa é um ponto estratégico no apoio às aldeias e postos de serviço. Existem ainda na terra indígena escolas, postos de saúde, laboratórios, casas de apoio e postos de vigilância que dão o suporte necessário às ações do Programa. Todas as instalações citadas, inclusive as aldeias, contam com energia solar para o desenvolvimento das atividades. Para Porfírio Carvalho, idealizador do Programa Waimiri Atroari, o trabalho mudou a vida dessa comunidade indígena. “Não é um trabalho qualquer, mas de sentimento, de amor. Hoje, os Waimiri Atroari são um povo orgulhoso da sua vida, do seu território e da sua cultura. Tenho que agradecer à Eletronor-
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Alfabetização em duas línguas
Porfírio, ao centro, de braços dados com os índios
te que pode se orgulhar de salvar uma etnia. Como branco, sou o homem mais feliz por chegar onde chegamos. São pessoas que poderiam não existir, poderiam ter morrido. É um trabalho em grupo, de dedicação e carinho”, emociona-se o indigenista. Educação – “Tenho 32 anos e comecei a estudar com 12, no início do Programa, quando conheci a gramática Waimiri Atroari. A nossa língua materna é chamada de kinja iara, que significa pessoa verdadeira. Depois de escrever a língua materna fui aprendendo aos poucos a falar e escrever o português. Temos uma escola diferenciada. Aprendemos a nossa língua, depois o português. Temos que aprender a nossa língua para respeitarmos a nossa própria identidade. Há o rodízio de ma-
As aulas não se limitam à escola
em disciplinas como ciências, geografia e matemática. É fundamental destacar que, no início do Programa, não havia professores da etnia, o que foi acontecendo com a realização de cursos de capacitação e formação. “A importância da educação é aprendermos para registrarmos nossa cultura e defendermos nossas terras. Preparamos os nossos jovens para aprender, mas para isso não precisam ir à cidade. Tivemos uma oportunidade muito grande com a força da Eletronorte. Sem essa oportunidade a educação não ia andar. Essa força é fundamental na formação do povo Waimiri Atroari”, confirma Tuwadja. Saúde – O objetivo do Subprograma de Saúde é garantir boas condições de vida à po-
Irineide, à direita, e parte da equipe de saúde
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térias como ciências, geografia, matemática, e aquelas que a comunidade julgar importante conhecermos. Desde menino tinha o sonho de ser inpany, professor”. A declaração acima é de Tuwadja Joanico (ao lado), coordenador de Educação das aldeias do ‘eixo-rio’, e ilustra um pouco o processo educativo implantado com o Subprograma de Educação, cujo maior objetivo é a alfabetização de todo o povo Waimiri Atroari na língua materna, orientados por princípios básicos da procura contínua por uma pedagogia e metodologias apropriadas à sua cultura. Isto significa que eles têm uma educação bilíngue com o principio básico da troca de conhecimentos entre o kinja e o kaminja. É importante destacar que toda a educação reflete a realidade dos Waimiri Atroari por meio de suas manifestações culturais, do seu trabalho e da sua língua. As aulas não se limitam à escola, mas podem ser explorados outros espaços como recurso didático, a exemplo de caçadas, pescarias, construção de malocas. Hoje há 801 alunos nas 22 aldeias, 61,85% da população. O índice de alfabetização é de 38,66%. Existem 19 escolas, 54 professores Waimiri Atroari e sete não-índios que auxiliam
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Funai vivencia últimas demarcações de terras indígenas Hoje, no Brasil, de acordo com a Fundação Nacional do Índio – Funai, vivem cerca de 460 mil índios, distribuídos entre 225 sociedades indígenas, que perfazem cerca de 0,25% da população brasileira. Além desse número, existem entre 100 mil e 190 mil vivendo fora das terras indígenas, inclusive em áreas urbanas. À Funai cabe estabelecer e executar a Política Indigenista no Brasil. O antropólogo e ex-presidente da Instituição, que hoje coordena a área de Documentação e Tecnologia da Informação, Artur Nobre Mendes (foto), fala um pouco sobre a política indigenista brasileira.
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Qual o papel da Funai na atual política indigenista brasileira? Além de demarcar a terra, a Funai procura desenvolver alguns projetos econômicos, de autosustentação, visando a garantir a segurança alimentar dos índios. A atenção às questões culturais e educacionais é muito deficiente se compararmos com a demarcação das terras, onde a Fundação avançou muito. Há tempos a questão da terra era a mais urgente e vital, por isso se concentraram recursos humanos e financeiros nessa tarefa. Nessa época, a missão era salvar os índios que estavam se acabando. Com a demarcação de Raposa Serra do Sol (RR), é o momento de refletir sobre o que foi feito e canalizar os esforços para garantir a permanência dos índios nessas áreas com qualidade de vida, tentando construir um conceito de desenvolvimento que seja adequado à realidade indígena. De que maneira os índios são compensados com a construção de grandes obras, a exemplo de usinas e projetos minerometalúrgicos? No início da década de 1980, começou-se a questionar o
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pulação Waimiri Atroari, valorizar a medicina tradicional e repassar conhecimentos das outras formas de medicina. Ao ser implantado, o Subprograma desenvolveu ações de inquérito epidemiológico, atendimento médico de urgência a toda a comunidade, vacinação contra todas as doenças imunopreveníveis, instalação de banco de dados visando ao monitoramento do grupo, instalação de postos de saúde para atendimento primário na terra indígena e mecanismos para atendimento secundário e terciário na cidade.
impacto que as grandes obras trariam ao meio ambiente e às populações indígenas. Naquela época as terras indígenas não eram demarcadas. Antes dos programas, os índios recebiam indenizações, mas logo depois o dinheiro acabava. Os impactos eram potencializados, ao invés de mitigados. Programas indígenas como o Waimiri Atroari e o Parakanã mudaram essa realidade. Qual a importância desses programas desenvolvidos em parceria com a Eletronorte? Os programas introduziram medidas mitigadoras que reduziram os impactos decorrentes da construção de usinas hidrelétricas, com uma filosofia de educação, saúde, meio ambiente e apoio à produção que modificou a vida dos índios. Eles viabilizaram a vida dos Waimiri Atroari e dos Parakanã, que está em total equilíbrio. As pessoas falam que os programas têm muitos recursos, mas não é bem assim. Se contabilizarmos o que o Governo Federal investe nos índios por meio da Funai, ministérios da Saúde, Educação e Desenvolvimento Social, não é mais do que os programas investem. O investimento não tem que ser alto, mas bem pensado e aplicado. Nesse momento de reflexão, esses dois programas têm um papel muito importante a cumprir, pois podem apontar um caminho. Eles poderiam ser replicados em outras etnias indígenas? Cada caso é um caso. Os índios são muitos diferentes, a exemplo dos Waimiri Atroari e Parakanã. Eles têm características particulares que determinam algumas diferenças entre um programa e outro. No entanto, o modelo de gestão, de aplicação dos recursos, pode ser replicado e aproveitado. E, principalmente, acho que os programas são inovadores e exemplares na questão do tratamento indigenista. O diálogo que temos é o fiador do sucesso deles. Se impuséssemos nossa visão, o programa fracassaria, pois os índios não nos aceitariam como interlocutores; por outro lado se déssemos tudo nas mãos deles, seria um fracasso, pois repetiríamos os erros que nos propusemos a não repetir, como os cometidos no projeto Carajás, a exemplo das indenizações financeiras.
Atualmente, a saúde da comunidade está equilibrada, inclusive não se constatam doenças que são muito comuns em nossa sociedade. “Fazemos o controle de todas as ações de saúde que são desenvolvidas na terra indígena Waimiri Atroari, por meio de atividades preventivas dos programas de tuberculose, imunização, malária e doenças crônicas, de acordo com as normas do Ministério da Saúde. Há também o programa de saúde bucal com atendimentos preventivo, curativo e corretivo. As doenças mais comuns são as verminoses
e as infecções respiratórias. É importante destacar que na comunidade não há hipertensão, diabetes, doenças sexualmente transmissíveis, hanseníase ou mesmo tuberculose”, afirma a médica Irineide Assunpção Antunes. Na reserva existem 19 postos de saúde e oito laboratórios. As atividades são realizadas por 21 profissionais - uma médica, uma enfermeira, uma odontóloga, 18 agentes técnicos de saúde, um motorista; contando ainda com o apoio de 39 agentes técnicos de saúde e 12 laboratoristas indígenas. “No início todos os laboratoristas eram brancos, mas depois os primeiros kinja foram sendo treinados e repassaram os conhecimentos para outras pessoas da comunidade. Hoje somos 12 escolhidos pelo nosso povo. O Programa é muito importante, pois trouxe o estudo para que pudéssemos trabalhar e assim proteger nossa gente, que antes morria muito”, diz o laboratorista Djawa Rubens (acima).
As atividades produtivas - Projetos de frutíferas e plantas ornamentais; bovinocultura; coturnicultura - criação de codornas; ovinocultura - criação de carneiros; avicultura - galinha de corte e de postura; cunicultura - criação de coelhos; piscicultura; e quelônios - manejo de tartarugas, criação de jabutis e animais silvestres - são desenvolvidas por um engenheiro florestal supervisor de produção, três técnicos agrícolas, cinco agentes operacionais e 45 colaboradores indígenas. Os alimentos produzidos são destinados ao consumo das aldeias, do Nawa, dos oito postos de vigilância da reserva e das 19 casas de apoio que abrigam os
profissionais da saúde e educação. As mudas de plantas frutíferas, medicinais e nativas também são levadas para as aldeias. Esses projetos experimentais e demonstrativos também capacitam os Waimiri Atroari. Entre eles, está Pikirida Paulistinha, que trabalha nas atividades produtivas desde 2000. “Comecei como técnico agrícola na produção de mudas frutíferas e nativas, depois passei para a área de hortas, avicultura e manejo de coelhos. Participei de todos os treinamentos ministrados por técnicos agrícolas. Estou inserido nas equipes que trabalham 15 dias no Núcleo e 15 na aldeia. Na minha aldeia, trabalho na produção de bananeiras, macaxeira e melancia. É bom aprendermos e levarmos os conhecimentos para a comunidade”, esclarece Pikirida. Para o coordenador das atividades produtivas do Nawa, Antônio Carlos Andrade do Nascimento, o trabalho ao lado dos índios é encantador. “Trabalho aqui desde 1989. Sintome da família dos índios. Eles nos emocionam
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Apoio à produção – Antes do Programa, os Waimiri Atroari viviam a desagregação de seus processos produtivos, passando para uma dependência alimentar. Agora, os índios voltaram a realizar seus roçados tradicionais e sua independência alimentar foi resgatada. No entanto, surgiu a necessidade de manter os sistemas produtivos ativos e incrementar outros. Assim, nasceu o Subprograma de Apoio à Produção, que vem adotando técnicas simples de criações de animais e produções agrícolas.
Antônio Carlos e Pikirida: garantindo a produção e repassando conhecimentos
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com sua alegria e companheirismo. É algo que nos contagia. Todos passam uma energia muito positiva. Isso faz com que você cresça e continue junto deles. Aqui é outra vida. Eles vivem realmente em comunidade. É uma união que não vejo em nosso mundo”, reflete. Proteção ambiental – Com o objetivo de manter a integridade do território Waimiri Atroari e garantir o usufruto exclusivo de suas riquezas naturais foi criado o Subprograma de Proteção Ambiental. A equipe de trabalho é composta por um biólogo, dois coordenadores de área – ‘eixo-rio’ e ‘eixo-estrada’, 18 agentes de proteção, três agentes operacionais, 55 fiscais índios e dez não índios. Os fiscais trabalham nos oito postos de vigilância - Trairi, Jundiá, Abonari, Mahoa, Waba Manja, Ariné, Vicinal I e Vicinal II, região atravessada pela BR -174. Entre as atividades realizadas estão a vigilância e a proteção ambiental; o controle de tráfego de veículos na rodovia, no trecho em que atravessa a reserva; e campanhas de sen-
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Mingau de buriti, iguaria que alimenta a todos
sibilização por meio de folhetos educativos, alertando sobre a importância da preservação ambiental. A BR-174 atravessa a terra indígena Waimiri Atroari em um percurso de 125 km de extensão, trecho em que a mata se encontra bem preservada devido às ações de proteção ambiental. Mesmo assim, são comuns os atropelamentos de animais na estrada e a presença do lixo deixado pelos motoristas que trafegam na BR. O fiscal de estrada, Alcenir Pereira dos Santos (à esquerda), conta um pouco da sua rotina de trabalho: “Saio às 7h para a fiscalização de carros. Recolhemos o lixo jogado e pegamos os dados dos animais atropelados. De agosto de 1997 a maio de 2009, foram 4.723 animais atropelados, como cobras, cutias, capivaras, pássaros e até jacarés. A fiscalização é feita no trecho que corta a reserva. Retiramos, em média, 500 quilos de lixo por mês. Hoje as pessoas estão mais conscientes. Abordamos e explicamos que é uma reserva indígena. Há campanhas nos finais de semana. Entregamos panfletos, alertando para a questão do lixo e dos animais mortos. Costumamos também distribuir água de coco gratuitamente para os motoristas como forma de sensibilização, o que trouxe uma ótima resposta no sentido de diminuir a quantidade de lixo na rodovia”. Dia a dia na aldeia – “Na aldeia temos o costume de dormir por volta de 19h30. Todos dormem numa grande mydy, maloca. No caso
Me senti numa caverna e não enxergava nada no mundo dos brancos. Dói muito para quem nasceu no mato ver o desmatamento e saber que várias pessoas só querem saber da riqueza da terra, prejudicando a natureza. Foi estranho também quando vi os brancos pagando pela alimentação. Não circula dinheiro entre nosso povo. Vivemos do que a natureza nos oferece”, esclarece Wame. Apesar da dificuldade de Wame no seu primeiro contato com o mundo dos brancos há mais de 20 anos, ele continua mantendo relacionamentos quando necessário e sabe da importância de se respeitar as diversas culturas. “Temos que conhecer culturas diferentes da nossa. Precisamos saber o que essas pessoas fazem. Posso viajar, conhecer a cultura deles e respeitar. Somos indígenas, nascemos no mato. Devemos saber usar os rios, os recursos da natureza, a riqueza da vegetação e da fauna. Mas lá fora temos que saber que a cultura dos brancos é diferente. Às vezes as pessoas acham que não temos uma cultura rica. Não posso falar isso da cultura deles, pois estão no seu espaço”, analisa. Organização – A reunião mais importante das lideranças das 22 aldeias Waimiri Atroari é a de prestação de contas anual que, em 2009, ocorreu nos dias 18 e 19 de julho, no Nawa.
Reunião de prestação de contas, a mais importante do ano
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da minha aldeia, Iawara, são 85 pessoas. Geralmente levantamos às 5h e tomamos banho de água encanada ou igarapé. As mulheres acordam mais cedo para preparar a alimentação. Pela manhã comemos mingau de buriti, açaí ou patoá, uma espécie de palmeira. Depois nos dividimos em grupos para caçar, pescar e ir para a roça. O nosso trabalho é sempre coletivo. Plantamos banana, abacaxi, mamão, cana, mandioca, macaxeira e batata. As weri (mulheres) cozinham e tiram lenha. O artesanato como redes de fibra de buriti, adornos e panelas de barro é desenvolvido pelas mulheres; já os wykyry (homens) fazem as cestarias com o arumã. É importante que todos saibam que nossa vida e alimentação estão ligadas à natureza. Vivemos de acordo com o que ela nos oferece”. Esse depoimento é de Wame Viana (à esquerda), 42 anos, o primeiro índio Waimiri Atroari a aprender o português e um dos primeiros da nova geração a ter contato com os brancos. Ele conta que foi um choque a sua primeira viagem fora da reserva indígena: “Quando tive contato com o mundo fora da reserva fiquei muito triste.
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Vocabulário kinja iara
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Alguns líderes das aldeias do ‘eixo-rio’ chegam a viajar 15 horas de barco para estarem presentes. Mas esse esforço parece pouco diante da alegria e satisfação de abrirem a reunião cantando o maryba, festa-ritual mais importante da etnia. Os 135 líderes dão boas-vindas aos 24 não-índios presentes, e recebem uma cópia da prestação de contas dos seus gastos durante 2008. As reuniões de prestação de contas acontecem desde 1994. Segundo Warakaxi Zé Maria (ao lado), da aldeia Paryry, a reunião é feita para que haja um controle dos gastos e um planejamento dos recursos. “É o momento de acompanharmos nossos gastos. Se não fizermos a prestação de contas não saberemos como está sendo gasto o nosso recurso para que possamos economizar. As reuniões são muito comuns nas nossas aldeias, onde nos reunimos três vezes por semana. Uma com a comunidade geral, com jovens e adolescentes para que eles possam entender que devemos
Conheça o significado e a pronúncia de algumas palavras da língua falada pelos Waimiri Atroari: índio Waimiri Atroari – kinja (quinhá); mulher – weri (ueri); homem – wykyry (ukuru); maloca – mydy (mudu); ritual – maryba (marubá); idosos – txamyry (tiamuru); brancos – kaminja (caminhá); convite – katyba (katubá); antepassados – tahkome (takome); guerreiros – itxi iapyna (ithi iapuná); professor – inpany (impanu); flecha – pyruwa (puruá); língua materna – kinja iara (quinhá iara). Mais informações e contatos, nos endereços www.eletronorte.gov.br e www.waimiriatroari.org.br. estar sempre juntos para nos fortalecer. Outra com as mulheres, e a terceira, que discute a saúde e educação da comunidade. Temos orgulho da nossa união e vamos nos fortalecer cada vez mais”, destaca. Os recursos financeiros dos Waimiri Atroari provêm da comercialização de artesanato, produtos agrícolas, criação de peixes, galinhas e carneiros, e também da taxa pelo uso de uma estrada que dá acesso à Mineração Taboca. Com os recursos, eles compram utensílios domésticos, roupas, equipamentos de navegação, material de pesca e combustível. Ao fim dos dois dias de reunião foi a vez da equipe de trabalho do Programa se reunir e
Maryba – Após a reunião de prestação de contas, os Waimiri Atroari convidaram todos a participarem do maryba. No momento do convite, nossa reportagem não conteve a felicidade, pois a cobertura jornalística previa a visita a duas aldeias, mas a decisão sobre a realização de rituais festivos cabia somente aos índios. Na aldeia Iawara, as weri itxi iapyna, mulheres guerreiras, nos recepcionaram com o símbolo dos Waimiri Atroari empunhado, a pyruwa, que quer dizer flecha. Elas tomam conta da aldeia quando os líderes estão ausentes. Depois da recepção das guerreiras, todos os 85 membros da aldeia pintados com tinta de jenipapo no corpo, nos aguardavam alinhados e cantando. Saudamos um a um antes de en-
trarmos na maloca onde aconteceria o ritual. O canto de um maryba impressiona. A força e a reverência das vozes provocam a sensação de que uma cultura milenar se consolida a cada momento. O canto está plantado no coração e representa a força de uma identidade que se fortalece continuamente. Eles iniciam a manifestação saudando os convidados e agradecendo à Eletronorte pelo Programa Waimiri Atroari. Homenageiam os guerreiros que foram mortos devido aos problemas trazidos com a construção da BR174. A kinja Tamy Paula (abaixo) destaca que eles precisam ser sempre fortes e que
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fazer uma avaliação das atividades. Para Porfírio Carvalho, toda reunião envolve um esforço conjunto. “O nosso trabalho é de todos. Se o trabalho está dando certo é porque todos estamos dando certo. O gesto dos Waimiri Atroari de cantarem no início e final da reunião é uma expressão de carinho demonstrada por poucos povos. É bom lembrarmos que esse povo alegre um dia já foi triste e que a transformação foi resultado de um trabalho de amor e respeito”, reafirma.
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No ritual do Marayba Kinjas e Kaminjas se juntam numa grande roda
Presidente da Eletrobrás foi um dos impulsionadores do O presidente da Eletrobrás, José Antonio Muniz Lopes, fala sobre a sua experiência no Programa Waimiri Atroari, quando esteve na presidência da Eletronorte, e comenta o contexto da implantação da Usina Hidrelétrica Balbina.
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Jorge Coelho/Eletrobrás
Em que condição Balbina foi criada? Muitas pessoas criticam, sem conhecer as condições em que as decisões sobre a criação de Balbina foram tomadas. No momento vivíamos uma crise de petróleo que mudou a história do mundo. Desde que entrou em operação, em 1989, Balbina já produziu quase 23 milhões de MWh. Isso significa que se fôssemos gerar essa energia a óleo diesel, teríamos que gastar R$ 10 bilhões. E ainda teríamos produzido 1,2 milhão de toneladas de CO2. Esses números credenciariam Balbina como um dos importantes instrumentos de desenvolvimento, pois assegurou a existência da Zona Franca de Manaus. Qual das medidas compensatórias pela construção de Balbina teve grande destaque? Até pelo meu envolvimento pessoal, foi o Programa Wai-
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miri Atroari. Na década de 1990 fui presidente da Eletronorte e juntamente com o Porfírio Carvalho impulsionei o Programa. Fica até suspeito falar. Costumo dizer que a etnia Waimiri Atroari é a comunidade social do Brasil que tem a melhor qualidade de vida proporcional à sua cultura, hábitos e valores. Acho impossível detectarmos núcleos que têm a mesma organização. O Programa faz o acompanhamento contínuo da saúde, situação escolar e demais atividades, mas não perdendo de vista a tradição, a cultura e os valores. Tenho pelo Programa uma admiração que não sei qualificar. É um dos trabalhos mais perfeitos que já vi na área de tratamento de comunidades atingidas por empreendimentos hidrelétricos. Como foi a sua visita à terra indígena Waimiri Atroari? Foi emocionante. São surpreendentes as atividades produtivas ali desenvolvidas, as instalações para cuidar da saúde. Fomos às aldeias. Vimos a organização em que vivem, as escolas com professores filhos dos índios que foram treinados e capacitados ali mesmo na aldeia. O brasileiro que conhecer aquilo vai mudar a concepção sobre o modo como devíamos tratar as comunidades indígenas. Seria possível surgir outros programas semelhantes como forma de compensação pela construção de novos empreendimentos hidrelétricos? Existem especificidades. É difícil dizer se teremos outros programas como este, mas a vontade de dar o
Programa Waimiri Atroari melhor tratamento possível às comunidades indígenas está nos genes da Eletronorte e Eletrobrás. Pretendemos apoiar outras etnias por meio de outros programas. Dificilmente teremos como replicar um Programa Waimiri Atroari, mas podemos utilizar as mesmas bases em situações diferentes. Qual a preocupação da Eletrobrás com os índios que serão afetados por novos empreendimentos? Ao contrário do que aconteceu com os Waimiri Atroari, que tiveram de ser deslocados das suas terras, não temos hoje projetos que alaguem aldeias. Por isso não teremos que replicar na íntegra o Programa. Mas desejamos implantar uma estrutura que contemple as áreas de educação, saúde, cultura e produção voltada para as etnias que serão, por exemplo, indiretamente afetadas com a construção de Belo Monte, por exemplo. O senhor se sente feliz por ter ajudado a salvar uma etnia? Sinto-me muito feliz. Hoje tenho 64 anos e penso que não tenho esta idade, pois olho para trás e vejo tanta coisa feita; e olho para frente e vejo que tenho condições de fazer tantas outras coisas. Olhando para trás, o Programa Waimiri Atroari é uma das coisas que mais me orgulha, pois não é uma ação que faça parte da atividade direta da Eletrobrás. Isso é maravilhoso. O Programa é o exemplo de sucesso maior desse trabalho, por isso tenho uma amizade inquebrantável com o Porfírio Carvalho. Ele é um grande parceiro, o grande batalhador do Programa.
Entendendo o maryba – O maryba é uma festa-ritual que cada aldeia habitualmente promove, convidando as demais a participarem. Geralmente dura de três a sete dias, período em que os Waimiri Atroari cantam, dançam, tocam flauta e chocalho. É também o momento de iniciação das crianças do sexo masculino, de idade entre dois e cinco anos, para que se tornem bons guerreiros, trabalhadores, caçadores e pescadores. Antes do maryba há uma verdadeira preparação do pai do menino que será iniciado. Ele sai para as várias aldeias levando o katyba, um convite feito de capim flecheira, que marca exatamente o dia da festa. Deve também, juntamente com os outros pais que terão filhos iniciados, caçar, pescar e colher alimentos para todos os dias da celebração, além de confeccionar cestarias, flechas e lanças para os convidados. Como no maryba várias aldeias estão reunidas, é também a ocasião dos casamentos e reuniões políticas.
Crianças alegres e fortes: muito mingau de banana com tapioca
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sua tradição deve ser passada de pais para filhos. “Os nossos tahkome, antepassados, sempre estarão vivos em nossas memórias. Não somos homens brancos, não bebemos, não fumamos, nem andamos com dinheiro. Somos índios. Sempre pegamos nosso alimento. Nunca estudamos na cidade. Aprendemos a falar português aqui na nossa aldeia. Sempre vamos nos fortalecer e lutar pelo nosso território”, frisa. Os homens abrem o ritual cantando e dançando e, em seguida, é a vez das mulheres. Logo depois, elas oferecem mingau de buriti e tapioca aos convidados. Neste dia os cantos contaram histórias dos antepassados, falaram dos sofrimentos passados, mas, sobretudo, evocaram a paz e liberdade que os Waimiri Atroari vivem agora. Ao final do ritual, kinja e kaminja se juntam numa imensa roda, mostrando que o respeito e a tolerância à diversidade são possíveis e muito saudáveis.
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As festas são lideradas pelos cantores, homens que durante muitos anos aprendem a dominar todos os cantos do ritual. Esses cantos falam de todos os aspectos da cultura Waimiri Atroari, desde a origem das plantas da roça e dos animais até as estrelas e mitologia em geral. Para o cantor de maryba, Kabaha Paulo (abaixo), que foi iniciado no ritual por seus pais e recentemente iniciou o seu filho, é o momento de tornar a criança um guerreiro forte e com muita saúde. “Essa é uma tradição do nosso povo. Quando era menino, os meus pais fizeram o meu katyba para convidar os parentes de outras aldeias. Caçamos, pescamos, colhemos alimentos e preparamos as comidas para o ritual. No ano passado houve o maryba do meu filho. Durante o ritual nos pintamos, nos enfeitamos com cocás e trocamos flechas com os outros guerreiros. Cantamos e tomamos muito mingau de banana. Os cantos reverenciam a natureza, como as árvores, plantio, peixe, porco, anta, gavião, tatu e pássaros”, ilustra Kabaha.
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Vídeo nas aldeias – “Vamos levantar gente. Quem vai buscar comida para nós? Vamos sair para a mata e buscar caça para nossos filhos”. Esse diálogo abre o documentário Kinja Iakaha – Um Dia na Aldeia. O vídeo de 40 minutos foi realizado durante uma oficina
do projeto Vídeo nas Aldeias, na aldeia Cacau, em 2003. É importante destacar que a produção, filmagem e direção do filme foram realizadas pelos Waimiri Atroari. Tiveram auxílio externo somente no processo de legendagem, uma vez que a história é contada na língua materna kinja iara com legendas em português. O resultado é o olhar do próprio índio sobre a sua cultura, que geralmente é mostrada nos filmes sob a ótica da sociedade não-índia. Um dos responsáveis pelo documentário, Sanapyty Gerôncio (abaixo), aprendeu a filmar com o kinja Wame, em 1988. “Tínhamos interesse em fazer um vídeo do dia a dia da aldeia, para que as pessoas lá fora pudessem conhecer a nossa vida. Como somos da própria comunidade, conversamos com os kinja e pedimos que agissem com espontaneidade. No filme mostramos a pesca, caça, a coleta das frutas pelas mulheres e o preparo dos alimentos”, explica. O objetivo do projeto Vídeo nas Aldeias é possibilitar aos índios que documentem a sua história, mostrando manifestações culturais como o maryba e as atividades que desenvolvem no cotidiano. Depois de prontos, os vídeos são exibidos nas televisões das 22 aldeias. Sim! Todas as aldeias possuem TVs que funcionam com energia solar, mas não veiculam as programações que estamos acostumados a ver. O objetivo é apenas exibir os vídeos feitos pelos Waimiri Atroari. “Queremos uma televisão que mostre a nossa realidade. Fazemos imagens do nosso dia a dia, escolhemos as mais importantes e editamos. Depois exibimos em todas as aldeias para que possamos ter a nossa memória. Os txamyry, mais velhos, falam que temos que fazer nossos próprios filmes, pois estes sim mostram a nossa cultura”.
Empregados cedidos ou aposentados contam sobre a nova experiência e lembram da época em que estiveram na Empresa Bruna Maria Netto Atuar na Amazônia enfrentando adversidades pouco recorrentes nas demais regiões do Brasil tem suas vantagens. Os engenheiros e técnicos da Eletronorte, após anos de dedicação na Região Norte, tornam-se aptos a trabalhar em quaisquer ramos do Setor Elétrico, agregando novos valores e contribuindo para o desenvolvimento energético do País. De acordo com a Superintendência de Gestão de Pessoas da Empresa, há 131 empregados cedidos a instituições que vão desde empresas de construção ao Ministério de Minas e Energia, além daqueles já aposentados que voltaram a trabalhar. O que eles têm em comum de longe se limita à competência. O currículo desses profissionais descreve a passagem pela Eletronorte como um aprendizado para a toda a vida, acrescido de boas histórias, grandes amizades e valiosa lembrança na memória. Fora da Eletronorte, mas ainda por ela – Quem começa narrando sua trajetória é Warfield Ramos (abaixo). Warfield é diretor Técnico da Águas da Pedra, sociedade de propósito específico que tem como acionistas a Neoenergia, a Chesf e a própria Eletronorte, e é responsável pela construção do Aproveitamento Hidrelétrico Dardanelos, em Mato Grosso. Logo, vê-se que
sua indicação ao cargo não foi por acaso, e de certa forma o engenheiro continua na Empresa. O motivo não poderia ser outro: Ramos passou 25 anos na Eletronorte, entre os anos de 1975 e 2000. Durante esse tempo, atuou na Diretoria de Gestão Corporativa, como gerente de divisão, de departamento, superintendente de Suprimentos e assistente. Na extinta Diretoria Técnica, trabalhou no gabinete. Já na Presidência, passou pelo Escritório de Coordenação de Empreendimentos, onde foi coordenador da Expansão de Tucuruí. Para o engenheiro, trabalhar na Eletronorte foi uma experiência de vida: “Aliás, uma excelente experiência. Nessa vida estamos em um contínuo aprendizado, e posso afirmar que para mim foi bastante profícuo durante o período que estive trabalhando diretamente na Eletronorte. Digo diretamente porque me considero ainda como um integrante dessa Empresa, agora representando-a em um de seus novos negócios”, afirma. A experiência de trabalhar na Eletronorte rendeu bons frutos. De acordo com Warfield, “todos os objetivos traçados foram alcançados, e gostaria de ressaltar que eles obtiveram pleno êxito muito em função do excelente corpo técnico e funcional que a Eletronorte possui. Em minha passagem pela Empresa, além de todo o aprendizado adquirido - que é um bem que ninguém poderá usurpar-me - fica ainda um enorme quadro de amizades sinceras, que também é um bem inestimável”. O convite para trabalhar na Águas da Pedra surgiu pela convergência de interesses. Warfield estava retornando de Fortaleza, onde gerenciou 12 usinas termelétricas da empresa Enguia, do Grupo Harbi. A Eletronorte estava estruturando sua participação em Dardanelos e o engenheiro não pensou duas vezes ao convite de voltar a trabalhar na Região Norte. “Como diz o dito popular, foi juntar a fome com a vontade de comer. Para mim foi muito bom, pois assim estou tendo novamente a oportunidade de conviver profissionalmente com o corpo técnico da Empresa e estar participando de um dos negócios
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CIRCUITO INTERNO
Corpo técnico da Eletronorte leva conhecimento a outras instituições do Setor Elétrico
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da Eletronorte, nada mais é do que continuar colocando em prática todos os conhecimentos até hoje adquiridos”, conta Warfield.
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Pelo Sistema Eletrobrás - Esse sentimento também é compartilhado por Luiz Henrique Hamman (abaixo), diretor Financeiro de Furnas Centrais Elétricas e empregado da Eletronorte desde 1981: “O que sinto falta é da união de todos frente aos inúmeros desafios enfrentados, mesmo naqueles em que o sucesso, embora não sendo total, nos propiciou oportunidades de melhoria em nossas atitudes, ampliando nossos conhecimentos e habilidades”. Hamman iniciou na Empresa na área de contabilidade, onde permaneceu até 1985, quando passou a compor o time do GAT-CRN, na Coordenação da Comissão de Serviços Contábeis e Financeiros. Foi em 1988 a primeira vez que Luiz Henrique usaria seus conhecimentos adquiridos na Eletronorte em outras instituições, sendo cedido ao governo do então Território de Roraima para compor a Diretoria Econômico-Financeira das Centrais Elétricas de Roraima - CER. Depois, as conexões foram sendo feitas em diversas entidades: “Com a absorção do parque térmico da CER pela Eletronorte, continuei em Boa Vista como gerente da Divisão Administrativa da recém-criada Regional de Produção e Comercialização de Roraima, até 1991. Voltando a Brasília, agora no quadro da Diretoria de Engenharia, trabalhei no Departamento de Planejamento e, posteriormente, fui gerente da Divisão de Coordenação de Projetos Eletromecânicos de Geração até 1995, quando compus a equipe de assistentes especiais da Presidência, cujo titular era o atual presidente da Eletrobrás, José Antonio Muniz Lopes. Posteriormente, ocupei a presidência da Previnorte, depois a
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Diretoria Financeira da Manaus Energia e da Companhia Energética do Amazonas”. Desde abril de 2008, Hamman ocupa a Diretoria Financeira de Furnas, em consequência do trabalho realizado anteriormente. Do período de atuação na Eletronorte, ele conta que adquiriu um conhecimento permanente. “Aprendi a aprender com as oportunidades proporcionadas, tanto nas áreas de administração e contábil, quanto nas de geração, operação e manutenção”. Aos colegas, deixa o recado: “Trabalhamos em um setor vital, por isso extremamente estratégico para a economia de um modo geral e para a condição de vida e a sustentabilidade ambiental, sendo, portanto, um vetor sumamente importante no futuro da Nação. Fazemos parte dessa importância toda. Cada um de si e em equipe pode, e deve, se desenvolver cada vez mais, aproveitando as oportunidades ensejadas pela Empresa, degrau por degrau, em prol de um País melhor”. Da Amazônia à Esplanada dos Ministérios – É no Ministério de Minas e Energia que o Secretário Nacional de Energia Elétrica lembra dos 26 anos passados na Eletronorte. Josias Matos Araújo, engenheiro de operação, relata que “com certeza trabalhar na Eletronorte foi muito importante para enfrentar o desafio de solucionar conflitos, estabelecer políticas e diretrizes governamentais, que asseguram a transparência, a isonomia e a continuidade dos serviços que o Setor Elétrico proporciona à sociedade brasileira”. O currículo de Josias na Empresa não deixa de ser admirável: foi contratado para a Divisão de Estudos Elétricos do Departamento de Engenharia de Operação, atuando nas áreas de dinâmica, transitório e qualidade de energia elétrica. Também teve a oportunidade de assumir a gerência do Setor de Ensaios Elétricos do Laboratório Central da Empresa, em Belém (PA). “A seguir fui conduzido à Superintendência de Operação e Manutenção da Transmissão, sendo que, em 2005, passei a assistente do Presidente, sendo novamente reconduzido àquela Superintendência”, cargo em que ficou até 2008, quando foi convidado para assumir a Secretaria Nacional de Energia Elétrica. “Assim como a ascensão na Eletronorte, o convite para integrar a equipe do Ministério de Minas e Energia foi um acontecimento natural na minha carreira profissional. Após um período para avaliar o convite, decidi aceitá-lo encarando como uma missão de forma a contribuir para o desenvolvimento do Setor Elétrico do meu
O futuro é de volta para casa - Um companheiro de Josias é Robésio Maciel de Sena, diretor do Departamento de Monitoramento do
Sistema Elétrico do Ministério de Minas Energia, cuja carreira na Eletronorte começou em dezembro de 1980. Robésio conta que, 24 anos depois, alguns fatos ocorridos no Setor Elétrico salientaram a necessidade de melhorar a estrutura do Ministério. “Com esse objetivo, a ministra Dilma Roussef, à época, solicitou que a Eletrobrás cedesse empregados das empresas federais, para compor o quadro ministerial. Na oportunidade recebi o convite para fazer parte dessa equipe e desde então estou prestando serviço aqui”. Na Eletronorte, Robésio (abaixo) iniciou carreira na Regional de Operação de Mato Grosso. Ele lembra que depois de quatro anos trabalhando na Cemig, em Belo Horizonte, aceitou o desafio na Eletronorte. “O objetivo era desenvolver profissionalmente, crescer na carreira de engenheiro, conhecer outros locais e contribuir para o desenvolvimento do Norte do País. Passados 29 anos, considero que obtive quase tudo que planejei, aprendi muito no lado profissional e pessoal. Consegui um patrimônio de forma honesta, que dá segurança à minha família. Sou muito grato por tudo que pude obter nesses anos de trabalho”. Depois de Mato Grosso, trabalhou no Maranhão e em Brasília, onde atuou na Divisão de Treinamento e Desenvolvimento, foi assistente do Diretor de Operação, passou pela Divisão de Operação e Manutenção da Geração Hidráulica, encerrando - por enquanto - a carreira na Eletronorte na Superintendência de Operação e Manutenção da Transmissão, em 2005. Para ele, toda a experiência adquirida na Empresa está sendo útil no trabalho desenvolvido hoje em dia. “As atividades daqui têm uma variedade muito grande e a habilidade, capacitação e experiência adquiridas na Eletronorte estão sendo fundamentais para a execução delas. Ainda não conheci nenhum outro local melhor para trabalhar, aprender, crescer profissionalmente e ser valorizado e com tantos benefícios”. Dos tempos de Empresa, Robésio fala do que mais sente falta, e dá um conselho aos que continuam na Eletronorte: “O que mais sinto falta são as relações profissionais, que são mais informais, a objetividade das ações e a obtenção de resultados, o trabalho de campo nas regionais. Quando saímos e conhecemos outras realidades passamos a reconhecer ainda mais a grandeza da nossa Empresa, por isso façam valer esse privilégio de trabalhar na nossa
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País, e usando todos os conhecimentos técnicos e gerenciais que a Eletronorte me proporcionou”, afirma. A experiência na Empresa foi fundamental para o novo posto: “A Eletronorte é e continuará sendo uma grande escola, pois sempre ofereceu todas as oportunidades para o meu crescimento profissional e aperfeiçoamento técnico e gerencial, além de abrir caminho para a ampliação de meu relacionamento interno e externo. Foram momentos de grandes desafios, que me impulsionaram a fazer o melhor pela organização, além de incentivar aqueles que trabalharam sob minha orientação a buscar permanentemente o caminho dos melhores resultados. Tudo para que a nossa Eletronorte se mantenha à frente das demais empresas do Setor Elétrico, conquistando a credibilidade, disseminando conhecimentos e tornando a sua marca um símbolo de respeito. Aprendi que vale a pena acreditar no potencial das pessoas e com elas fazer acontecer, conquistar resultados e abrir oportunidades para o crescimento”. Do que o Secretário (acima) sente mais falta da época de Eletronorte são as pessoas com quem conviveu durante anos e que compartilharam os seus conhecimentos e experiências, fundamentais para o seu crescimento profissional. “Vale ressaltar que, do mais humilde ao mais letrado, todos, sem exceção, foram importantes nas conquistas alcançadas durante minha permanência na Eletronorte”. Com clima de saudosismo, Josias deixa um recado aos colegas: “Sintam orgulho de trabalhar na Eletronorte. É uma Empresa que se preocupa com o bem-estar dos empregados, que busca o crescimento de todos, abre oportunidades para a conquista de novos espaços, está ao seu lado nos momentos mais difíceis de sua vida e de seus familiares. Tornem-se guardiões e unamse por inteiro para manter a Empresa viva e forte para as futuras gerações. Vocês representam na essência o maior tesouro, os líderes mais importantes que com certeza estarão sempre lutando por uma organização melhor, respeitada e referencial de excelência”.
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Eletronorte”. Talvez por isso, o futuro profissional de Robésio é de volta para a sua ‘segunda casa’: “Não penso em parar de trabalhar tão cedo. Enquanto estiver sendo útil no Ministério vou ficando por aqui. Penso sim em voltar à Eletronorte, pois acredito que ainda posso contribuir muito. Trabalhar na Eletronorte sempre me orgulhou e quando você faz o que gosta não existe diferença entre lazer e trabalho”.
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De Minas para o Norte. Do Norte para Minas - Jorge Ivanovitch de Sousa (abaixo) é engenheiro de Projeto de Telecomunicações da área de manutenção de infraestrutura de Telecomunicações da Cemig. Mas não foi sempre que ficou em terras mineiras. Ele saiu da sua terra natal rumo a Tucuruí (PA), em 1986. Na Eletronorte, Ivanovitch atuou na área de Suprimentos, a começar pelo Departamento de Contratos Especiais, no Grupamento Industrial Tucuruí-Extensão, cuidando da coordenação de contratos das máquinas 9 a 12. “Depois gerenciei a Divisão de Obras e Licitações e o Departamento de Atendimento de Suprimento à Geração e Instalação. Quando fui cedido, estava como assistente do Diretor de Gestão Corporativa”, conta. A vida pessoal de Jorge evolui juntamente com a experiência adquirida na Eletronorte. “Quando fui do sul de Minas Gerais para a Eletronorte era casado há pouco tempo e o meu primeiro filho era bebê. Hoje ele tem 23 anos e já está formado em engenharia elétrica, como eu. Minha filha fez o caminho inverso, nasceu em Brasília e hoje tem 20 anos, cursa nutrição na Universidade Federal de Minas Gerais. Fui cheio de planos e sonhos e muitos deles se transformaram em realidade. Muito do que sou hoje devo à Eletronorte: tive a felicidade de trabalhar com grandes mestres – Warfield, Neiron, Brasil, Xavier, Ronaldo Alves, Almendra, José Antônio Coimbra, Zenon, Benjamin, Tião Otaviano, entre tantos outros e procurei aprender muito com eles”, recorda.
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Porém, o coração desse mineiro apertou e ele voltou à sua terra: “Eu busquei a cessão para a Cemig por motivos particulares, uma vez que minha família reside em Belo Horizonte desde 2001, quando vim cedido para a Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel”. Jorge está na Companhia há um ano e meio, após oito anos de trabalho na Agência. Da Eletronorte, obteve uma ótima experiência em lidar com pessoas e em gerenciar conflitos. “Desde o início exercitei esses pontos. Eu me formei profissionalmente com grandes mestres e aprendi bastante também com as viagens para a Região Norte, que não conhecia e que me mostraram um País bem diferente do que já havia vivenciado. Nós trabalhamos numa das melhores empresas do Brasil, e apenas quando estamos cedidos é que verificamos isto mais fortemente. Espero retornar em breve!” Filho da Eletronorte - A história de outro mineiro, Zenon Pereira Leitão, também se confunde com a da Eletronorte. Zenon está na Empresa desde seus 19 anos de idade. O aprendizado lhe rendeu o cargo de assessor de Relações Institucionais e Parlamentares da Eletrobrás, onde está há um ano e meio. “A Eletrobrás não dispunha de uma assessoria parlamentar e entendíamos que era uma lacuna. Com a chegada do presidente José Antonio, em abril de 2008, e a aprovação da lei que transformou a holding em uma empresa internacional – somadas ao conhecimento do Presidente acerca do trabalho realizado na Eletronorte -, foi sugerida a criação da área e ele acatou a sugestão, entendendo que eu poderia contribuir, o que muito me honrou”. Na Eletronorte, o que não faltaram foram possibilidades de crescimento a Zenon, e talvez por isso sua experiência em outro lugar tenha vindo apenas depois de 33 anos na Eletronorte: “Eu nunca havia sido cedido a um órgão externo. Sempre relutei muito, pois sou muito apegado à Empresa e às pessoas, mas a experiência está sendo boa e estou fazendo tudo para bem representar a Empresa”, afirma Zenon. Ele lista as áreas por onde passou: “Iniciei no Departamento de Operação e Manutenção e depois trabalhei na assessoria da Diretoria de Operação. Em seguida passei pela Gerência da Divisão Administrativa da Regional de Transmissão de Mato Grosso e exerci a mesma função na Regional de Transmissão do Maranhão. De volta a Brasília, fui gerente da Divisão de Benefícios, assistente do Diretor de Produção e Comercialização, e diretor de Benefícios da Previnorte”.
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Zenon (acima) ainda voltou a ser assistente da diretoria, quando, em junho de 2004, foi designado assessor Parlamentar da Eletronorte. “Com o apoio de alguns colegas, montamos a Assessoria Parlamentar onde, em semelhança a outras grandes instituições, foi possível realizar um trabalho muito importante, quando passamos a acompanhar a tramitação de projetos de lei no Congresso Nacional, de interesse do Setor Elétrico, receber as autoridades, dispensando a elas um atendimento profissional, o que acabou contribuindo para o fortalecimento da imagem da Eletronorte”. Com a fusão da Assessoria Parlamentar com a Superintendência de Comunicação Empresarial, Zenon ainda foi coordenador de Comunicação até 2008. O conhecimento da Eletronorte inspirou a holding: “Estamos aplicando na Eletrobrás os conhecimentos adquiridos na Eletronorte, para a estruturação da Assessoria de Relações Institucionais e Parlamentares, que atenderá também às demais empresas do Sistema Eletrobrás”, afirma. Zenon não se esquece dos personagens de sua história na Eletronorte: “Tudo que sei e tenho, devo à Eletronorte, e embora tenha começado a trabalhar aos 15 anos de idade, a minha grande experiência foi nessa extraordinária Empresa. Ingressei como nível médio, cursei administração de empresas e aproveitei todas as oportunidades, sempre me aperfeiçoando e trabalhando em várias áreas, inclusive no chão de fábrica, o que me deu uma experiência muito importante. A Eletronorte é parte da minha vida. Deixei muitos amigos, afinal foram 33 anos de convívio. Sinto muita falta. Por isso, sempre que possível, procuro almoçar na praça da alimentação onde está instalada a Empresa, para matar a saudade de amigos que encontro pelo caminho. Alguns dizem que no trajeto entre o Edifício Varig e o prédio da Eletronorte eu pareço político, cumprimentando a todos. Digo que sempre fui assim, não mudarei nunca e fico muito feliz ao reencontrar os colegas. Me faz muito bem”.
Levando precisão para a holding – Ainda na Eletrobrás, um dos colegas de Zenon é Moisés Aben-Athar, que trabalhou exatamente 29 anos e dois meses como empregado da Eletronorte, “acrescidos de dois anos como empregado da Celpa, cedido, até chegar na Eletrobrás, onde estou há um ano e cinco meses”. Tanta exatidão não teria outra justificativa senão a profissão de Moisés, economista. Na Eletronorte, levou a precisão com números às áreas de logística e financeira. “Eu tive a felicidade de chegar à Eletronorte quando tudo ainda era novidade, desafios e permanente crescimento profissional, superando, em muito, as minhas melhores expectativas relativas a uma grande empresa, pois ao mesmo tempo em que aprendia, tinha a oportunidade de repassar os meus conhecimentos e experiências a tantos outros companheiros, o que nos fez crescer juntos com a Empresa”. Moisés conta que a Eletronorte continua sendo a força motora da sua vida. “O presidente José Antonio, conhecendo o meu trabalho, fez o honroso convite para integrar o quadro de colaboradores da Eletrobrás, e levei todos os ensinamentos e experiências vivenciadas nas mais diversas áreas de trabalho da Eletronorte. Sem dúvida alguma, o trabalho e desafios enfrentados durante todo o meu tempo de Eletronorte estão sendo de enorme valia nas minhas atuais atribuições, que requerem um conhecimento profundo do Setor Elétrico brasileiro. Da Eletronorte, Moisés (abaixo) sente falta dos desafios típicos de uma grande Empresa. “Tive a oportunidade de participar de todos os seus momentos, a partir praticamente da sua criação e que marcou indelevelmente a minha vida”. Aos colegas que aqui deixou fica a mensagem: “A Eletronorte marca para sempre a vida de todos aqueles que têm a felicidade de integrar o seu quadro de colaboradores, e têm a oportunidade de desenvolvimento profissional e social, aliada a uma política de benefícios e proteção aos trabalhadores, sem precedentes em qualquer outra empresa”.
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ENERGIA ATIVA corrente contínua
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Para transformar processos, mudar atitudes, vencer desafios e gerar resultados, duas palavras:
eficiência e crescimento A competição em leilões de empreendimentos de geração e de transmissão, a questão da renovação das concessões, a transformação do Sistema Eletrobrás e a resolução de problemas estruturais colocam a Eletronorte diante de novos desafios empresariais. Para alcançar novo patamar de eficiência operacional e de crescimento, alinhado às iniciativas do planejamento estratégico, a Empresa está desenvolvendo o projeto Eficiência e Crescimento, que prevê, entre outras coisas, a implantação de 111 iniciativas num período de três anos, que possibilitarão ganhos superiores a R$ 150 milhões por ano. Confira nesta entrevista com o diretor-presidente da Eletronorte, Jorge Nassar Palmeira, as informações sobre o andamento do projeto, os benefícios esperados e como ajudar a alavancar o desempenho empresarial. O que vem a ser o projeto Eletronorte Eficiência e Crescimento? O projeto surgiu a partir do desdobramento do Plano Estratégico 2009/2011. Além das medidas estruturantes do objetivo 3, ficou clara a necessidade de se promover a eficiência dos processos empresariais, a redução de perdas e custos e o aperfeiçoamento da gestão, preconizados nos objetivos 6, 7 e 8. Esse conjunto de medidas é que possibilitará a obtenção do lucro. Quais são essas medidas estruturais? Entre elas, podemos citar a Medida Provisória nº 466, recentemente aprovada, que vai regularizar a questão dos sistemas isolados, que vêm causando grandes prejuízos à Eletronorte ao longo dos anos. Há também a federalização da Companhia Energética do Amapá – CEA, que tem uma dívida de cerca de R$ 600 milhões com a Eletronorte. Uma vez federalizada, passando para o controle da Eletrobrás, poderemos fazer um encontro de contas e saldar parte da nossa dívida com a holding. Depois, o repasse para as concessionárias estaduais dos ativos de transmissão abaixo de 230 kV. Já fechamos o laudo do Acre e Rondônia e somente nesses estados vamos ter uma receita de R$ 300 milhões que também nos levarão a outro encontro de contas com a Eletrobrás. Tem ainda a reversão da provisão de Balbina, de R$ 275 milhões. Por sua vez, a Eletrobrás está fazendo a reavaliação dos ativos de todas as empresas do Sistema, com vistas à capitalização, e a Eletronorte poderá
saldar mais uma parte de sua dívida deixando de pagar juros e correção monetária para começar a pagar dividendos. Mas temos outras ações importantes em andamento, que também vão nos ajudar a conseguir o máximo de eficiência e crescimento. O projeto está alinhado ao plano de transformação do Sistema Eletrobrás? Qual a importância dele para todos os atores envolvidos? Sim, o projeto Eletronorte Eficiência e Crescimento está perfeitamente alinhado ao plano de transformação da Eletrobrás, seguindo a diretriz emanada pelo Presidente da República de fazer da holding uma megaempresa que conquiste o mundo com a mesma respeitabilidade da Petrobras. Nós já apresentamos o nosso projeto no âmbito do Conselho Superior do Sistema Eletrobrás- Consise, onde foi bem acatado pelos dirigentes de todas as empresas do Sistema, inclusive algumas já estão se movimentando no sentido de programar algo semelhante. O importante é que vamos produzir resultados financeiros que sustentarão o nosso crescimento empresarial. A Eletronorte será um grande ator na expansão do sistema elétrico brasileiro, notadamente na região onde vem atuando, a Amazônia, como um consolidador de parcerias para a realização de grandes empreendimentos de geração e transmissão de energia elétrica. É fundamental que a Empresa tenha capacidade financeira para participar de novos negócios.
ro, ao fazer um empreendimento de grande vulto, precisamos dos valores de investimento definidos no Orçamento Geral da União. Sem saber se vamos ganhar ou não um leilão, como orçar valores vultosos que terão impacto nas contas públicas via superávit primário? Depois, precisamos de agilidade. Como Empresa estatal, estamos presos à legislação e a processos burocráticos com os quais não conseguimos enfrentar as verdadeiras batalhas que são os leilões. Em parceria com a iniciativa privada ganhamos a agilidade necessária. Finalmente, graças ao trabalho das equipes envolvidas, conseguimos aperfeiçoar o processo econômico-financeiro. Na verdade, quem ganha o leilão não é a parte técnica, mas a engenharia financeira. O que podem esperar empregados e gerentes do projeto Eficiência e Crescimento? Lançamos o projeto durante as comemorações dos 36 anos da Eletronorte, no último dia 13 de agosto, e reforçamos a mensagem: ninguém dê ouvidos aos mensageiros do apocalipse! Não haverá demissões, nem punições. Queremos pedir tranquilidade e trabalho em prol de uma Empresa melhor. Acabamos de reformular o quadro de pessoal e certamente haverá um plano de desligamento voluntário, o que já vem ocorrendo em outras empresas do Sistema Eletrobrás. Mas tudo para melhorar a eficiência empresarial, sem nenhuma outra conotação política ou técnica. Uma novidade criada diretamente pela Diretoria é a figura do gerente de empreendimentos, que vai acompanhar a obra do começo até o final, para garantir a taxa de retorno e principalmente acompanhar os prazos e não deixar nenhum furo. Agora, os gerentes são os gestores de todos os processos e precisam ter uma postura diferenciada, não somente para acompanhar procedimentos, mas acompanhar custos e prazos essencialmente. Não dá, por exemplo, para uma obra nossa atrasar 45 meses; ou a Empresa gastar R$ 2,4 mil para comprar R$ 400. O comprometimento com prazos e custos deve ser de todos. Uma mensagem final. Eu entendo que o projeto Eletronorte, Eficiência e Crescimento é positivo para todas as partes interessadas. Para a Eletrobrás, que terá uma controlada dando resultados em vez de prejuízos. Para os empregados uma Empresa forte, focada na sustentabilidade. Para a sociedade brasileira, a garantia de um suprimento de energia elétrica com mais qualidade. Não é um projeto desta Diretoria, mas de todos nós, que teremos uma Empresa blindada contra ações externas, fortalecida no que tem de melhor. Isto é extremamente importante: entender que esse projeto é fundamental para garantir o nosso futuro, a nossa empregabilidade.
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Como estão sendo desenvolvidas as etapas do projeto? Como disse, tudo começou com o planejamento estratégico. Vamos obter o lucro e aumentar o resultado empresarial equacionando os problemas estruturais e aperfeiçoando a gestão dos processos. No desenvolvimento do projeto, tivemos uma primeira etapa, quando comparamos a Eletronorte com as outras empresas do Sistema Eletrobrás. Por que umas dão lucro e nós damos prejuízo? Numa segunda etapa comparamos o negócio de geração e de transmissão, e a parte corporativa que suporta o negócio. Verificamos como estamos de produtividade em comparação com as empresas do Sistema e outras concessionárias de capital aberto. Numa terceira etapa identificamos as iniciativas e estamos implementando os planos de ação. Diria que primeiro fizemos uma fotografia, depois uma radiografia e agora uma ressonância magnética para identificar oportunidades de reduzir custos e aumentar a produtividade. Houve envolvimento do corpo funcional da Empresa? Para quando estão previstos resultados? Mais de 100 técnicos e 80 gerentes da Empresa têm participado desse processo. Na realidade, todas as iniciativas vislumbradas como possibilidades de melhoria de gestão e processos foram formuladas pelo nosso corpo técnico. A consultoria contratada entra apenas com o apoio metodológico para que consigamos maior velocidade e capacidade de gerar soluções. A Diretoria Executiva já definiu uma meta de redução de custos e as 13 equipes de melhorias já trabalham iniciativas para mudar o patamar de produtividade. A meta, quando todas as iniciativas estiverem implementadas, é de, até 2013, conseguir uma redução de custos superior a R$ 150 milhões por ano, que serão destinados ao crescimento da Empresa, nos investimentos em novos negócios. Na terceira etapa do projeto estamos detalhando os planos de ação das 111 iniciativas identificadas pelos grupos, de modo a colher resultados a partir de setembro de 2009. Em novembro próximo termina o trabalho da consultoria e a partir de dezembro a Empresa toca o projeto sozinha até 2013. Cada gestor de empreendimento, cada gerente envolvido será responsável pelo compromisso junto à Diretoria, inclusive com a assinatura de um contrato de gestão. Certamente, os resultados dos planos e do próprio projeto levarão ao fortalecimento da Empresa em sua participação em leilões de geração e transmissão. Sem dúvida. É importante entender por que a Eletronorte participa de sociedades de propósito específico em novos negócios. Não é apenas pelo desenho do modelo atual do Setor Elétrico. Primei-
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MEIO AMBIENTE
Um corredor para a biodiversidade Avaliação e monitoramento das comunidades de vertebrados em Tucuruí aponta caminhos promissores Michele Silveira
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Imagine um corredor com paredes de floresta. Enquanto seus passos amassam as folhas que cobrem o chão, um rápido macaco cuxiú pula de uma árvore para outra com a mesma agilidade com que um jacu se equilibra entre os galhos das árvores ao seu lado. Apesar da ideia de um corredor ser muito familiar a qualquer um de nós, pensar num espaço assim dá uma sensação de dever cumprido. Pelo menos é o que devem sentir alguns dos pesquisadores que, desde 2004, dedicam-se ao projeto “Avaliação e Monitoramento das Comunidades de Vertebrados na Área de Influência do Reservatório da Usina Hidrelétrica Tucuruí”. O corredor é uma das propostas indicadas pelo grupo de pesquisadores e ligaria a Terra Indígena Parakanã à Base 3, uma das áreas onde a pesquisa foi realizada. “O ideal é que tivéssemos essa conectividade, para que se mantenham as áreas de preservação efetivamente, constituindo um corredor para que as espécies se desloquem e garantam a biodiversidade. É uma ação difícil, mas possível. É preciso uma articulação com moradores do entorno do lago de Tucuruí, órgãos ambientais, prefeituras, enfim, uma ação
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integrada”, explica o analista ambiental da Eletronorte, Rubens Ghilardi Junior. Um dos compromissos da Eletronorte com o processo de licenciamento ambiental da Hidrelétrica junto à Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Pará, o projeto foi viabilizado entre a Empresa e o Museu Paraense Emílio Goeldi – MPEG; por meio da Sociedade Zeladora do MPEG e com a participação de pesquisadores da Universidade Federal do Pará - UFPA e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – Inpa. O projeto representa a consolidação do Subprograma de Monitoramento, Manejo e Conservação da Fauna, proposto no processo de licenciamento ambiental da Usina, e tem permitido o desenvolvimento de pesquisas relevantes sobre a diversidade, ecologia e conservação da fauna de vertebrados no sistema formado pelo reservatório, incluindo suas margens e ilhas, estabelecidos, desde 2002, como Área de Proteção Ambiental – APA do Lago de Tucuruí. Fauna ameaçada - A macrorregião de Tucuruí é considerada como área prioritária para conservação. Lá estão espécies que constam
espécie Inia geoffrensis, o chamado boto-cor-de-rosa. Entretanto, não há um consenso sobre a presença do boto-tucuxi, de cor cinza. Mas os moradores a jusante da barragem garantem que ele aparece por lá. Durante três anos o projeto investigou e avaliou o atual estado de conservação de anfíbios, répteis, aves e mamíferos, levando em consideração as modificações resultantes da formação do lago de Tucuruí. De acordo com Ghilardi, os estudos sobre a fauna terrestre se concentraram nas duas zonas de Preservação de Vida Silvestre (ZPVS) da APA, localizadas nas bases de soltura 3 e 4. Já as espécies aquáticas e semiaquáticas, compostas principalmente por jacarés, quelônios, botos e aves, foram estudadas em várias regiões do lago. Também foram feitas análises das atividades de caça nas áreas das reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Pucuruí, Ararão e Alcobaça, além da ocorrência de agentes infecciosos em carnívoros silvestres, bem como em animais domésticos, potencial fonte de risco de transmissão de doenças à fauna silvestre.
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na lista oficial do Ibama, como o cuxiús (Chiropotes sp), macaco-caiarara (Cebus kaapori), onça-pintada (Panthera onça), ariranha (Pteronura brasiliensis), tatu-canastra (Priodontes maximus) e as aves jacamim-de-costas-verdes (Psophia viridis) e ararajuba (Guaruba guarouba). Até o final da pesquisa foram identificadas 481 aves, 36 mamíferos de médio e grande porte, 36 anfíbios, 39 répteis terrestres, três jacarés e quatro tartarugas. Inclusive, a margem direita se destaca por abrigar uma população de Cebus kaapori, considerada a espécie de mamífero mais ameaçada da Amazônia. Além disso, a área de soltura conhecida como Base 4 é considerada importante refúgio para a fauna de mamíferos. E os botos? O estudo revelou a presença da
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Ainda em 2006, um seminário avaliou os resultados preliminares do estudo. Reunidos no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos - NAEA, em Belém, pesquisadores explicaram que o inventário de diferentes grupos de fauna resultou na geração de diversos dados que podem ajudar no estudo dos efeitos causados pela fragmentação de florestas sobre a diversidade das espécies. Praticamente todas as equipes do projeto observaram a presença de atividade de caça nas áreas estudadas, o que indica a necessidade de maior esforço de conscientização das comunidades locais.
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Ilhas - Segundo Rubens Ghillardi, uma das linhas de pesquisa foi avaliar quais das cerca de 1.700 ilhas do lago seriam mais significativas. “As ilhas maiores e mais próximas ao continente são as mais importantes para a manutenção da biodiversidade e, de posse dessa informação, sabemos como atuar de forma mais efetiva.
Outra constatação importante foi confirmarmos que nas duas margens temos espécies diferentes, e por isso é fundamental a manutenção das duas áreas para a biodiversidade” O responsável pelo convênio, o biólogo e coordenador da equipe de Zoologia do Museu Goeldi, professor Ulisses Galatti, lista os principais objetivos do projeto: indicar o estado de conservação de anfíbios, répteis, aves e mamíferos em relação às modificações no ambiente causadas pela formação do lago de Tucuruí; avaliar a importância das Zonas de Preservação
acorde ainda de madrugada e quem não durma durante a madrugada. De acordo com Ulisses, a maior parte dos pesquisadores ficou alojada na Base 4, a cerca de uma hora de barco da Usina. “Lá há refeitório, cozinheiro e alguns quartos. O excedente do pessoal ficava em barracas montadas na parte externa dos alojamentos e dormia em redes”. Nas chamadas voadeiras, as equipes fizeram os percursos até às bases 4 e 3, esta última uma viagem de três horas. Para as equipes que trabalharam com tartarugas, jacarés, botos e aves aquáticas, as voadeiras também eram instrumento diário de trabalho.
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da Vida Silvestre (ZPVS) para a conservação da fauna local; e estabelecer as bases para um programa de monitoramento, conservação e manejo da fauna. Mas do início das pesquisas até a entrega do relatório final – que hoje tramita na Secretaria de Meio Ambiente do Pará – foram anos de pesquisas de campo que renderam muitas histórias em busca da observação de uma fauna que, na maioria das vezes, é que parece observar. É ainda escuro quando acorda a equipe que acompanha as aves e mamíferos. E é também escuro quando o pessoal que trabalha com anfíbios e répteis sai para campo. Há quem
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Já no primeiro ano do projeto foram realizadas mais de 40 expedições de campo para coleta de dados. “Nesse trabalho enfrentamos dificuldades técnicas, algumas delas relacionadas à identificação das áreas mais apropriadas para o estabelecimento de pontos de amostragem e instalação de armadilhas”, relata o pesquisador. Aprendizado - Para Ulisses é preciso destacar o apoio do Centro de Proteção Ambiental – CPA, de Tucuruí e da Superintendência de Meio Ambiente da Eletronorte. Cerca de R$ 1,6 milhão foi investido na condução das atividades. O projeto tem atraído o interesse de especialistas para a condução de estudos de ecologia e conservação na área do reservatório de Tucuruí.
Cinco dissertações de mestrado e uma tese de doutorado, viabilizadas pelo projeto, já foram concluídas e uma dissertação e uma tese devem ser terminadas nos próximos anos. O curso de campo ‘Conservação e Ecologia de Populações em Áreas Fragmentadas’, destinado a alunos de mestrado e doutorado, foi realizado em 2006 e 2007 como disciplina regular do programa de pós-graduação em zoologia da UFPA e do MPEG. Esforços também têm sido direcionados ao repasse de informações para as comunidades do entorno do reservatório, por meio de palestras e cartilhas. “A experiência do curso de campo foi única, principalmente para os alunos, que tiveram a oportunidade de treinar a pesquisa científica, desde a formulação de hipóteses,
O primeiro passo na preservação
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Antes da formação do lago de Tucuruí, a chamada Operação Curupira suscitou discussão sobre seu principal objetivo: procurar garantir a vida dos animais ilhados no reservatório, além de colaborar com a consciência de um espírito conservacionista na região, bem como na implantação de áreas de proteção da fauna. Houve quem criticasse os custos e a metodologia, e quem afirmasse que os animais resgatados não sobreviveriam em outras áreas. Numa época em que ainda não havia legislação ou compensação ambiental, a Operação Curupira promoveu a discussão sobre estratégias de conservação; estimulou estudos numa região pouco conhecida em termos biológi-
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cos e propiciou um campo de estudo aos pesquisadores que dela participaram. Foram resgatados cerca de 300 mil animais. Além das dificuldades logísticas, as equipes enfrentam os desafios da inexistência de experiência prévia do Setor Elétrico na Amazônia, um cronograma exíguo para o planejamento, as grandes dimensões do reservatório e o pequeno conhecimento da fauna local. Hoje, 25 anos depois, o projeto Avaliação e Monitoramento das Comunidades de Vertebrados na Área de Influência do Reservatório de Tucuruí priorizou as áreas de soltura dos animais resgatados durante a Operação
passando pela metodologia e desenho experimental adequados, até a apresentação final dos resultados. Tudo isso em uma área que engloba florestas conservadas e fragmentadas na mesma região”, afirma Galatti. A expectativa agora é que o relatório seja avaliado e as novas etapas estabelecidas. “Estamos aguardando o encaminhamento da Secretaria para então definirmos se haverá um novo convênio, ou de que forma vamos dar continuidade a cada uma das ações. As próximas etapas devem contemplar ações de monitoramento, com muitas atividades de pesquisa e formação”, explica o biólogo Ralph Kronemberger Lippi, analista ambiental da Eletronorte. Com foco também na educação ambiental, o projeto oferece dados que podem ser aproveitados por
quem tiver interesse na área ou informações sobre a biologia das espécies. Chegar até a proposta de consolidação daquele corredor ecológico não foi uma tarefa fácil, menos ainda uma teoria individual. Na opinião do coordenador, o projeto possibilitou o desenvolvimento de pesquisas relevantes sobre a diversidade, ecologia e conservação da fauna de vertebrados presentes no sistema formado pelo lago de Tucuruí. As bases 3 e 4, segundo Galatti, são importantes para estudos de ecologia aplicada como sobre os efeitos da fragmentação florestal por implementação de grandes barragens e ecologia de paisagem, entre outros temas que fornecem subsídios para o estabelecimento de estratégias de conservação biológica no bioma amazônico.
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Curupira. Nos relatórios da Operação, os primeiros esboços das ideias que, anos depois, seriam pautadas pela legislação ambiental e consideradas no relatório final do projeto atual: “Vale salientar ainda, que os reservatórios, assim que se formam, tendem a atrair ocupação humana para suas margens, o que acabará por acarretar devastações na fauna e flora. Portanto, a simples colocação dos animais nas margens não lhes garantirá a sobrevivência, a não ser que as áreas de relocação sejam preservadas. Essa preservação só será possível pelo manejo das áreas”. Era o embrião dos corredores.
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AMAZÔNIA E NÓS
Terezinha Félix de Brito Entre banzeiros e cachoeiras de inúmeros rios, ou pelos trilhos da lendária Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, ou ainda pelas belezas tropicais do Vale do Guaporé, do Forte Príncipe da Beira, e de muitas outras riquezas culturais e históricas, Rondônia tornou-se conhecida de brasileiros e estrangeiros. É preciso se aventurar para entender sobre essa terra tão rica e de muitos mistérios, de mitos, folclores, lendas, fases, lutas, superação. Hoje, o Estado de Rondônia é visto como referencial de desenvolvimento,
principalmente pela construção das usinas do Complexo do Rio Madeira (Jirau e Santo Antônio), obras grandiosas do Setor Elétrico brasileiro. A história de Rondônia é marcada pela construção da Estrada de Ferro MadeiraMamoré, que nasceu da necessidade de permitir o escoamento de produtos ao país vizinho, a Bolívia, até o Pacífico. Ao longo de 400 km de distância entre Porto Velho e Guajará-Mirim, a obra foi construída por meio do ‘Tratado de Petrópolis’, que colocou fim à questão do Acre (1899-1902), anexando-o
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Foto: Isac Pinheiro
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Rondônia: diversidade, superação e desenvolvimento
da Federação que possuíam empreendimentos semelhantes. Mesmo com toda tecnologia e conforto, a cidade que foi o berço da ‘Ferrovia do Diabo’, como foi intitulada pelo jornalista Manoel Rodrigues Ferreira, fascinou muita gente e, ao mesmo tempo, tornou-se motivo de decepção para aqueles que se aventuraram num lugar até então desconhecido. Há um mito de que cada dormente da obra equivale à morte de um trabalhador. Atualmente, o complexo ferroviário é um dos pontos turísticos mais visitados, atraindo a curiosidade de pesquisadores, estudantes e turistas.
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ao território brasileiro. Com a construção da ferrovia, em apenas dois anos, a capital Porto Velho foi considerada uma cidade cosmopolita no meio da selva e em pleno início do século XX era comparada com cidades europeias. Por lá já havia serviço de esgoto e telefone. Geradores de eletricidade eram responsáveis pela iluminação pública e, no cais, lâmpadas de arco voltaico permitiam o trabalho noturno. Foram montadas também fábricas de biscoitos, de gelo, padarias, lanchonetes, lavanderias, cinemas, hospitais, banda de música e tipografia. Eram poucos os estados
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Fotos: Isac Pinheiro
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Porto Velho, a capital está rodeada de rios e florestas
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Miscigenação – Entre as décadas de 1960 e 1990, Rondônia recebe um grande número de migrantes, em decorrência da euforia econômica estimulada por grandes investimentos do Governo Federal para povoar a Região Norte. O estado é um verdadeiro mosaico de diferentes culturas, de muitas identidades, de miscigenação face à chegada de brasileiros de todas as regiões, principalmente de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e parte do Nordeste, além da forte descendência indígena. Entre 1960 e 1980, a população cresce quase oito vezes, passando de 70 mil para 500 mil habitantes. E somente em 1981, Rondônia ganha a condição de estado. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em 2008 a população foi estimada em 1.493.566 habitantes, o que representa um crescimento de 2,738% em relação à contagem de 2007. Pelos números, Rondônia aparece como o terceiro estado mais populoso e o mais denso da Região Norte, possuindo o terceiro melhor Índice de Desenvolvimento Humano - IDH, o quarto melhor de educação e a melhor renda de toda a região. Os números reforçam também a diversidade natural. Rondônia tem o privilégio de situar-se
reservas biológicas, três estações ecológicas, 24 reservas extrativistas, duas florestas nacionais, 11 reservas estaduais e 21 reservas indígenas. A fauna e a flora formam o mais exótico espetáculo natural. Várias espécies de animais, vegetação multicolorida e frutos saborosos fazem parte do ‘cenário’ rondoniense. Ao todo são 52 municípios, e em todos eles há sempre algo interessante para ser apreciado e emoção para quem gosta de aventura. Mas também há lugares para quem prefere a tranquilidade, como hotéis-fazenda e pousadas ecológicas. História - “Azul, nosso céu é sempre azul. Que Deus o mantenha sem rival; cristalino, muito puro. E o conserve sempre assim. Aqui toda a vida se engalana. De beleza tropical; nossos lagos, nossos rios; nossas matas, tudo enfim”. A letra do Hino do Estado de Rondônia, de composição de Joaquim de Araújo Lima, um dos ex-governadores, quando ainda se chamava Território do Guaporé, mostra a fascinação de quem tem amor pela natureza. Agora, se o viajante preferir e tiver curiosidade sobre os monumentos históricos de Rondônia, tem que dar uma passadinha na capital, pois quase todos estão concentrados
Rio Madeira, onde navegam homens e vive uma rica fauna
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na divisa com Amazonas, Mato Grosso, Acre e Bolívia. Dos mais de 238 mil quilômetros quadrados, dois terços estão cobertos pela floresta amazônica. Para quem tem paixão pela natureza em seu estado mais original, vai encontrar ali as melhores áreas protegidas da Amazônia brasileira, por meio de uma rede de conservação de terras indígenas, florestas tropicais inundáveis, além de savanas, campos naturais e pantanais. Nas reservas extrativistas é possível vivenciar e conhecer os costumes e sabedorias dos povos da floresta. Nos parques nacionais, estaduais e municipais são realizados passeios em trilhas, safáris fotográficos e cruzeiros fluviais. No total, são dois parques nacionais, três parques estaduais, três municipais, quatro
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Monumentos e a estrada de ferro Madeira Mamoré: registros históricos
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em Porto Velho. Como, por exemplo, o Prédio do Relógio, construído no início do século XX. Seus belos vitrais mostram os ciclos econômicos da região. Hoje é sede da Fundação Cultural e do Museu Estadual. A arquitetura lembra uma locomotiva estilizada. Já a Praça das Três Caixas D’Água, vindas embaladas dos Estados Unidos no começo do século para servir à Estrada de Ferro MadeiraMamoré, é o símbolo oficial da cidade. Ainda em Porto Velho pode-se conhecer a catedral do Sagrado Coração de Jesus, construída em 1927 por padres salesianos, o maior e mais belo santuário rondoniense. Suas obras
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internas e o estilo colonial dão um contraste interessante à paisagem amazônica. Está localizada no extremo do bairro Caiari. Mais à frente fica a sede da Prefeitura Municipal, à direita o Colégio Barão do Solimões, um dos institutos educacionais públicos mais tradicionais da cidade. Nas proximidades também se encontra o Palácio Presidente Vargas, sede do Governo do Estado. O prédio, construído em 1949, foi tombado pelo Patrimônio Histórico. Foi lá que aconteceu a sessão pública de instalação do Estado de Rondônia. Já o Mercado Cultural, construído em 1915, e que funcionava como Mercado Público, acabou sendo destruído por um incêndio em 1966, mas recentemente foi reconstruído com os boxes originais, únicas estruturas que resistiram ao fogo criminoso. Atualmente, o prédio é destinado a eventos culturais e venda de produtos regionais, além de ser o ponto de encontro de artistas locais. A 700 quilômetros da capital, um monumento histórico é roteiro certo para turistas interessados no passado da segurança da fronteira nacional: o Real Forte Príncipe da Beira, à margem direita do Rio Guaporé, fronteira natural entre Brasil e Bolívia, que chama a atenção pela arquitetura rústica do século XVIII. Artesanato e festas - Sob forte influência indígena, o artesanato local é geralmente produzido de forma colorida, alegre e bonita,
Foto: Beth Farias
inteira. À margem de rios, lagos e igarapés, centenas de famílias mantêm o costume religioso popularmente conhecido como festejos. As manifestações de fé têm força devido às crenças em superstições e mitos, bem como as lendas da cobra grande, da mãe da mata, do mapinguari, do curupira e do boto-cor-de-rosa. As festas mais expressivas ocorrem ao longo dos principais rios - Madeira, Mamoré e
Festa do Divino: nos rios e igarapés se juntam famílias brasileiras e bolivianas
A ‘biojóia’ rodoniense
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Fotos: Regineth Tavernard
aproveitando todos os detalhes que a natureza oferece: sementes, penas de pássaros, dentes de animais, castanhas, galhos, palhas e madeiras. São peças simples, mas que surpreendem por sua beleza. Atualmente, a ‘biojóia’ rondoniense está sendo amplamente exportada para diversos países. Para muitos ribeirinhos, os elementos da natureza não são apenas cenários, e sim o modo de se viver de uma comunidade
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Guaporé. A religiosidade e a devoção aos santos padroeiros movimentam os pequenos distritos, entre eles Nazaré, Demarcação, São Carlos, Calama, Prosperidade, Ilha Grande e Nova Esperança. Ao contrário das grandes cidades brasileiras, as procissões nesses lugares são realizadas à beira dos ‘barrancos’. Judith dos Santos, de 86 anos (foto abaixo), participa até hoje dos festejos do distrito de São Carlos. Ela fala com entusiasmo sobre a devoção que os moradores desses pequenos lugarejos têm pelos santos padroeiros: “Desde que me entendo por gente estou envolvida nessas festas, que são extremamente sagradas para nós ribeirinhos. Tive dez filhos, e todos de parto normal, e tenho certeza que todos eles tiveram a proteção divina desde o nascimento”. Já no Vale do Guaporé, a Festa do Divino Espírito Santo é uma das maiores e mais importantes, pois aproxima famílias ribeirinhas bolivianas e brasileiras. A peregrinação das comunidades que moram às margens dos rios Mamoré e Guaporé - que fazem divisa com o Brasil e a Bolívia - mobiliza principalmente as cidades de Costa Marques, Pedras Negras, Rolim de Moura do Guaporé, Pimenteiras, Versalhes, Remanso e Piso Firme, sendo as três últimas na Bolívia.
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Jerico – Já ouviu falar da Fórmula 1 da Amazônia? Não? Então imagine um cenário com arquibancadas, camarotes, bandeirolas e, na pista, muita lama, pilotos cheios de adrenalina fazendo diversas curvas em ‘supermáquinas’. Jericódromo, esse é o lugar onde se pratica a Corrida de Jericos Motorizados. Os ‘jericos’ são montados a partir de peças de modelos diversos. Cada jerico chega a até 60 km/h e possui força para puxar um
Folharal, personagem exclusivo do boi-bumbá estadual
caminhão. O esporte inventado por produtores rurais tem público certo, já que a corrida é realizada todos os anos em comemoração ao aniversário da cidade de Alto Paraíso. Este ano a pequena cidade recebeu mais de 30 mil pessoas. Na capital, a peça o ‘Homem de Nazaré’, com mais de 300 integrantes, é encenada na cidade cenográfica Jerusalém da Amazônia, o
Corrida maluca: jericos motorizados chegam a 60 km/h
que acontece há 28 anos em Porto Velho. Botos que dançam e emprenham donzelas, iaras que seduzem os homens e os levam para seus reinos encantados, e o Folharal, personagem exclusivo do boi-bumbá estadual. Além de contar com personagens tradicionais de quadrilha como os doutores da vida e da cachaça, seringueiro, caçador, personagens que traduzem a cultura local.
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segundo maior teatro a céu aberto do mundo. A peça foi criação do Grupo Êxodo, formado por jovens religiosos que disseminam a arte e a fé num espaço no meio da floresta. Agora entre todas as manifestações culturais, a que não pode deixar de ser citada é o Flor do Maracujá. O mundo fascinante das lendas e mitos tradicionais da Amazônia são revelados em dez noites no maior arraial do Norte do Brasil,
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De acordo com a professora e historiadora Yêdda Pinheiro Borzacov, a festa foi batizada como Flor do Maracujá porque as moças, em meados da década de 1950, embelezavam seus cabelos com as exuberantes flores da fruta, que ali existiam, no terreiro onde a comunidade dança. “Os moradores nomearam a quadrilha em homenagem às flores do maracujá, que durante o mês de junho apareciam em abundância naquela região. Os rondonienses têm orgulho de realizar uma das maiores e mais expressivas festas com manifestações da cultura indígena e nordestina”, afirma Yedda, que foi também uma das idealizadoras do evento.
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Culinária - A cozinha rondoniense é farta em aromas e sabores, devido à multiplicidade de pratos que acrescentaram peculiaridades de cada região brasileira e receitas de outros países. De acordo com Débora Cavalcante, que trabalhou durante 24 anos na área de turismo, Rondônia adotou vários pratos de diferentes lugares. “Nossa gastronomia tem forte influência do Brasil inteiro, pois aqui foi um dos lugares que mais recebeu migrantes de todo o território nacional”, afirma. Os cardápios dos restaurantes locais acrescentam aos pratos migrados, ingredientes que a floresta oferece. Portanto, não tenha medo de se deliciar com pratos como churrasco, feijoada, caruru, pato no tucupi, baião de dois, arroz carreteiro, maniçoba, vatapá, tacacá, entre outros. Mas o forte da culinária rondoniense são os peixes amazônicos, que têm como traço cultural característico a técnica de preparo indígena. Seja de couro ou de escama, de pequeno ou grande porte, frito, assado, ou cozido, são inúmeras as receitas, e entre as espécies mais consumidas estão tucunaré, tambaqui, jatuarana, piranha, dourado, cachara, pacu, sardinha, pirarara, pirapitinga e o pirarucu. Conhecido como bacalhau da Amazônia, o pirarucu pode ser consumido com farinha d’água, temperado com limão e pimenta de cheiro, pode ser preparado seco, salgado ou fresco, com os mais variados condimentos nativos. Já uma das marcas deixadas pelo país vizinho foi a Salteña. De influência boliviana, a Salteña é recheada com batata, carne bovina ou frango, e é o pedido certo em qualquer barzinho, padaria, lanchonete de escolas e praças ou feiras das cidades que ligam Porto Velho a Guajará-Mirim, município que fica na fronteira com a Bolívia. Saltenã com suco de cajá é uma delícia!
Aprenda a saborosa receita do ‘pirarucu metido a besta’ Ingredientes (para duas pessoas) · 500g de pirarucu em lascas (seco) · 2 batatas · 1 pimentão · 2 tomates · 3 cebolas · 2 ovos · Azeitonas verdes · Ervas de cheiro e urucum Preparo: · Deixe o pirarucu de molho durante 12 horas em água fria, trocando de tempo em tempo. Escorrer. · Corte a metade da cebola em rodelas e despeje no fundo da panela de barro. · Coloque as lascas de pirarucu e distribua, por igual, as rodelas de batata, o restante da cebola, tomate, pimentão, os ovos e as azeitonas. · Regue com tintura de urucum e as ervas de cheiro. · Deixe cozinhar com a panela tampada, por 20 minutos. · Se necessário, acrescente sal a gosto. · Sirva com arroz branco e pirão. Receita preparada pela chef Débora Cavalcante, do restaurante Beiradão, Porto Velho (RO)
Na década de 1980, um poste de madeira foi fincado na esquina da Avenida Jatuarana com a Rua Cravo da Índia, no bairro Cohab Floresta, em Porto Velho. Até aí tudo bem. Durante alguns anos era apenas um entre tantos na cidade. Num ato silencioso e inusitado, após algum tempo o ‘poste’ se rebela exigindo seu espaço, na luta contra fios e ferragens colocados pelo homem a serviço do abastecimento da rede de energia elétrica. Dele surgem galhos e flores, e sua verdadeira identidade é descoberta: um ipê-amarelo. Foi uma surpresa para os moradores do local, que sensibilizados com a ousadia da natureza, passaram a ser verdadeiros guardiões e contempladores do ‘poste-ipê’. Com o objetivo de preservá-lo, a Secretaria do Meio Ambiente solicitou à empresa distribuidora de energia elétrica estadual que fosse transferida a fiação para um poste de concreto, instalado ao lado da árvore. Hoje, o ipê não é mais poste, mas ainda é possível ver no tronco dele a ferragem onde passava a fiação. Curiosos de vários lugares já passaram pelo local para conferir a história do ipê teimoso, que floresce sempre no final do mês de julho ou início de agosto, e que virou uma doce atração na cidade. “É uma obra da natureza que não tem explicação”, diz o comerciante Diocleciano Nogueira, morador do bairro desde 1985. “Plantei quatro mudas dele em frente à minha casa e já enviei também algumas para fazendas do interior”, conta Diocleciano, que acompanhou a trajetória da árvore e o seu desejo de viver, numa grande demonstração de que a natureza pode até demorar, mas não falha.
Fotos: Priscila Leite Costa
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O ipê-amarelo que virou poste, ou o poste que virou ipê-amarelo
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“Meu nome é Willian de Oliveira Marques, sou o atual presidente do Centro Acadêmico de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT. Venho buscar informações sobre o recebimento da revista Corrente Contínua, como me cadastro, o que é necessário para receber. É importante ser dito que esta revista irá circular entre os acadêmicos da instituição, e seria muito importante que os estudantes tivessem acesso a revistas do setor para ficarem antenados com as novidades que são frequentes em nossa área. Desde já agradeço”. Willian de Oliveira Marques - Cuiabá - MT “Prezado senhor Jorge Palmeira, diretor-presidente da Eletronorte, cumprimentamos vossa senhoria e agradecemos o envio da revista Corrente Contínua da Eletronorte. Na oportunidade, informamos o nome do novo secretário de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Sr Gilberto Uemura. No ensejo, colocamo-nos à disposição para futuras parcerias”. Francisca Jane Rios Gonçalves - Chefe de Gabinete da Seapa “Cara Érica, somente hoje tive condições de fazer a leitura da matéria referente ao GIT. É gratificante esse contato com uma história cheia de particularidades que, no dia a dia, parece irrelevante, mas depois de algum tempo tem um significado todo especial. E tudo isso só é possível pela forma organizada como vocês jornalistas relatam tais fatos. É como fazer uma viagem ao passado e conseguir enxergar cada momento, com suas paisagens e diálogos específicos. Só há duas coisas a serem ditas no momento: parabéns pelo trabalho e, acima de tudo, muito obrigado pela oportunidade que me deu, de passear por uma história gratificante de transformação na minha vida”. Carlos Olimpio Casseb Quebra - Regional de Transmissão do Pará - Belém - PA “Prezada Bruna, recebemos a revista Corrente Contínua referente a maio/junho, que contém a entrevista com o engenheiro Airton Silveira, da Eletrosul. Apenas uma ressalva, já que o nome saiu grafado errado (Airton Araújo Silveira), quando o correto é Airton Argemiro Silveira”. Lucimar Mondini Polli - Assessoria de Comunicação Social e Marketing da Eletrosul - Florianópolis - SC “Caro Alexandre, acabo de receber o nº 226 da Corrente Contínua e aproveito para parabenizar a todos vocês da redação e, em especial Byron de Quevedo, pelo belo trabalho da reportagem sobre as eclusas de Tucuruí. Aqui no sudeste do Pará essa obra é vista como uma urgência, e o tema suscita muito interesse. A reportagem de vocês, inclusive, fornece dados importantes de pauta para uma abordagem atualizada no nosso jornal Correio do Tocantins sobre o assunto. Sempre temos colhido boas pautas baseadas no ótimo trabalho desempenhado por vocês. Parabéns e sucesso a todos, desde a equipe de jornalismo até à de fotografia”. Patrick Roberto Carvalho - Editoria do Correio do Tocantins - Marabá - Pará “Agradeço a doação e o recebimento da revista Corrente Continua, Ano 31, numero 226, maio/junho de 2009. Sua doação vem ajudando as pesquisas de nossos usuários. Solicito a continuação da doação desta publicação para a Secretaria de Estado de Meio Ambiente – Sema – Núcleo de Documentação e Arquivo”. Rosa Elena Leão Miranda - Bibliotecária da Sema - Belém - PA
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“ Senhor diretor-presidente Jorge Palmeira, agradecemos o envio da revista Corrente Contínua, da Eletronorte. Na oportunidade vimos parabenizá-lo, bem como os demais colaboradores dessa revista”. Maria Lúcia Cavallari Neder - Reitora da Universidade Federal de Mato Grosso - Cuiabá - MT
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“Gostei muito da reportagem Saudades do Guamá, da revista Corrente Contínua número 226 - maio/junho-2009. Curiosidade: na página 65 consta a receita do biscoito amor-perfeito da D. Naninha. Nos ingredientes fala em um prato de tapioca. Fiz uma consulta a diversos colegas aqui do Tocantins, perguntei qual é o prato da tapioca e ninguém soube explicar. Poderiam nos esclarecer?”. Demerval Ferreira da Silva - Regional de Transmissão do Tocantins - Palmas – TO N.R.: trata-se de um prato raso de tapioca, também conhecida como araruta ou polvilho. Equivale a mais ou menos 200g.
Cidade estica garganta presa respira ar escuro Casa sobre outras arranha céu Ferreiro vai pro alto com a mão a nuvem cata Não nós, nós ficaremos A cuidar do chão, dos bichos e da mata Lanças lançadas ao fundo são facas, facão, estacas Ouro, diamantes dos pés se afastam Maquineiros mergulham nas terras: ponta de metal igual redemoinho Mas não nós, nós ficaremos A cuidar das pedras e caminhos Texto: Byron de Quevedo Foto: Rony Ramos
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Mundo emprestado aos bravos tá sofrendo! Estão indo embora os astronautas Pássaros estranhos luas ultrapassam Nós não, nós ficaremos A cuidar dos rios, lagos e cascatas
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