O PRINCÍPIO DE RELATIVIDADE § 01 – Velocidade de propagação de interações. § 02 - Intervalo Um evento é um conceito admitido como uma idéia primária; é a simbiose do ponto da geometria euclidiana, ou um lugar, com um número representativo de uma variável real dita tempo ou instante. Vamos definir esses conceitos matematicamente. Escolhamos um ponto O arbitrário do espaço euclidiano – que denominaremos origem - onde se posicionará um observador. Por O imaginemos traçado um eixo cartesiano (com sentido e escala fixados arbitrariamente) que denominaremos eixo dos tempos porque ele será cotado em tempos, com uma unidade escolhida. O ponto de cota 1 desse eixo define um vetor unitário uˆ - a flecha do tempo - que aponta para o futuro; os pontos de cota negativa representam pontos do passado. Para homogeneizar esta escala com as demais a serem utilizadas, associaremos ao ponto de cota 1 uma distância à origem equivalente ao valor c da velocidade da luz (uma constante universal). Tal eixo tornou-se, agora, um eixo de distâncias, embora indiretamente ainda possa ser entendido como um eixo de tempos; o vetor cuˆ representa, então, a distância percorrida pela luz na unidade de tempo escolhida ao longo desse eixo. Associemos ao ponto fixo O um sistema cartesiano de referência arbitrário, K, também fixo para o observador ai situado e não necessariamente ortogonal, cujos eixos sejam construídos na mesma escala do eixo dos tempos. Sejam ainda, {e1 , e 2 , e 3 } os vetores de base desse sistema, de módulos escolhidos arbitrariamente, base esta suposta positiva. O ponto arbitrário R do espaço poderá ser definido em K pelo seu vetor posicional, r como de ordinário, em geometria euclidiana. Sempre que nos referirmos ao observador em O admitiremos implicitamente que tudo o que ele vê ou mede esteja referido ao “seu sistema de referência”. Eventos e vetores complexos A concepção do evento requer a especificação simultânea de um lugar e de um tempo. Assim, para um observador - no seu sistema de referência, isto é, em relação aos vetores de base {e1 , e 2 , e 3 } e uˆ - o evento pode ser especificado univocamente pelo vetor complexo ρ=(r,ct) em que ct ( ct uˆ ) é um segmento OT do eixo dos tempos que tem por extremidade um ponto T variável, mas bem determinado; e r é o vetor posicional de um ponto (lugar) no sentido euclidiano. Como a definição de ρ, compatível com a noção de evento, exige a especificação simultânea de r e ct uˆ , será lícito, doravante, falar-se em espaço-tempo (que abreviaremos com e-t) em vez de apenas espaço, ou tempo (como em geometria e mecânica ordinárias). Fixar um lugar R, ou ponto R, é fixar o vetor r em relação a {e1 , e 2 , e 3 } . Assim, a um ponto fixo R estarão associados eventos variáveis apenas com o tempo, ou eventos temporais. Da mesma forma, a um tempo t fixo estarão associados eventos com r variável. Como todo evento está representado por um vetor complexo e a cada um destes está associada a sua elipse direcional, resulta que, no e-t, cada evento é representado por uma elipse que será dita a elipse direcional do evento. O evento ρ=(r,ct) do e-t é, pois, representado geometricamente por uma elipse de que r e ct são semi-diâmetros conjugados. A representação do evento por um vetor complexo permite visualizá-lo por uma elipse do espaço euclidiano ordinário. É fácil entender como o observador do e-t, situado em O, representa os eventos espaciais e temporais. No e-t os eventos espaciais (t=constante) podem ser representados por diferentes elipses com o mesmo semi-diâmetro ct uˆ , mas não coplanares. Algo apenas parecido se dá com os eventos temporais (com r fixo), mas nesse caso todas as elipses estão inscritas em paralelogramos com dois lados fixos. Caso idêntico se daria com eventos temporais ao longo da reta suporte de r. Nesses dois últimos casos as elipses direcionais seriam, então, todas pertencentes ao plano r, uˆ . Sejam R’ e T’ as extremidades dos vetores opostos de r e ct. Os pontos R, T, R’ e T’ são, pois, os pontos de contato da elipse direcional de ρ com o paralelogramo de lados
paralelos a r e t e que circunscreve a elipse, T e T’ sendo simétricos em relação à origem, situados à distância c|t|, sobre o eixo dos tempos. Inversamente, a um mesmo instante de tempo t – que corresponde a considerar um vetor ct fixo o observador em K poderá associar o complexo ρ=(r,ct) para a infinidade de pontos do espaço. Tal como anteriormente, a cada complexo ρ corresponderá uma elipse direcional do plano (variável) r, uˆ , mas todas elas conterão os pontos T e T’. O eixo dos tempos é, pois, charneira do feixe de planos r, uˆ . Se a direção de r for fixa, os pontos R e R’, agora variáveis sobre a reta suporte de r formarão com R e R’ os quatro pontos de contato da elipse direcional de ρ com o paralelogramo de lados paralelos a r e ct e que circunscreve a elipse. Outras situações poderiam ser consideradas. Vetores complexos distintos para distintos eventos Consideremos agora dois observadores com seus distintos sistemas cartesianos de referência, K e K’, mas com eixos dos tempos paralelos, cujas origens, O e O’, deslocam-se uma em relação à outra sobre uma reta arbitrária, mas com velocidade constante V (os sistemas são inerciais, ou não acelerados). Um mesmo ponto espaço será certamente especificado pelos observadores por vetores r (de origem O) e r’ (de origem O') distintos. Da mesma forma, possivelmente em função do valor de V, serão distintos os tempos medidos t e t’ a serem registrado sobre o mesmo eixo dos tempos Esboçar um raciocínio para mostrar que tt’. Sem perda de generalidade, podemos admitir que os vetores de base desses sistemas definam, em qualquer instante, tetraedros passíveis de congruência mediante uma translação e uma rotação adequadas (seriam tetraedros congruentes). Isto significa que é possível definir uma correspondência entre os vetores de base desses sistemas tal, que os vetores correspondentes tenham as mesmas normas (ou módulos) e que o ângulo formado por um par de vetores de um seja igual ao ângulo formado pelo par correspondente do outro. Vamos, por isso, denominar sinteticamente essas bases vetoriais de bases normogonadas (ver ). Intervalo de eventos Isto posto, consideremos um primeiro evento que consiste da emissão de um sinal que se propague com a velocidade c da luz a partir de um ponto R1 que, por força de postulado é o mesmo para qualquer observador. Para o observador K, a esse evento estará associado o vetor complexo 1 (r1 , ct 1uˆ ) em que r1 é o vetor posicional de R1 e t1 é o tempo registrado. Para o observador K’, analogamente, o vetor complexo correspondente será 1 (r1 , ct 1 uˆ ) . Um segundo evento consistirá da chegada do referido sinal a um ponto R2 do espaço. A este evento estarão associados os complexos 2 (r2 , ct 2 uˆ ) para o observador K e 2 (r2 , ct 2 uˆ ) para o observador K’. A distância percorrida pelo sinal é c(t2-t1), calculada pelo observado K; e se esta não diferisse daquela calculada por K’ pela expressão c(t’2-t’1), deveríamos concluir que os intervalos de tempo para os observadores (em movimento relativo) deveriam ser iguais. Veremos que isto não é verdade. Para o observador em K a distância percorrida pelo sinal é, de fato, c(t 2-t1). De outro lado, essa mesma distância é definida por r2-r1. Então, o complexo
2 1 (r2 r1 , ctuˆ ) , em que Δt=t2-t1, é um complexo circular (o módulo de r2-r1 é igual a cΔt); o que significa que seu quadrado escalar (um número complexo) é nulo:
( 2 1 ) 2 ((r2 r1 ) 2 c 2 (t) 2 , 2c(r2 r1 ).tuˆ ) 0 . Como a parte imaginária desse produto é nula porque os vetores r2-r1 e cΔt uˆ são semi-diâmetros conjugados, resulta, finalmente:
(r2 r1 ) 2 c 2 (t) 2 0 . Para o observador em K’ as coisas não se passam de modo diferente porque os referenciais K e K’ são inerciais. Raciocinando da mesma forma o observador em K, concluiria que
(r2 r1 ) 2 c 2 (t ) 2 0 . Definição: (intervalo) Para eventos outros que não os de emissão e chegada de sinal de luz, a quantidade
s12 ( 2 1 ) 2 c 2 (t) 2 (r2 r1 ) 2 , denominada intervalo entre os eventos, pode não ser nula. Decorre, então, da constância da velocidade da luz que se o intervalo entre dois eventos é nulo num sistema de referência (inercial), ele será nulo em qualquer outro. Se o sinal apresentasse eventualmente uma trajetória curvilínea, poderíamos escolher dois pontos R1 e R2 infinitamente próximos, caso em que os observadores encontrariam os resultados:
(dr) 2 c 2 (dt) 2 0 e (dr ) 2 c 2 (dt ) 2 0 . e os intervalos entre os eventos seriam:
ds (d) 2 c 2 (dt) 2 (dr) 2
e ds (d ) 2 c 2 (dt ) 2 (dr ) 2 .
A invariância do intervalo Como os sistemas de referência têm o mesmo eixo dos tempos (esses eixos são paralelos), poderá existir alguma relação entre os escalares (dt’) 2 e (dt)2, bem como a mesma relação entre (dr)2 e (dr’)2, e, portanto, entre os intervalos. Como os infinitésimos (dr)2 e (dr’)2, ou (dt’)2 e (dt)2, são de mesma ordem (representando quadrados de comprimentos de arcos), deverá ser (dr)2=K(dr’)2, ou (dt)2=K(dt’)2, em que K não pode ser dependente de r (ou de r’) nem de t (ou de t’). De fato, pois se dependesse de r a homogeneidade do espaço físico seria comprometida, isto é, um mesmo fenômeno ocorreria de forma e em valores diferentes de uma região para outra. O fator K também não pode depender da direção definida pelos pontos R1 e R2 porque haveria no espaço direções privilegiadas, o que é incompatível com a hipótese da isotropia do espaço que postula a invariância dos fenômenos com a direção em que possam ocorrer. Concluímos, assim, que K só poderá sofre influência de V; e escreveremos: (ds)2=K(V) (ds’)2. K=1 Vamos agora realizar experiência análoga à anterior, mas trocando K' por um referencial K'', a trajetória de K' por outra qualquer e a velocidade V' por V''. Deduziríamos resultado análogo que escreveríamos na forma: (ds)2=K(V”) (ds”)2, Experiência análoga, considerando os sistemas K' e K'' nas condições anteriores, nos levariam à igualdade (ds’)2=K(V12) (ds”)2, em que V12 é a velocidade relativa entre K' e K''. Das três relações encontradas podemos deduzir a seguinte relação entre os coeficientes K:
K(V ) K(V12 ) . K(V)
A velocidade V12 depende não apenas de V’ e V”, mas também do ângulo entre as trajetórias. Como este ângulo não aparece no primeiro membro da relação obtida entre os K’s, esta relação só poderá existir se K independer de qualquer V; o que acarreta K=1. Em resumo: O intervalo de dois eventos é um invariante em todo referencial inercial. §03 – Transformação de Lorentz Vamos, agora, encontrar fórmulas que permitam expressar o vetor complexo ρ=(r,ct uˆ ) relativo a um evento no referencial inercial K em função do vetor complexo ρ’=(r’,ct’ uˆ ) relativo ao mesmo evento no referencial inercial K’. A solução do problema análogo em Mecânica Clássica é feita é simples pois sendo ρ=(r,ct uˆ ) e ρ’=(r’,ct uˆ ), seria ρ-ρ’=(r-r’,0), donde (ρ-ρ’)2=(r-r’)2.
* Reconsideremos, agora, o mesmo ponto R do espaço e a flecha do tempo arbitrária escolhida. Pode ser eventualmente interessante a utilização de uma base de vetores {a,b} escolhida convenientemente no plano R, uˆ para referir vetores reais nesse plano. Nesse caso, por razões que serão vistas mais à frente, escolheremos como flecha do tempo o unitário do vetor a+b; e se {a*,b*} é a base recíproca de {a,b} poderemos escrever:
(r, ct) ((r.a )a (r.b )b, ct) ((r.a )a, ct ) ((r.b )b, ct ) 2 2 e somar vetorialmente os complexos
a ((r.a )a, ct ) 2
e
b ((r.b )b, ct ) 2
para obter ρ. Aos complexos ρa e ρb podemos, enfim, aplicar todos os conceitos emitidos inicialmente na esperança de que essa decomposição facilite de alguma forma o entendimento dos aspectos geométricos ligados à representação.
Por simples extrapolação, sem maiores detalhes, resultados análogos podem ser deduzidos caso haja interesse ou necessidade de consideração do espaço físico tridimensional. Escolheríamos para flecha do tempo o unitário do vetor a+b+c e escreveríamos, simplesmente:
(r, t) ((r.a )a (r.b )b (r.c )c, ct) ((r.a )a, ct ) ((r.b )b, ct ) ((r.c )c, ct ) 3 3 3 com
a ((r.a )a, ct ) , 3
b ((r.b )b, ct ) , 3
c ((r.c )c, ct ) 3
e
a b c .
Não seria demais lembrar que estas mesmas fórmulas seriam válidas se fizéssemos a decomposição de r segundo a base {a , b , c } . Nesse caso a flecha do tempo seria o unitário de a*+b*+c*, com:
a ((r.a)a , ct ) , 3
b ((r.b)b , ct ) , 3
c ((r.c)c , ct ) 3
e
a b c .