TCC - Pensamento Paramétrico & Processo de Projeto: Estratégia para Concepção de Espacialidades

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PENSAMENTO PARAMÉTRICO & PROCESSO DE PROJETO Estratégia para Concepção de Espacialidades

ELIMAR BASÍLIO DO CARMO Orientadora: Prof. Dra. Flávia Nacif da Costa Monografia apresentada na disciplina Trabalho Final de Graduação, como requisito para a conclusão do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo, Departamento de Arquitetura e Urbanismo e Artes Aplicadas da Universidade Federal de São João Del Rei - UFSJ. São João Del Rei - MG Dezembro de 2019


“O essencial é ter a coragem de arriscar e desenvolver novas ideias” ZAHA HADID


Dedico este trabalho a todos os meus familiares, em especial a minha mãe, meu pai, irmãos e meus afilhados Theo e William que, com muito apoio e carinho, não mediram esforços para que eu chegasse até esta etapa de minha vida. A todos os meus amigos e professores do curso de Arquitetura e Urbanismo com quem convivi ao longo desses anos, que me proporcionaram as melhores experiências da minha formação acadêmica.



À Prof. Flávia Nacif da Costa, por toda a sua contribuição, paciência, carinho e orientações para este trabalho e para a vida. Ao Prof. Rafael Brandão pela atenção e contribuição com a estrutura do trabalho, e a todos os professores do Departamento de Arquitetura e Urbanismo e Artes Aplicadas da Universidade Federal de São João Del-Rei. Em especial, deixo meus agradecimentos aos meus amigos e à minha mãe Cida Lima, que esteve ao meu lado durante toda a trajetória do curso fornecendo todo apoio e amor necessário.


This monograph analyzes the formation of the housing pattern that reaches contemporaneity in parallel with the social, cultural and technological transformations in the ďŹ eld of architecture and society, verifying a disparity between users’ demands and the housing spaces. In this sense, it proposes an investigation of the process of conception of spatialities by algorithmic logic, in order to study the potential of parametric thinking for the architectural design process as an impact instrument to reduce the disparity between demands and spaces. This work does not aim to achieve spatial responses, but rather to provide criteria that may assist in the reection on the architectural design process.


Esta monografia analisa a formação do padrão de moradia que chega à contemporaneidade em paralelo com as transformações sociais, culturais e tecnológicas no campo da arquitetura e da sociedade, verificando uma disparidade entre as demandas dos usuários e os espaços de habitação. Nesse sentido, propõe uma investigação do processo de concepção de espacialidades pela lógica algorítmica, a fim de estudar o potencial do pensamento paramétrico para o processo de projeto arquitetônico como instrumento de impacto para diminuir a disparidade entre demandas e espaços. Este trabalho não objetiva alcançar respostas espaciais, mas sim fornecer critérios que possam auxiliar na reflexão sobre o processo de projeto arquitetônico.


CONSIDERAÇÕES INICIAIS 11 INTRODUÇÃO .13 OBJETIVOS .15 JUSTIFICATIVA .16 METODOLOGIA .17

CONTEXTO 21 HISTÓRICO 27. BREVE HISTÓRICO DO PROCESSO DE CONCEPÇÃO DE ESPAÇOS 61 . DIVERSIFICAÇÃO DO PERFIL DE USUÁRIOS 65. O USUÁRIO TECNOLÓGICO 75. O PROJETO DIGITAL


PROCESSO PARAMÉTRICO 83 A LÓGICA ALGORÍTMICA .87 O PARAMETRICISMO .91 O PENSAMENTO PARAMÉTRICO .95 IMPACTOS NA AMBIÊNCIA .105 O PAPEL DO ARQUITETO .109

CONSIDERAÇÕES 119 FINAIS FONTES E REFERÊNCIAS 125



CONSIDERAÇÕES INICIAIS INTRODUÇÃO .13 OBJETIVOS .15 JUSTIFICATIVA .16 METODOLOGIA .17

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Pode-se afirmar, por senso comum e experiência diária, que o modo de vida das pessoas tem se transformado pela presença das tecnologias de informação e comunicação no cotidiano. Marcelo Tramontano (1998) aponta, porém, que tanto no Brasil como em outros países ocidentais, nota-se pouca alteração na configuração dos ambientes de moradia em função dessa presença: mantém-se um arranjo espacial baseado na tripartição burguesa e na compartimentação por cômodos. Percebe-se na própria vivência das residências contemporâneas brasileiras uma disparidade entre necessidades do morador e o espaço doméstico, que seguem ainda a tradicional lógica de setorização funcional – ou seja, o espaço não responde às demandas reais desse morador na atualidade, que não corresponde mais a tal tipo de setorização. Neste contexto, Tramontano, Pratschke e Marchetti (2000) já previam a necessidade de que o projeto arquitetônico considerasse a flexibilização do espaço quanto à sua funcionalidade, privatização e uso do mobiliário, características a serem revistas para atender ao usuário contemporâneo da cidade. À medida que sempre existe uma mudança de perfil de usuário influenciado pelo contexto sociocultural no qual está inserido, a não-atualização do espaço de moradia cria um descompasso temporal evolutivo, onde habitantes da atualidade vivem em espaços correspondentes a contextos antiquados. Assim, é necessário repensar a arquitetura e o processo de projeto arquitetônico para que este seja utilizado de forma a desenvolver ambientes em resposta às mudanças da sociedade atual, especialmente quando se considera uma enorme influência dos aparatos tecnológicos no processo de habitar a cidade e as transformações ocorridas na própria profissão quando da inserção de ferramentas digitais. Nesse sentido, os avanços tecnológicos funcionam como um catalizador para esse descompasso. No decorrer das últimas décadas[1], são perceptíveis transformações tecnológicas em escala exponencial, tanto no âmbito da domesticidade como no âmbito de projetar e representar

[1] Análises como as de Costa (2007) explicitam os caminhos históricos desenhados especialmente a partir do advento da Revolução Industrial no que tange às transformações técnicas, culturais e sociais que modificaram sensivelmente a relação entre corpo, arquitetura e tecnologia.

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o espaço arquitetônico. Como afirma Patrik Schumacher (2008), as novas tecnologias possibilitaram a criação de ferramentas de modelagem paramétrica que viabilizam transformações no modo de pensar e conceber os espaços, tornando possível implementar uma lógica algorítmica a esse processo. Esse novo conceito de pensamento de espaços, ainda segundo Schumacher (2008), resulta em um novo movimento arquitetônico contemporâneo, denominado pelo autor como parametricismo. O Parametricismo emerge da exploração criativa dos sistemas de design paramétrico, tendo em vista a articulação de processos e instituições cada vez mais complexos. [...] É o sentido de complexidade organizada (governada pela lei) que assimila as obras parametricistas aos sistemas naturais, onde todas as formas são o resultado de forças que interagem legalmente. Assim como os sistemas naturais, as composições paramétricas são tão altamente integradas que não podem ser facilmente decompostas em subsistemas independentes — um importante ponto de diferença em comparação com o paradigma moderno de design de separação clara de subsistemas funcionais. (SCHUMACHER, 2008, n.p., tradução nossa)

Considerando a disparidade entre o ambiente construído e as necessidades do morador, o presente trabalho procura traçar um breve histórico das questões que formam esse panorama para dele extrair os conceitos básicos que podem apontar estratégias para abordar a produção espacial arquitetônica num contexto super tecnológico da era digital e do ciberespaço (SANTAELLA , 2003). A partir de tal panorama, pretende-se investigar as ferramentas e conceitos do pensamento paramétrico para aplicação no processo de concepção do projeto pelo arquiteto – considerando o recorte especifico do espaço de moradia – para uma melhor adequação entre o ambiente construído e as contínuas alterações de necessidades do morador contemporâneo.

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INTRODUÇÃO


Os estudos e pesquisas deste trabalho tem por objetivo geral investigar como o pensamento paramétrico pode ser utilizado no processo de projeto de forma a gerar espaços que se adaptam à contínua mudança dos modos de morar, condição da cidade contemporânea e da presença da tecnologia no cotidiano. Este objetivo pode ser estruturado segundo os seguintes aspectos:

CONHECER o processo histórico-cultural de formação do padrão atual de moradia e seus condicionantes.

ANALISAR o impacto da tecnologia de informação e comunicação no uso da moradia, para avaliar as novas necessidades dos moradores.

DELINEAR a evolução da tecnologia no processo de concepção do projeto arquitetônico e compreender os impactos do processo de projeto no ambiente construído.

INVESTIGAR o emprego do pensamento paramétrico como método de processo de concepção de ambientes que atendam às novas necessidades do morador contemporâneo.

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Segundo Barros (2012), compreender as mudanças dos hábitos de morar vividos no espaço da casa tem um papel fundamental na idealização do espaço arquitetônico pelo arquiteto. Ainda segundo a autora, são os modos de morar que interferem nas necessidades de manutenção da configuração tradicional dos cômodos e na criação de uma nova configuração em acordo com as necessidades dos usuários. Neste contexto, faz-se necessária uma adequação do pensamento desses espaços considerando seu usuário – diverso e em constante transformação de hábitos e demandas – para evitar que a produção arquitetônica seja ditada por uma lógica tradicionalista que o desconsidera como fator condicionante nas decisões projetuais ou que reproduza uma experiência ultrapassada de um homem que já não mais existe. Também é válido ressaltar que as estratégias de projetos digitais têm ganhado cada vez mais espaço no campo arquitetônico. Como apontado por Schumacher (2008), técnicas avançadas de design computacional e modelagem paramétrica estão se tornando uma realidade difundida, sendo impossível competir dentro da cena contemporânea de vanguarda sem dominar essas técnicas e conceitos. Neste sentido, a reformulação do pensamento dos espaços pela ótica do pensamento paramétrico justifica-se como um avanço na criação de ambientes funcionalmente potencializados, de respostas mais variadas e soluções mais complexas, auxiliando os arquitetos na reflexão sobre a concepção dos espaços de morar compatíveis com a mutabilidade das demandas contemporâneas.

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O presente trabalho é classificado como uma pesquisa de natureza básica, prevendo novos conhecimentos úteis para o avanço da teoria do processo de pensar os espaços na arquitetura, sem aplicação prática imediata prevista. O trabalho será desenvolvido baseado em uma pesquisa exploratória por meio dos procedimentos de pesquisa bibliográfica e experimental a partir da seguinte estratégia: pensar os modos de morar de forma geral, seguido da influência da tecnologia no cotidiano e, assim, partir para o recorte específico da Parametria como possível método para a produção arquitetônica de moradia contemporânea, atualizando demandas e diversificando espacialidades. Tal metodologia ocorrerá nas seguintes etapas:

A Inicialmente, pretende-se fazer uma revisão bibliográfica sobre os temas e conceitos como processo de projeto, pensamento paramétrico e Parametricismo.

B Pretende-se fazer uma análise sobre a moradia ocidental brasileira, buscando conceituar o que é o espaço que habitamos e sua formalização tradicional, para que seja possível: 1) relacionar o espaço construído com o histórico do seu processo de concepção e as ferramentas utilizadas pela arquitetura para a representação do mesmo; 2) atualizar este conceito em torno de uma formalização aberta e mais complexa, condizente com demandas nem sempre tradicionais para a experiência do morar.

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C Pretende-se fazer uma análise sobre o processo de projeto na arquitetura, buscando investigar a evolução histórica das ferramentas de projetos advindas com o surgimento do computador, para que seja possível: 1) relacionar o espaço construído com o histórico do seu processo de concepção e as ferramentas utilizadas pela arquitetura para a representação do mesmo; 2) investigar o impacto do uso do pensamento paramétrico no processo de projeto como forma de atualizar a formalização de espaços complexa, condizentes com demandas nem sempre tradicionais para a experiência do morar.

Nesse sentido, o trabalho se estrutura em duas partes principais, onde o primeiro capítulo trata do contexto histórico e o segundo do processo paramétrico. No primeiro momento do capítulo 1(Contexto Histórico), o delineamento de contexto abordará questões históricas fundamentais sobre a concepção de espaços arquitetônicos, estabelecendo um breve histórico da formação do espaço de moradia – a fim de mostrar a evolução do espaço em paralelo com o processo de projeto – para caracterizar padrões eventuais desses espaços e sua reverberação no habitar contemporâneo. Segue-se para a caracterização do usuário tecnológico contemporâneo, partindo do pressuposto das transformações no modo de habitar o espaço advindas com os avanços tecnológicos e a influência da tecnologia de informação e comunicação no cotidiano. Deve-se apontar a pluralidade de demandas desse usuário – que continuam em transformação. Por fim, aponta-se a disparidade entre espaço construído e as atuais demandas sempre atualizáveis da sociedade contemporânea. Parte-se, para tanto, para um breve histórico sobre o processo atual de projeto desse espaço tradicional, com foco na arquitetura da Era Digital – com o surgimento do computador e os primeiros impactos da tecnologia como ferramenta de projeto – pontuando a

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necessidade de ambientes que prevejam essa alteração e sejam potencialmente adaptativos. Levanta-se então a hipótese do uso do pensamento paramétrico como possível solução para essa disparidade. O capítulo 2 (Processo Paramétrico) se inicia na definição do que são a lógica algorítmica e a Parametria para que seja possível caracterizar o método de processo do pensamento paramétrico. Define-se a linha histórica do Parametricismo de 2008 a 2016, após o que Patrik Schumacher aponta a necessidade de reformulação do movimento – estabelecendo o Parametricismo 2.0 e voltando novamente a ênfase para a arquitetura social. Parte-se para o estabelecimento das diferenças entre o processo de projeto tradicional e o processo de projeto paramétrico, levantando quais os possíveis impactos na relação entre o espaço construído e seu usuário, bem como na própria função do arquiteto contemporâneo.

METODOLOGIA

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CONTEXTO HISTÓRICO BREVE HISTÓRICO DO PROCESSO .27 DE CONCEPÇÃO DE ESPAÇOS DIVERSIFICAÇÃO DO .61 PERFIL DE USUÁRIOS O USUÁRIO TECNOLÓGICO .65 O PROJETO DIGITAL .75

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Dada a evolução da organização em sociedade, o ser humano, que se utilizava de “construções naturais” como cavernas – para proteção contra as intempéries, sepultamentos ou rituais (BENÉVOLO, 2009; MUMFORD, 2001) – passa a construir seu próprio espaço de morada. Com essa mudança surge a possibilidade de pensar e planejar a espacialidade que habitamos de acordo com nossas necessidades e desejos. Entre o salto histórico do surgimento da moradia original como cabana primitiva até a contemporaneidade, formaramse diversos padrões de casas condicionadas ao meio cultural em que estavam inseridas. Mas entender a moradia vai além da necessidade de entender a programação espacial: exige compreender as raízes da vivência do indivíduo como usuário do espaço de morar. Dito isso, a moradia pode ser vista como uma delimitação de dentro e fora, que determina a experiência espacial, sociocultural e temporal do usuário morador, e compreender a moradia em uma cultura é compreender as representações culturais, morais, e sociais inscritos na disposição dos ambientes e nos objetos da moradia (FERNANDES, 2011). Historicamente, as modificações dos espaços de morar refletem as revoluções da sociedade. Isso pode ser notado nas transformações de pensamento atreladas aos principais movimentos arquitetônicos, que causam impacto direto no processo de projeto, na moradia e construção e no modo como o usuário vivencia o espaço. Em paralelo, existe também uma mudança do perfil e dos papeis sociais do habitante na sociedade. Tais mudanças podem ser caracterizadas pelas principais transições de pensamento derivadas dos avanços tecnológicos da sociedade, que impactam diretamente nas demandas e na instrumentação dos indivíduos para seus modos de vida, assim como no próprio pensamento e processo de concepção dos espaços.

CONTEXTO HISTÓRICO

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Desse modo, revisões de bibliografias clássicas de história e teoria da Arquitetura (como BENÉVOLO, 2009; MUMFORD, 2001; RAJA, 1986; SANTAELLA, 2003; FRAMPTON, 1997) permitem delinear e assumir aqui três grandes períodos de produção de meios e espaços: o artesanal, o industrial e o digital. O período artesanal é marcado pela pré-industrialização, onde os métodos de produção eram manufaturados e individualizados. Com o advento da máquina na sociedade da Revolução Industrial, a mecanização dos meios de produção de objetos afeta toda a dinâmica de funcionamento e territorialização da cidade e o consumo, bem como o cotidiano doméstico e os modos de habitar. A passagem do período artesanal para o industrial apresentou transformações significativas, especialmente no que diz respeito às noções de tempo-espaço (HARVEY, 1992); já a passagem da era industrial para a digital, na qual vivemos hoje, embora ocorrida com sensações menos bruscas, tem produzidos efeitos igualmente importantes e de modo bastante acelerado. Num cenário caracterizado pela proliferação de ferramentas eletrônicas e uma crescente popularização da internet, responsável por modificar consideravelmente as relações interpessoais, cria-se uma nova zona de interação: o espaço virtual. E é justamente pela celeridade das transformações contínuas nas atividades cotidianas e nos meios de produção em geral que ainda é pouco perceptível um acompanhamento desta evolução em alguns terrenos, como o da moradia. De fato, pode-se mesmo afirmar que não houve ainda a transição de um “espaço industrial” para um “espaço digital” que significaria uma correspondência às demandas contemporâneas em seus modos de habitar.

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Como afirma Tramontano (1997), mesmo com a popularização e massificação do uso das TICs (tecnologias de informação e comunicação), a diversificação de perfis familiares não tradicionais e não nucleares, as novas técnicas construtivas e os novos materiais mais eficientes, os espaços de morar na atualidade continuam inalterados “sob a alegação de que se chegou a resultados projetuais economicamente viáveis, que atendem às principais necessidades de seus moradores” (TRAMONTANO, 1997, p. 6). Para compreender o atual padrão de moradia e o processo de projeto arquitetônico usual, deve-se analisar brevemente seus contextos históricos formadores nas relações entre usuário, moradia e pensamento arquitetônico nos três períodos supracitados. Pretendese assim desenhar o problema central da monografia: um descompasso evolutivo e temporal entre o usuário contemporâneo e o espaço de moradia projetado atualmente, que não corresponde às experiências dos habitantes e nem à atualização necessária de suas habitações. Por conseguinte, é levantada a hipótese de uma reformulação do processo metodológico do projeto arquitetônico utilizando-se do pensamento paramétrico para superar esse descompasso, que será abordado no segundo capítulo.

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Para efeitos das análises propostas nesta monografia, o delineamento do período artesanal parte do momento de seu paralelismo com o começo das discussões de representação arquitetônica do Renascimento, quando o desenvolvimento da técnica da perspectiva como método matemático alçam a experiência do desenho e da percepção do espaço a outro patamar. Dos grandes construtores da Grécia até os mestres de obra medievais, a etapa de pensar o espaço construído ocorria simultaneamente à construção, onde a experimentação de formas, espaços e volumes eram feitos no próprio objeto final construído. As eventuais representações existentes diziam respeito a ilustrações dos conhecimentos adquiridos ou dos “retratos” das obras, e não a um planejamento do objeto com um projeto - o que se modifica no Renascimento onde se estabelece, inclusive, o código representacional composto por plantas, cortes, fachadas e perspectivas (FUÃO, 1992; PÉREZ-GÓMEZ, 2003). Passa a existir, desse modo, a separação entre projeto e obra. É a partir da época renascentista que o papel do arquiteto se transforma de artesão a intelectual, transformando a lógica dos canteiros de obra até a atualidade, bem como a imagem do profissional como elitista (FERRO, 1982). Com a noção de superioridade intelectual do arquiteto, tornou-se comum comunicar as informações aos construtores por meio da representação técnica tornando optativa a presença desses profissionais na obra (REQUENA, 2007, p.74). A partir deste período, os arquitetos se voltam para a teoria e conceitualização da arquitetura na etapa de planejamento do espaço construído, ainda refletido pela criação das leis arquitetônicas supostamente naturais e imutáveis orientadas por códigos da clássica arquitetura grecoromana e dos tratados de Vitrúvio. Tais leis refletem na

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[2] Sobre a percepção de como as teorias renascentistas ainda influenciam o pensamento arquitetônico e a produção de um espaço com referência a um corpo masculino e suas consequências, ver o texto de DIANA AGREST apud NESBITT, 2006)

produção e no pensamento arquitetônicos até os dias atuais, mesmo após as propostas modernistas no início do século XX[2]. A arquitetura, em conjunto com a pintura e a escultura, formam a tríade das artes maiores, caracterizada por Benévolo (2009, p.26) como “condicionadas a um sistema de regras, deduzidas em parte da antiguidade, e em parte individuadas por convergências pelos artistas do Renascimento [...] tendo como fundamento a natureza das coisas e a experiência da antiguidade, concebida como uma segunda natureza” (2009, p.26). Ainda segundo o autor, a “existência de algumas regras gerais garante uma unidade de linguagem, a capacidade de adaptação a todas as circunstâncias e a transmissibilidade dos resultados” (BENÉVOLO, 2009, p.26). De fato, o repertório clássico foi adotado por todos os países civilizados, sendo adaptado às mais diversas exigências práticas e estilísticas. Contudo, todo o sistema da arquitetura clássica ordena-se sobre a máxima de atribuir o caráter universal pré-estabelecido a uma escolha particular do artista e do arquiteto.

Imagem 1: Homem Vitruviano (1490), representação do homem nas proporções propostas por Vitruvius, por Leonardo Da Vinci. Fonte: ipemsp.worldpress. com

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Imagem 2: Proporções arquitetônicas no Livro “De Architectura Libri Decem” de Marcus Vitruvius Pollio -, “ German translation by Walther Ryff, Nurembewrg, 1548, private collection. Fonte: alamy.com

No século XVIII, o Iluminismo propõe discutir todas as instituições tradicionais, avaliando-as à luz da razão, questionando os preceitos arquitetônicos que se mantiveram sob as regras do Classicismo e analisando objetivamente as formas históricas advindas das arquiteturas antigas do Renascimento. Assim, a visão iluminista chega “necessariamente a negar a sustentada

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universalidade dessas regras e coloca-as sob uma correta perspectiva histórica, subvertendo os pressupostos do próprio Classicismo e dando fim, depois de mais de três séculos, ao movimento baseado em tais pressupostos” (BENÉVOLO, 2009, p. 28). Ainda segundo Benévolo (2009), percebe-se uma mudança na produção arquitetônica – marcada por uma crescente tendência à análise de cada parte do edifício - já na primeira metade do século XVIII, apoiada pelo desenvolvimento dos estudos arqueológicos. É imposto que os monumentos antigos nos quais se baseiam as regras e proporções do Classicismo sejam conhecidos com exatidão, sendo explorados de forma sistemática pelas escavações e livres de aproximações, gerando coleções de publicações não limitadas aos conhecimentos romanos, mas também direcionados à arte grega, paleocristã, etrusca e até mesmo pré-histórica. As regras clássicas são mantidas como modelos convencionais – agora conhecidos com toda a precisão que se deseja - para os arquitetos da época, mantendo ainda a aparência já tradicional (uma vez que se continua a utilizar as mesmas formas). Porém, ocorre uma reviravolta cultural ao se extinguir a margem entre as regras gerais e a realização concreta. A adequação a tais modelos depende apenas de uma decisão abstrata do arquiteto, tomada fora de toda condição real, e o Classicismo torna-se uma convenção arbitrária transformando-se em Neoclassicismo.

Contudo, a nova posição amplia-se, logo, para além das formas clássicas; convenção por convenção, o mesmo tratamento é aplicável a todo tipo de forma do passado, àquelas medievais, exóticas etc., produzindo os respectivos revivals: o Neogótico, e Neobizantino, o Neo-árabe, e assim por diante. Os escritores anglo-saxões chamam a este movimento, em sua forma mais ampla, de Historicism” (BENÉVOLO, 2009, p. 29).

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Uma das consequências imediatas do Historicismo é a diferenciação de projeto e execução - que começou na Renascença - onde o projetista assume para si todas as decisões, deixando para outro apenas a etapa construtiva do edifício. Contudo, isso não impede que projetistas e executores trabalhem em conjunto, uma vez que, se o projeto não se modelar sobre a execução, como acontecia na Idade Média, a execução pode se modelar sobre o projeto e alcançar a mesma harmonização. Agora, contudo, os estilos são virtualmente definidos e, na primeira metade do século XIX, tornam-se de fato incontáveis; portanto, os executores, a menos que se especializem em executar somente construções em um determinado estilo, deverão manter-se, por assim dizer, neutros entre os numerosos repertórios diferentes, e limitar-se ao trabalho mecânico do traduzir determinados desenhos para a pedra, madeira, ferro ou alvenaria, sem possibilidade de participação pessoal no trabalho. O meio de execução adequado a essa situação é exatamente a máquina, a qual, neste período, está invadindo a indústria e, em certa medida, também os canteiros de obras. A máquina é muito exigente e leva inexoravelmente para soluções menos custosas; por outro lado, as exigências do estilo limitam-se às aparências formais dos objetos e, portanto, tende-se a restringir cada vez mais o conceito de estilo e a considerá-lo, afinal, como uma simples vestimenta decorativa, a ser aplicada a cada vez a um esqueleto de sustentação genérico; o arquiteto reserva-se a parte artística e deixa para os outros a partir de construção e técnica. Assim nasce o dualismo de competências que ainda hoje é expresso pelas duas figuras do arquiteto e do engenheiro (BENÉVOLO, 2009, p. 30).

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A sociedade é marcada, nos séculos XVIII e XIX, pelo nascimento de um novo modo de vida acarretado pela substituição de um modo de produção artesanal - que se baseava, sobretudo, na mão de obra da família extensa no próprio espaço de moradia – pela força mecânica. É válido ressaltar uma mudança de pensamento nesse período transitório acarretado por uma revolução tecnológica que reverberou em todos os aspectos da sociedade. Este período revela uma transição do indivíduo artesanal para o indivíduo industrial, desencadeando a transição de espaços artesanais para espaços industriais.

As profundas transformações sociais e econômicas ocorridas durante o período da revolução industrial, perfeitamente associadas às alterações verificadas no labor humano, originaram uma conflitualidade entre o suposto ambiente de inovação e as condições proporcionadas à população com base numa reestruturação em que a máquina liderava com uma primazia evidente. Perante este ambiente, emergem novos problemas de habilidade decorrentes da utilização das novas tecnologias (CUNCA, 2006, p. 23).

[3] Em 1798, o matemático francês Gaspard Monge estabelece as bases da geometria descritiva, determinando os sistemas de representação utilizados pela arquitetura: projeções ortogonais, perspectivas e axonometrias (REQUENA, 2007).

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Com as máquinas, surge a necessidade de maior rigor e precisão dos projetos industriais como um meio comum de comunicação eficiente. Dito isso, instituíram-se as primeiras normas técnicas de representação gráfica, nas quais eram incorporados os estudos de geometria descritiva[3]. É importante ressaltar que, no período artesanal, as representações arquitetônicas não tinham uma precisão métrica estabelecida, sendo muitas das vezes representadas por ilustrações artísticas. Em detrimento disso, as regras de construção resultavam em obras similares, porém com pequenas diferenciações entre si. A partir do momento que a arquitetura começa a fazer uso da precisão da geometria descritiva em suas representações, esses objetos passam a ser replicados de forma idêntica ao anterior, facilitando o

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surgimento de padronizações. Um exemplo disso são obras de Vignola e Palladio retratadas em pinturas com intenção de idênticas replicações (CARPO, 2016, p.29). Ao se considerar os espaços de moradia tradicionalmente construídos ainda nos dias atuais, são perceptíveis semelhanças com as moradias do período industrial. É válido, então, ressaltar os reflexos dos avanços alcançados pela indústria, tanto nos meios de produção quanto na moradia. A sociedade se reestrutura em torno da máquina, transformando a produção, os espaços e as demandas do novo indivíduo industrial. Imagem 3: Rua de um bairro pobre de Londres (Dudley Street); gravura de Gustave Doré (1872) Fonte: museumoflondonprints. com

As principais modificações nessa sociedade são o aumento da população, aumento da produção industrial e mecanização dos sistemas de produção. Ao serem analisados os índices de natalidade e imigração desse período que apresentam pouca alteração, fica evidente que o principal fator que desencadeou o crescimento da população foi a considerável queda da mortalidade, diretamente ligada aos aprimoramentos da higiene pessoal. A produção industrial, em conjunto com os novos conhecimentos

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científicos, permitiu também o melhor aproveitamento dos materiais até o limite de suas possibilidades. Os progressos na indústria siderúrgica inglesa permitiram que o ferro, antes empregado apenas em tarefas acessórias, exercesse um papel estrutural fundamental em grandes edificações. A indústria do vidro também fez grandes progressos técnicos na segunda metade do século XVIII, habituando os arquitetos a projetarem estruturas inteiramente de ferro e vidro (BENÉVOLO, 2009). Imagem 4: Palácio de Cristal, Londres – construção em ferro e vidro (1851) Fonte: onewaystreet. typepad.com

Além disso, outro relevante aspecto de modificação das demandas do usuário da moradia do século XVIII consiste no fato de que a habitação não mais abriga o espaço de trabalho, se restringindo a um espaço privado e íntimo, habitado por pessoas com laços familiares. O processo de produção se transferiu para o espaço fabril, território por excelência masculino e aberto ao público, diferenciado opostamente ao espaço doméstico feminino e privado, organizado em zonas a exemplo da habitação burguesa (TRAMONTANO, 1997, p.1).

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Imagem 5: At Dinner, St Marylebone Workhouse, London (1901) Fonte: Historyextra.com

A divisão entre casa e trabalho dada na moradia do século XVIII persevera na setorização atual da moradia, sendo contestada apenas recentemente com o surgimento da possibilidade de mobilidade do trabalho para o ambiente doméstico advindo com a tecnologia computacional e a internet. Com a transformação do espaço de moradia em um ambiente íntimo, emerge o conceito de privacidade doméstica. Outro aspecto importante que permite fomentar a privacidade no ambiente doméstico burguês é um novo conceito de família, mais atento à educação da criança, fato que não ocorria nas épocas anteriores. A partir da adolescência, os filhos das famílias burguesas tornavam-se, na maioria, aprendizes de artesãos. Esta alteração, verificada já no século XVI, deve-se sobretudo à difusão do ensino na sociedade, anteriormente exclusivo das ordens religiosas. A coabitação com os filhos e o fato de a casa deixar de ser um espaço para o trabalho tornava-a menos pública e de menores dimensões. (CUNCA, 2006, p. 36)

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Na sociedade industrial, a família nuclear tornou-se uma unidade social, contrariamente à família extensa da sociedade agrícola, que se constituía em unidade de consumo e não de produção” (TRAMONTANO, 1997, p. 1). Enquanto o marido se desloca até seu local de trabalho para ganhar dinheiro, a esposa é encarregada de zelar pelo espaço doméstico e dos filhos. Nesse ponto, identifica-se uma divisão sexual espacial de trabalho enquanto padrão social. No momento em que tal padrão de família foi estabelecido como dominante na sociedade, com os papéis familiares pré-estabelecidos socialmente na divisão entre tarefas femininas e masculinas, o pensamento e planejamento do ambiente doméstico passam a ser pensados para atender às demandas desse padrão. É possível identificar o modelo europeu de moradia burguesa oitocentista, estabelecido para tal padrão de família, ainda nos dias atuais. Dependente da presença de pessoal doméstico para seu funcionamento, ambientes de serviço e social passam a ser separados propositalmente. A configuração em que espaços de serviços – bem como o espaço habitado pelos serviçais domésticos – são renegados ao fundo da moradia, ainda pode ser vista em habitações construídas no final do século XX, quando há uma diminuição drástica destes serviçais.

Quartos de empregados, tanto quanto banheiro e cozinha, eram considerados espaços de rejeição e, portanto, relegados aos fundos da moradia. Salas e vestíbulos compunham os espaços de prestígio - a face pública da habitação – em oposição aos espaços de intimidade, os quartos de dormir do dono da casa e de sua família (TRAMONTANO, 1997, p. 5).

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A era da máquina concentra a indústria em novos espaços, que originam grandes deslocamentos da população rural em procura de trabalho. Essa população sai das isoladas terras rurais para os compactos bairros construídos ao redor das fábricas. Esses novos bairros se concentravam nas zonas periféricas das cidades, adjacentes às fábricas, edificados em tempo mínimo por empreiteiros que visavam o maior lucro possível e cuja preocupação se restringia à solidez da edificação (CUNCA, 2006, p. 41). Imagem 6: Over London by Rail; gravura de Gustave Doré (1872) Fonte: museumoflondonprints. com

É importante observar que, ainda que houvesse um planejamento do espaço doméstico, a premissa era acomodar o máximo de atividades no mínimo de espaço; nesse sentido, além de o morador ser tratado de forma genérica e de ter apenas suas demandas primordiais à sobrevivência consideradas, não havia preocupação com qualidade de vida ou com a ambiência proporcionada. Entretanto, por comparação, essa mudança ainda constituía uma melhoria na habitação do trabalhador rural. Como descreve Benévolo (2009), a madeira das paredes foi

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substituída por tijolos, as coberturas de palha dão lugar para os tetos de ardósia ou pedra, as instalações higiênicas eram igualmente primitivas ou inexistentes em ambos os casos. O espaço de moradia passa a ter dimensões menores na cidade industrial, porém sem o estorno e o pó das das máquinas de viação no próprio domicílio. A diferenciação dos materiais, como constata Cunca (2006), está diretamente relacionada com a regressão da mortalidade infantil, e consequentemente o aumento da população. Em oposição a essas condições que deixavam essa parcela da população no limiar da sobrevivência, e sem nenhuma qualidade de vida, a burguesia era regida por preocupações mundanas, tendo uma moradia ampla, setorizada funcionalmente, e adornada com ostentação característica de uma classe em acessão. De modo análogo, o progresso da indústria e do conhecimento técnico torna mais precisos os raciocínios de construção, tornando a antiguidade clássica um período histórico estudado com método científico e colocando seu valor normativo dos modelos clássicos em questionamento (BENÉVOLO, 2009, p. 62). Isto posto, um novo ciclo iniciase – a época vitoriana – em que o desenvolvimento técnico coexiste com o comércio e consumo, amparado por uma burguesia em ascensão. Nesta época assiste-se ao desenvolvimento da indústria nos Estados Unidos da América que, apesar de subsidiado pela tecnologia inglesa, assume diferenças em relação ao modelo britânico, devido a um contexto social e estético particular de implementação dos processos produtivos (CUNCA, 2006). O aparecimento de aparelhos mecânicos destinados ao espaço doméstico caracteriza o começo da transição para a moradia industrial, libertando as tarefas domésticas de trabalhos manuais e exaustivos no final do século XIX. É importante ressaltar o aspecto - proveniente da modificação da linguagem artesanal para industrial – da fabricação em série, de forma padronizada, tendo o conceito de qualidade

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de produtos muito distante do significado e importância dos padrões atuais. Na primeira década do século XX, surgem na Alemanha os primeiros questionamentos sobre a qualidade dos produtos, que define novos critérios de fabricação baseados na tipificação e uniformização dos objetos domésticos. Embasados nessa discussão, surgem os primeiros ensaios que preconizam o arquétipo de fabricação em série, bem como a ideia de massificação da casa. Salienta-se também o surgimento e popularização dos eletrodomésticos no começo do século XX, período em que utensílios de mão dão lugar aos eletrodomésticos, modificando diretamente a relação do morador com a espacialidade da moradia e introduzindo um novo conceito de qualidade de vida: o conforto (CUNCA, 2006). Desde o dispor de combustíveis e energias para o conforto na casa, como gás e eletricidade que providenciam uma iluminação e um aquecimento de qualidade, até ao assegurar do abastecimento de água canalizada que permitiu a manutenção da higiene dos habitantes e a limpeza regular da casa, a tecnologia desempenhou o protagonismo no espaço doméstico, democratizando as condições de habitabilidade. (CUNCA, 2006, p. 23)

O pensamento do espaço doméstico se volta para a funcionalidade em detrimento dos equipamentos eletrônicos, deixando de lado o ornamento em nome da otimização das tarefas domésticas. Le Corbusier cunha a noção de objeto como extensão do corpo, dando foco à “readaptação dos objetos às utilizações, através da observação das ações humanas nas diferentes atividades e, de acordo com o pressuposto, sintetizava: pesquisar a escala humana, a função humana, e definir as necessidades humanas” (CUNCA, 2006, p. 255). A semelhança física em todos os homens nutre a ideia de padronização de proporções dos objetos e dos usuários, onde o morador se transforma em um ser genérico prototípico de ações previstas.

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No período transitório entre o final da primeira idade da máquina e o início da segunda, no qual as experiências preliminares de padronização dos objetos domésticos dão lugar ao desenvolvimento da produção em série e da massificação dos produtos, surgem na Europa as propostas para organização da casa. Este percurso que se inicia com os projetos norte-americanos atinge, no velho continente, novos posicionamentos que espalham a ruptura com as anteriores atitudes que reproduziam os artefatos ornamentados inadequados aos procedimentos mecânicos (CUNCA, 2006, p. 188). Imagem 7: Propaganda comparando a maneira antiga e “moderna” de lavar roupas (1860) Fonte: eletrohistory.com

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Imagem 8: O modulor, de Le Corbusier (1948) Fonte: archidaily.com

Projetos experimentais oferecem novas propostas de habitação, utilizando-se do conceito de elementos préfabricados, propondo ambientes preocupados com ergonomia, iluminação, acústica, e otimizados em relação ao espaço e às tarefas dos moradores. Projetos como a Casa am Horn, de 1923, propostos pelos alunos da Bauhaus, se justificavam pela preocupação de adequação do ambiente doméstico ao novo “homem moderno” e suas novas necessidades derivadas dos novos equipamentos domésticos (CUNCA, 2006).

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Imagem 9: Haus am Horn, Weimar, Germany (1923) Fonte: archidaily.com

Imagem 10: Planta Pavimento Haus am Horn, Weimar, Germany (1923) Fonte: archidaily.com

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Na continuação dessas premissas, surgem os ensaios inovadores, sustentados pela dinâmica da máquina e pela mudança da mentalidade centrada na utopia do habitar. A atenção da arquitetura se volta para a funcionalidade, transcrita em projetos visionários de habitáculos autônomos planificados por unidades mecânicas. As experiências no domínio da célula habitacional, na era liderada pelo televisor e pelos materiais plásticos, redesenham a sua construção simbólica de refúgio num recinto fragmentado por equipamentos de fluência caracterizada por formas orgânicas (CUNCA, 2006, p. 187).

Essas discussões reverberam no movimento Metabolismo criado no Japão na década de 1960, que propunham ambiências experimentais sobre adaptabilidade, flexibilidade, multifuncionalidade, imprecisão e muitas vezes com um caráter utópico sobre a complexificação da sociedade moderna. O projeto Nakagin Capsule Tower (1972) do arquiteto Kisho Kurokawa concretizou em um edifício a discussão sobre a “moradia cápsula”, que fornece apenas os recursos considerados básicos de uma moradia na época (cama, televisão, rádio, mesa de trabalho, armários, fogão, refrigerador e banheiro). Imagem 11: Planta Pavimento do Edifício Nakagin Capsule Tower (1972) Fonte: archidaily.com

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Imagem 12: Foto do Edifício Nakagin Capsule Tower, tirada por Fernanda Britto (2013) Fonte: archidaily.com

Imagem 13: Isométrica da Cápsula de moradia do projeto (1972) Fonte: archidaily.com

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Segundo Tramontano (1997) o Movimento Moderno europeu foi o primeiro momento em toda a história da arquitetura em que o desenho e a produção do espaço de morar foram integralmente revistos, seguindo critérios claramente formulados, cujos resultados ainda norteiam boa parcela dos projetos de habitação em todo o mundo ocidentalizado. Ainda segundo o autor, nas propostas modernas do primeiro pós-guerra europeu, materializadas exemplarmente nas siedlungen patrocinadas pela social democracia alemã, a cozinha foi trazida dos fundos da casa para frente, fundida com a sala de estar, tornandose o espaço privilegiado do convívio entre os membros de uma família nuclear cuja mãe era a principal encarregada das tarefas domésticas. Além disso, a pouca área útil de cada unidade foi tratada com elementos flexíveis – camas escamoteáveis, mesas dobráveis ou sobre rodízios, portas de correr – procurando viabilizar a meta de um cômodo por pessoa, fosse ele minúsculo. (TRAMONTANO, 1997, p. 5)

Os arquitetos modernistas previram uma habitação prototípica, correspondente a um homem, uma cidade e uma paisagem igualmente prototípicos. Criou-se então um arquétipo de habitação-para-todos, com o intuito de uniformizar as soluções gerais dos espaços. Porém, tal arquétipo teve seus conceitos propositivos filtrados pela lógica tecno-financeira do mercado de construção, que se apropriou apenas dos elementos e conceituações economicamente rentáveis. Contudo, é válido ressaltar a importância dos modernistas e os preceitos da fachada e planta livres de Le Corbusier, que permitiram o aparecimento de elementos de curvatura livre nos projetos da metade do século XX. Pode-se identificar, nessa época, um interesse experimental por novas formas não euclidianas que alguns teóricos tratam como “blob”.

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O termo foi usado pela primeira vez em arquitetura numa reportagem com o mesmo título na Any Magazine, e se referia popularmente ao filme Blob e os efeitos especiais em latex de James Carpenter, como também os recursos de modelagem no software daquele tempo como o “Metaclay” da soffimage e o “MetaBlobs” da Wavefront. Estes programas usavam termo blob como abreviação para Binary Large Objects (Objetos grandes binários). A palavra busca nomear as formas radicalmente diferentes, complexas e de geometria amorfa que não se reduzem nas formas elementares do desenho tradicional, como cubos ou esferas. Trata-se de superfícies formadas as múltiplos curvas livres, difíceis de serem visualizadas e projetadas a partir de métodos gráficos tradicionais, e que tem se popularizado hoje entre os arquitetos graças à fabricação possível através dos métodos informatizados [...] (REQUENA, 2007, p.59).

Imagem 14: Cartaz do filme BLOB (1958) Fonte: imbd.com

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Imagem 15: Verner Panton’s Phantasy Landscape (1968) Fonte: archinect.com

Como ensina Kolarevic (apud REQUENA, 2007), desde o Barroco arquitetos buscam formas além do eixo euclidiano e das formas e proporções tradicionalmente estabelecidas na arquitetura. As formas biomórficas originam-se de um excesso do Barroco até o design orgânico dos anos 1950. O autor cita exemplos como o arquiteto Erich Mendelsohn Einsteinturm em Potsdam, na Alemanha (1920), a Catedral de Romchamp, de Le Corbusier (1955) e o terminal TWA em NY de Eero Saarinen (1956).

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Imagem 16: The Einstein Tower, de Erich Mendelsohn (1920) Fonte: archdaily.com

Imagem 17: Catedral de Romchamp, de Le Corbusier (1955) Fonte: archdaily.com

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Imagem 18: Terminal TWA, de Eero Saarinen (1956). Fonte: archdaily.com

Percebe-se que a postura identificada no blob objects se distancia dos preceitos modernos, no que se refere a evidenciar o processo construtivo e a tornar clara a estrutura da edificação na superfície do edifício. O repertório moderno buscava a simplicidade, revelando na forma a função dos espaços e abominando o ornamento. Distintivamente, o design blob explorava espacialidades de geometrias não euclidianas, baseando suas investigações em conceitos matemáticos gerados através de deformações das formas tradicionais. Isso demandava um pensamento de novos sistemas construtivos, novos materiais e propunha discussões sobre novas usabilidades dos espaços. Dentro dessa linha de pensamento, destacam-se os Desconstrutivistas, que se mostram contrários ao utilitarismo, a dicotomia forma e função dos modernistas e ao seu “significado simbólico pobre” (REQUENA, 2007, p.63). O desconstrutivismo surge com a proposta de romper a racionalidade da geometria euclidiana, transgredindo os planos ortogonais de maneira a distorcer e deslocar alguns dos princípios elementares da arquitetura, tanto a nível estrutural quanto envoltório (paredes, piso, cobertura e aberturas). Tanto no Desconstrutivismo como no Blob Design, a ideia de negar a representar significados pode ser constatado no fato de não serem reconhecidos em suas

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utilidades ou funções. Como afirma Requena (2007, p.63), obras de arquitetos desconstrutivistas se destacam pela “arquitetura esteticamente ilógica [...] de maneira a evocar uma estética do caos que provoca instabilidade a partir de ângulos inclinados e superfícies dobradas, resultando em espaços fragmentados e desconstruídos” Imagem 19: Interior de sala de exposição do Museu Guggenheim de Bilbao. Embora o projeto do museu apresente inovações em diversos aspectos abordados nessa monografia como se verá a seguir, e que sua forma se revele em linhas arrojadas, fragmentadas e angulosas, alguns espaços interiores se mostram em contraste: domesticados e regulares. Fonte: viajoteca.com

É por volta de 1960 que o progresso da informatização é capaz de indicar uma nova transição e ultrapassar a mecanização característica do período industrial. A tecnologia vem ganhando destaque, e os arquitetos se viram para essa nova face, surgindo projetos experimentais e propositivos sobre o rumo da arquitetura diante do futuro tecnológico. As propostas do grupo Archigram (1961, Inglaterra) exploravam questões teórico- conceituais das novas tecnologias, da massificação por meio da imagem midiática e do individualismo crescente, indo além da questão formal. Diversas obras do grupo ganharam destaque pela interpretação da tecnologia, transgredindo as normas

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de beleza e função da época (REQUENA, 2007). Projetos como Plug-in City (1964), Living Pod (1966) e Instant City (1968) apresentavam metáforas robóticas e paisagens urbanas quase orgânicas, baseadas no visual da cultura pop difundida por designers nos anos de 1960 e 1970, onde criavam formas blobicas com materiais plásticos, concreto e experimentações em estruturas infláveis. O grupo Archizoom (1966, Itália), subsidiado pelo grupo britânico, vieram complementar as propostas dos projetos autônomos e autossuficientes dos anos anteriores. “Ambos os grupos, atentos à sociedade de consumo, avançaram com soluções populares e efêmeras na área da habitação” (CUNCA, 2006, p. 25). Imagem 20: Plug-in City Archigram (1964) Fonte: archdaily.com

Imagem 21: Living Pod – Archigram (1966) Fonte: archdaily.com

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Imagem 22: Instant City – Archigram (1968) Fonte: archdaily.com

Apesar de todas as discussões sobre as novas formas do design blob e do Desconstrutivismo e sobre as investigações de adequação do espaço a uma sociedade futurística proposto pelos grupos Archigram e Archizoom, o desenho da moradia não se altera, tampouco o processo de concepção desses espaços, fazendo com que tais discussões se resumam apenas a experimentações espaciais específicas de determinados projetos, muitas vezes apenas utópicos e imaginários. Historicamente, os métodos de transmissão da informação seguem os avanços tecnológicos da sociedade. O surgimento da imprensa de massa possibilitou transmitir a informação escrita em larga escala; contudo, com o surgimento dos equipamentos eletrônicos como rádio e TV (nas décadas de 1920 e 1940 respectivamente) a informação pode ser distribuída em escala jamais vista, e de forma clara e

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simples, sem necessidade de alfabetização da população. Além dos ideários de modo de vida metropolitano futurístico já investigados pelos projetos experimentais citados, é válido ressaltar as produções distribuídas pelos veículos de comunicação para a população. A animação Os Jetsons (1962) retrata a vida doméstica de uma família do futuro, onde é possível observar a integração de aparelhos tecnológicos em todas as tarefas domésticas. Contudo, deve-se destacar a pouca alteração dos tipos de tarefas domésticas - onde a mudança ocorre apenas nos equipamentos que auxiliam na execução – assim como a permanência da estrutura familiar tipicamente nuclear característico de todo o século XX. Tudo isso foi reforçado massivamente nos anos 60 por Hollywood como o “American way of life”, transmitindo o arranjo patriarcal, depositando a responsabilidade do trabalho doméstico na figura da mãe, a responsabilidade de provedor financeiro na figura do pai e popularizando o vínculo da ideia de ser bem bem-sucedido ao consumo material (REQUENA, 2007). Imagem 23: Animação The Jetsons (1962) – A tecnologia presente nas tarefas domésticas. Fonte: bandt.com.au

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Imagem 24: Animação The Jetsons (1962) – Integração da tecnologia no modelo tradicional de serviçal. Fonte: bandt.com.au

Imagem 25: American Way of Live Fonte: wikipedia.org

Imagem 26: “O melhor padrão de vida do mundo”, “Não há jeito melhor que o jeito americano” Louisville, Kentucky. Por Margaret Bourke-White (1937) Fonte: wikipedia.org

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Uma vez que pessoas de todo o mundo são capazes de ter acesso às mesmas informações, foi possível observar semelhanças nos agrupamentos familiares, nas vestimentas, no lazer e entretenimento, na gastronomia, nos equipamentos domésticos em diversos países. Essa disseminação de padrões universais potencializada pela globalização da informação por meio da Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) caracteriza a transição da sociedade industrial para um novo período (REQUENA, 2007). A disseminação do padrão universal contribuiu para formar a cultura de massa, que promoveu a uniformização da domesticidade. Mesmo em diferentes contextos ambientais e culturais, o ideal de consumo das famílias quanto ao modo de vida, equipamentos domésticos e até mesmo o desenho da moradia se tornavam semelhantes. [...] a produção de conteúdo culturais passou a ser executada e manipulada por uma minoria, porém, largamente absorvida pela massa, que não tinha poder para interferir nos produtos simbólicos que consumia. Esse momento foi caracterizado pela simultaneidade e uniformidade da mensagem emitida recebida. Famílias inteiras sentavam-se à frente ao rádio ou mais recentemente a televisão, e assimilavam seus conteúdos sem poder intervir diretamente na programação ou muito menos produzir tais conteúdo (REQUENA, 2007, p.33).

Entretanto, com o surgimento do computador nos anos de 1960 e a popularização desse equipamento conectado à internet nos lares a partir dos anos 2000, a unilateralidade da informação é quebrada. Agora, é possível que o usuário interaja com os produtores de conteúdo, absorvendo informações de forma ativa, podendo intervir, responder e produzir seu próprio conteúdo (REQUENA, 2007). Esse momento pode ser caracterizado como um período transitório, marcado pela difusão das TICs tanto no âmbito da moradia quanto no trabalho. É neste período que podemos delinear uma transição do indivíduo industrial para o

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indivíduo digital, influenciado diretamente pela interferência da presenta das TICs no cotidiano de forma cada vez mais indissociável, de modo a provocar transformações sociais causadas pelo novo espaço de convívio e interação: o espaço virtual. Delimita-se aqui o início de um período digital como aquele marcado pela criação do primeiro computador com recursos gráficos – o Macintosh da Apple Computer, em 1984, que inaugura o sistema operacional em janelas –, ampliando as possibilidades projetuais com a soma do contexto digital às ferramentas tradicionais da arquitetura. Imagem 27: Steve Jobs e o Macintosh Computer (1984) Fonte: ailiconvally.com

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Desde o período artesanal, os processos de concepção arquitetônicos fazem uso do plano bidimensional, em sua grande maioria a partir de desenhos instrumentados ou à mão livre. Nesta metodologia, a visualização do espaço tridimensional se restringe aos desenhos de perspectiva ou da produção de maquetes físicas. Entretanto, com o aprimoramento dos computadores e os contínuos avanços tecnológicos, surgem equipamentos diversos que auxiliam o arquiteto no processo criativo, como inúmeros programas de modelagem digital, scanners 3D, máquinas de prototipagem, máquinas de corte a laser, impressoras 3D, entre outros. Entre os pioneiros de design digital encontra-se Ivan Sutherland, com seu Skechpad de 1963 para projeto arquitetônico. O desenho auxiliado por computador continuou nos anos 1970 para assimilar completamente os softwares, o que é descrito por Mark Burry como a “sine qua non” da computação projetual (apud FRAZER, 2016, p.19). A popularização dessas tecnologias nos escritórios de arquitetura, a partir da década de 1980, transforma por completo o processo de projeto e representação arquitetônica, estabelecendo na arquitetura um sistema híbrido - onde arquitetos utilizam meios tradicionais (analógicos) e meios digitais, ampliando as possibilidades formais e gerando novas discussões dentro da arquitetura. Arquitetos em todo mundo aderiram ao uso de programas de representação e modelagem digital, introduzindo em seus escritórios programas que rapidamente se popularizaram entre os profissionais, como o CAD (computer aided design, ou, design assistido por computador). Desde então o design digital é reconhecido como um campo em plena expansão, trazendo mudanças profundas na concepção de arquitetura. O uso do computador auxiliando as etapas de projeto trouxe uma série de novos paradigmas à arquitetura contemporânea, elevando os processos de concepção a estágios complexos nunca antes imaginado (REQUENA, 2007, p.52).

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Imagem 28: user interacting with an early computer aided design (cad) program running on a pdp-1 computer (1962) Fonte: computerhistory. org

Imagem 29: Computer Aided Design - CAD (1982) Fonte: scan2cad.com

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Requena (2007) define a integração e influência do computador no processo de criação em 3 fases. Na primeira fase, o computador funciona como um editor de desenho, onde é utilizado apenas como uma ferramenta de execução que substitui os equipamentos manuais tradicionais. Em um segundo momento, é introduzida a modelagem 3D, possibilitando ao arquiteto analisar de forma espacialmente mais precisa a concepção dos espaços, facilitando a tomada de decisões já no início do processo de design. Nesta fase, o uso de programas de simulação vinculados à maquete eletrônica possibilita a análise de comportamentos estruturais, conforto térmico e acústico do edifício, afetando assim as decisões do arquiteto no processo de projeto. A terceira fase é marcada pela incorporação do “pensar digital”, provocando resultados influenciados por conceitos da cibercultura, como interação, realidade mesclada ou design participativo, de forma a gerar resultados impossíveis de se obter sem o processamento da máquina, permitindo aos arquitetos explorar formas complexas e agir mais incisivamente nas questões conceituais (REQUENA, 2007, p.53). Nessa terceira etapa a concepção formal dos edifícios dáse a partir do processo de dados fornecidos a programas específicos de animação e simulação, que necessitam, em muitos casos, de tecnologias específicas tanto para a produção de maquetes como para partes do edifício projetado. É nesta etapa que encontramos edifícios com formas experimentais que além de não se encaixarem no padrão euclidiano, tratam-se de espaços não estáticos, que incorporam a instância tempo em sua concepção, abrigando possibilidades de reconfiguração especial em tempo real. Arquiteturas constituídas a partir de superfícies fluidas e maleáveis, que envolvem o prédio, muitas vezes, compondo em continuidade, piso, teto e paredes (REQUENA, 2007, p.53).

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Pode-se notar, em uma breve análise, que a maioria dos escritórios e escolas de arquitetura ainda se encontram na segunda fase: a tecnologia é estudada e aplicada como uma ferramenta avançada para executar, de forma otimizada, todos os processos de representação antes manuais. O computador foi integrado em todos os processos de projeto, desde o estágio inicial até o gerenciamento de informações do edifício e fabricação e execução no local; entretanto, a lógica estabelecida no processo de concepção dos espaços não foi adaptada a essas novas tecnologias, fazendo a computação se tornar uma extensão computadorizada do processo já tradicional sem questionar os modos de conceber a forma, a estrutura e o espaço (MENGES, 2016). Ainda assim, já se observam grandes avanços advindos desse sistema híbrido de projeto. Arquitetos podem utilizar em seu processo de criação e representação modeladores digitais e scaners 3D, juntamente com maquetes feitas à mão, desenhos e croquis. Verificamos algumas situações desse criar híbrido, por exemplo, quando o arquiteto inicia modelagem 3D no computador e em seguida traz esse modelo para o meio concreto através de máquinas de prototipagem rápida, para esculpi-lo à mão e em seguida leva-lo novamente para o computador, através de uma máquina de scanner 3D, retomando a modelagem virtual em seguida. Há neste processo, um devastador potencial criativo, que extrapola os limites físicos possível sem o uso destas tecnologias que nos permite refletir sobre as possibilidades em se repensar o processo de projeto (REQUENA, 2007, p.54).

As investigações sobre as possibilidades do processo híbrido ainda se encontram em estágio inicial, mas é de se esperar que, com a popularização e barateamento dos equipamentos e consequentemente a disseminação dos mesmos nas escolas de arquitetura, grupos de pesquisa e escritórios, resultados inovadores podem surgir.

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Nas últimas décadas, observa-se que o desenho dos cômodos da moradia, na maioria dos projetos, ainda seguem o arquétipo moderno da ‘habitação-para-todos’, mesclado com modelo de habitação proposto nas primeiras décadas do século XX – que se derivou do modelo burguês oitocentista destinado à tradicional família nuclear – apesar do surgimento de novos grupos domésticos com necessidades e demandas diversificadas sobre o espaço de moradia (TRAMONTANO, 1997). [...] a queda acentuada da fecundidade, o aumento da longevidade, a crescente inserção da mulher no mercado de trabalho, a liberação sexual, a fragilidade cada vez maior das uniões, o individualismo acentuado, etc, são tendências que vêm atuando no sentido de alterar o tamanho, a estrutura e a função da família (TRAMONTANO, 1997, p. 3).

Já é possível encontrar facilmente famílias com dois pais, duas mães, pai ou mãe solo, casais sem filhos, co-housers ou até mesmo pessoas que optem por morar sozinhas. De acordo com os dados do IBGE em 2017, em um intervalo de tempo de 10 anos foi possível observar uma queda de 50,1% para 42,3% da quantidade de casais com filho no Brasil. Outro dado relevante a ser considerado é o aumento do número de pessoas morando sozinhas, que apresentou um aumento de 10,4% para 14,6% do total de domicílios.

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Gráfico 1: Os tipos de Família no Brasil, em porcentagem (%). Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE

Dessa forma, mesmo que o padrão se baseie nas necessidades e demandas do perfil assumido até então como o padrão – pai, mãe e filhos - ele atende apenas a uma parcela da população, o que se verifica pelos dados supracitados que indicam clara diversificação de grupos na atualidade. Também é válido ressaltar a diferenciação de demandas impulsionadas pela diversidade dos novos papeis sociais entre os próprios usuários de uma mesma moradia, uma vez que os parâmetros pré-estabelecidos do grupo familiar tradicional se quebram. São inúmeros os exemplos que explicitam o esforço feito pelos moradores para flexibilizar o espaço da moradia em resposta às novas demandas e aos novos perfis familiares. São comuns adaptações de usuários em residências incorporando novos usos aos cômodos, eliminando a compartimentação de espaços especializados em funções, integrando-os a espaços maiores com um caráter multifuncional e aumentando as áreas úteis com a eliminação das áreas inutilizadas ou pouco usadas.

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Também se nota a necessidade de personalização e adaptação do espaço habitado, por exemplo, nas moradias populares que originalmente são iguais, porém são descaracterizadas ao longo do tempo de acordo com as individualidades de cada família. Outro exemplo são as repúblicas universitárias, que alugam casas “tradicionais” e as reconfiguram de acordo com as preferências e necessidades dos moradores, utilizando, geralmente, divisórias para reconfigurar a distribuição espacial da moradia.

Imagem 30: Observase a eliminação de equipamentos em desuso (bidê), a integração de ambientes (cozinha e área de serviço) e a requalificação de uso de cômodos (quarto de empregada). – Por Juliana Valadão (2015) Fonte: decorarsuacasa. com

DIVERSIFICAÇÃO DO PERFIL DE USUÁRIOS

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Imagem 31: Casas populares, entregues exatamente iguais, começam a se diferenciar devido a intervenção dos moradores para adequálas de acordo com a necessidade de cada grupo familiar. - Marília SP (2019) Fonte: folha.uol.com.br

Mesmo que agora tendam a habitá-la grupos domésticos cujo perfil difere cada vez mais da família nuclear convencional, o desenho tradicional dos espaços desta habitação se mantém pouco alterado, sob a alegação de que se chegou a resultados projetuais economicamente viáveis, que atendem às principais necessidades do mercado (TRAMONTANO, 1997).

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Deve-se considerar também as transformações do próprio usuário contemporâneo causadas pelo advento das TICs no espaço doméstico. Nos anos 1990, a criação do sistema MS-windows para a plataforma PC (personal computers) auxiliou na popularização definitiva dos computadores nas residências para uso doméstico.

Imagem 32: Interface Windows 3.0 (1990) Fonte: wikipedia.com.br

O desenvolvimento desses equipamentos eletrônicos e a popularização da internet a partir dos anos 2000 torna possível executar tarefas cotidianas no espaço virtual, como trabalhar, comprar, socializar, estudar. Neste cenário, se torna possível deslocar novamente o trabalho para a residência com o uso de equipamentos portáteis, assim como a fácil mobilidade de atividades que podem ser executadas em diversos ambientes distintos.

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Mais recentemente, os notebooks, tablets e aparelhos celulares inteligentes (smartphones) possibilitam a realização de grande parte das atividades profissionais e sociais, não somente no espaço da moradia como também fora dele. É interessante observar que o desenvolvimento de aplicativos para essas plataformas tendem a impactar diretamente no espaço físico do usuário. Ao longo do tempo, equipamentos físicos se tornaram obsoletos e desapareceram do espaço físico a partir do desenvolvimento de softwares com funções similares, muitas das vezes, melhores. Imagem 33: Aplicativos mais utilizados por usuários no mundo (2018) Fonte: topmidiasnews. com.br

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O USUÁRIO TECNOLÓGICO


Imagem 34: The Transformation of the Desk (1980 a 2010) Fonte: bestreviews.com

A portatibilidade desses equipamentos, alinhada à popularização da conexão de internet sem fio (Wi-Fi), proporciona uma reconfiguração funcional do ambiente doméstico. Como apresentado por Duarte e Manhas (2016) em seu estudo, é possível enxergar nitidamente a interpenetração de funções na maioria dos cômodos de uma moradia padrão tipicamente setorizada. Como pode ser visto no esquema gráfico apresentado, o uso de aparelhos eletrônicos móveis se encontra presente em todos os cômodos da moradia.

O USUÁRIO TECNOLÓGICO

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Também torna-se comum perfis de usuários que utilizam cada vez menos espaços como cozinha, área de serviço e sala de estar devido às facilidades de se terceirizar esses serviços com empresas. O mercado imobiliário responde a esse processo com a criação de novos padrões, como as kitnets e micro apartamentos, porém tais respostas espaciais ainda não respondem com eficiência às demandas desses novos usuários. Imagem 35: Esquema com as funções da moradia antes da popularização da rede wi-fi – por Alana Duarte e Adriana Manhas (2015) Fonte: vitruvius.com.br

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O USUÁRIO TECNOLÓGICO


Imagem 36: Esquema com as funções da moradia a partir da popularização da rede wi-fi – por Alana Duarte e Adriana Manhas (2015) Fonte: vitruvius.com.br

Segundo pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2017, 49,2 milhões de domicílios brasileiros estavam conectados à internet (69,2% do total de domicílios). Isso mostra um aumento significativo comparado aos 44 milhões (63,6%) registrados em 2016. A pesquisa também revela que cada vez mais esses moradores estão utilizando o telefone móvel como via de acesso à internet, onde 92,7% das moradias contam com pelo menos um morador com telefone móvel. Percebe-se uma crescente dependência digital, na qual o usuário do espaço se apoia para vivenciar as ambiências ao seu redor.

O USUÁRIO TECNOLÓGICO

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Gráfico 2: Quantidade de domicílios brasilérios que possuem acesso a internet em 2017.

49,2 mi 69,2%

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE

21,8 mi 30,8%

Gráfico 3: Quantidade de domicíliios que posuem pelo menos uma pessoa com celular em 2017.

45,9 mi 92,7%

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE

3,5 mi 7,3%

A simultaneidade das vidas ainda faz com que os indivíduos separem com maior dificuldade o que faz parte do mundo carnal e o que é virtual. De fato, a vida virtual passa a ser uma parte da vida offline e não algo oposto e desvinculado. Quando pensamos nas redes sociais ou nos aplicativos ligados à rede de comunicação imediata, verificamos que muito do que é vivido no mundo offline precisa de uma validação na vida online para que somente então a experiência se torne completa. Para muitos, não basta viajar, é preciso postar fotos na rede; não basta se sentir triste ou feliz, é preciso compartilhar com todos os seus amigos (VIDAL, 2014, p.30).

É cada vez mais nítido que o indivíduo está se transformando em um ser tecnológico indissociável da cultura digital. Com a facilidade de acesso à internet pelo smartphone, as pessoas são atraídas cada vez mais cedo ao seu uso, e passam cada vez mais tempo conectadas, impulsionadas pela necessidade de convívio social. O uso da internet como suporte de comunicação é reforçado pela possibilidade de manter relacionamentos sociais quase independentes dos lugares

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O USUÁRIO TECNOLÓGICO


geográficos (REQUENA, 2007). O espaço virtual desconsidera as barreiras geográficas, permitindo que pessoas em lados opostos do mundo se comuniquem. Não obstante, essa possibilidade também modifica a comunicação de quem está próximo. Histórias domésticas sobre diálogos virtuais entre pessoas que se encontram na mesma moradia – por vezes no mesmo cômodo - se tornam cada vez mais comuns. Interessante notar que o homem atual fica mais tempo sozinho – no sentido de não estar na presença de outras pessoas fisicamente –, mas ao mesmo tempo busca não estar nunca só, através da conexão com outras pessoas por meio da imersão no ciberespaço. Eles vivem, então, nesse paradoxo da solidão: para estarem juntos dos colegas na rede, quanto menor as interrupções em sua conexão melhor, para serem menos interrompidos, quanto mais sozinhos melhor, e quanto menos contato pessoal têm, mais sozinhos se sentem, visto que os relacionamentos online não os suprem (VIDAL, 2014, P.31).

Nas relações interpessoais, as interferências provocadas pela presença das TICs modificam a relação social e de convívio entre os membros do grupo familiar, entre membros do grupo e as novas mídias e entre membros do grupo e pessoas extra- grupo, assim como a altera a função dos cômodos e reconfigura a privacidade no interior da moradia. (TRAMONTANO; PRATSCHKE; MARCHETTI, 2000). A internet se caracteriza como domínio público, muitas das vezes de acesso irrestrito, e torna fluida a noção de privacidade dentro do espaço de morar. Ao se considerar um indivíduo em um cômodo do setor íntimo/privado, como um banheiro ou um quarto, interagindo por meios de um smartphone com outros indivíduos na internet, o smartphone funciona como uma janela pública dentro do ambiente privado.

O USUÁRIO TECNOLÓGICO

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Estudiosos de diferentes horizontes têm apontado na mesma direção quanto ao morador da metrópole do século XXI: um indivíduo que vive, principalmente, sozinho, se agrupando eventualmente em formatos familiares diversos, que se comunica à distância com as redes às quais pertence, que trabalha em casa mas exige equipamentos públicos para o encontro com o outro, que busca sua identidade através do contato com a informação (TRAMONTANO, 1997) Os espaços de morar, criados ainda hoje sob a sombra dos preceitos arquitetônicos dos séculos passados, se tornam incompatíveis com a atualização dos modos de vida, no que diz respeito à sua morfologia, seu funcionamento e seu sistema construtivo. Como tentativa de atualizar tecnologicamente essa moradia, surgem no mercado equipamentos domésticos de automação residencial, muitas vezes com uma embalagem anunciando a ‘casa do futuro’, prometendo integração entre moradia e tecnologia e interatividade entre o usuário e o espaço de morar. Imagem 37: Anúncio de empresa de automação residencial (2016) Fonte: brandchannel.com

É crescente o apelo mercadológico sobre a ‘casa inteligente’, termo exaustivamente utilizado para venda de produtos que se resumem, em sua maioria, em resolver problemas motores, como abrir e fechar portas e janelas, controlar intensidade de luminosidade ou temperatura

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O USUÁRIO TECNOLÓGICO


do ambiente e utilizar sensores de presença para acionar dispositivos. Entretanto, mesmo que otimize a execução de funções no ambiente, a automação residencial se limita ao funcionamento e execução de tarefas, sem promover discussões sobre o real impacto da TIC na domesticidade e a experiência do usuário naquele espaço (REQUENA, 2007). Considerar as individualidades do usuário é um fator determinante no processo de projeto para gerar espaços condizentes com as demandas do mesmo. É preciso levar em conta que esses indivíduos, imersos na cibercultura, se apresentam de forma plural e em constante transformação, habitando tanto o espaço físico como o espaço virtual. Se a complexidade existente na nossa percepção da realidade se permeia por mundos híbridos, certamente novas maneiras de nos relacionarmos e nos comportarmos deve ser amparada nessa espacialidade alternativa. Não se trata, portanto, apenas de uma questão formal e sim de um conjunto de novos significados simbólicos possíveis nesse novo interior, que reverencia instâncias híbridas do mundo real. A reflexão dos arquitetos deveria extrapolar o deslumbramento técnico, para abrigar também questões sociais, sensoriais e cognitivas nesta habitação (REQUENA, 2007, p.65).

Estudos apontam novas necessidades a serem consideradas pelo projeto de habitação contemporâneo: A) Possibilidades de flexibilização do espaço, tanto através da alternância como da sobreposição de funções, e as questões técnicas aí implicadas; B) A priorização de dispositivos garantindo privacidades, através de uma revisão da estrutura espacial convencional; C) Possibilidades de flexibilização do uso de mobiliário e equipamentos (TRAMONTANO; PRATSCHKE; MARCHETTI, 2000).

O USUÁRIO TECNOLÓGICO

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A adequação da moradia às demandas do novo usuário tecnológico contemporâneo sugere uma complexificação de forma e função dos espaços. Contudo, os métodos tradicionais de representação na arquitetura não conseguem abarcar e transmitir com clareza todas as informações desses novos projetos. Dito isso, um dos pioneiros na investigação e desenvolvimento de novos métodos de representação foi o arquiteto Frank Gehry, do qual podemos citar o seu projeto do Museu Guggenheim (1997), em Bilbao, na Espanha, como exemplo. Para executar o projeto, a empresa Gehry Technologies desenvolveu recursos especiais para possibilitar a representação digital das inúmeras maquetes físicas criadas pelo arquiteto. Tal processo foi pioneiro em um amplo mercado direcionado para os processos digitais de criação, produção e construção de novos edifícios que requerem tecnologias específicas.

O modelo digital criado pelo escritório de Gehry utilizou um programa vindo da indústria aeroespacial, que foi responsável em fornecer todas as informações técnicas construtivas, num único modelo tridimensional, que reuniu informações de diversas espécies numa metodologia completamente nova até então. [...] este modelo tridimensional digital é parte fundamental dos documentos de contrato para produção do edifício, de onde todas as informações e dimensões necessárias foram extraídas durante a construção e fabricação do edifício, de forma que esse modelo digital precede qualquer outro documento de construção, legalmente e na prática diária da obra (REQUENA, 2007, p.69 ).

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Imagem 38: Museu Guggenheim de Bilbao, de Frank Gehry (1997) Fonte: archidaily.com

Imagem 39: Museu Guggenheim de Bilbao, de Frank Gehry (1997) Fonte: archidaily.com

A proposta é unificar em um modelo digital todas as informações correspondentes às diversas partes envolvidas na produção do edifício, que não são possíveis de ser representadas pelos meios convencionais. É por meio desses novos processos digitais que as etapas de concepção, produção e construção se aproximam novamente, onde arquitetos, construtores e fabricantes envolvem-se desde as fases iniciais do design, resgatando a participação mais ativa do arquiteto também nas fases de construção como ocorria no período Pré-Renascimento.

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O PROJETO DIGITAL


Imagem 40: Museu Guggenheim de Bilbao, de Frank Gehry (1997) Fonte: archidaily.com

Esse novo modelo arquitetônico também viabiliza a possibilidade de trazer instâncias artísticas que enriqueçam o entendimento e os conceitos do projeto, como vídeos, músicas, website e até imagens interativas, trazendo para arquitetura o universo do hipertexto, característico da internet. Esse modelo funciona como um hiperdocumento, interligando os diversos profissionais responsáveis pelo design e construção do edifício, alimentando a interdisciplinaridade nos escritórios de arquitetura (REQUENA, 2007). O desenvolvimento desses programas de modelação 3D digital abre a possibilidade de considerar na arquitetura o ‘pensar digital’, caracterizado por Requena (2007) como a terceira fase da inserção das TICs no processo arquitetônico.

O PROJETO DIGITAL

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Programas de modelagem baseados em nurbs (nonuniform rational b-splines), ou seja, curvas paramétricas e superfícies, ampliaram o universo de geração de formas complexas, difíceis de serem concebidas, desenvolvidas, representadas em fabricadas até o aparecimento das tecnologias CAD/CAM. O projeto Chimerical Housing (1999), dos Arquitetos norteamericanos do Kolatan / Mac Donald Studio, constitui uma experimentação com foco no design para casas préfabricadas e customizadas para produção em série. Cinco casas foram selecionadas a partir de uma série de variações desenhada digitalmente e todas essas variações se originam de uma mesma “matriz genética”. As informações para essa matriz genética foram geradas a partir de uma casa colonial norte-americana tradicional de 3 quartos e 2 banheiros que serviu como base de planta. Após uma mistura de operações digitais produziu-se uma série de Chimerical Housings. As casas foram desenhadas para explorar a questão da seriação e de composições orgânicas na arquitetura [...] (REQUENA, 2007, p.57).

O projeto preocupa-se com a inserção da tecnologia no processo de projeto, utilizando-se da deformação da forma tradicional para questionar o processo digital e sua capacidade de variações orgânicas, hibridações, nova geração de materiais e produção digital. Porém, como ressalta Requena (2007), a experimentação se restringe apenas ao envelope do edifício, gerando pouco impacto ou nenhum ao espaço interior ou as atividades nele inseridas. Mesmo com a integração da tecnologia no processo de concepção desses espaços, o conjunto de produtos obtidos se restringe a “cyberenvelopes”.

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O PROJETO DIGITAL


Imagem 41: Chimerical Housing – Kolatan / Mac Donald Studio (1999) Fonte: nomads.usp.br

Imagem 42: Chimerical Housing – Kolatan / Mac Donald Studio (1999) Fonte: nomads.usp.br

Imagem 43: Chimerical Housing – Kolatan / Mac Donald Studio (1999) Fonte: nomads.usp.br

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Este exemplo evidencia o fato de que a utilização de novas ferramentas tecnológicas capazes de conceber e construir formas inovadoras não garantem uma nova espacialidade para o usuário do espaço projetado. Desse modo, cabe a reflexão sobre como considerar os novos contextos socioculturais ao qual o usuário está sujeito a fim de poder estipular os novos padrões de comportamento no interior dessas formas biomórficas. O escritório de arquitetura NOX, dirigido pelo arquiteto holandês Lars Spuybroek, se destaca como um dos primeiros a levantar discussões sobre a adequação dos espaços contemporâneos e propor uma investigação acerca do processo de criação e concepção desses espaços. O arquiteto participa ativamente das discussões sobre o impacto das TICs no indivíduo social e na arquitetura, propondo projetos experimentais de interiores, objetos, vídeos e instalações multimídias, além de produzir espaços híbridos e interativos que consideram a experiência dinâmica do usuário em detrimento da previsão comportamental estática. É levantada a questão de que, ao invés de se tomar decisões com base meramente visuais, o design precisa compreender outros condicionantes envolvidos, como movimento e fluxos que influenciam na forma, no funcionamento e na experiência espacial do usuário com o espaço. Grande parte das discussões sobre uma revisão da metodologia de projeto tem-se mostrado por meio de pesquisas e experimentações sobre processos de criação, onde, muitas das vezes, o resultado estético não é o foco final (REQUENA, 2007). O projeto D-Tower (1998-2001), do arquiteto Lars Spuybroek (NOX), é um objeto artístico encomendado pela cidade de Doetichem na Holanda, que mapeia as emoções dos habitantes pela cidade. A obra consiste em uma torre de 12 metros de altura no centro da cidade, um website e um questionário que é distribuído para habitantes voluntários.

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O PROJETO DIGITAL


D-Tower registra diariamente felicidade, amor, medo e ódio utilizando perguntas diferentes para os voluntários por meio do website, calcula a emoção predominante do dia e mostra uma cor simbólica correspondente à emoção durante a noite. Além disso, o projeto incentiva a comunicação entre visitantes da cidade e moradores na plataforma virtual do projeto. Neste exemplo, é possível observar a utilização do computador como um suporte fundamental para gerar inúmeras variações obtidas a partir de diferentes parâmetros. Imagem 44: D-Tower – Lars Spuybroek (1998) Fonte: deskproto.com / d-toren.nl

A Obra D-Tower destaca-se pela possibilidade de participação dos próprios usuários no processo de design, intervindo na forma final com base no desenvolvimento de uma via computacional estabelecida nos estados iniciais do projeto. É interessante observar também que, ao invés de um resultado estático e imutável, temos um produto dinâmico que prevê mudanças ao longo do tempo, onde o projeto se modifica para se adaptar aos indivíduos relacionados. Deste exemplo podem-se extrair duas questões fundamentais para o processo de projeto contemporâneo: o método de design em que ocorre a participação do usuário como um condicionante que forneça informações fundamentais para o resultado final, e a criação de espaços dinâmicos que se adaptem às mudanças. Esse tipo de resultado dinâmico pode ser caracterizado como um processo que considere o tempo como um condicionante projetual, uma vez que são notórias as mudanças de demandas dos usuários no decorrer do tempo.

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A capacidade de um espaço habitado transmutar de acordo com as exigências dos seus habitantes deriva das atividades operadas nesse espaço e pressupõe um sistema fluido que comporta o mobiliário e os aparelhos técnicos. Esta condição é materializada por uma justaposição dos usos e dos conteúdos encontrada nos objetos e na fragmentação do espaço que integra tipologias específicas para construir ambientes diversificados. Desse modo, a matéria de um lugar é constituída por uma rede de enclaves caracterizada por sistemas de objetos que satisfazem vários níveis de atividades responsáveis por territórios híbridos que adquiri condicionantes e tempos de outras tipologias especiais. (CUNCA, 2006, p. 21)

A metodologia tradicional do processo de projeto na arquitetura mostra-se insuficiente para pensar projetos com esses níveis complexos de exigências. Surgem então especulações sobre o uso do design computacional como processo de projeto e não mais apenas como ferramenta. O processamento de informação dos computadores possibilita a utilização da lógica algorítmica importada da matemática para o processo de projeto do arquiteto. A partir de um algoritmo criado pelo arquiteto e de parâmetros selecionados pelo mesmo, é possível gerar um conjunto de produtos que ignoram todas as convenções de estilos e padrões pré-estabelecidos, permitindo uma quebra formal, ideológica e principalmente conceitual com a metodologia tradicional. Sendo assim, a computação paramétrica passa a representar um novo caminho para a arquitetura contemporânea. A segunda etapa deste trabalho, apresentada a seguir, é composta por um breve histórico do pensamento paramétrico na arquitetura e da investigação de como esse pensamento pode ser implementado no processo de criação dos espaços de morar. Também se propõe uma reflexão sobre os possíveis impactos dessa aplicação para a solução - ou diminuição do descompasso observado entre demandas do usuário e espaço de morar contemporâneos.

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O PROJETO DIGITAL


PROCESSO PARAMÉTRICO A LÓGICA ALGORÍTMICA .87 O PARAMETRICISMO .91 O PENSAMENTO PARAMÉTRICO .95 IMPACTOS NA AMBIÊNCIA .105 O PAPEL DO ARQUITETO .109

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Como analisado anteriormente, o usuário da moradia encontra-se em constante transformação, influenciado pelo contexto sociocultural no qual está inserido, se apresentando em diversos perfis com demandas variadas. Na esteira dessas transformações do usuário surge o descompasso entre suas necessidades e seu espaço de morar, espaço esse criado com base em prerrogativas de experiências e formas antiquadas. Na perspectiva da arquitetura, para projetar a habitação é necessário compreender quem o habita e sua condição de ser social. É impossível desvincular moradia e morador, pois o que transforma um espaço em moradia é o conjunto de memória e vivência construída pelo indivíduo no processo do habitar. É este processo que resulta na existência do indivíduo como morador, e do espaço como moradia (BARROS, 2012). Nesse sentido, é inevitável que se considere este usuário contemporâneo como condicionante das decisões projetuais. Assumindo que o indivíduo social se encontra em constante transformação devido às mudanças do seu meio cultural altamente tecnológico, faz-se necessário pensar em processos de projeto que se adaptem a estas modificações a longo prazo. Além disso, são postos como condicionantes os contextos geográfico e cultural, que também interferem nas decisões com base nas particularidades, não só dos usuários, mas também do local onde a espacialidade será construída. O pensamento paramétrico pode ser usado como uma metodologia; definido como um conjunto de perguntas que estabelecem as variáveis do projeto, são usadas para gerar um conjunto de soluções através de definições computacionais. Estas perguntas geram as regras nas quais o arquiteto irá definir o intervalo de variáveis, que podem ser codependentes – onde um condicionante influencia o outro no projeto - ou isolados entre si. Quanto mais sobreposições

PROCESSO PARAMÉTRICO

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e relações houver entre os condicionantes, mais integrado será o resultado, e consequentemente mais otimizado para aquele contexto específico (KARLE, KELLY, 2011). Desse modo, o pensamento paramétrico pode trazer uma mudança significativa ao processo de concepção dos espaços, pois ele diminui a pressão do arquiteto de criar a forma certa e a desloca para fazer as perguntas certas, ou seja, criar os conjuntos de regras apropriadas para cada caso. Sendo assim, cria-se uma expectativa em conhecer e problematizar o espaço que está sendo criado dando mais relevância aos condicionantes que justifiquem as decisões projetuais do que o produto final. É por meio desse processo de criação que se consegue criar um conjunto de soluções removido de noções subjetivas preconcebidas pelo arquiteto. Os softwares paramétricos vêm ganhando cada vez mais espaço nos escritórios de arquitetura como ferramenta projetual de geração de forma. Entretanto, pelo fato de os parâmetros ainda se apresentarem de forma abstrata e pouco mensurável, grande parte dos projetos paramétricos são plasticamente inovadores, mas de pouco impacto na ambiência tradicional. Portanto, o intuito deste estudo é analisar criticamente o atual estado da arquitetura paramétrica e investigar as possibilidades que o pensamento paramétrico permite ao processo de projeto e à experiência espacial do usuário transformações mais dinâmicas em torno do espaço de morar.

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PROCESSO PARAMÉTRICO


O pensamento paramétrico ganhou destaque na arquitetura com o surgimento dos softwares de computadores, que utilizavam algoritmos para a geração de formas. Entretanto, a lógica algorítmica, na qual o pensamento paramétrico se baseia, não foi gerada em decorrência dos avanços computacionais. Pode-se observar, ao longo da história, noções de parâmetros antes mesmo da existência dos computadores. Um algoritmo pode ser entendido como um conjunto finito de regras que fornecem uma sequência de operações. O algoritmo deve ser alimentado com dado de entrada (inputs) para que seja possível a geração de uma solução: os dados de saída (outputs). Exemplos de algoritmos podem ser construídos numa comparação com uma receita culinária, onde se tem os ingredientes como os dados de entrada, o passo a passo do modo de preparo da receita como um algoritmo, e os dados de saída como o prato elaborado ao fim. A partir do momento que existe uma modificação dos ingredientes da receita, seja ela quantitativa ou substancial, isso acarreta em uma modificação do prato final. Assim, pode-se definir que a modificação dos inputs acarreta na modificação dos outputs de um mesmo algoritmo. Ao compreender esses inputs como variáveis - que são estabelecidas com parâmetros não fixos - cria-se um conjunto virtual de possíveis soluções resultantes desse mesmo algoritmo. É a partir dessa definição que se extrai a lógica algorítmica, que se fundamenta no processamento de informações por meio de algoritmos que geram outputs com base em inputs. O desenvolvimento de computadores acarretou no grande desenvolvimento de algoritmos devido ao potencial de processamento de informações da máquina; entretanto esse pensamento independe do computador para ocorrer. Como explicado por Mario Carpo (2016), há exemplos de como Vitruvius (Sec. I a.c.) e Leon Battista Alberti (140472) escreveram manuscritos que retratavam instruções de construção que não utilizavam nenhuma ilustração. Para

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isso, eles escreviam regras de proporções e empilhamentos de partes, mas não ofereciam nenhum exemplo visual de como essas formas ficariam afinal. Algumas regras de Vitruvius podem ser facilmente assimiladas com o que chamamos hoje de algoritmo processual. Por exemplo: se a altura da coluna é construída com medida entre a e b, a proporção modular da arquitrave deverá ser X; se é construído enter b e c, a proporção modular da arquitrave deverá ser Y. Quando não se mostra o produto final específico, as instruções escritas geram um conjunto de formas diferentes, porem similares entre si, já que compartilham o mesmo script em comum (CARPO, 2016). Contudo, é com o surgimento do computador que a lógica algorítmica ganha a atenção dos arquitetos. Na metade do século XX os computadores integraram a linguagem de variáveis e parâmetros matemáticos, adotando a terminologia de processos e algoritmos programáveis. Os primeiros programas de computador documentados foram escritos por Ada Lovelace em 1843 para o mecanismo analítico proposto por Charles Babbage, baseados em parâmetros variáveis em uma série de loops e saltos condicionais (FRAZER, 2016). Este mesmo autor também ensina que o termo Parametria surge na arquitetura importado da computação, onde era utilizado em correspondência aos algoritmos dos processos computacionais. Entre 1940 e 1942, o arquiteto Italiano Luigi Moretti pesquisava a relação entre o design arquitetônico e as equações paramétricas – ainda sem os benefícios do computador – quando cunhou o termo “Architettura Parametrica”. Com o auxílio dos computadores a partir dos anos de 1960, Moretti é capaz de demonstrar modelos utilizando o design paramétrico – Progetti di strutture per lo sport e lo spettacolo – na XII Trienal de Milão. Embora existam exemplos anteriores de formas tridimensionais parametricamente descritas, Moretti foi o primeiro a criar uma forma arquitetônica tridimensional usando um

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A LÓGICA ALGORÍTMICA


conjunto complexo de relações paramétricas resolvidas pela computação digital (FRAZER, 2016, p.19). É válido ressaltar que no design paramétrico dificilmente é possível categorizar as implicações entre processo, designer e software, sendo difícil imaginar o processo de design paramétrico sem as ferramentas paramétricas que auxiliam na criação e execução dos algoritmos (MOHAMMAD, 2012). Entretanto, pensar na lógica paramétrica vai além do uso do computador. Recentemente, um estudo das obras de Antoni Gaudí e Frei Otto realizado pelo arquiteto Mark Burry ressaltou o pensamento paramétrico usado por ambos em suas obras, onde utilizavam modelos flexíveis para trabalhar com as formas livres ao invés da modelagem digital. Ainda segundo este autor, ambos os trabalhos são inspirados pela gravidade, uma “importante determinante natural físico utilizada como input no processo de design” (BURRY, 2016, p.34, tradução nossa). O processo de criação de Gaudí e Otto passavam por uma profunda experimentação física da forma, mesmo sem a presença de um algoritmo computacional para o processamento de informações. Esses arquitetos condicionavam seus modelos a parâmetros físicos experimentais que resultavam em possibilidades plásticas distintas e inovadoras. Antes da chegada dos computadores, os arquitetos se mantinham menos presos à necessidade de o produto final obedecer rigorosamente ao modelo, uma vez que até o modelo era flexível e variável. Já com a chegada dos computadores, a exatidão dos cálculos desperta uma necessidade de fazer o produto final ser exatamente igual ao projeto, transformando as variáveis dos inputs em regras fixas, quebrando a ideia de variação experimental do modelo (BURRY, 2016). Posteriormente a Otto e Gaudí, o escritório NOX também desenvolveu experimentações antes do desenvolvimento dos softwares de modelagem digital paramétrica. Seus modelos eram feitos à mão e só depois digitalizados para um modelo digital.

A LÓGICA ALGORÍTMICA

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Imagem 45: Soft Office Process, Escritório NOX (Lars Spuybroek) (2000) Fonte: frac-centre.fr

Imagem 46: Soft Office, Escritório NOX (Lars Spuybroek) (2000) Fonte: studiointernational. com

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A LÓGICA ALGORÍTMICA


De acordo com os avanços tecnológicos e o aperfeiçoamento dos computadores, as estratégias de projetos digitais foram ganhando mais espaço no campo arquitetônico. Como apontado por Schumacher (2008), técnicas avançadas de design computacional e modelagem paramétrica se tornaram uma realidade difundida, sendo impossível competir dentro da cena contemporânea de vanguarda sem dominar essas técnicas. O estilo contemporâneo que alcançou a hegemonia generalizada dentro da vanguarda arquitetônica Contemporânea é melhor entendido como um programa de pesquisa baseado no paradigma paramétrico. Propomos chamar este estilo de Parametricismo. O Parametricismo é o grande novo estilo arquitetônico depois do modernismo. O pós-modernismo e o desconstrutivismo foram episódios de transição que deram início a essa nova e longa onda de pesquisa e inovação (SCHUMACHER, 2008, n.p., tradução nossa).

O Parametricismo como um novo estilo arquitetônico foi cunhado por Schumacher em 2008 na Bienal de Arquitetura de Veneza, posteriormente reforçado por uma publicação do mesmo autor na Revista Architecture Design em 2009, onde o autor explica sua ideia de Parametricismo como um novo movimento arquitetônico contemporâneo, capaz de desenvolver os ambientes em resposta às mudanças socioculturais da civilização contemporânea. Parametricismo é a resposta da arquitetura para contemporaneidade, para a era da computação, e é o único estilo arquitetônico que pode aproveitar ao máximo a revolução computacional que agora impulsiona todos os domínios da sociedade. Mais especificamente, ele é o único estilo compatível com os recentes avanços em engenharia estrutural e ambiental, com base em técnicas de análise e otimização computacional (SCHUMACHER, 2016, p.10, tradução nossa).

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Ao se estabelecer o conceito de Parametricismo, surgem diversas discussões e pesquisas acerca do impacto da parametria na concepção do projeto arquitetônico, porém essas mesmas pesquisas ressaltaram o uso da parametria apenas como uma ferramenta útil para solucionar alguns problemas do projeto longes da discussão conceitual do movimento. As ferramentas paramétricas permitiram aos arquitetos operarem de forma mais rápida e inteligente, por meio de um malabarismo de múltiplos sistemas, com rapidez e eficiência (MOHAMMAD, 2012), mas essas contribuições se restringem ao trabalho mecânico representativo. Isso pode ser comprovado pela priorização da geometria no design que vem dominando o pensamento arquitetônico desde o Renascimento, que, mesmo com a transição do desenho manual para o desenho digital – parametricamente gerado ou computacionalmente derivado –, sofre pouca alteração. De um ponto metodológico, a profunda priorização da forma geométrica estabelecida supera o processo digital, fazendo com que o pensamento tradicional não seja alterado mesmo que a ferramenta tenha sido. Esse pensamento é camuflado por formas exóticas e exuberantes articulações (MENGES, 2016, p.78).

Diversos projetos paramétricos passam a ser entendidos, e muitas vezes projetados, como objetos de expressão artística e exuberância tecnológica, tirando a ênfase do discurso do Parametricismo sobre a funcionalidade social do ambiente. Diversas obras paramétricas exibem suas formas inovadoras, mas puramente no aspecto plástico, sem muito impacto na experiência do usuário com o espaço. Schumacher (2016) afirma que as crises e estagnação econômica de meados de 2008 contribuíram para o lento desenvolvimento do Parametricismo, quando este foi associado à extravagância dos anos mais prósperos, sendo

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O PARAMETRICISMO


vista então de forma hostil. Como forma de superar esse cenário, é necessário mudar o foco das formas extravagantes para os princípios formais do processo de design, dando ênfase à potencialidade do Parametricismo para as finalidades sociais dos espaços. Em 2016, como editor convidado da Revista Architecture Design da edição intitulada Parametricism 2.0: Rethinking Architecture´s Agenda for the 21st Century, Patrik Schumacher retoma a discussão da parametria na arquitetura, de forma a reverter a marginalização do Parametricismo. Segundo o autor, o Parametricismo necessita urgentemente de um desenvolvimento interno, impulsionado por críticas externas, de forma a resgatar as discussões originárias (SCHUMACHER, 2016). Para que isso ocorra, propõe o Parametricismo 2.0 como forma de relançar o movimento com propostas de autocrítica, dando foco novamente aos reais problemas sociais e ambientais da arquitetura, como por exemplo, o descompasso entre usuário e espaços na contemporaneidade. Devido ao seu versátil repertório formal e espaçoorganizacional, o Parametricismo é a única abordagem contemporânea capaz de enfrentar adequadamente os desafios impostos à arquitetura pela nova dinâmica social da era da informação (SCHUMACHER, 2016, p.10).

Como descreve Frazer (2016, p.23), o Parametricismo 1.0 pode ser entendido como uma fase de testes, onde as obras apresentadas com uma estética particular são entendidas como um estudo e experimentação de viabilidade. Testavamse as técnicas de computação e se os empreiteiros podiam lidar com as novas exigências formais e trabalhar puramente a partir de um modelo digital. Este período (2008-2016) funciona como uma transição de estilos, para obter clareza e diferenciação de outros estilos e abordagens. Já

O PARAMETRICISMO

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o Parametricismo 2.0 é o momento onde serão aplicadas técnicas de computação mais avançadas a fim de solucionar os problemas sociais e espaciais. O design paramétrico abre possibilidades, para a arquitetura futura, de criação de novas formas revolucionárias, mais condizentes com os novos comportamentos humanos e com o contexto tecnológico avançado mas ainda em desenvolvimento. Diante disso, o Parametricismo está crescendo, e ganhando seriedade no que diz respeito a poder causar um bom impacto no mundo.

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O PARAMETRICISMO


Diante das novas discussões acerca do Parametricismo 2.0, o pensamento paramétrico ganha destaque novamente nas discussões dentro do campo arquitetônico. Entre as potencialidades desse pensamento, encontra-se sua aplicabilidade como método de processo projetual. “Encontra-se embutido nesse método de exploração a ideia de capturar a história do design e retorná-lo de forma editável, que pode ser variada e reutilizada” (WOODBURY, 2010, p.08, tradução nossa). O mesmo autor explica: devese considerar que o sistema paramétrico revolucionou a arquitetura pela criação das ferramentas CAD/CAM. Contudo, ele foi usado apenas para a criação e elaboração dessas ferramentas, não tendo contato direto com o arquiteto em sua prática profissional. Apenas posteriormente, com a criação dos plugins paramétricos para essas ferramentas, é que foi possível estabelecer esse contato entre arquiteto e sistemas paramétricos. O design convencional é composto pelos significados de adição e apagamento de elementos, correlacionados por Woodbury (2010) aos instrumentos arquetípicos da representação arquitetônica: lápis e borracha. Com a adição do pensamento paramétrico na modelagem digital, temos a adição de mais dois significados: relacionar e reparar. Os elementos que compõem o design paramétrico estabelecem relações ente si; sendo assim, a adição ou subtração de um elemento novo exige uma reparação de todo o sistema para adaptar as relações com esse novo elemento ou com a falta de algum (WOODBURY, 2010). A partir desse processo não é mais possível considerar elementos soltos no design. Quando observamos essa modificação de significados dentro do processo de concepção dos espaços, temos uma modificação da relação entre arquiteto, ferramenta e objeto final. Para entendermos as mudanças que o pensamento paramétrico pode provocar no processo de design devese começar pontuando as diferenças entre o pensamento convencional de design e o pensamento do design paramétrico. Para isso, são categorizadas, com base na

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pesquisa do trabalho e experiência profissional, as etapas do pensamento tradicional de criação dos espaços - que se utiliza das ferramentas CAD/CAM e modelagem digital como representação. Também são delineadas, nesse contexto, as etapas propostas no trabalho como processo de pensamento paramétrico, que se utiliza das ferramentas e modelagem paramétricas. No processo convencional de criação, o designer recebe as demandas e os condicionantes do projeto por meio do cliente, define um problema a ser resolvido, investiga problemas similares – tanto em sua memória, como em arquivos físicos e digitais - para encontrar soluções iniciais como ponto de partida, e a partir disso, elege uma ideia formal do protótipo que será lapidada no decorrer nas análises, testes e experimentações. Esse processo é confirmado pelas entregas convencionais dos escritórios e faculdades de arquiteturas: Entrega inicial (estudos de forma e volumetria, referências projetuais), Anteprojeto (Etapa de construção e lapidação da forma com base nas referências iniciais) e Projeto final (representação pronta e detalhada para a etapa de construção). Nessa definição, demandas são entendidas como as necessidades do usuário para com o espaço, e os condicionantes de projeto são entendidos como os fatores geográficos, climáticos, socioculturais, orçamentários, dentre outros, envolvidos. No processo paramétrico de criação proposto, tem-se as mesmas demandas de usuário e condicionantes do projeto recebidas pelo arquiteto. Porém, para que sejam utilizadas no projeto essas demandas e condicionantes devem ser transformadas em dados de entrada (inputs). Posteriormente, essas informações alimentaram um algoritmo também desenvolvido pelo arquiteto (podendo ter auxílio de outros profissionais). A variação dos parâmetros (inputs) do algoritmo gera um conjunto de resultados formais, no qual o arquiteto pode se utilizar de experimentações variacionais e de softwares de simulação como auxílio da etapa decisória da forma final.

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O PENSAMENTO PARAMÉTRICO


PROCESSO TRADICIONAL PROBELMA PADRÃO DEMANDAS

+ CONDICIONANTES

PROTÓTIPO FORMA E GERAÇÃO DE UM VOLUME CONJUNTO DE BASEADOS EM POSSIBILIDADES EXEMPLOS FORMAIS SIMILARES

PROCESSO DECISÓRIO LAPIDAÇÃO DA FORMA E VOLUME

DECISÕES PROJETUAIS

REPRESENTAÇÃO

CONSTRUÇÃO

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PROCESSO PARAMÉTRICO DADOS DE ENTRADA DEMANDAS

+ CONDICIONANTES

ALGORITMO GERAÇÃO DEDE UMUM GERAÇÃO CONJUNTO DEDE CONJUNTO POSSIBILIDADES POSSIBILIDADES FORMAIS FORMAIS

PROCESSO DECISÓRIO EXPERIMENTAÇÃO AUXÍLIO DE SOFTWARES

DECISÕES PROJETUAIS

REPRESENTAÇÃO

CONSTRUÇÃO

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No processo tradicional, as demandas dos usuários e os condicionantes do projeto são categorizados em padrões dominantes. Os usuários são entendidos como pessoas de perfis tradicionais padronizados que são relacionadas às respostas projetuais também tradicionalmente executadas no projeto arquitetônico. Exemplos disso, citados na primeira parte deste trabalho, podem ser observados no próprio cotidiano da profissão, bem como nos espaços criados para moradia - onde é nítida uma hierarquização predefinida dos papeis sociais dos usuários, bem como a predefinição da relação desses usuários com o espaço doméstico. Ao se considerar o processo paramétrico, para que demandas e condicionantes sejam transformados em dados de entrada que alimentarão o algoritmo, é necessário que seja feita uma investigação pelo arquiteto dos pontos de influência e interferência dessas demandas e condicionantes. Isso caracteriza uma das principais diferenças entre os dois processos, pois, aqui, o arquiteto é induzido a problematizar as demandas e condicionantes puros, desvinculados de noções formais preconcebidas como produto final. Para que seja feita a transição de demandas do usuário para dados de informação, é preciso pensar criticamente como elas se relacionam com o projeto e como o usuário se relaciona com o espaço. Na etapa de concepção da forma prototípica inicial, o processo convencional secciona o pensamento do objeto, onde se podem observar elementos de uma moradia de forma completamente independente: estrutura, vedação, esquadrias, cobertura, revestimentos, etc. Mesmo que se encontrem na mesma construção, o processo de concepção de um independe do outro.

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Um exemplo utilizado por Mohammad (2012) para ilustrar esse argumento é o processo de pensamento da estrutura de um telhado em uma moradia. Habitualmente, ao considerar a demanda de um telhado, o arquiteto já mentaliza as formas tradicionais e escolhe a que deseja, muitas das vezes totalmente independente da forma e estrutura da residência. Posteriormente, trabalha-se a estrutura que permita que a forma escolhida seja executada. Por meio de um processo paramétrico de design, é elaborado um script algorítmico com operações para construção, controlados por parâmetros variáveis (inputs) preestabelecidos. A etapa de elaboração do algoritmo leva o arquiteto a pensar no método de construção da forma, e não na forma resultante, ampliando o campo de possibilidades para as soluções projetuais e não limitando o produto final. No exemplo citado por Mohammad, forma e estrutura são pensadas simultaneamente, existindo uma correlação de interferência entre os objetos do telhado e a própria moradia, podendo resultar em uma forma não convencional e com soluções estruturais mais eficientes. Tradicionalmente, o arquiteto se utiliza de exemplos prontos, em sua memória ou pesquisa, e começa a fazer links com as demandas do projeto. Fica a cargo do processamento mental do arquiteto correlacionar demandas, forma e função. Com o auxílio das ferramentas paramétricas, o processamento de informação na etapa algorítmica é levado ao computador, e, mesmo que o arquiteto tenha exemplos preconcebidos como base, sua função se restringe a criar as operações de relação e interação dos dados levantados anteriormente. O conjunto de formas resultado desse processo é parte derivada da influência do arquiteto por meio da seleção de parâmetros, interações e operações, parte possibilitada pelo processamento computacional, garantindo que nenhum condicionante seja esquecido ou não esteja integrado com o restante do projeto.

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As abordagens paramétricas visam representar a mudança. Em vez do designer criar a solução de design (por manipulação direta) como na ferramenta de design convencional, o designer primeiro estabelece as relações pelas quais as partes se conectam, constrói o projeto usando esses relacionamentos e modifica-os observando e selecionando os resultados produzidos. O sistema cuida do trabalho de manter o design consistente com os relacionamentos e, assim, aumenta a capacidade de designer para explorar ideais, reduzindo o tédio do retrabalho (WOODBURRY, 2010 apoud MOHAMMAD, 2012, p.4, tradução nossa).

Isso posto, deve-se considerar que o design convencional se destaca pela rapidez na construção da forma, tomando caminhos e ferramentas mais simples que o design paramétrico. Porém, após a geração do conjunto de formas pelo algoritmo, a eficiência do design paramétrico se mostra na modificação e seleção dos resultados no processo decisório do arquiteto. No processo tradicional, é ‘fácil’ criar um modelo inicial: o designer apenas adiciona partes relacionando-as com os outros elementos do modelo. Por outro lado, fazer alterações nesse modelo não é tão simples. Mudar uma dimensão, por exemplo, pode exigir ajustar muitas outras partes e todo esse ajuste é manual. Quanto mais complexo o modelo, mais trabalho pode ser exigido. De uma perspectiva de design, decisões sobre essas mudanças podem gerar muito retrabalho, implicando em limites de explorações que restringem o projeto (WOODBURY, 2010). Apagar elementos no design convencional é fácil... basta selecionar e excluir, sem interferir no restante do projeto uma vez que as partes são independentes. No processo paramétrico, a relação entre todos os elementos do projeto no algoritmo garante a facilidade de modificação, uma vez que um ajuste feito nos inputs acarretam numa readequação de todo o sistema de relações do output. Isso implica num

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maior incentivo de exploração e experimentação da forma sem as barreiras do retrabalho, podendo resultar em uma melhor adequação do produto final. É importante observar a potencialização do processamento computacional nessa fase de experimentação e decisão do arquiteto. Já se encontram no mercado e nos escritórios de arquitetura vários softwares, como o Ladybug (que fornece uma gama de gráficos interativos para análise ambiental da forma de edificações) e o Kangaroo Physis (responsável por simulações interativas de componentes estruturais e suas restrições). A integração de tais recursos de simulação otimiza a seleção do conjunto de formas, proporcionando um resultado final mais eficiente e assertivo. Também é válido ressaltar o potencial do pensamento paramétrico na etapa de fabricação e construção. Fornes (2016) exemplifica a metodologia empregada em seu estúdio THEVERYMANY, situado em Nova York, onde se parte da escolha e definição de uma unidade de forma (uma forma simples) e é criada de forma empírica uma série de experimentos.

O trabalho de THEVERYMANY concentrou-se na invenção do algorítmico descritivo da geometria de malha por meio de listras planas e sua remontagem física em superfícies curvas duplas autossustentadas sem a necessidade de moldes caros ou andaimes temporários. Os resultados são uma experiência totalmente imersiva para visitar, envolver-se, brincar e olhar para dentro (FORNES, 2016, p.67, tradução nossa).

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Para isso, os arquitetos do THEVERYMANY descrevem computacionalmente a geometria e o material de unidades de formato simples, e a partir disso desenvolvem a escala dessa unidade e a relação entre elas, até que se chegue no projeto por inteiro. Esse processo resulta em protocolos específicos de montagem, seguindo etapas hierárquicas e lineares na montagem manual do protótipo físico. (FORNES, 2016) Esse tipo de criação facilita a produção do material utilizado, pois envolve formas simples e em geral planas (triângulo, quadrado, polígonos de n lados) evitando a necessidade de maquinários de difícil acesso. Contudo, o processo de montagem e remontagem pode ser complexo e demorado, uma vez que conta, intencionalmente, apenas com o trabalho manual guiado pelas linhas de protocolos de montagem das unidades simples. Neste processo, o construtor não consegue visualizar o resultado formal do objeto final, o que acarreta a ocorrência frequente de ‘erros’ que são incorporados na forma do projeto, considerados ‘particularidades’. Essa distorção entre o modelo antecipado virtual e o modelo resultante real é tratado por Fornes (2016, p.61) como “ressonância dentro do sistema”.

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Pontuadas as diferenças entre o processo de pensamento tradicionalmente utilizado na arquitetura e a proposta do pensamento paramétrico, faz-se necessário refletir sobre os possíveis impactos que tal mudança pode acarretar no espaço construído e na experiência do usuário. Levando em consideração as transformações dos hábitos de vida dos indivíduos na era digital apresentadas na primeira parte deste trabalho, o design paramétrico pode auxiliar a diminuir o descompasso entre as novas demandas e os espaços de morar, pelo fato de conseguir quebrar os padrões de respostas espaciais tradicionalmente estabelecidas. Ao se pensar no processo de concepção da forma, o arquiteto é induzido a ignorar as respostas espaciais preconcebidas, já que o foco na etapa de criação não é mais a espacialidade formal do objeto final. A ruptura entre problematizar demandas e pensar o produto formal desde método de projeto auxilia no melhor entendimento dos espaços quanto às suas potencialidades ampliadas. Como exemplo, pode-se apresentar a seguinte questão. Ao se deparar com a demanda de um indivíduo para um espaço para descanso privado e noturno, o pensamento tradicional do arquiteto tende a já qualificar essa demanda com uma resposta espacial pronta: um dormitório. A partir dessa definição, já se formam ideias pré-estabelecidas dos recursos (cama, guarda roupa, TV, criado mudo) e funcionalidades (dormir, armazenar, descansar, entreter) envolvidos nesse ambiente. Já no processo de design paramétrico, a demanda de um espaço para descanso privado e noturno instiga o arquiteto a questionar os dados que podem ser coletados nessa informação para alimentar o script. Com isso, ele precisa investigar as funções que o usuário deseja no cômodo, as especificações do seu modo de vida, suas medidas, entre outros fatores particulares ao caso. Nesse sentido, o arquiteto é instigado a pensar novas formas, funcionalidades

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e até novos recursos desses ambientes, deixando de criar dormitórios para criar espaços para descanso, para dormir, para trocar de roupa, etc. Nesse sentido, também se faz possível a otimização e personalização do ambiente para cada tipo de pessoa e arranjo familiar. A partir do momento que se quebram os estereótipos de cômodos – que foram gerados com base em usuários e modos de vida padrões – começa-se a questionar como cada um desses indivíduos usa o espaço de morar em suas peculiaridades e desejos próprios. A configuração do pensamento no design paramétrico motiva o questionamento de como são executadas as atividades pelo usuário do espaço. É fato que, entre um grupo de pessoas, podemos encontrar diversas formas distintas de como se comunicar, descansar, estudar ou trabalhar... Além das características de contextos geológico e climático, já mencionados como condicionantes do processo de projeto paramétrico, dados regionais como materiais e habilidades locais de construção também são inerentes aos aspectos culturais. O discurso do regionalismo na era digital aplicado ao Parametricismo possui amplo significado social e ético (YUAN, 2016). Usando a lógica paramétrica, arquitetos podem selecionar dados regionais específicos, como a performance de materiais, métodos de construção e fabricação e comportamentos humanos culturalmente locais. Tais informações podem alimentar diretamente o processo de projeto com base na extração e seleção intencional desses dados sobre regiões específicas. Por meio desta estratégia, ressalta Yuan (2016), o design paramétrico providencia uma nova abordagem para a organização espacial, incorporando informações regionais e comportamentos locais para uma perspectiva mais ampla. Isso pode significar um grande avanço no sentido de melhorar a amplitude e aplicabilidade desse pensamento em diversas escalas e regiões, inclusive as áreas menos favorecidas economicamente. Todavia, mesmo que se

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IMPACTOS NA AMBIÊNCIA


considerem as particularidades das demandas culturais, individuais e de grupos familiares, deve-se observar que as modificações dessas demandas nos últimos anos indicam que elas continuarão a se transformar. É com base nesses preceitos que surgem as discussões sobre ambientes que adaptam seus recursos e funcionalidades ao longo do tempo. Ao se considerar uma pessoa que habita um mesmo dormitório desde criança, é notório que suas necessidades com aquele espaço se transformaram com o tempo. Essa mudança de demandas também pode ser influenciada pelas transformações do contexto sociocultural em que o indivíduo vive, como quando consideramos um quarto de um adolescente nos dias de hoje e um quarto de adolescente há 20 anos. Estas ponderações integram às discussões do processo de design paramétrico um condicionante fundamental não considerado no processo convencional: o tempo. Esse conceito se justifica pela premissa de que as demandas de uma pessoa, ou a forma como ela usa o espaço, se alteram com o passar dos anos. É com base nesse condicionante que surgem estudos sobre a possibilidade de criação de ambientes interativos, que forneçam diferentes recursos e se adaptem a diferentes funções no decorrer do seu uso. Além da aplicabilidade do processo paramétrico no espaço doméstico, deve-se lembrar ainda o seu potencial para o planejamento na escala da cidade. Novas formas de desenho urbano podem surgir a partir do momento que o algoritmo esteja apto a receber inputs derivados dos urbanistas, do público alvo e até mesmo do governo (como leis de uso e ocupação do solo) para gerar conjuntos de soluções inovadoras. Esse modelo permite um compartilhamento de informações e um feedback do público para os urbanistas, e vice-versa. Llabres (2016) aponta que esta alternativa pode produzir uma diferenciação crucial do modelo atual de processo de projeto, quando há interferência e influência de uma perspectiva relacionada a diferentes agentes.

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Esse compartilhamento de informações do projeto possibilita intervenções onde o desenho arquitetônico, as políticas públicas e a população estão entrelaçadas como condicionantes, gerando espacialidades inovadoras correspondentes com as demandas coletivas dos usuários e podendo servir de suporte para adequação das políticas públicas em relação às demandas da população.

A introdução de uma dimensão tácita nos modelos paramétricos pode criar novas formas de cultura e valorização da textura da cidade que podem ser incorporadas no desenvolvimento de planos e políticas. [...] os projetistas urbanos precisam calibrar a introdução de parâmetros, valores e formas tácitas de algoritmos, e tomar consciência de toda a cultura arquitetônica, produzindo continuidades e diferenciações que, em última análise, formam o caráter de nossas cidades (LLABRES, 2016, p.91, tradução nossa).

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É notório que uma das características comuns ao mercado profissional e ao meio acadêmico de arquitetura é a pressão sobre arquitetos e estudantes de explorar um design inovador enquanto torna o processo de projeto cada vez mais rápido e eficiente. Segundo Mohammad (2012), atualmente os designers interrompem o processo de criativo quando eles sentem que o tempo gasto nesse processo não se equipara ao valor investido no produto. Em outras palavras, a desvalorização do produto arquitetônico leva à queda do preço do projeto e incentiva os arquitetos a gastarem menos tempo nos processos criativos, gerando uma mecanização/ padronização de seus processos de projeto para equilibrar o valor ganho pelo projeto com o tempo e esforço gasto no mesmo. Um estudo de 2008 feito por Gane & Haymaker (MOHAMMAD, 2012) apontou que poucos arquitetos dedicam tempo em entender e estudar os conceitos do projeto fazendo análises multidisciplinares, e acabam projetando de forma automática e pouco crítica. Devido a esse cenário, mesmo com a implementação da tecnologia nos escritórios de arquitetura, estes são utilizados de forma a automatizar processos mecânicos representativos das formas e ambiências já tradicionalmente criadas. A potencialidade do pensamento paramétrico como forma de gerar soluções que atendam às demandas contemporâneas é dificultado pelos próprios vieses institucionalizados na profissão.

A arquitetura não trata de problemas triviais, portanto, um programa de computador com complexidade suficiente para desempenhar um papel ativo na construção de projetos precisa aprender habilidades muito além do conhecimento e da experiência do programador. Atualmente, ainda estamos usando procedimentos de algoritmo, apesar do fato de que o design arquitetônico não é, obviamente, apenas um processo algorítmico (FRAZER, 2016, p.22, tradução nossa).

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A declaração do parametricismo como um novo conceito arquitetônico oxigenou a discussão da arquitetura para além da fixação da “starchitecture”, termo utilizado por Burry (2016, p.33, tradução nossa) para caracterizar o ‘endeusamento’ da profissão, onde arquitetos são vistos como artistas de decisões inquestionáveis que brandam as “pontas de suas canetas se não como suas espadas”. Todavia, é importante destacar que a utilização da ferramenta paramétrica no projeto não é o suficiente para contornar esse cenário em que a etapa de criação é reprimida. Apenas a criação de scripts algorítmicos não é suficiente para abordar qualquer coisa além da geometria variacional: “se tudo o que conseguimos é substituir o desenho pela digitação, não conseguimos nada” (FRAZER, 2016, p.22, tradução nossa). Atualmente, o arquiteto conta com o auxílio do computador como ferramenta paramétrica. Porém, é preciso ressaltar que o pensamento paramétrico como metodologia de projeto vai além do uso dessa ferramenta, dependendo da capacidade e habilidade do próprio arquiteto.

[...] Branko Kolarevic (2008) assume que a capacidade das técnicas computacionais paramétricas de gerar novas oportunidades de design é altamente dependente das habilidades cognitivas e perceptivas do designer. Ele também explica que o designer se torna essencialmente o editor das potencialidades geradoras do sistema de projeto, onde a escolha de formas emergentes é impulsionada em grande parte pela estética e sensibilidades plásticas do designer (KOLAREVIC, 2008 apud MOHAMMAD, 2012, p.08, tradução nossa).

Deve-se partir de uma mudança no olhar sobre o papel do arquiteto, passando a ser analisados mais profundamente as justificativas e fundamentos das decisões projetuais. Sem um pensamento crítico por trás das decisões do arquiteto, o resultado se resume a objetos plasticamente inovadores,

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porém sem impacto na ambiência do espaço, como constatado por Schumacher (2016) na análise da grande maioria dos projetos paramétricos pós-Parametricismo. Para que seja possível utilizar tal pensamento, deve-se pensar em outros elementos que não necessariamente sejam decodificados dentro do sistema paramétrico. O atual paradigma do Parametricismo está voltado para uma profunda interpretação dos significados dos parâmetros (YUAN, 2016). Considerar o indivíduo como demanda de projetos a ser inserido no algoritmo em forma de dados é o primeiro passo para potencializar a geração de um conjunto de espaços mais adequados ao usuário contemporâneo em suas necessidades, desejos e modos de vida. Entretanto, transformar dados abstratos, comportamentais e qualitativos em dados numéricos e quantitativos para serem inseridos em um algoritmo computacional ainda se mostra uma tarefa difícil e pouco prática. Ainda assim, essa etapa mostra a importância do arquiteto na escolha e seleção desses dados paramétricos, pois, mesmo que ainda se mostre sem muita efetividade, a ação de pensar sobre como inserir o usuário no algoritmo já traz ao processo de projeto questionamentos sobre a adequação do mesmo ao espaço a que se destina. Outro aspecto que revela a importância do arquiteto nesse processo de pensamento ocorre na etapa decisória. Após a geração das formas pelos algoritmos, o computador fornece a facilidade do processamento da informação para auxiliar nas simulações sobre os resultados; porém, a escolha da forma final ainda é dada pelo arquiteto, assim como os condicionantes ideais. A exemplo disso, pode-se citar a utilização de um software de auxílio sobre a luminosidade do projeto. O software fica encarregado de mostrar ao arquiteto os resultados mais otimizados segundo a meta de luminosidade que o próprio arquiteto informou. É posto um conjunto de soluções mais otimizadas comparadas ao conjunto total gerado, mas ainda fica a cargo do arquiteto a escolha final, que está condicionada a todo o processo de formação e experiência do profissional.

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O pensamento paramétrico desde o ensino da arquitetura Para que seja possível a implementação desse novo processo é pertinente que seja feita uma reestruturação da própria profissão desde o ensino da arquitetura. Como apontado por Woodbury (2010), deve-se atentar ao ensino do Parametricismo nas escolas de arquitetura, pois, apesar de se mostrar possível o ensinamento da ferramenta paramétrica dentro do modelo acadêmico já adotado, o ensino dos conceitos e discussões por trás do Parametricismo é mais desafiador. A entrada do computador no processo de projeto garantiu a inserção do ensino da informática dentro do ensino da arquitetura, mas tal aprendizado é formatado com base na execução das ferramentas e softwares computacionais. “São ainda muitos os cursos em que o ensino da informática se dá de maneira antiquada, visando atender apenas às expectativas do mercado em termos de formação de mãode-obra, sem o desenvolvimento de um raciocínio crítico” (ROMCY; TINOCO; CARDOSO, 2015, n.p.). Nos atuais tradicionais cursos de arquitetura e Urbanismo, a formação dos arquitetos se molda em torno dos ateliês/ estúdios práticos de projeto, derivados do modelo da École Des Beaux-Arts francesa do século XVIII. Neste modelo, o professor coloca-se no papel de um cliente fictício e orienta o estudante a desenvolver projetos relacionados com base no tema apresentado por ele, avaliando-os perante o que ele considera uma boa arquitetura (ROMCY; TINOCO; CARDOSO, 2015). Ao considerarmos as discussões abordadas anteriormente neste trabalho, este modelo de ensino já se encontra inadequado ao se pensar nas limitações seletivas de clientes e demandas apresentadas aos alunos, uma vez que estarão aprendendo a lidar com demandas prontamente padronizadas ao invés de serem induzidos a identificar e qualificar as demandas diversas do mercado real.

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Diferente do pensamento de “faça e não faça”, “pode e não pode” e “deveria e não deveria” geralmente abordados, a metodologia do pensamento paramétrico estimula que se investigue as características do projeto sem considerar as respostas padronizadas. “É dessa investigação e experimentação que podemos chegar a novos projetos material, estrutural e espacialmente efetivos e originais, que atendam às demandas da sociedade contemporânea” (MENGES, 2016, p.78, tradução nossa). Nesse sentido, a metodologia de ensino “deve se afastar do modelo tradicional de simulação da prática profissional, com foco no produto, e buscar o incentivo à prática experimental, com foco no processo” (ROMCY; TINOCO; CARDOSO, 2015, n.p.). Dito isso, é proposto que se reformule a metodologia de ensino com base em [...] uma questão ou desafio proposto aos estudantes, criando a necessidade de se conhecer o conteúdo, adquirir habilidades, e praticar a colaboração e a comunicação, em processos de avaliação que observam o pensamento crítico. Assim, propor uma estruturação bem justificada da maneira de como resolver o problema faz parte do processo de aprendizagem e cria oportunidades para a inovação (ROMCY; TINOCO; CARDOSO, 2015, n.p.).

Novas habilidades do arquiteto Diante desse contexto, diferentes habilidades deverão ser desenvolvidas por docentes e discentes. Em seu trabalho, Woodbury (2010) lista 6 habilidades competentes ao ensino do pensamento paramétrico.

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CONCEBER FLUXO DE DADOS As relações estabelecidas entre os parâmetros inseridos no sistema paramétrico afetam diretamente as possibilidades do projeto refletidas no conjunto de resultados obtidos. Dito isso, conceber, organizar, e editar as relações e dependências desses parâmetros é a chave para o desenvolvimento de um sistema paramétrico, que fornece ao arquiteto ferramentas para decisões de design de forma explicita, editável e reexecutável.

DIVIDIR PARA CONQUISTAR Consiste na habilidade de dividir o projeto em partes e entender as relações ente elas como um único projeto. Devido à complexidade que um script algorítmico pode chegar, torna-se necessário que seja organizado em partes, e dividido hierarquicamente, para garantir a legibilidade e compreensão do mesmo, sem que se perca a integração e relação entre as partes. Tal habilidade requer conhecimento e domínio das partes do projeto para que os dados sejam exibidos de uma parte para outra de maneira clara e explicável.

NOMEAR A nomenclatura adequada das partes ajuda na comunicação da ideia proposta no sistema, permitindo um menor esforço para a compreensão do projeto posteriormente.

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PENSAMENTO ABSTRATO A abstração é entendida nessa etapa como um conceito geral em vez de um exemplo específico, onde uma ideia é utilizada como base para gerar diversas alternativas. A habilidade de abstrair um modelo paramétrico possibilita que esse modelo seja aplicável a novas situações ao fazê-lo depender apenas de dados (inputs) essenciais, removendo a referência e o uso de termos excessivamente específicos. Essa habilidade garante o uso de partes (derivadas da habilidade de dividir e conquistar) em modelos semelhantes, poupando tempo e trabalho, e tornando tal metodologia mais aplicável na prática do mercado profissional.

PENSAMENTO MATEMÁTICO A matemática sempre esteve presente na arquitetura por meio da geometria e proporções utilizadas nas construções. Tal habilidade busca resgatar a compreensão matemática por trás do design arquitetônico, como forma de compreensão das relações de construção da forma final. O pensamento matemático apresentado de forma ativa e visual nos sistemas paramétricos pode-se tornar um auxiliar nas estratégias projetuais.

PENSAMENTO PARAMÉTRICO A habilidade de se pensar algoritmicamente é entendida em dois momentos pelo autor. O primeiro consiste na descrição de processos pela formulação de scripts, que se distanciam do visual representativo acostumado, sendo preciso então um entendimento paramétrico para leitura e compreensão do script. O segundo momento consiste na habilidade de se entender o projeto como um processo, não como um produto final. Tradicionalmente, o arquiteto descreve objetos de forma imprecisa e não processos precisos computacionais.

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Dentre as habilidades mencionadas por Woodbury, as três primeiras estão diretamente relacionadas à estruturação do sistema paramétrico, garantindo uma legibilidade na representação das ideias do arquiteto, facilitando alterações, usos e investigações. As habilidades 4 e 5 garantem a eficiência na utilização e exploração das alternativas de projeto do modelo paramétrico. Por fim, a habilidade 6 (pensamento algorítmico) consiste no maior desafio entre as habilidades, devido à associação com processos precisos relacionados a linguagens computacionais e matemáticas pouco familiares aos arquitetos (ROMCY; TINOCO; CARDOSO, 2015). É perceptível que, além da capacitação dos estudantes em softwares paramétricos específicos, é necessária uma mudança de olhar sobre o próprio processo e objeto projetado. Há um aumento na complexidade das etapas do projeto, que passa a envolver competências que vão além de uma única área de conhecimento. É com base nisso que se identifica cada vez mais uma interdisciplinaridade entre o campo da arquitetura e outras áreas de conhecimento. Dominar os conceitos e ferramentas do parametricismo exige que os profissionais sejam parte arquitetos, parte designers, parte programadores e parte matemáticos (WOODBURY, 2010. p.8). O alcance e o impacto do pensamento paramétrico no projeto arquitetônico “deslocam os arquitetos de qualquer crença sincera de que eles podem continuar a assumir o papel de autor de design exclusivo” (BURRY, 2016, p.35, tradução nossa). Outro sinal dessa interdisciplinaridade na arquitetura é a crescente colaboração entre autores de diferentes áreas nos mesmos artigos de livros e revistas científicas (BROOSHAN, 2016). Diante desse cenário multidisciplinar, surgem novos paradigmas com relação à autoria na arquitetura. Com a presença de profissionais de diversas áreas juntos para traduzir diferentes conceitos do

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projeto, o arquiteto passa a exercer o papel de coordenador de um processo complexo que exige colaboração contínua entre todos os envolvidos, resultando numa obra que certamente deve levar o nome de toda a equipe formada pelos diferentes autores envolvidos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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O Parametricismo como movimento arquitetônico foi responsável por oxigenar as discussões sobre o uso da parametria na arquitetura. Escritórios ao redor do mundo tem implementado a modelagem paramétrica em seus processos de projeto, prática que tem aumentando cada vez mais. Contudo, deve-se fazer um paralelo entre o atual estágio da parametria e o pensamento proposto no trabalho. Hoje há projetos sendo criados com todos os processos paramétricos descritos, entretanto, muitas das espacialidades resultantes ainda proporcionam ao usuário uma experiência moldada nos padrões tradicionais. Como denotado por Requena (2007) na terceira fase de integração do computador como ferramenta de projeto, é fundamental que o “pensar digital” seja integrado no processo de projeto desde o ensino da arquitetura até a prática profissional. É necessário que o foco do Parametricismo seja direcionado para o processo de pensamento e não para a ferramenta, garantindo que não se repita o que aconteceu com os pioneiros nas experimentações da lógica algorítmica no projeto. Naquele momento, suas obras inovadoras eram creditadas à criatividade e talento dos arquitetos, e não ao processo por eles utilizado. Ainda se mostra um grande desafio nesse processo de projeto a seleção dos parâmetros que se resumem a conceitos comportamentais, políticos, sociais, ambientais, culturais, econômicos, filosóficos, entre outros, que se manifestam de forma abstrata e não quantitativa. Os dados de entradas — que deveriam ser derivados das demandas e condicionantes — têm sido geralmente inseridos de forma aleatória, o que não garante em si os pontos levantados sobre as implicações desse pensamento no espaço construído. Pesquisas concentram-se em grande parte nas investigações sobre ferramentas de modelagem e de construção, embora pouco ainda tenha se desenvolvido sobre captação de dados comportamentais e sua conversão em parâmetros (inputs).

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Sendo assim, ainda não se tem uma resposta rápida e prática de como o usuário e suas demandas são convertidos em dados de entrada para esse sistema. Ainda que ocorram avanços e melhorias quanto a esse processo, continua fundamental a interferência do arquiteto no processo paramétrico de projeto, pois, independente dos avanços tecnológicos, é ele quem alimentará o sistema com os dados. O arquiteto exerce um papel essencial na etapa de investigação, seleção, e conversão das demandas e condicionantes em dados de entrada para o algoritmo. Tal função é insubstituível pelo computador, pois, para executála, deve-se entender cada usuário, suas interações com o espaço e outros usuários, para então conseguir qualificar suas necessidades para com o espaço. No que tange à arquitetura na escala do espaço de moradia, é inevitável que se considerem as construções em pequena escala e construídas em territórios interioranos dos grandes centros urbanos. Nesse aspecto, a adaptabilidade do Parametricismo vinda da necessidade de abarcar as constantes transformações tecnológicas e sociais poderá auxiliar a busca em torno de respostas às características e variações regionais. Todavia, tendo como exemplos os movimentos passados abordados no primeiro capítulo (Contexto Histórico) deste trabalho, deve-se evitar que sejam criadas ‘regras’ para as transições de demandas e condicionantes em dados de entrada. Historicamente, é perceptível que quando se estabelece um modelo pronto, os arquitetos tendem a replicá-lo sem questionar suas decisões. Focar em exemplos espaciais, ou seja, nos resultados das formas e linguagens plásticas obtidas, incentiva a criação de modelos de ambiências a serem seguidos, quando o que se quer impulsionar é a busca por um método crítico de pensamento sobre essas ambiências. O desvio do foco do arquiteto do objeto final para o processo de construção da forma minimiza que se norteie a produção em busca de reconhecimento de um ‘estilo arquitetônico paramétrico’. Um movimento

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CONSIDERAÇÕES FINAIS


centrado em produzir espacialidades baseado em um novo processo de pensamento e criação e não em exemplos de arrojos plásticos aleatórios potencializa experimentações mais diversas e condizentes com a necessária (contínua) atualização da experiência dos espaços. Se for considerado este cenário para o campo de atuação profissional do arquiteto — até hoje ainda calcado em um padrão de moradia replicado ao longo dos anos e em muitos sentidos ultrapassado como resposta à experiência espacial contemporânea —, o método paramétrico pode aumentar o tempo de projeto gasto para a elaboração do script, mas abriria uma gama de possibilidades de experimentações e alterações que tornaram as decisões projetuais mais condizentes com as demandas contemporâneas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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FONTES E REFERÊNCIAS

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