Gastronomia Itinerante - Editora LunaLovegood

Page 1

1

G A S T R O N O M I A

ITINERANTE

Da cultura mundial para a terra da garoa: O elo entre sabor e beleza para inspirar o paladar paulistano. São Paulo. Ed.1. Junho/2021


2

Cuide-se


3

VOZES DA EDIÇÃO: Quem são os criativos por tras dos conteúdos?

EMANUELLY CARDOSO Jornalista

LYDIA REIS Jornalista


4

CARO LEITOR P

ara celebrarmos nossa primeira edição da Gastronomia Itinerante, convidamos você para embarcar nessa viagem que te leva em um tour repleto de história e gastronomia. Com intuito de evidenciar as

relações entre cultura e gastronomia, cada edição abordará os principais fluxos imigratórios que compõem a história das cidades tema.

A essência da revista remonta aos primórdios, afinal para entender um local é

necessário conhecer suas origens, as pessoas que fizeram parte da construção

estrutural e das tradições que tornaram-se famosas. Além de promover as trocas entre relações culturais, essa viagem pretende estabelecer uma conexão única entre os sabores que se encontram através de diferentes povos.

O ponto de partida desta jornada é a cidade de São Paulo, que apresenta

uma mistura singular de povos imigrantes que ajudaram a construir a maior cidade do Brasil. Seguindo essa rota, as próximas edições te convidarão para

uma viagem a outras cidades e capitais mundiais que também tem sua história marcada por imigrações.

Esperamos que você curta essa viagem pelo tempo, e que consiga construir pon-

tes entre passado e presente que compreendem a sua relação com a cidade. O

convite também se estende a sua cozinha, que poderá ganhar temperos e sabores

internacionais, que compõem algumas das receitas mais famosas de cada cultura, em suas versões brasileiras. Sem mais delongas, desejamos que essa experiência seja repleta de cores, sabores e muita história! Tenha uma boa viagem!

Atenciosamente, Equipe Gastronomia Itinerante


5

índice

06.

apresentação

Da exploração portuguesa às influências afroameríndias

16.

10.

Tratado de Territórios: Recepção aos vizinhos Espanhóis

O recomeço dos imigrantes alemães

24.

20.

Um lar fora da Itália

Cultura a vapor: a travessia dos imigrantes japoneses

28.


6

apresentatação


7

P

ara iniciarmos nossa via-

de comércios da cidade. Dados de

possibilitaram diversas mudanças no

remos a maior cidade do

ra em 2018, traçou um panorama do

ginas a seguir embarcaremos em uma

gem gastronômica visita-

Brasil, São Paulo. Desde sua fundação em 1554, a cidade teve influência de

diversas culturas nacionais e interna-

cionais, o que possibilitou uma grande convergência cultural e a criação de uma identidade única.

uma pesquisa realizada pela prefeitu-

perfil gastronômico da cidade e contabilizou que o setor tem faturamento

anual médio de R$ 31,9 bilhões por ano e que emprega 372,8 mil pessoas no município.

O ponto de partida da nossa via-

Partindo dessa importância no cená-

gem através da história da formação

da cidade e a gastronomia. Afinal, a

tuguesa, desde o descobrimento do

rio nacional, decidimos juntar a história

gastronomia é reconhecida como patrimônio cultural e contribui para o processo de valorização social, reforçando

a conservação de culturas únicas na

cozinha local. Nesse sentido, também é

muito importante para a formação econômica e turística. Essa convergência única de diversas culturas fez de São

Paulo um dos lugares mais visitados da América do Sul até 2017, de acordo

com a Global Destination Cities Index. Além disso, foi considerada a 4º melhor vida no mundo, em uma pesquisa realizada pela National Geographic – World’s Best Nightlife Cities, 2015.

A relação entre a gastronomia e a

economia tem sido muito próspera para

a cidade. Nos últimos 10 anos, São Paulo viu o número de estabelecimentos formais dos serviços de alimenta-

ção crescer em 68%, o que equivale a 23.092 estabelecimentos, 7,7% do total

de São Paulo será a imigração por-

Brasil os portugueses tiveram papel

fundamental no cenário nacional e

na construção da cidade. Em seguida conheceremos as tradições espanholas que perpetuam nas ruas da

capital mais movimentada do Brasil

até a atualidade. Dando continuidade a nossa viagem, visitaremos os hábitos gastronômicos históricos

deixados pelos imigrantes alemães na capital. Sem contar as deliciosas

receitas italianas que marcaram e

marcam até hoje a história de milhares de moradores paulistanos. Para

encerrar nossa viagem, conheceremos um pouco mais da trajetória dos

imigrantes japoneses que chegaram

a São Paulo por volta de 1908 e

cenário urbano. Preparem-se, nas páaventura histórica cheia de tradição, sabores e temperos únicos!

“A relação entre a gastronomia e a economia tem sido muito próspera para a cidade.”


8


9


10

Da exploração portuguesa às influências afroameríndias

O

período compreendido entre os séculos XV e XVII, que mais tarde acabou ficou conhecido como “era dos descobrimentos”, mudou drasticamente o mundo e suas respectivas divisões. O pensamento de que a Europa era ponto único de encontro das sociedades avançadas e, desta forma, detinha mais poder recursos de exploração, desconhecia completamente outras civilizações e formas de organização. As pomposas expedições que aconteceram nessa época, espalhavam-se pelos oceanos na companhia de armas e a cruz da Ordem de Cristo, um dos principais financiadores do movimento de expansão e conquista de territórios. Desde que os europeus desembarcaram em solo brasileiro, em 1500, iniciou-se uma intrínseca relação entre os povos ameríndios e os, até então, estranhos portugueses. O que era para ser uma viagem às Índias em busca das disputadas especiarias tornou-se uma viagem para uma “nova terra”, que rendeu séculos de domínio e muitas riquezas.

Os diferentes grupos que aqui viviam foram explorados, dizimados, escravizados, obrigados a seguir modelos de vida que eram completamente diferentes de seus hábitos e viram sua cultura se perder. Do mesmo modo, as terras tiveram seus recursos arruinados, desde a retirada de madeira para exportação, até a abertura de terrenos para plantações de cana-de-açúcar e café, além de todo processo destrutivo de mineração em busca de ouro e pedras preciosas. Para viver no país, os portugueses passaram a recriar seu ambiente familiar, o que depois tornou-se uma grande mistura de culturas. A criação de vilas, hortas e currais era o ponto central disso. Os colonizadores trouxeram animais como, vacas, bois, ovelhas, porcos e galinhas, além de seus grandes companheiros, os cães. Com os portugueses também vieram festas: o entrudo, que precedia a quaresma e se assemelhava ao carnaval; a Quaresma; o São João; e por fim, o Natal. Juntas, formavam as “quatro festas do ano” e entretiam a todos. Em 1808, quando a família real portuguesa decide utilizar o Brasil como


Da exploração portuguesa às influências afroameríndias

exílio em sua fuga de Napoleão, o desenvolvimento das cidades para seguir com estruturas dignas de realeza, e, a cultura gastronômica, vigorosamente apreciada pelos membros reais, além de influenciada por outros países europeus, tornou-se ainda mais difundida. Juntamente, a chegada de escravos africanos expandiu novos hábitos e características alimentares que foram incorporados ao paladar brasileiro. As condições climáticas e os tipos de solo brasileiros permitiam o cultivo de diversos alimentos muito fortes na alimentação portuguesa. Ao redor de Salvador, Olinda, Rio de Janeiro e São Paulo, formavam-se grandes pomares, além de espaços para plantações de arroz, melão, melancia, abóbora, gengibre, pepino, nabo, alface, couve, além dos temperos: coentro, salsa, endro, hortelã, cominho, cebolinha e manjericão. Outros fortes participantes da culinária portuguesa que chegaram ao Brasil foram o sal, açúcar e mel. Aos poucos, os ingredientes começaram a naturalmente fazer parte da alimentação brasileira, e, a con-

“Do mesmo modo, as terras tiveram seus recursos arruinados, desde a retirada de madeira para exportação, até a abertura de terrenos para plantações de cana-de-açúcar e café...”

11


12 tinuidade do uso de ingredientes portugueses tornou-se normal, como no caso de toucinho, linguiça, as hortaliças como saladas, o azeite e o vinho. Estes últimos, que também passaram a ter adaptações com ingredientes brasileiros e a feijoada é um grande exemplo disso, o modelo completo conhecido nacionalmente é um formato aculturativo de um cozido português, que inicialmente possuía apenas feijão e carne seca. Aqui, os portugueses encontraram uma alimentação baseada fortemente em milho e mandioca, e, incorporaram em seus hábitos no formato de farinha. As castanhas brasileiras, também julgaram como mais saborosas, e aproveitaram tanto para petiscos, já que adoravam estar sempre mastigando, quanto pela extração de óleos. O peixe, muito forte nos hábitos dos povos daqui, também era comum aos portu-

gueses, que nunca abriram mão de seu bacalhau, no entanto, logo aderiram às espécies encontradas no Brasil como, a sardinha, mas com novos formatos de preparo, assadas e fritas. Os doces também foram muito presentes nesse processo, pois os colonizadores gostavam muito de manjares, cremes e bolos, além disso, a cultura era tão forte, que até o azeite possuía sua versão doce, fortemente influenciada pelos mouros, que anteriormente invadiram Portugal. Assim, construíram uma forte relação que vivia numa linha tênue entre o doce e o salgado, que perdurou e existe até os dias

atuais. O milho é um ingrediente que consegue variar nesse hibridismo de doce e salgado, dessa forma, foi muito utilizado. O cuscuz remonta a essa época, afinal, os portugueses possuíam uma variação conhecida como “cuscos”, também com origem na alimentação dos mouros na região do Algarve, aqui no Brasil rapidamente se difundiu e em cada região possui sua própria variação. Em São Paulo, o famoso cuscuz à paulista é preparado na bandeja com molho, ovos e sardinha. Os brasileiros, por sua vez, também alteraram seu conceito de alimentação apenas como forma de sobrevivência,


Da exploração portuguesa às influências afroameríndias

dando espaço também ao processo de preparo e da ingestão dos alimentos como forma de prazer, pela ativação dos sentidos.

A Relação Luso-Paulistana

A

capital paulistana, desde o princípio, teve grande desenvolvimento. Em 1870, era um dos principais pólos culturais do café e viu de perto o surgimento de lampiões mudarem seus hábitos. Anteriormente, os anúncios dos restaurantes apontavam para almoço das 09 às 11 horas, e, jantar para o período entre às 15 e 17 horas, tudo acontecia cedo pois não havia energia, assim, com a chegada da iluminação a gás, já era possível circular pela cidade à noite. Os principais hábitos alimentares paulistanos guiavam-se pelas culturas indígena, africana e portuguesa, contando com comidas derivadas de milho e mandioca, arroz proveniente do Paraná (desde 1780), tubérculos como, batata, cará e inhame, carne-seca, frango e ovos (estes difundiram-se rapidamente pelo país, nos mais diversos formatos - cozido, frito, em sobremesas, etc -, e em meio a todas as classes sociais), além dos peixes, que apesar de raros pela cidade não ser litorânea, eram provenientes do Rio Tietê, nas espécies de bagre e lambari. O primeiro censo brasileiro, também de 1872, apontava São Paulo como a 10ª cidade mais populosa do país, a província de São Paulo somava 873.354 habitantes, e, a cidade homônima, 31.385 habitantes, dos 9,93 milhões do país. O triângulo formado pelas três principais ruas da cidade, São Bento, Direita e Rosário do Pretos (atual rua XV de Novembro), junto ao Largo São Francisco,

“A imigração Portuguesa que, inicialmente era mais restrita às elites interessadas nos lucros da exploração, passou por um momento de transição com a chegada de D. João formavam o centro da cidade, que viria a expandir-se rapidamente nos anos seguintes, tanto pela produção de café, quanto pelo crescimento industrial. A imigração portuguesa que, inicialmente era mais restrita às elites interessadas nos lucros da exploração, passou por um momento de transição com a chegada da D. João, que queria povoar o país e passou a aceitar membros de camadas médias e altas. Mais tarde, já a partir de 1880, com o crescimento do da população portuguesa, a mão-de-obra excedente por conta da mecanização agrícola, o perfil do imigrante português mudou, e, as pessoas de origem mais pobre chegavam massivamente a São Paulo.

13


14


15


16

Tratado de Territórios: Recepção aos vizinhos Espanhóis

A

ssim como os portugueses, os espanhóis acompanharam o surgimento da cidade de São Paulo desde o começo. Um dos motivos que proporcionou isso, foi o fato de que as confluências do rio Tietê levavam ao rio da Prata, região fronteiriça dos domínios da Espanha (determinada pelo Tratado de Tordesilhas), dessa forma, alguns fixaram-se na na Vila. Além disso, durante o período da União Ibérica - em que a Espanha teve domínio sobre a Coroa Portuguesa -, um suposto “rei” foi aclamado na Vila de São Paulo, e, mais tarde, quando Portugal retomou a autonomia, houve um princípio e conflito por parte dos espanhóis, que precisou ser contido pelos padres do Mosteiro São Bento até tudo se normalizar. Anos depois, já no final do século XIX e adentrando o século XX, novos fluxos imigratórios em massa, da Espanha para o Brasil, representaram o terceiro maior contingente. Segundo o censo de 1920, dos 1.565.961 de estrangeiros no país, 219.142 eram espanhóis, que iam embora de seu país de origem devido ao predomínio dos grandes latifúndios. Os imigrantes chegavam em São Paulo e dividiam-se em dois grupos: os

“...a paella, com invenção em Valência, tem em seu preparo original a presença de arroz, carne de caças, tomate, azeite e o poderoso açafrão...”


Tratado de Territórios: Recepção aos vizinhos Espanhois

que se deslocavam ao interior para trabalhar nas fazendas de café e os que permaneciam na cidade, trabalhando no setor de serviços e fazendo parte do processo de metropolização e atuando no setor de serviços. Os que permaneciam na capital, concentravam-se nos bairros da Mooca e do Brás. Neste sentido, a convivência com esses grupos também influenciou fortemente a cultura brasileira, que passou a adotar hábitos e elementos da alimentação espanhola, como por exemplo, vinho, azeite e vinagre, também fortes na cultura portuguesa. Um dos pratos mais famosos da Espanha, a paella, com invenção em Valência, tem em seu preparo original a presença de arroz, carne de caças, tomate, azeite e o poderoso açafrão, cozidos numa frigideira grande sob o fogo (daí o nome paella). No entanto, com a expansão cultural, esse prato ganhou novas roupagens pelo mundo, e, no Brasil não poderia ser diferente. Com muitas cidades litorâneas, a versão composta por frutos do mar é a mais comum no país. Na capital paulistana, diversos restaurantes são especializados nesse prato, e, os da região do bairro do Ipiranga são os que mais se destacam. O gazpacho, por exemplo, com origem na Andaluzia, onde era comum consumir pastas a base de pão, vinagre e azeite, tem sua versão do prato com ingredientes em pedaços, no entanto, em outras regiões da Espanha, transformou-se numa sopa fria de tomate, com acréscimo dos pimentões vindos da América do Sul. Atualmente, a versão mais moderna, não é cozida e teve os pepinos somados em seu preparo, o que acabou se transformando numa salada. No Brasil, mesmo com clima propício para sopas frias, esse hábito

17

não é comum, mas o formato de salada é muito comum por aqui, e, nosso vinagrete se assemelha muito a esse prato espanhol. E como não falar nos tradicionais churros? Os queridinhos do paladar brasileiro, que fazem parte até mesmo de festivais e têm seu lugar reservado nas festas, foram criados na Espanha. Os originais, são preparados com massa à base de farinha de trigo e água, fritos e consumidos sem recheio, sendo acompanhados por uma xícara de chocolate derretido ou de café. O formato costuma ser cilíndrico e comprido, para que as pessoas possam cortar em pedaços pequenos. Na variação brasileira, os churros possuem formato mais grosso e regular, para que tenham o espaço perfeito para os populares recheios de doce de leite ou chocolate. A camada final de canela e açúcar também são indispensáveis na versão brasileira, que já ganhou até mesmo variações com massa à base de milho, e, nos formatos gourmet, vem cobertos por caldas e acompanhados por confetes e frutas. E como os drinks não podem faltar nos bares mais badalados de São Paulo, a referência mais espanhola que temos é a Sangria. Produzida a base de vinho - seja branco, tinto ou espumante -, a bebida fica completa com abacaxi, maçã,limão e laranja, todas picadas, e depois colocadas por pelo menos duas horas na geladeira, para que todos os sabores sejam liberados.


18


19


20

O recomeço dos imigrantes alemães

A

história da imigração alemã e sua chegada a São Paulo teve início em 1827, segundo os registros históricos da cidade, cerca de 290 alemães vieram à cidade em busca de melhores condições de vida. Essa procura pode ser explicada pela situação em que vivia a Alemanha naquela época, marcados por uma época de colheitas difíceis, o país enfrentava a fome e a pobreza. Dado esse contexto, a fase de povoamento das Américas representou uma nova oportunidade de recomeçar. Ao estudarmos a formação da cidade de São Paulo fica claro que diversos imigrantes vieram à cidade em busca de novas oportunidades e melhores condições de vida, em destaque da imigração alemã podemos destacar que a corte do Rio de Janeiro, comandada por Dom Pedro I, fez um convite aos alemães para que povoassem certas regiões do país. Com sua chegada em 1827, os alemães foram mandados para São Paulo, mais especificamente para a região sul da cidade, hoje conhecida como o bairro de Santo Amaro. O contrato firmado na época concedia a posse de terras e um auxílio mone-

tário dado pelo governo do Brasil às famílias imigrantes durante o primeiro ano para que pudessem se firmar e progredir no local. No entanto, a administração de São Paulo não tinha os recursos prometidos para conceder aos novos moradores alemães, o que causou uma difícil adaptação das famílias. Essa dificuldade não foi somente marcada pela escassez de recursos, mas também pelo fato de que muitos imigrantes ainda não dominavam as práticas de agricultura, dada as diferenças de solo e vegetação dos países em questão.

Após algumas greves os imigrantes receberam seus direitos acordados no contrato. Já com as terras e o auxílio, diversas famílias se adaptaram à vida em São Paulo, além de desenvolver suas técnicas de agricultura em solo paulistano, muitas também desenvolveram seus trabalhos no comércio local de Santo Amaro como artesãos. Depois de conhecermos um pouco da história da chegada dos alemães a cidade, vamos embarcar em uma deliciosa viagem gastronômica que une São Paulo e a Alemanha. A gastronomia alemã tem como ingredientes de destaque as carnes de porco, embutidos, batatas, repolho, além dos pães e da cerveja que tem um espaço reservado nesta cultura gastronômica. Pratos como o marreco recheado, joelho de porco a pururuca, mais conhecido como Eisbein na Alemanha, leitão assado, batata recheada, as diversas cucas recheadas com frutas e cremes, sem contar o famoso Apfelstrudel, so-


O recomeço dos imigrantes alemães

bremesa de massa folhada recheada com maçã e especiarias, fazem parte da cultura gastronômica da cidade. Aposto que você deve estar se lembrando se algum dia já experimentou alguma dessas delícias citadas anteriormente, mas tem uma que provavelmente você já experimentou ou ouviu falar só que talvez não saiba que ela tem origem alemã, o famoso bolo Floresta Negra! Isso mesmo, tão popular no Brasil e no mundo, o bolo é de origem alemã. Existem diversos relatos sobre o surgimento dessa receita, a mais comum é que o bolo foi inventado pelo confeiteiro Josef Keller, nascido em Riedlingen no sul da Alemanha. O nome do bolo é em homenagem à Floresta Negra, localizada no estado de Baden-Württemberg, Alemanha. Não é de se espantar que

“Os alemães foram mandados para São Paulo, mais especificamente para a região sul da cidade, hoje conhecida como o bairro de Santo Amaro”

uma receita que combina cerejas, chocolate e chantilly fique famosa no mundo todo, não é mesmo? Como objeto de estudo cultural o impacto da cultura alemã na cidade de São Paulo vai além da gastronomia, um fato curioso que muitas pessoas desconhecem é que os alemães que chegaram na cidade não encontraram representantes de sua religião, sendo em sua maioria protestantes (luteranos) os novos moradores da cidades não encontravam igrejas ou cemitérios relacionados a sua religião. Muitos alemães optaram por se converter ao catolicismo para ter acesso ao casamento na igreja e enterros religiosos, já outros optaram para uma nova forma de reconhecer sua união matrimonial, em 1830

21

surgem os primeiros casamentos civis da cidade, dada a falta de igrejas que representavam sua fé religiosa os alemães encontraram outro modo de reconhecer o casamento. Vale ressaltar que no Brasil o casamento civil só foi oficializado em 1890, mas como fator histórico é importante ressaltar a importância da imigração alemã neste assunto. Atualmente, São Paulo conta com igrejas protestantes, dentre elas a mais antiga é a Igreja Evangélica Luterana de São Paulo, inaugurada em 1909 na Avenida Rio Branco no bairro da Santa Ifigênia. Além das igrejas, os cemitérios protestantes também foram construídos na cidade, sendo 4 atualmente, o mais antigo entre eles é o Cemitério de Colônia, construído em 1840. Depois de mergulhar um pouco nessa cultura que faz parte da cidade, fica o convite para visitar o bairro de Santo Amaro, o local reúne diversos comércios e restaurantes que resgatam a tradição da cultura gastronômica alemã, já que corresponde ao lugar onde os primeiros imigrantes se estabeleceram na cidade.


22


23


24

Um lar fora da Itália O s primeiros registros da imigração italiana para o Brasil datam de por volta de 1870, inicialmente povoando os estados da região sul do país. Nesta fase de imigração há uma divisão no que diz respeito ao que os imigrantes procuravam, os que decidiram ir para o Rio Grande Sul, Paraná e Santa Catarina, pretendiam se tornar pequenos proprietários de terras, já os que se conduziam a São Paulo vinham para suprir a mão de obra na lavoura cafeeira ou se estabelecer em núcleos coloniais. Vale ressaltar que apesar dessa divisão, os imigrantes vieram ao Brasil dadas as condições de sua terra natal, a Itália vivia um momento delicado devido a sua unificação do território em 1870, o que acarretou em problemas econômicos e socioculturais. É importante contextualizarmos que no estado de São Paulo especificamente, a chegada dos imigrantes italianos marcaram dois fatores históricos. Em 13 de maio de 1888 foi decretado a Lei Áurea, estabelecendo a abolição da escravatura no Brasil, simultaneamente o estado de São Paulo apresenta números cada vez maiores quanto a exportação de café, no final do século XIX a venda do café representava mais da metade dos ganhos nacionais na exportação. A partir desse contexto, a imigração italiana para o

estado paulista é marcada pela nova demanda de mão de obra principalmente nas lavouras cafeeiras. A vida na lavoura cafeeira não foi o que os imigrantes esperavam ao embarcar para o Brasil a procura de oportunidades melhores, as más condições de trabalho e moradia potencializadas pela dificuldade de acumular capital fez com que muitos abandonassem as fazendas de café e se instalassem em regiões mais próximas ao centro da cidade. As regiões escolhidas pelos imigrantes são conhecidas atualmente pelos seguintes bairros, Mooca, Bexiga, Lapa, Mandaqui, Santa Cecília e Barra Funda. Dada a mudança do interior do estado para o centro da cidade, os novos moradores italianos da cidade começaram a desenvolver outros trabalhos, a cidade passava por um momento de industrialização e muitos encontraram novas oportunidades como operários fabris. Segundo dados do Governo de São Paulo, em 1901, os italianos chegaram a representar 90% dos 50.00 trabalhadores nas fábricas paulistas. Toda a trajetória dos imigrantes e sua cultura fazem parte da cidade, até 1920, 70% dos imigrantes italianos que vieram ao Brasil residiam em São Paulo, em sua maioria vindos das regiões de Veneto e da Lombardia.


Um lar fora da Itália

25

“Até 1970, 70% dos imigrantes italianos que vieram ao Brasil residiam em São Paulo, em sua maioria vindos das regiões de Veneto e da Lombardia.” É inegável a importância e o impacto que representam na cidade, na gastronomia não seria diferente, aposto que todo mundo aprecia aquela deliciosa macarronada no domingo, essa paixão e excelência na fabricação de massas é típica da cultura italiana e muito difundida no cotidiano da capital. Entre os ingredientes mais populares da gastronomia italiana podemos citar, o azeite de oliva, manjericão, tomate, mussarela de búfala, queijo parmesão, farinha de trigo, ovos, e muitas outras delícias. Os pratos mais populares nas cozinhas de origem italiana e que podemos encontrar em São Paulo são, a lasanha, bisteca Fiorentina, macarrão à bolonhesa (Tagliatelle al Ragu), risotto, arancino, gelatto, tiramisú e o panetone. Mas ainda falta uma delícia da culinária italiana que se tornou a cara de São Paulo, a pizza! A tão famosa e tradicional pizza napolitana ganhou diversas variações na cultura gastronômica paulista, os ingredientes tradicionais como a mussarela de búfala, e manjericão e o tomate, deram lugar para uma variedade de ingredientes que tem o toque da cozinha brasileira como, o frango, requeijão, presunto, palmito, calabresa, entre outras opções. Essa combinação é a marca registrada da cidade, segundo

a Associação Pizzarias Unidas, São Paulo é a segunda maior cidade onde se come pizza no mundo, ficando atrás somente de Nova York que também teve grande impacto com a imigração italiana. De acordo com a associação, são produzidas na cidade em média de 1 milhão de pizzas por dia, uma média de 40 mil por hora! A vinda dos italianos para a cidade ajudou a construir a São Paulo que conhecemos hoje, os hábitos que herdamos vão além da cultura gastronômica, eles podem ser vistos na arquitetura da capital, como por exemplo, o Edifício Itália, cujo nome oficial é Circolo Italiano, sua concepção foi inspirada pela colônia italiana e representa a ascensão e prosperidade dos imigrantes na cidade. Além do Edifício Martinelli, o primeiro arranha-céu da capital, idealizado por um

imigrante italiano que se tornaria um dos homens mais ricos da cidade durante os anos 20, Giuseppe Martinelli. A história de São Paulo e a grande influência dos italianos formam um prato cheio para os amantes da história e da gastronomia. Vale a pena visitar os bairros mais notáveis em relação a imigração italiana, Mooca, Bexiga, Lapa, Mandaqui, Santa Cecília e Barra Funda, para conhecer um pouco mais dessa cultura tão rica, e se deliciar com as delícias da cozinha italiana.


26


27


28

Cultura a vapor: a travessia dos imigrantes japoneses

Q

uando o vapor Kasato Maru ancorou no porto de Santos, em junho de 1908, nem brasileiros e nem imigrantes japoneses imaginavam a proporção do impacto cultural. Os imigrantes, que logo se dirigiram para trabalhar nas fazendas de café, causaram estranhamento por seus hábitos. Usar kimonos e tomar banho todos os dias após o trabalho era considerado um desvio de conduta para os europeus, proprietários das fazendas. Nessa época, os imigrantes já podiam contar com a Sociedade Protetora da

Imigração (fundada em 1968), que garantia moradia, possibilidade de manter lavoura de subsistência e um salário fixo para cuidar de uma determinada quantidade de pés de café. No entanto, as condições eram muito precárias, e, o sonho de viver uma vida feliz acabava sendo deixado de lado, já que as compras feitas nas vendas dos donos de terras deixavam-os com dívidas permanentes. Mesmo sob essas condições, até o período da Segunda Guerra Mundial, 190 mil imigrantes japoneses aportaram no Brasil. Porém, com o tempo, denúncias de maus tratos foram surgindo e uma das formas de sobrevivência dos imigrantes era fugir para a cidade. Assim, japoneses acabam estabelecendo-se na região da Liberdade, e mais tarde, outros orientais como, coreanos e chineses se juntaram a esse grupo. O bairro, com características e decoração com diversos elementos da cultura nipônica, é um dos principais pontos turísticos da cidade. Aos poucos, mais elementos foram sendo introduzidos na cultura brasileira, como por exemplo, as artes marciais, os desenhos e o budismo. Com

a alimentação, não foi diferente, o hábito de comer “shiro gohan”, o arroz branco sem temperos, o cultivo e preparo de soja para molhos, inclusão de gengibre e alimentos à base de peixe cru, além de conservas de acelga, cenoura e pepino - como é o caso do Sunomono, a conserva de pepino e gergelim, que é uma das mais famosas e vendidas nos restaurantes brasileiros. Outra forte influência dessa cultura no país é no cultivo de frutas como, caqui, pêssego, morango e maçã fuji, que não só faziam parte da dieta japonesa, como também representavam uma forma de


Cultura a vapor: a travessia dos imigrantes japoneses

lucro mais rápida que o café. Os chás também tem uma relação muito próxima com os imigrantes japoneses, que iniciaram o plantio de chá preto no Vale do Ribeira, em São Paulo, em 1935. Atualmente um dos tipos de chá mais vendidos é o matcha, o broto do chá verde, que é utilizado em diversas dietas, e, aqui no Brasil ficou muito popular em outros preparos, como sorvetes e até cosméticos. A culinária japonesa é um grande exemplo de como as misturas culturais dão espaço a novos preparos. O tempurá, um dos pratos mais tradicionais, é na verdade de origem portuguesa. Por volta do século XVI, jesuítas tentaram catequizar japoneses, mas sem sucesso acabaram expulsos. No entanto, durante seu período no país, levaram uma espécie de bolinho, normalmente consumido durante a quaresma - período em que no catolicismo não se consome carne -, assim, existem duas hipóteses sobre a origem do nome: “tempora” do latim “um período de tempo”, e, “tempura” do português “tempero”. Fato é que, mesmo com origem ocidental, esse bolinho fez muito sucesso e ganhou uma versão japonesa, com massa mais fina, óleo mais leve, além do acréscimo de legumes e frutos do mar, como camarão, e, acompanhado por molho agridoce. Aqui, é um dos pratos que não pode faltar nos restaurantes japoneses e já virou parte do gosto brasileiro.

“culinária japonesa é um grande exemplo de como as misturas culturais dão espaço a novos preparos”

Mais um prato japonês a partir da fusão cultural é o yakissoba. O tradicional macarrão com legumes e carnes é de origem chinesa, e criou raízes no Japão há muito tempo. Desde o século VIII o macarrão chinês já aparecia em terras nipônicas, mesmo que restrito e sem acessibilidade ao público geral. Mais tarde, na Era Meiji, já no século XIX, a abertura dos portos permitiu o surgimento de bairros chineses nas cidades, o que trouxe também restaurantes típicos, que vendiam macarrão chinês para toda população e acabou espalhando-se por todo país. O yakissoba no formato que conhecemos é uma derivação pós Segunda Guerra, adaptado do prato chinês “chao men”, pois além de ser barato, era perfeito para o período de racionamento, já que rendia muitas porções com a mistura dos legumes. O gomoku yakissoba é a versão japonesa mais próxima ao prato que temos no Brasil: o macarrão é refogado no óleo, coberto com legumes e carnes, e temperado com molho à base de shoyu. E é através de todo esse mix que podemos apreciar deliciosos pratos, e claro, incluir nossas próprias adaptações. O que seria mais brasileiro que colocar cream cheese ou maionese no sushi? Ou ainda, fritar e ter a versão doce, com banana e goiabada! Sem deixar de lado os temperos com pimenta do reino e azeite. Tudo isso proporciona uma mistura única de sabores e experiências na gastronomia paulistana, que segue crescendo com sua capacidade de abrigar o mundo.

29


30

1ª EDIÇÃO [2021] - 2 reimpressões Esta obra foi impressa pela gráfica Santa Maria em Couchê 90gr sobre o papel Couchê 290gr da Suzano S.A. para a editora Luna Lovegood em Junho de 2021.


31


32


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.