A arte desnuda em livro

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A arte desnuda em livro Escrito por Emanuella Camargo

Fernando Carpaneda produziu livro disponível na internet intitulado O Anjo de Butes: uma vida de tintas, sexo e rock 'n'roll. A edição demorou cinco anos para ser finalizada e o nome faz referência ao seu melhor amigo. O artista plástico faz miniaturas realistas, réplicas que vão desde moradores de rua e corpos desnudos a personalidades do mundo underground. As pequenas esculturas podem ter até 13 centímetros de altura. Carpaneda mora em Nova Iorque há 15 anos. A oportunidade no exterior vem em contraponto ao apoio que ele não teve no lugar de origem. “Nunca tive a chance de crescer profissionalmente em Brasília por fazer um trabalho muito realista, com novas propostas e ir contra ao que os curadores brasilienses "Não sigo parâmetros ou a Academia, sigo apenas meu instinto querem na mídia”, declara. Carpaneda como artista", revela Carpaneda (Arquivo Pessoal) também faz críticas árduas à postura da universidade na formação de novos artistas: “Acho um absurdo todos os anos faculdades formarem milhões de artistas plásticos com as mesmas ideias. Para mim, arte não é moda, é sentimento e talento”. Os primeiros traços Aos 13 anos, Fernando fez as primeiras linhas na tela de pintura. Os trabalhos retratando a figura humana começaram quando ele tinha por volta de 18 anos. Essas figuras eram realizadas com um tipo de colagem asassemblagens, objetos e resina. “Eram trabalhos feitos em grandes proporções. Sempre retratava a figura humana em tamanho natural coberta por piche e muitas vezes essas figuras apareciam mutiladas”, explica Carpaneda. Ele já é artista plástico há 30 anos, mas foi em 1989 que Carpaneda começou a se dedicar às miniaturas. “A partir desse ano comecei a trabalhar com argila. Desde então estou me especializando em retratos em miniatura.” Suas esculturas retratam aquilo que ele vê de maneira agressiva e até perturbadora.


As miniaturas fazem parte de um recorte da realidade, mas uma realidade que para muitos é invisível e apática e no entanto, salta aos olhos de quem as vê. A temática utilizada para compor o cenário das suas produções tem o objetivo de interferir no cotidiano em que vive: “Tento intervir na realidade social que me circunda, deslocando certas noções de certo ou errado nos meus trabalhos. Meu objetivo como artista é mostrar justamente os abusos contra o ser humano”, afirma o artista.

A miniatura faz parte de exposição sobre mendigos assassinados na cidade de São Paulo (Arquivo Pessoal)

O processo de produção de cada escultura é minimalista, demora um mês para ficar pronta. Mas, antes de tudo, tem início nas ruas onde ele observa e busca seus personagens. “Meu processo de criação vem do convívio com pessoas. A convivência com o retratado é parte fundamental do meu trabalho. A base onde coloco a figura em argila é feita com objetos que a pessoa usou, consumiu ou na situação em que esteve no mesmo espaço que eu. Uso guimbas de cigarros, latas de cerveja, caixas vazias de pastas de dente, para compor a obra. Essa base representa o mundo do retratado”, conta.


Em outro país Carpaneda conta que preconceito com o tipo de arte que realiza é um dos obstáculos aqui: “Infelizmente, o Brasil é um dos países mais preconceituosos do mundo em relação às artes plásticas. O movimento artístico que domina o Brasil é a arte conceitual. Os centros culturais e galerias famosas só mostram o que convém ser mostrado”, critica. Vivendo em Nova Iorque há 15 anos, Carpaneda acredita que por lá é avaliado pela qualidade de sua produção: “As pessoas que lidam com arte no exterior têm outra visão e uma melhor definição do que é o artista. Eles aceitam meu trabalho pela qualidade técnica e por minha postura como artista”. Personalidades underground e garotos de programa também

A primeira visita feita aos Estados Unidos são tema para Carpaneda (Arquivo Pessoal) foi feita em 1996, quando ele foi convidado para expor em uma galeria. Depois dessa primeira exposição surgiram outros convites: “Depois dessa exposição na Broadway, fiz contato com a CB`s 313 Gallery, que era a galeria do CBGB. A curadora da galeria gostou muito da série de esculturas que fiz retratando os garotos de programa de Brasília, que trabalhavam na plataforma superior da rodoviária e agendou uma exposição pra mim”, lembra. A galeria CBGB foi onde o movimento punk começou em 1974. As esculturas também procuram, além de impactar, inquietar e propor o posicionamento crítico daqueles que visitam suas exposições. “Geralmente as pessoas gostam muito dos meus trabalhos. No exterior, tenho um público grande que compra minhas esculturas, e trabalho com várias galerias. No Brasil, existe um certo preconceito com o trabalho que faço. O meio artístico brasileiro é machista e cheio de conservadorismos”, declara.


Um retrato em páginas Os coquetéis de abertura das exposições de artes plásticas em Brasília eram, em sua grande maioria – ainda são –, um show de prepotência e falsidade. Essa era a Brasília de JK! Uma vez fui convidado a me retirar da Referência Galeria de Arte, na Asa Norte. Acho que foi pelo fato de eu ser atraente demais para ficar no meio deles. Minha jaqueta e minha calça de couro eram velhas demais e meu pau era volumoso demais para as madames ficarem olhando. Eu tirava a atenção dos quadros. Os donos da galeria deram ordem aos garçons para que não me servissem nada. O segurança me pediu para sair do recinto, pois não era bem-vindo ali. Mas não saí, não! Meus amigos pegavam bebidas para mim. E foi muito divertido ver a cara deles, quando descobriram que não tinham poder sobre mim. Eu sabia que os donos se referiam a mim como um "porra-louca delinqüente", usando meu nome como referência para todos os punks e ratos de vernissage que frequentavam exposições na cidade. Fiquei feliz quando descobri isso. (O Anjo de Butes. Trecho selecionado pelo autor)

O livro O Anjo de Butes: uma vida de tintas, sexo e rock'n'roll demorou cinco anos para ser finalizado. É nele que Fernando Carpaneda revela diversas facetas da sua vida, desde o envolvimento com as drogas, as primeiras exposições e a relação com a arte polêmica, que critica o convencionalismo. O livro está à venda na internet e custa R$ 35 reais. O artista acredita que esta é uma maneira de “democratizar a venda”, além de contribuir para que interessados de Portugal, Brasil e Estados Unidos possam adquirir a publicação.

Hoje, aos 43 anos, Carpaneda se define como um artista marginal: “Sou conhecido como o artista marginal da arte contemporânea brasileira. Ser marginal é ser underground. Ninguém é marginal por opção. Tá no sangue”.

http://www.fac.unb.br/campusonline/cultura/item/431-a-realidade-em-miniatura


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