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apresentação
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Para iniciarmos nossa viagem gastronômica visitaremos a maior cidade do Brasil, São Paulo. Desde sua fundação em 1554, a cidade teve influência de diversas culturas nacionais e internacionais, o que possibilitou uma grande convergência cultural e a criação de uma identidade única.
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Partindo dessa importância no cenário nacional, decidimos juntar a história da cidade e a gastronomia. Afinal, a gastronomia é reconhecida como patrimônio cultural e contribui para o processo de valorização social, reforçando a conservação de culturas únicas na cozinha local. Nesse sentido, também é muito importante para a formação econômica e turística. Essa convergência única de diversas culturas fez de São Paulo um dos lugares mais visitados da América do Sul até 2017, de acordo com a Global Destination Cities Index. Além disso, foi considerada a 4º melhor vida no mundo, em uma pesquisa realizada pela National Geographic – World’s Best Nightlife Cities, 2015.
A relação entre a gastronomia e a economia tem sido muito próspera para a cidade. Nos últimos 10 anos, São Paulo viu o número de estabelecimentos formais dos serviços de alimentação crescer em 68%, o que equivale a 23.092 estabelecimentos, 7,7% do total de comércios da cidade. Dados de
uma pesquisa realizada pela prefeitura em 2018, traçou um panorama do perfil gastronômico da cidade e contabilizou que o setor tem faturamento anual médio de R$ 31,9 bilhões por ano e que emprega 372,8 mil pessoas no município.
O ponto de partida da nossa viagem através da história da formação de São Paulo será a imigração portuguesa, desde o descobrimento do Brasil os portugueses tiveram papel fundamental no cenário nacional e na construção da cidade. Em seguida conheceremos as tradições espanholas que perpetuam nas ruas da capital mais movimentada do Brasil até a atualidade. Dando continuidade a nossa viagem, visitaremos os hábitos gastronômicos históricos deixados pelos imigrantes alemães na capital. Sem contar as deliciosas receitas italianas que marcaram e marcam até hoje a história de milhares de moradores paulistanos. Para encerrar nossa viagem, conheceremos um pouco mais da trajetória dos imigrantes japoneses que chegaram a São Paulo por volta de 1908 e possibilitaram diversas mudanças no cenário urbano. Preparem-se, nas páginas a seguir embarcaremos em uma aventura histórica cheia de tradição, sabores e temperos únicos!
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Da exploração portuguesa às influências afroameríndias
Operíodo compreendido entre os séculos XV e XVII, que mais tarde acabou ficou conhecido como “era dos descobrimentos”, mudou drasticamente o mundo e suas respectivas divisões. O pensamento de que a Europa era ponto único de encontro das sociedades avançadas e, desta forma, detinha mais poder recursos de exploração, desconhecia completamente outras civilizações e formas de organização. As pomposas expedições que aconteceram nessa época, espalhavam-se pelos oceanos na companhia de armas e a cruz da Ordem de Cristo, um dos principais financiadores do movimento de expansão e conquista de territórios. Desde que os europeus desembarcaram em solo brasileiro, em 1500, iniciou-se uma intrínseca relação entre os povos ameríndios e os, até então, estranhos portugueses. O que era para ser uma viagem às Índias em busca das disputadas especiarias tornou-se uma viagem para uma “nova terra”, que rendeu séculos de domínio e muitas riquezas.
Os diferentes grupos que aqui viviam foram explorados, dizimados, escravizados, obrigados a seguir modelos de vida que eram completamente diferentes de seus hábitos e viram sua cultura se perder. Do mesmo modo, as terras tiveram seus recursos arruinados, desde a retirada de madeira para exportação, até a abertura de terrenos para plantações de cana-de-açúcar e café, além de todo processo destrutivo de mineração em busca de ouro e pedras preciosas.
Para viver no país, os portugueses passaram a recriar seu ambiente familiar, o que depois tornou-se uma grande mistura de culturas. A criação de vilas, hortas e currais era o ponto central disso. Os colonizadores trouxeram animais como, vacas, bois, ovelhas, porcos e galinhas, além de seus grandes companheiros, os cães. Com os portugueses também vieram festas: o entrudo, que precedia a quaresma e se assemelhava ao carnaval; a Quaresma; o São João; e por fim, o Natal. Juntas, formavam as “quatro festas do ano” e entretiam a todos.
Em 1808, quando a família real portuguesa decide utilizar o Brasil como
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exílio em sua fuga de Napoleão, o desenvolvimento das cidades para seguir com estruturas dignas de realeza, e, a cultura gastronômica, vigorosamente apreciada pelos membros reais, além de influenciada por outros países europeus, tornou-se ainda mais difundida. Juntamente, a chegada de escravos africanos expandiu novos hábitos e características alimentares que foram incorporados ao paladar brasileiro.
As condições climáticas e os tipos de solo brasileiros permitiam o cultivo de diversos alimentos muito fortes na alimentação portuguesa. Ao redor de Salvador, Olinda, Rio de Janeiro e São Paulo, formavam-se grandes pomares, além de espaços para plantações de arroz, melão, melancia, abóbora, gengibre, pepino, nabo, alface, couve, além dos temperos: coentro, salsa, endro, hortelã, cominho, cebolinha e manjericão. Outros fortes participantes da culinária portuguesa que chegaram ao Brasil foram o sal, açúcar e mel.
Aos poucos, os ingredientes começaram a naturalmente fazer parte da alimentação brasileira, e, a con-
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tinuidade do uso de ingredientes portugueses tornou-se normal, como no caso de toucinho, linguiça, as hortaliças como saladas, o azeite e o vinho. Estes últimos, que também passaram a ter adaptações com ingredientes brasileiros e a feijoada é um grande exemplo disso, o modelo completo conhecido nacionalmente é um formato aculturativo de um cozido português, que inicialmente possuía apenas feijão e carne seca.
Aqui, os portugueses encontraram uma alimentação baseada fortemente em milho e mandioca, e, incorporaram em seus hábitos no formato de farinha. As castanhas brasileiras, também julgaram como mais saborosas, e aproveitaram tanto para petiscos, já que adoravam estar sempre mastigando, quanto pela extração de óleos. O peixe, muito forte nos hábitos dos povos daqui, também era comum aos portugueses, que nunca abriram mão de seu bacalhau, no entanto, logo aderiram às espécies encontradas no Brasil como, a sardinha, mas com novos formatos de preparo, assadas e fritas. Os doces também foram muito presentes nesse processo, pois os colonizadores gostavam muito de manjares, cremes e bolos, além disso, a cultura era tão forte, que até o azeite possuía sua versão doce, fortemente influenciada pelos mouros, que anteriormente invadiram Portugal. Assim, construíram uma forte relação que vivia numa linha tênue entre o doce e o salgado, que perdurou e existe até os dias atuais. O milho é um ingrediente que consegue variar nesse hibridismo de doce e salgado, dessa forma, foi muito utilizado. O cuscuz remonta a essa época, afinal, os portugueses possuíam uma variação conhecida como “cuscos”, também com origem na alimentação dos mouros na região do Algarve, aqui no Brasil rapidamente se difundiu e em cada região possui sua própria variação. Em São Paulo, o famoso cuscuz à paulista é preparado na bandeja com molho, ovos e sardinha. Os brasileiros, por sua vez, também alteraram seu conceito de alimentação apenas como forma de sobrevivência,
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dando espaço também ao processo de preparo e da ingestão dos alimentos como forma de prazer, pela ativação dos sentidos.
A Relação Luso-Paulistana
Acapital paulistana, desde o princípio, teve grande desenvolvimento. Em 1870, era um dos principais pólos culturais do café e viu de perto o surgimento de lampiões mudarem seus hábitos. Anteriormente, os anúncios dos restaurantes apontavam para almoço das 09 às 11 horas, e, jantar para o período entre às 15 e 17 horas, tudo acontecia cedo pois não havia energia, assim, com a chegada da iluminação a gás, já era possível circular pela cidade à noite.
Os principais hábitos alimentares paulistanos guiavam-se pelas culturas indígena, africana e portuguesa, contando com comidas derivadas de milho e mandioca, arroz proveniente do Paraná (desde 1780), tubérculos como, batata, cará e inhame, carne-seca, frango e ovos (estes difundiram-se rapidamente pelo país, nos mais diversos formatos - cozido, frito, em sobremesas, etc -, e em meio a todas as classes sociais), além dos peixes, que apesar de raros pela cidade não ser litorânea, eram provenientes do Rio Tietê, nas espécies de bagre e lambari. O primeiro censo brasileiro, também de 1872, apontava São Paulo como a 10ª cidade mais populosa do país, a província de São Paulo somava 873.354 habitantes, e, a cidade homônima, 31.385 habitantes, dos 9,93 milhões do país.
O triângulo formado pelas três principais ruas da cidade, São Bento, Direita e Rosário do Pretos (atual rua XV de Novembro), junto ao Largo São Francisco,
formavam o centro da cidade, que viria a expandir-se rapidamente nos anos seguintes, tanto pela produção de café, quanto pelo crescimento industrial.
A imigração portuguesa que, inicialmente era mais restrita às elites interessadas nos lucros da exploração, passou por um momento de transição com a chegada da D. João, que queria povoar o país e passou a aceitar membros de camadas médias e altas. Mais tarde, já a partir de 1880, com o crescimento do da população portuguesa, a mão-de-obra excedente por conta da mecanização agrícola, o perfil do imigrante português mudou, e, as pessoas de origem mais pobre chegavam massivamente a São Paulo.
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