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Um lar fora da Itália

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Os primeiros registros da imigração italiana para o Brasil datam de por volta de 1870, inicialmente povoando os estados da região sul do país. Nesta fase de imigração há uma divisão no que diz respeito ao que os imigrantes procuravam, os que decidiram ir para o Rio Grande Sul, Paraná e Santa Catarina, pretendiam se tornar pequenos proprietários de terras, já os que se conduziam a São Paulo vinham para suprir a mão de obra na lavoura cafeeira ou se estabelecer em núcleos coloniais. Vale ressaltar que apesar dessa divisão, os imigrantes vieram ao Brasil dadas as condições de sua terra natal, a Itália vivia um momento delicado devido a sua unificação do território em 1870, o que acarretou em problemas econômicos e socioculturais. É importante contextualizarmos que no estado de São Paulo especificamente, a chegada dos imigrantes italianos marcaram dois fatores históricos. Em 13 de maio de 1888 foi decretado a Lei Áurea, estabelecendo a abolição da escravatura no Brasil, simultaneamente o estado de São Paulo apresenta números cada vez maiores quanto a exportação de café, no final do século XIX a venda do café representava mais da metade dos ganhos nacionais na exportação. A partir desse contexto, a imigração italiana para o estado paulista é marcada pela nova demanda de mão de obra principalmente nas lavouras cafeeiras. A vida na lavoura cafeeira não foi o que os imigrantes esperavam ao embarcar para o Brasil a procura de oportunidades melhores, as más condições de trabalho e moradia potencializadas pela dificuldade de acumular capital fez com que muitos abandonassem as fazendas de café e se instalassem em regiões mais próximas ao centro da cidade. As regiões escolhidas pelos imigrantes são conhecidas atualmente pelos seguintes bairros, Mooca, Bexiga, Lapa, Mandaqui, Santa Cecília e Barra Funda. Dada a mudança do interior do estado para o centro da cidade, os novos moradores italianos da cidade começaram a desenvolver outros trabalhos, a cidade passava por um momento de industrialização e muitos encontraram novas oportunidades como operários fabris. Segundo dados do Governo de São Paulo, em 1901, os italianos chegaram a representar 90% dos 50.00 trabalhadores nas fábricas paulistas. Toda a trajetória dos imigrantes e sua cultura fazem parte da cidade, até 1920, 70% dos imigrantes italianos que vieram ao Brasil residiam em São Paulo, em sua maioria vindos das regiões de Veneto e da Lombardia.

“Até 1970, 70% dos imigrantes italianos que vieram ao Brasil residiam em São Paulo, em sua maioria vindos das regiões de Veneto e da Lombardia.”

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É inegável a importância e o impacto que representam na cidade, na gastronomia não seria diferente, aposto que todo mundo aprecia aquela deliciosa macarronada no domingo, essa paixão e excelência na fabricação de massas é típica da cultura italiana e muito difundida no cotidiano da capital. Entre os ingredientes mais populares da gastronomia italiana podemos citar, o azeite de oliva, manjericão, tomate, mussarela de búfala, queijo parmesão, farinha de trigo, ovos, e muitas outras delícias. Os pratos mais populares nas cozinhas de origem italiana e que podemos encontrar em São Paulo são, a lasanha, bisteca Fiorentina, macarrão à bolonhesa (Tagliatelle al Ragu), risotto, arancino, gelatto, tiramisú e o panetone. Mas ainda falta uma delícia da culinária italiana que se tornou a cara de São Paulo, a pizza! A tão famosa e tradicional pizza napolitana ganhou diversas variações na cultura gastronômica paulista, os ingredientes tradicionais como a mussarela de búfala, e manjericão e o tomate, deram lugar para uma variedade de ingredientes que tem o toque da cozinha brasileira como, o frango, requeijão, presunto, palmito, calabresa, entre outras opções. Essa combinação é a marca registrada da cidade, segundo a Associação Pizzarias Unidas, São Paulo é a segunda maior cidade onde se come pizza no mundo, ficando atrás somente de Nova York que também teve grande impacto com a imigração italiana. De acordo com a associação, são produzidas na cidade em média de 1 milhão de pizzas por dia, uma média de 40 mil por hora! A vinda dos italianos para a cidade ajudou a construir a São Paulo que conhecemos hoje, os hábitos que herdamos vão além da cultura gastronômica, eles podem ser vistos na arquitetura da capital, como por exemplo, o Edifício Itália, cujo nome oficial é Circolo Italiano, sua concepção foi inspirada pela colônia italiana e representa a ascensão e prosperidade dos imigrantes na cidade. Além do Edifício Martinelli, o primeiro arranha-céu da capital, idealizado por um imigrante italiano que se tornaria um dos homens mais ricos da cidade durante os anos 20, Giuseppe Martinelli. A história de São Paulo e a grande influência dos italianos formam um prato cheio para os amantes da história e da gastronomia. Vale a pena visitar os bairros mais notáveis em relação a imigração italiana, Mooca, Bexiga, Lapa, Mandaqui, Santa Cecília e Barra Funda, para conhecer um pouco mais dessa cultura tão rica, e se deliciar com as delícias da cozinha italiana.

Cultura a vapor: a travessia dos imigrantes japoneses

Quando o vapor Kasato Maru ancorou no porto de Santos, em junho de 1908, nem brasileiros e nem imigrantes japoneses imaginavam a proporção do impacto cultural. Os imigrantes, que logo se dirigiram para trabalhar nas fazendas de café, causaram estranhamento por seus hábitos. Usar kimonos e tomar banho todos os dias após o trabalho era considerado um desvio de conduta para os europeus, proprietários das fazendas. Nessa época, os imigrantes já podiam contar com a Sociedade Protetora da Imigração (fundada em 1968), que garantia moradia, possibilidade de manter lavoura de subsistência e um salário fixo para cuidar de uma determinada quantidade de pés de café. No entanto, as condições eram muito precárias, e, o sonho de viver uma vida feliz acabava sendo deixado de lado, já que as compras feitas nas vendas dos donos de terras deixavam-os com dívidas permanentes. Mesmo sob essas condições, até o período da Segunda Guerra Mundial, 190 mil imigrantes japoneses aportaram no Brasil. Porém, com o tempo, denúncias de maus tratos foram surgindo e uma das formas de sobrevivência dos imigrantes era fugir para a cidade. Assim, japoneses acabam estabelecendo-se na região da Liberdade, e mais tarde, outros orientais como, coreanos e chineses se juntaram a esse grupo. O bairro, com características e decoração com diversos elementos da cultura nipônica, é um dos principais pontos turísticos da cidade.

Aos poucos, mais elementos foram sendo introduzidos na cultura brasileira, como por exemplo, as artes marciais, os desenhos e o budismo. Com a alimentação, não foi diferente, o hábito de comer “shiro gohan”, o arroz branco sem temperos, o cultivo e preparo de soja para molhos, inclusão de gengibre e alimentos à base de peixe cru, além de conservas de acelga, cenoura e pepino - como é o caso do Sunomono, a conserva de pepino e gergelim, que é uma das mais famosas e vendidas nos restaurantes brasileiros. Outra forte influência dessa cultura no país é no cultivo de frutas como, caqui, pêssego, morango e maçã fuji, que não só faziam parte da dieta japonesa, como também representavam uma forma de

lucro mais rápida que o café. Os chás também tem uma relação muito próxima com os imigrantes japoneses, que iniciaram o plantio de chá preto no Vale do Ribeira, em São Paulo, em 1935. Atualmente um dos tipos de chá mais vendidos é o matcha, o broto do chá verde, que é utilizado em diversas dietas, e, aqui no Brasil ficou muito popular em outros preparos, como sorvetes e até cosméticos. A culinária japonesa é um grande exemplo de como as misturas culturais dão espaço a novos preparos. O tempurá, um dos pratos mais tradicionais, é na verdade de origem portuguesa. Por volta do século XVI, jesuítas tentaram catequizar japoneses, mas sem sucesso acabaram expulsos. No entanto, durante seu período no país, levaram uma espécie de bolinho, normalmente consumido durante a quaresma - período em que no catolicismo não se consome carne -, assim, existem duas hipóteses sobre a origem do nome: “tempora” do latim “um período de tempo”, e, “tempura” do português “tempero”. Fato é que, mesmo com origem ocidental, esse bolinho fez muito sucesso e ganhou uma versão japonesa, com massa mais fina, óleo mais leve, além do acréscimo de legumes e frutos do mar, como camarão, e, acompanhado por molho agridoce. Aqui, é um dos pratos que não pode faltar nos restaurantes japoneses e já virou parte do gosto brasileiro.

“culinária japonesa é um grande exemplo de como as misturas culturais dão espaço a novos preparos”

Mais um prato japonês a partir da fusão cultural é o yakissoba. O tradicional macarrão com legumes e carnes é de origem chinesa, e criou raízes no Japão há muito tempo. Desde o século VIII o macarrão chinês já aparecia em terras nipônicas, mesmo que restrito e sem acessibilidade ao público geral. Mais tarde, na Era Meiji, já no século XIX, a abertura dos portos permitiu o surgimento de bairros chineses nas cidades, o que trouxe também restaurantes típicos, que vendiam macarrão chinês para toda população e acabou espalhando-se por todo país.

O yakissoba no formato que conhecemos é uma derivação pós Segunda Guerra, adaptado do prato chinês “chao men”, pois além de ser barato, era perfeito para o período de racionamento, já que rendia muitas porções com a mistura dos legumes. O gomoku yakissoba é a versão japonesa mais próxima ao prato que temos no Brasil: o macarrão é refogado no óleo, coberto com legumes e carnes, e temperado com molho à base de shoyu. E é através de todo esse mix que podemos apreciar deliciosos pratos, e claro, incluir nossas próprias adaptações. O que seria mais brasileiro que colocar cream cheese ou maionese no sushi? Ou ainda, fritar e ter a versão doce, com banana e goiabada! Sem deixar de lado os temperos com pimenta do reino e azeite. Tudo isso proporciona uma mistura única de sabores e experiências na gastronomia paulistana, que segue crescendo com sua capacidade de abrigar o mundo.

1ª EDIÇÃO [2021] - 2 reimpressões

Esta obra foi impressa pela gráfica Santa Maria em Couchê 90gr sobre o papel Couchê 290gr da Suzano S.A. para a editora Luna Lovegood em Junho de 2021.

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