ÀGBÁRA
ANO I
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Nº 1
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2017
ANCESTRALIDADE, PODER E VITÓRIA CONQUISTAS E HISTÓRIAS DOS POVOS DE TERREIRO EM TERESINA, PIAUÍ
SASC SECRETARIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E CIDADANIA
Te r e s i n a
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Piauí
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Brasil
EDITORIAL
ÌFARADÁ ÀTI ÀWON ÌBORÍ (RESISTÊNCIA, RESISTÊNCIA ATRAVÉS DO CONHECIMENTO E CONQUISTA)
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ão apenas pessoas negras gostam de dizer a seguinte frase: “Se o poder é bom, nós queremos o poder”. As pessoas negras, afrodescendentes, lutaram e lutam, resistiram e resistem, e ÀGBA AGBÁRA (força ancestral, poder ancestral) era, foi, e será fundamental para a existência, sobrevivência, resiliência e resistência negra. O Brasil e o Piauí não seriam o que são sem a presença africana e afrodescendente e falar, escrever, é fundamental para registrar os feitos do povo negro. Esta revista é um exemplo disso. O Governo estadual do Piauí e o Governo municipal de Teresina precisam se conscientizar, cada vez mais, que apoiar o povo negro é apoiar o desenvolvimento em todos os níveis. A revista ÀGBA AGÁRA, que por contração se tornou ÀGBÁRA, objetiva mostrar as ações desenvolvidas no Piauí, em especial na capital do estado, para melhoria da qualidade de vida do povo afrodescendente. Vamos pontuar atividades que tiraram do ostracismo a cultura, a religiosidade e o conhecimento ancestral do povo negro. Por exemplo, o “Cultura Negra Estaiada na Ponte”, que leva todos os anos milhares de afrodescendentes em passeata por um dos cartões postais da cidade, traz para a população teresinense a musicalidade afro, a religiosidade, o artesanato e as comidas típicas desse povo, e, mais que isso, os integra. Projeto como “Sustentabilidade dos povos de comunidades tradicionais de matriz africana”, cria condições de desenvolvimento para esses grupos e é uma ação conjunta da Prefeitura de Teresina e da Fundação Banco do Brasil, intermediado pela senadora Regina Sousa. Para coroar as atividades aqui desenvolvidas, a Praça dos Orixás - um reconhecimento do poder público - muito vai ajudar a minimizar a intolerância religiosa
como pontua mãe Ruthinea de Iansã, coordenadora estadual do Centro Nacional de Africanidades e Resistência Afro-Brasileira – CENARAB. Nesta edição, contamos com pequenos ensaios de pesquisadores locais como o griôt Ruimar Batista e as antropólogas Dailme Tavares e L’Hosana Tavares que tratam sobre língua yorubá, quilombos, religiosidade e vestimentas rituais, dentre outros.
Foto da capa: Luz Negra
ÍNDICE
ÀGBÁRA FICHA TÉCNICA
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TERESINA TEM A PRIMEIRA PRAÇA EM HOMENAGEM ÀS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA
COMUNIDADES DE TERREIRO DA ZONA NORTE RECEBEM ATENDIMENTO SOCIAL DA SENTCAS
ADH GARANTE MORADIA POPULAR PARA MINORIAS SOCIAIS
BREVE HISTÓRICO DAS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA
CULTURA NEGRA ESTAIADA NA PONTE REFORÇA O COMBATE À INTOLERÂNCIA RELIGIOSA
PREFEITURA ABRAÇA CAMPANHA DE COMBATE À INTOLERÂNCIA RELIGIOSA
MAPEAMENTO DOS TERREIROS
A LINGUA YORUBÁ
PROJETO DE SUSTENTABILIDADE ATENDE COMUNIDADES TRADICIONAIS DE MATRIZ AFRICANA
SOM DOS TAMBORES ENCANTA PÚBLICO NO LAGOAS DO NORTE
MEMORIAL ESPERANÇA GARCIA
SIGNIFICANDO AS VESTES RITUAIS
Governo do Estado do Piauí José Wellington Barroso de Araújo Dias Secretaria de Assistência Social e Cidadania /SASC José Ribamar Noleto de Santana Coordenadoria de Comunicação Social João Rodrigues Filho Diretores Responsáveis Ruimar Batista da Costa L'hosana Tavares Dailme Tavares Rondinele Santos Conselho Editorial Ruimar Batista da Costa L'hosana Tavares Dailme Tavares Aline Rodrigues – SEMPLAN Emerson Mourão – Luz Negra Marília Saraiva – Luz Negra Solange Hiller Hertz – Bibliotecária Thalita Paz –SEMCON Rita Lúcia - SEMPLAN Antonia Aguiar Nahiza Monteles – SASC Fotógrafos Aline Rodrigues Emerson Mourão – Luz Negra Marília Saraiva – Luz Negra Fátima Guimarães Marisa Oliveira Nycolas Santos João Paulo Brito Dailme Tavares Rondinele Santos Diagramação CCOM Emerson Mourão – Luz Negra
Teresina tem a primeira praça em homenagem às religiões de matriz africana
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eresina terá o primeiro espaço público em homenagem à cultura e às religiões de matriz africana, a Praça dos Orixás, que será erguida no bairro São Joaquim, área de intervenção da Programa Lagoas do Norte. A capital piauiense é a terceira do Brasil e a segunda do Nordeste a ter um espaço destinado à essas religiões. A Praça dos Orixás é resultado de um diálogo entre a Prefeitura de Teresina e os povos tradicionais de terreiro, com discussões iniciadas em 2012 durante o seminário ‘Sustentabilidade e Cultura: Um Norte para Teresina’. Dois anos depois, o projeto foi apresentado aos pais e mães de Santo. Em 2016, depois de discussão sobre o projeto e de ajustes, começou a construção da praça que será entregue este ano. Para os povos de terreiro, a Praça dos Orixás é um reconhecimento às religiões que fazem parte da cultura da cidade e que ajudaram a construí-la. “A praça é uma quebra de paradigmas, e dá visibilidade ao candomblé e à umbanda. permitindo que a sociedade se aproxime e se familiarize com essas religiões. A Praça dos Orixás, que é um reconhecimento do poder público, contribui para minimizar a intolerância religiosa”, afirma a coordenadora estadual do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro Brasileira (CENARAB), Mãe Ruthineia de Iansã.
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A PRAÇA DOS ORIXÁS, QUE É UM RECONHECIMENTO DO PODER PÚBLICO, CONTRIBUI PARA MINIMIZAR A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA. MÃE RUTHINEIA DE IANSÃ, COORDENADORA ESTADUAL DO CENARAB TEXTO THALITA PAZ
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PERSPECTIVA 3D SEMPLAN
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A PRAÇA DOS ORIXÁS REFLETE TODO O SIMBOLISMO DAS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA E É FEITA COM ELES E POR ELES. FIRMINO FILHO, PREFEITO DE TERESINA
ESCULTURAS
Na Praça dos Orixás, serão erguidas 13 esculturas - sendo dez orixás e três entidades representativas do panteão umbandista. Feitas pelo artista plástico Francisco Luiz Pereira da Silva, escolhido por meio de uma comissão formada por representantes das duas religiões. “Escolhemos aquele trabalho que mais tinha a ver com a nossa identidade, que se adequou à cultura e à história das religiões de matriz africana. Essas esculturas, assim como a praça, irão mostrar um pouco da nossa história, da história das religiões de matriz africana aqui no Piauí”, ”, afirma o pai Rondinele de Oxum, vice-coordenador nacional do CENARAB.
ZONA NORTE
A Prefeitura de Teresina escolheu a zona Norte para a construção da Praça dos Orixás porque nela está concentrada a maioria dos terreiros da capital. Ao todo são 480 dos cerca de 1.500 de todo o Piauí. Os números são de um o levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “O maior número de terreiros de umbanda e candomblé se concentra na zona Norte. A Praça dos Orixás reflete todo o simbolismo das religiões de matriz africana e é feita com eles e por eles. Desde o início, mantivemos estreitos laços com pais e mães de santo de Teresina, em especial com aqueles dos bairros beneficiados pelo Programa Lagoas do Norte. Até chegarmos ao projeto que será executado, realizamos diversos ajustes de forma que atendesse aos anseios e à vontade do povo de terreiro”, afirma o prefeito Firmino Filho.
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Cultura Negra Estaiada na Ponte reforça o combate à intolerância religiosa
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fim da intolerância religiosa e a busca da equidade racial. Com esse objetivo, os grupos de religiões de matrizes africanas e entidades negras, em parceria com a Prefeitura de Teresina, realizam o “Cultura Negra Estaiada na Ponte”. O evento, que faz parte do calendário do aniversário da capital piauiense, chega este ano a sua quinta edição. A caminhada do axé por um dos principais cartões portais de Teresina é uma manifestação que leva às ruas o trabalho balizado no coletivismo, cooperação e autogestão desenvolvido pelos grupos de matriz africana. Em todas as suas edições, o Cultura Negra levou para sociedade apresentações artísticas, culinária, moda e arte feitas pelos representantes desses grupos afro-brasileiros.
“Esse é mais um espaço para mostrar à cidade que o nosso povo de terreiro é da paz. Precisamos sair da invisibilidade, dos fundos dos quintais, mostrar que somos muitos e precisamos ser respeitados e valorizados. É um evento que vem para mostrar que nós existimos, que somos uma sociedade unida, que fazemos trabalhos sociais nas comunidades e temos princípios e valores culturais”, destaca o pai Fabrício de Oxóssi. Os grupos e entidades e outras associações são o foco do “Cultura Negra Estaiada na Ponte”. A intenção é mostrar ao público a capacidade de sustentabilidade e inclusão cultural e criativa desse movimento de caráter afro-brasileiro. Busca-se também a promoção do movimento negro, possibilitando o conhecimento, a agregação de valor, consumo de produtos típicos e tradicionais. TEXTO THALITA PAZ
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FOTOS FÁTIMA GUIMARÃES
DIA MUNICIPAL DA CULTURA NEGRA ESTAIADA NA PONTE
PAI FABRÍCIO DE OXÓSSI
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PRECISAMOS SAIR DA INVISIBILIDADE, DOS FUNDOS DOS QUINTAIS, MOSTRAR QUE SOMOS MUITOS E PRECISAMOS SER RESPEITADOS E VALORIZADOS.
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Em 2016, o prefeito Firmino Filho instituiu no calendário de eventos oficias de Teresina o “Dia Municipal da Cultura Negra Estaiada na Ponte”. De acordo com a Lei Municipal nº 4908, o evento deve ser comemorado anualmente no penúltimo sábado do mês de agosto. “Esse é um projeto de inclusão social, articulado pela Prefeitura de Teresina, em parceria com os terreiros e o movimento negro. Não trabalhamos com esses grupos apenas para esse evento, mas ele é o momento máximo de socialização do que eles produzem. O intuito é chamar atenção para o contingente populacional afrodescendente”, afirma o prefeito Firmino Filho.
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Projeto de Sustentabilidade atende Comunidades Tradicionais de Matriz Africana
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arantir geração de renda aos povos de terreiro. É o objetivo da Prefeitura de Teresina e da Fundação Banco do Brasil, que desde 2016, desenvolvem o projeto Intitulado de “Sustentabilidade de Comunidades Tradicionais de Matriz Africana”, é pioneiro no Brasil - em que vinte comunidades terão seus ateliês estruturados com máquinas, mesas de costura e materiais necessários para a produção de itens de confecção com estilos e características próprias desses grupos, atendendo a uma promissora demanda de mercado - as primeiras máquinas foram entregues em julho deste ano e, junto com a estrutura, os pais e mães de santo também passarão por oferta de consultoria especializada para atuar em duas frentes: desenvolvimento de novos produtos e a gestão de empreendimentos solidários. Esse investimento é uma forma de garantir a produção e a comercialização das peças com mais qualidade para que sejam revendidas e aqueçam o mercado do setor. Para pai Flávio de Ogum, esse é um passo significativo para garantir geração de renda aos povos de terreiros, que já produzem vestimentas e acessórios para uso pessoal. “Já mantemos uma pequena produção dentro das nossas casas, principalmente de roupas e itens usados nas nossas festas. Mas é preciso externar e expandir essa produção, porque existe uma demanda no mercado. Então esse projeto vem para dar uma oportunidade de geração de renda para os integrantes dessas comunidades, o que resulta em uma melhor qualidade de vida”, destaca. A ação tem como objetivo formar empreendedores que tragam um produto diferenciado para o mercado consumidor, agregando elementos culturais de matriz
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ESSE PROJETO VEM PARA DAR UMA OPORTUNIDADE DE GERAÇÃO DE RENDA PARA OS INTEGRANTES DESSAS COMUNIDADES, O QUE RESULTA EM UMA MELHOR QUALIDADE DE VIDA. PAI FLÁVIO DE OGUM, COORDENADOR DE HOMENS DO CENARAB
africana e desenvolvendo nesses grupos atendidos o senso de solidariedade e sustentabilidade. A ideia é de que sejam criados multiplicadores, para que, depois, a estrutura dos ateliês e os conhecimentos adquiridos sejam compartilhados com outras comunidades. O Prefeito Firmino Filho acha que “Aquilo que é diferente, que tem identidade, consegue se destacar. Daí surgem as oportunidades para a pequena produção, que se organizam através, por exemplo, de associações e cooperativas. É o que chamamos de Economia Solidária e de Economia Criativa, que agregam valor, criatividade, solidariedade, conhecimento ao que produzem. Então essa parceria com a Fundação Banco do Brasil vem para ajudar a mostrar o que esses grupos de matriz africana têm de diferente. Eles estão muito escondidos, precisam mostrar mais sua identidade, mostrar a nossa cara”. A elaboração do projeto foi feita juntamente com a comissão de pais e mães de santo, para garantir que suas demandas e especificidades fossem contempladas. TEXTO THALITA PAZ
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FOTO LUZ NEGRA
Comunidades de Terreiro da zona Norte recebem atendimento social da SENTCAS
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É UMA AÇÃO IMPORTANTÍSSIMA QUE VEM DAR VISIBILIDADE E MAIS OPORTUNIDADES DE ACESSO AOS PROGRAMAS SOCIAIS A ESSA POPULAÇÃO. SAMUEL SILVEIRA, SECRETÁRIO MUNICIPAL DO TRABALHO, CIDADANIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL
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Prefeitura de Teresina, através da Secretaria Municipal do Trabalho, Cidadania e Assistência Social (SEMTCAS), realiza um programa de mapeamento da população pertencente ao Grupo Comunidade de Terreiro. A intenção é conhecer a realidade socioeconômica das famílias pertencentes aos grupos populacionais da capital piauiense e facilitar a elaboração de políticas sociais direcionadas a essas comunidades. O secretário Municipal do Trabalho, Cidadania e Assistência Social, Samuel Silveira diz que “É uma ação importantíssima que vem dar visibilidade e mais oportunidades de acesso aos programas sociais a essa população. Com a inscrição no Cadastro Único, poderemos identificar as pessoas de baixa renda, obter informações de todo o grupo familiar, características do domicílio e as formas de acesso aos serviços públicos essenciais, entre outras informações que até então não conhecíamos”. Ao todo, 761 famílias fazem parte de comunidades de terreiros em Teresina. A partir da inserção no Cadastro Único, famílias com renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa ou renda mensal total de até três salários mínimos terão acesso a programas sociais do Governo Federal, tais como Bolsa Família, Tarifa Social de Energia Elétrica, Minha Casa, Minha Vida, Benefícios de Prestação Continuada, entre outros. Para o pai Hadilton de Iansã, representante da casa de culto Ilê Oya Tade, bairro Itaperu, a ação é uma conquista histórica para as famílias - nessa região - na zona norte de Teresina, são aproximadamente 22 terreiros. FOTOS RONDINELE SANTOS
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TEXTO THALITA PAZ
“Para nós é um prazer trabalhar com o social, pois somos missionários e nosso trabalho visa sempre ajudar as pessoas. Nossa religião sempre é esquecida e, para nós, está sendo uma vitória a vinda da SENTCAS para fazer esse trabalho. Fomos a todas as casas, próximas ao terreiro e fizemos o máximo para trazer muita gente, pois sabemos que essas pessoas são carentes e precisam ser inseridas nAs ações e políticas públicas de assistência social”, conclui pai Hadilton. 9
Prefeitura abraça campanha de combate à intolerância religiosa
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iminuir os casos de intolerância e pedir mais respeito aos povos de matriz africana. É a intenção do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-brasileira (Cenarab) a partir da campanha de combate à intolerância religiosa, lançada em junho de 2017 no Parque Lagoas do Norte. A ideia da campanha surgiu depois que quatro terreiros foram alvos de vandalismo, injúria e difamação em Teresina. “A intolerância religiosa, hoje, é o nosso maior calo, é a nossa maior preocupação. Só este mês, cerca de cinco terreiros foram invadidos, depredados e atacados. Em 2016, oito passaram pela mesma situação. Um pai de santo nosso, do nosso Axé, da nossa irmandade, foi acusado de ser assassino de crianças em rituais de magia. Isso não existe! Nós não aguentamos mais isso”, disse o pai Flávio de Ogum, coordenador de homens do Cenarab. A campanha foi abraçada pela Prefeitura de Teresina. Durante o mês de agosto, outdoors foram espalhados em pontos estratégicos da capital piauiense. Junto com isso, pais e mães de santo ocuparam os espaços públicos através da dança, da culinária e do toque do tambor durante o I Festival de Tambozeiros, realizado no Parque Lagoas do Norte, e do Cultura Negra Estaiada na Ponte. TEXTO THALITA PAZ
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FOTOS LUZ NEGRA
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PRECISAMOS TRAZER A TOLERÂNCIA E A RESPEITABILIDADE PARA DENTRO DA SOCIEDADE E PERMITIR QUE CADA UM TENHA SUA FÉ. NÃO QUEREMOS QUE NOS ACEITEM E, SIM, QUE NOS RESPEITEM. PAI RONDINELE DE OXUM, VICE-COORDENADOR NACIONAL DO CENARAB “As ações da administração municipal demonstram um compromisso em dar um local para a expressão dos povos de matriz africana aqui em Teresina. Queremos continuar com esta nossa amizade para que haja uma afirmação da liberdade religiosa e do respeito, especialmente aos oprimidos, como são os povos de terreiros da nossa cidade”, destacou o prefeito Firmino Filho durante o lançamento da campanha. Vice-coordenador nacional do Cenarab, pai Rondinele de Oxum destaca que o Brasil é um país culturalmente diverso e que o Estado precisa estar presente para garantir o respeito a essa diversidade, sobretudo no que tange às religiões de matriz africana. “A nossa Constituição prevê o respeito às diversidades, somos um país plural, com muitas demandas. Nesse contexto, é fundamental o respeito às religiosidades, aos cultos de matriz africana, que têm um histórico de muita perseguição. Precisamos trazer a tolerância e a respeitabilidade para dentro da sociedade e permitir que cada um tenha sua fé. Não queremos que nos aceitem e, sim, que nos respeitem”, declara o pai de Santo.
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Som dos tambores encanta público no Lagoas do Norte
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som dos tambores africanos ecoou no Parque Lagoas do Norte. Junto com o som, as cores e performance dos grupos de Umbanda e Candomblé marcaram o do I Festival de Tambozeiros de Teresina, evento realizado pelo Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (CENARAB) em parceria com a Prefeitura de Teresina e o Governo do Estado. A noite do festival foi marcado por axé, força e espiritualidade. Dez grupos subiram ao palco para mostrar o que tinham de melhor e encantaram o público. A intenção era, além de convencer os 13 jurados – entre eles, o mestre Bita do Barão -, mostrar a força da cultura das religiões de matrizes africanas e ajudar a combater a intolerância religiosa. No palco, a tenda espírita Ilê Oyà Tade conquistou o público e os jurados e foi a grande campeão. Para a Conselheira Nacional de Política Cultural representando a cultura Afro-Brasileira dentro do Ministério da Cultura e produtora do festival, Ingrid Silva, o I Festival de Tambozeiros foi um momento marcante para a cultura dos povos de religião de matrizes africana. O prefeito Firmino Filho lembrou que é preciso reconhecer o direito do outro de se manifestar. O festival, segundo ele, é uma forma dos povos de terreiro se expressarem e mostrarem que merecem respeito. “É um grito de existência, de necessidade de respeito. Essas ações que estão sendo desempenhadas agora vêm para diminuir esse preconceito. É importante ter uma cidade que respeite as diferenças, inclusive na questão religiosa. Não podemos colocar nossos valores acima dos outros. Temos que reconhecer o direito do outro de se manifestar”, afirmou. O festival é uma realização da Prefeitura de Teresina, através da Fundação Municipal de Cultura Monsenhor Chaves (FMCMC) em parceria com o Programa Lagoas do Norte, Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (CENARAB), Secretaria Estadual da Assistência Social e Cidadania (SASC) e Secretaria Municipal de Economia Solidária (SEMEST). TEXTO ALINE RODRIGUES
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FOTOS LUZ NEGRA
ADH garante moradia popular para minorias sociais
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TEMOS A NOSSA PRÓPRIA CASA. UM SONHO QUE REALIZAMOS E QUE É O SONHO DE MUITOS BRASILEIROS.
FOTO FAMILIA 1
FOTO FAMILIA 2
JANILDE SOUSA
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Agência de Desenvolvimento Habitacional (ADH), em parceria com a Coordenadoria Estadual de Direitos Humanos e da Juventude, beneficiou grupos sociais com uma cota de unidades habitacionais financiadas pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). As moradias estão localizadas nos bairros Santa Maria da Codipi e Nova Theresina, na zona Norte de Teresina, capital do Piauí. Na época (2007), as cotas foram destinadas a povos de comunidades tradicionais de terreiros, negros, negras, mulheres vítimas de violência sexual, pessoas com o vírus HIV/AIDS, Hanseníase, população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), pessoas em situação de vulnerabilidade social, entre outros. O objetivo dessa promoção da inclusão social é a participação das minorias sociais em projetos de habitação popular. São pessoas que precisam ter acesso às políticas de moradia. “O Governo do Piauí trabalha para garantir a inclusão social em programas habitacionais, que surgiram para beneficiar o direito das pessoas que são historicamente excluídas e que não tinham um lugar digno para morar”, explica a atual diretora geral da ADH, Gilvana Gayoso. FOTOS NYCOLAS SANTOS
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TEXTO RITA LÚCIA
Entre os beneficiários estão Marlene Santana e Ítalo Ransley Feitosa, moradores do Conjunto Prado Júnior, zona Norte da capital. Ambos pertencem oficialmente as comunidades de terreiros, grupo culturalmente diferenciado, que possui sua forma própria de organização social. Em Teresina, nas casas de Marlene e Ítalo, se trabalha a reprodução cultural, social, religiosa, tudo no sentido de preservar as culturas e tradições de religiões de matrizes africanas. “Estamos felizes com nosso lar, doce lar. No conjunto Prado Júnior, moramos há 8 anos, e digo a você que foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Temos a nossa própria casa. Um sonho que realizamos e que é o sonho de muitos brasileiros”, disse Janilde Sousa, cunhada de Marlene Santana. Quem também está feliz com a sua moradia é a Thays Nogueira, esposa do Ítalo. “Há 10 anos, fomos contemplados com esta casa e como somos da comunidade de terreiros, seguidores das religiões de matriz africana, desenvolvemos aqui todo o nosso trabalho (atividade) onde, é claro, fazemos nossos atendimentos a quem nos procura”, falou Thays.
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Mapeamento dos Terreiros Governo do Piauí, por meio da SASC, promove a igualdade racial com a visibilidade das
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ndo além dos fundamentos constitucionais que possam suprimir lacunas históricas e violações seculares, desde a época do período da escravidão dos negros no Brasil, os estados brasileiros têm reforçado, ao longo dos anos, a luta pela igualdade racial, que inclui a população negra com as manifestações afro-brasileiras. Um dos nove estados da região Nordeste do Brasil, o Piauí tem certa particularidade no tocante à formação social. A população piauiense apresenta em sua composição cerca de 78% (IBGE 2015) de pessoas negras e pardas, o que caracteriza um percentual significativo. Dessa forma, o Governo do Piauí tem assumido ações sistemáticas e permanentes no sentido da garantia dos direitos da população negra piauiense e do respeito às suas tradições culturais e religiosidade. Tem promovido, assim, uma política voltada para a promoção da igualdade racial para os povos de terreiro e quilombola, como também ao combate ao racismo e a intolerância religiosa. Fazendo parte de um planejamento voltado para essa promoção da igualdade racial em torno das manifestações afro-brasileiras, a Secretaria da Assistência Social e Cidadania do Piauí(SASC), que atualmente, tem como secretário o deputado estadual José Santana, encomendou o primeiro mapeamento socioeconômico e sociocultural dos terreiros de matriz africana no Estado.
Inicialmente foi realizado, de 25 a 27 de outubro de 2007, o I Seminário Estadual das Comunidades de Matriz Africana do Piauí. De acordo com a antropóloga Dailme Maria da Silva Tavares, “o mesmo foi de relevante importância por ter sido um momento de reflexão, resgate, valorização e preservação das religiões de matriz africana existentes no Estado, bem como um espaço ideal para o debate das inúmeras questões que permeiam o assunto no seio da comunidade local”. (TAVARES, Dailme. Mapeamento das Comunidades de Terreiros de Teresina: uma visão histórica socioeconômica e cultural. Teresina, 2010). O seminário foi então um ponto de partida para se resgatar a historicidade e as necessidades das comunidades de terreiro na capital Teresina, oportunidade em que foi proposta a realização do então Mapeamento das Comunidades de Terreiros de Teresina, coordenado por Antônia Aguiar. Historicamente, “os terreiros associaram-se ao protesto dos negros contra as condições da escravidão, organizando-se a favor da luta pela libertação e, no plano religioso, promovendo a crença na magia compartilhada por pessoas que tinham em comum a condição de subordinação, assim como também a esperança na transformação dessas condições”. (TAVARES apud. GONÇALVES, Vagner. 1994).
TEXTO NAHIZA MONTELES 14
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FOTOS LUZ NEGRA
Esse mapeamento foi realizado em 2008/2009, no governo de Wellignton Dias, pela extinta Coordenadoria de Direitos Humanos e da Juventude do Estado do Piauí – incorporada à Diretoria da Unidade de Direitos Humanos (DUDH) da SASC – e coordenado, em 2010, pela Fundação Centro de Pesquisas Econômicas e Sociais do Piauí, foram mapeadas 244 comunidades de terreiros em Teresina, sendo 223 na zona urbana e 21 na zona rural do município. Foram totalizadas 254 lideranças em todos os espaços mapeados, todas maioria negras. E em sua quase totalidade, os terreiros são, como relata Dailme, “constituídos de edificações simples, localizadas em áreas periféricas da cidade, às vezes de acesso limitado, em função das condições das vias públicas em que estão”. O nível de renda nas comunidades é baixo, com 49% recebendo de meio a um salário mínimo. O grau de escolaridade das chamadas autoridades também é baixo. Cerca de 25% são analfabetos, ou seja, não sabem ler e escrever, e 18% possuem apenas o ensino fundamental.
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O MAPEAMENTO DAS COMUNIDADES DE TERREIRO DE TERESINA COLABORA PARA UMA MAIOR VISIBILIDADE DAS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA, DIMINUINDO O PRECONCEITO SOBRE AS MESMAS, ESTIMULANDO POLÍTICAS PÚBLICAS E VALORIZANDO AS CULTURAS AFRICANA E AFROBRASILEIRA. DAILME TAVARES, ANTROPÓLOGA
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Com elementos e características culturais da sociedade brasileira, desde a sua constituição, “os terreiros são espaços físicos onde se desenvolvem os cultos e práticas das tradições afro-brasileira”. (TAVARES, Dailme. Mapeamento das Comunidades de Terreiros de Teresina: uma visão histórica socioeconômica e cultural. Teresina, 2010). Assim, no Piauí, o objetivo do mapeamento foi conhecer os terreiros existentes primeiramente e especificamente na capital Teresina, a quantidade, localização, condições de documentação, regularização fundiária, infraestrutura, diagnosticar particularidades, dentre outros aspectos. Como assinala Dailme “Foi um ponto de partida para uma série de políticas públicas a serem adotadas nas Comunidades de Terreiro e que têm colaborado para uma maior visibilidade das religiões de matriz africana, diminuindo o preconceito sobre as mesmas e, principalmente, valorizando as culturas africana e afro-brasileira”. (TAVARES Silva, Dailme. Mapeamento das Comunidades de Terreiros de Teresina: uma visão histórica socioeconômica e cultural. Teresina, 2010).
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DISTRIBUIÇÃO DOS ADMINISTRADORES DE TERREIROS DE TERESINA, SEGUNDO A COR/RAÇA 1,64% PRETA PARDA BRANCA NÃO INFORMOU
12,70%
49,18% 36,48% Fonte: Mapeamento das Comunidades de terreiros de Teresina: uma visão histórica socioeconômica e cultural
DISTRIBUIÇÃO DOS ADMINISTRADORES DE TERREIROS DE TERESINA, SEGUNDO O NÍVEL DE ESCOLARIDADE PARTICIPAÇÃO (%) NÍVEL DE ESCOLARIDADE
ZONA SUL
ZONA NORTE
ZONA LESTE
ZONA SUDESTE
ZONA RURAL
TOTAL
ALFABETIZADO
25,93
36,79
36,36
26,32
33,34
33,20
ANALFABETO
29,63
19,81
27,27
15,79
38,10
24,59
ENSINO FUNDAMENTAL
18,52
19,81
15,91
26,32
9,52
18,44
ESINO MÉDIO
20,37
15,10
4,55
26,31
4,76
14,34
NÃO INFORMOU
3,70
6,60
11,36
5,26
9,52
6,97
ENSINO SUPERIOR
-
1,89
4,55
-
-
1,64
SUPERIOR C/ PÓS-GRADUAÇÃO
1,85
-
-
-
4,76
0,82
SOMA
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
Fonte: Mapeamento das Comunidades de terreiros de Teresina: uma visão histórica socioeconômica e cultural
DISTRIBUIÇÃO DO RENDIMENTO MÉDIO DOS ADMINISTRADORES DE TERREIROS DE TERESINA 10,25%
ATÉ 0,5 SM 0,5 - 1,0 SM 1,0 - 2,0 SM ACIMA DE 2,0 SM NÃO INFORMOU SEM RENDIMENTO
49,18% 17,21% 6,56% 11,89%
Fonte: Mapeamento das Comunidades de terreiros de Teresina: uma visão histórica socioeconômica e cultural
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4,92%
A pesquisa, que foi realizada pelo método de visitas aos locais e por questionários, teve certa rejeição de muitas comunidades, que se resguardavam devido ao constante preconceito latente sofrido por elas e às mais diversas interpretações erradas a respeito. Daí a resistência ou falta de compreensão dos chefes/administradores dos terreiros sobre a necessidade de abrir as portas para os pesquisadores e conceder informações. No entanto, pretende-se realizar uma atualização dos números e também um mapeamento para os demais municípios piauienses. Convém destacar que todos os dados até aqui então informados e outros mais também estão reunidos no livro “Fiéis da ancestralidade – Comunidades de Terreiros de Teresina” Em 2013, a SASC disponibilizou para o público o relatório final do mapeamento, assim como também fez a divulgação. Esse documento tornou visível essas comunidades historicamente discriminadas e permitiu traçar um panorama para que o governo pudesse proporcionar e fortalecer políticas públicas paras as comunidades, bem como garantir a efetividade dos direitos humanos.
MAIS CIDADANIA E INCLUSÃO SOCIAL Ainda na promoção de políticas públicas para igualdade racial, o Governo do Estado, por meio da Coordenadoria da Juventude em parceira com a SASC com sua Diretoria da Unidade de Direitos Humanos (DUDH), coordenada por Conceição Silva, também tem desenvolvido ao longo dos anos ações na denominada Caravana Social da Juventude, com conferências regionais nos municípios piauienses. A caravana proporciona aos jovens quilombolas o resgate da cultura negra, por meio de oficinas de estética negra, dança afro, percussão, capoeira de quilombo, além de palestras e atividades culturais. Os quilombolas são remanescentes de escravos que estão organizados em comunidades. Eles buscam, dentre outros pontos, o direito à propriedade da terra, à valorização de sua cultura e a reconstrução de sua identidade.
As ações também se estendem a expansão de debates públicos, envolvendo também especificamente mulheres negras. A SASC e a Coordenadoria Estadual dos Direitos das Mulheres realizam um trabalho articulado nos municípios piauienses, visando ao empoderamento das mulheres, especialmente as negras das regiões. Além disso, a SASC tem um projeto chamado Cidadania Ativa, que leva para municípios piauienses ações externas que contribuem com o dia a dia dos cidadãos. Dentre elas estão os cuidados da beleza negra, proporcionando penteados afros em jovens, adultos e crianças. Uma forma de olhar para si e se reconhecer em sua beleza estética, bem como valorizar sua identidade.
Ações em Comunidade Quilombola no Piauí foto: DUDH/SASC
Projeto Cidadania Ativa da SASC foto: Ascom/SASC
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Memorial Esperança Garcia: Espaço de vivência e salvaguarda das manifestações culturais e identidades dos povos negros de descendência africana no Brasil-Piauí
No passado e presente, as manifestações culturais representam uma forma de resistência. Para os negros e negras trazidos contra a vontade para o Brasil, preservar a língua, as músicas, as histórias, alimentação e a religião africana significava não aceitar passivamente sua condição de escravo, de animal. Hoje, os movimentos negros utilizam a cultura também como uma demarcação de sua identidade e, por conseqüência, de sua luta. No Piauí, a partir da década de 80 teremos o nascimento de vários grupos - Agentes de Pastoral Negros – APN-PI, Afro Afreketê, depois cria-se o Olori, Raízes, Grupo de Mulheres Negras Esperança Garcia, o Ifaradá (Núcleo de Pesquisa sobre Africanidades e Afrodescendência/UFPI), Grupo Maravi, o BAI – Beleza Afro Indígena, Mocambo dos Agentes de Pastoral Negros de Teresina, o Ifaradá, Grupo Maravi, O BAI – Beleza Afro Indígena, Quilombolas do Piauí, Grupo Afro Cultural Coisa de Negro, Afoxá, Grupo QI ligado ao Movimento Nacional de Hip Hop, IJEXÁ, dentre outros que buscavam: Negridade Negridade Negridade Negridade Idade negra Lutar e rir Construí nova psicologia Construí novo id Construir nova identidade Construir nova idade 1
TEXTO ANTONIA AGUIAR | SOLANGE HILLER HERTHZ 18
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FOTOS MARISA OLIVEIRA
Ou seja, (re)construir uma nova identidade, uma nova psicologia, lutar pelos direitos básicos que sempre foram usurpados dos negros e afro descendentes , além do prazer por ser negro, ser gente. Neste contexto, os diversos grupos que realizavam atividades em vários bairros de Teresina, lutavam por um espaço físico que servisse como ponto de referência da cultura negra. Em 2003, o governador assinou a Lei n. 5.311de 17 de julho de 2003: Cria o Memorial Zumbi dos Palmares e dá outras providências. O GOVERNADOR DO ESTADO DO PIAUÍ FAÇO saber que o Poder Legislativo aprova e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º Fica criado o Memorial Zumbi dos Palmares, a ser instalado, na cidade de Teresina, no imóvel urbano pertencente ao patrimônio imobiliário estadual, onde funcionou a Unidade Escolar Domingos Jorge Velho, como tributo e reconhecimento do povo piauiense à efetiva contribuição da raça negra no processo histórico brasileiro.2
A escola que tinha o nome de um dos maiores algozes de negros e índios no Brasil foi restaurada como o propósito de ser um espaço de divulgação e difusão da cultura negra. Ressalta-se que não havia referência da raça negra nas denominações de prédios e logradouros públicos no Piauí antes da criação do Memorial Zumbi dos Palmares. Em 25 de julho de 2007 suas portas foram abertas oferecendo diversos cursos, inserção tecnológica, seminários, etc. estando subordinado à Secretaria Estadual de Cultura (Secult)
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De fevereiro de 2016 a julho de 2017 o Memorial permaneceu fechado para reforma, pois estava com a estrutura física toda comprometida, sendo reinaugurado em 25 de julho de 2017 como o nome de Memorial Esperança Garcia. A opção pela mudança deve-se ao fato que apesar da vida de sacrifício, muitas mulheres participaram de lutas e reações contra o regime de escravidão, dentre elas podemos destacar no Piauí, Esperança Garcia que morava numa das antigas fazendas dos padres jesuítas que passou para administração da Fazenda Real com a expulsão dos mesmos. Ela lutou pelo reconhecimento de direitos fundamentais ao escrever uma petição (carta) datada de 6 de setembro de 1770 ao Governador do Piauí informando que tinha sido retirada à força da Fazenda Algodões (Floriano) para uma fazenda em Nazaré do Piauí apontando os maus tratos que ela e seus filhos sofriam do feitor da fazenda Algodões. Pela leitura da Carta, percebe-se que Esperança Garcia compreendeu uma possibilidade de reivindicar direitos fundamentais: movimento, segurança, crença e bem estar. Por ser uma mulher negra e escrava que lutou pela liberdade, o dia 6 de setembro foi institucionalizado como o “Dia Estadual da Consciência Negra no Piauí” através da Lei nº 5.046, de 7 de janeiro de 1999. A Ordem dos Advogados do Brasil – seção Piauí brevemente entregará o título de Primeira Mulher Advogada do Brasil para Esperança Garcia por sua coragem em lutar pelos direitos das mulheres brasileiras. 20
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O Memorial Esperança Garcia é administrado por uma coordenação – Antonia Aguiar, atualmente - e um Conselho Administrativo formado por grupos que atuam pelos direitos e cultura negra e afro descendentes. Atividades oferecidas pelo Memorial: Beiju com arte;Capoeira; Chá das pretas; Cinema negro; Debates afro culturais; Exposições permanentes homenageando negros e negras; I Festival de dança afro; Núcleo de Apoio Especializado de Defesa a Pessoas Vítimas de Racismo; Sarau afro-literário;Sexta negra. Cursos: Cursinho popular; Espanhol; Estudo sobre gênero, Informática; Inglês; LIBRAS; Língua Yorubá; Percussão; Etno-Astronomia/ Matemática. Oficinas afro culturais: Artesanato (confecção de figurinos, tecidos, bonecas afro); Coral afro; Culinária afro; Dança de rua (Black soul); Estética negra; Saúde das populações negras; Teatro negro (humano e de bonecos); Violência contra as populações negras. NOSSO ESPAÇO Auditório Clovis Moura, Biblioteca Júlio Romão, Cozinha Mãe Maria de Angola, Espaço Zumbi dos Palmares para apresentações culturais, Sala de Beleza Negra Aqualtune, Sala de Cinema Negro Pai Oscar de Oxalá, Sala de Computação Lélia Gonzalez, Sala de Dança Afro Prof. Valdemar Santos, Sala de Estudos Prof. Ruimar Batista, Sala de Estudos Prof. Solimar Oliveira, Sala de Exposição Dep. Francisca Trindade. ONDE ESTAMOS Avenida Miguel Rosa, 3400 Centro/Sul CEP. 64.001-490 Teresina-Piauí Fone (86) 3216-3702 E-mail: memorial. e@yahoo.com.br Horário de funcionamento: 07:30 – 21:00 (Segunda – Sexta-feira) O Memorial Esperança Garcia é um local de referência da cultura material e imaterial dos povos de identidade negro, do resgate da cidadania dos afro descendentes que está à disposição da sociedade piauiense e brasileiro que desejem “...construir nova idade/É este o grande desafio/...Você aceita?”. 3
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BATISTA, Ruimar. Negritude. Teresina, 2002. p. . Piauí. Lei n° 5.311de 17 de julho de 2003. Disponível em: < http://legislacao.pi.gov.br/legislacao/default/ato/12509>. Acesso em: 8 de ago. 2017. 3 BATISTA, Ruimar. Negritude. Teresina, 2002. p. . 1 2
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Breve histórico das religiões de matriz africana
TEXTO E FOTO DAILME TAVARES
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As religiões de matriz africana vieram para o Brasil com os negros africanos que foram trazidos como escravizados. Foi através da religiosidade, palavra que vem do latim religiositate; qualidade de religioso, disposição ou tendência para a religião ou as coisas sagradas (Ferreira, 2000), que os negros resistiram à dominação imposta pelo colonizador português, preservando e reestruturando religiões trazidas da África, as religiões de matriz africana. Organizar ou reconstituir o processo histórico de formação das religiões de matriz africana não é fácil. Porque sendo religiões originárias de populações marginalizadas em nossa sociedade (índios, negros e pobres em geral) e durante muito tempo perseguidas, existem poucas fontes ou registros históricos sobre elas. Muitos foram produzidos pelas instituições ou orgãos que combateram essas religiões e as apresentam de forma preconceituosa, como os autos da Visitação do Santo Ofício da Inquisição, onde estão registrados os processos de julgamento de adeptos dos cultos afro-brasileiros perseguidos sob a acusação de praticar “bruxaria”, pela Igreja católica no período colonial. Como também, os “boletins de ocorrência” feitos pela polícia para relatar a invasão de terreiros e prisão de seus membros, sob acusação de praticarem charlatanismo, curandeirismo, etc. As características particulares das religiões de matriz africana também dificultam o relato de sua história, pois são religiões cujos princípios e práticas doutrinárias são estabelecidos e transmitidos oralmente. Não há nelas livros sagrados (como a Bíblia) que registrem sua história ou doutrina de forma unificada. Assim, são religiões não institucionalizadas, ao contrário da Igreja católica que tem uma hierarquia centralizada na figura do Papa e estabelece princípios doutrinários válidos para as suas igrejas em todo o mundo. Os terreiros são autônomos. Cada chefe de terreiro, pai ou mãe-de-santo é o senhor absoluto, a autoridade máxima de sua comunidade. A história das religiões de matriz africana tem sido feita quase que anonimamente, sem registros escritos, no interior dos inúmeros terreiros, roças, congás, ilês, fundados ao longo do tempo em quase todas as cidades brasileiras.
Vagner Silva (1994) enfoca que as religiões de matriz africana, por serem religiões de transe, de sacrifício animal e de culto aos espíritos (portanto, distanciados do modelo oficial de religiosidade dominante em nossa sociedade), têm sido associadas a certos estereótipos como “magia negra” (por apresentarem geralmente uma ética que não se baseia na visão do bem e do mal estabelecida pelas religiões cristãs), superstições de gente ignorante, práticas diabólicas, etc. Assim, a história das religiões de matriz africana inclui o contexto das relações sociais, políticas e econômicas estabelecidas entre os seus principais grupos formadores: negros, brancos e índios. No Brasil, os terreiros tiveram de agrupar o culto a várias entidades, inclusive as de etnias diferentes. Devido à conversão dos negros ao catolicismo e ao contato cultural com os índios, o culto aos deuses africanos somou-se ao dos santos católicos e ao das divindades indígenas. A organização social dos terreiros estruturou-se a partir de uma hierarquia de cargos e funções que teve de ser refeita para reunir, num mesmo templo diferentes modelos de religiões africanas. A mãe ou o pai-de-santo tornaram-se as figuras centrais assumindo várias funções, como a de babalaô (sacerdote que joga os búzios através dos quais “falam” os orixás). A organização espacial dos terreiros, ao reunir em um mesmo espaço o local de moradia e de culto dos negros, reintroduziu, em escala pequena, os padrões africanos. Na constituição do panteão das religiões de matriz africana, o sincretismo desempenhou um papel fundamental. Historicamente, a associação entre os deuses das várias etnias dos negros já ocorria antes de eles serem trazidos para o Brasil. Entre os vários fatores que contribuíram para essa associação estão as semelhanças existentes entre o conceito de orixá dos iorubas, de vodum dos jêjes e de inquice dos bantos. Todas essas divindades eram vistas como forças espirituais humanizadas, com personalidades próprias, características físicas, domínios naturais, e algumas viveram na terra antes de se tornar espíritos divinizados. A possibilidade dos devotos de incorporá-las para que pudessem dançar e receber homenagens foi outra característica que aproximou seus cultos.
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Essas religiões de matriz africana também tinham em comum a crença num ser supremo, chamado de Olodumarê entre os iorubas, de Mavu e Lissa entre os jêjes e de Zambi entre os bantos. Esse ser supremo criou a natureza e as divindades intermediárias que estão acima dos homens. Nesse sentido, os deuses africanos se aproximavam dos santos católicos, que foram santificados em função de suas vidas na terra (marcadas pela virtude, valentia, resistência a dor, heroísmo, etc.) e considerados intermediários entre os seres humanos e Deus. Essas semelhanças entre os deuses africanos e entre estes e os santos católicos deu origem aos sincretismos que em cada região e época escolheram traços para aproximar as divindades. Vejamos algumas dessas aproximações entre os deuses africanos e os santos católicos.
Exu é o orixá mensageiro entre os homens e os deuses, é senhor dos caminhos. Desde sua origem na África, está associado ao poder de fertilização e à força transformadora das coisas. Nada se faz sem sua permissão. O dia de Exu é a segunda-feira. Ogum é o orixá do ferro, do fogo, da tecnologia, é um herói civilizador africano. No Brasil, suas virtudes para o combate o aproximaram aos santos guerreiros como São Jorge. Oxossi é o orixá da mata, da fartura, o caçador que retira da mata seu sustento e de sua tribo. Foi rei de Ketu na África. No Brasil, foi associado a São Sebastião. Obaluaiê é o orixá da varíola, das epidemias e que cura as doenças. Seu sincretismo mais freqüente foi com São Lázaro, que traz o corpo coberto por chagas. Ossaim é o orixá das folhas, das ervas e dos medicamentos feitos a partir delas. Como Oxóssi, seu domínio é a mata. Tido muitas vezes como indivíduo de uma perna só, Ossaim foi associado a alguns “encantados” dos mitos indígenas, como o Caipora.
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Xangô é o orixá que em vida na terra foi rei de Oyó, na África. Senhor do trovão, dos raios, tem como símbolo o oxé, machado da justiça. Xangô é o rei e foi associado a São Jerônimo que tem a seu lado um leão, símbolo da realeza entre iorubás. Oxum é o orixá das águas doces, lagos, rios, fontes e cachoeiras. Na África, está associada com a fertilidade das mulheres, a beleza e com a riqueza. No Brasil, foi sincretizada com Nossa Senhora Aparecida. Iemanjá é a senhora de todas as águas, a mãe dos orixás iorubanos. No Brasil é cultuada sobretudo no mar, sendo também associada com “encantados” das águas, de origem indígena (Mãe d’água, Iara, Sereia). Foi sincretizada com Nossa Senhora da Conceição e Nossa Senhora dos Navegantes. Iansã é o orixá iorubano dos ventos, raios e tempestades. No Brasil, foi associada a Santa Bárbara, que atraiu a fúria de seu pai ao se converter ao catolicismo. Oxalá é o orixá da criação, pai dos orixás. Foi ele quem modelou com o barro o corpo dos homens sobre o qual Olodumarê soprou para dar vida. Foi associado a Jesus Cristo. Na Bahia, seu sincretismo aparece na lavagem da igreja do Senhor do Bonfim.
Em Teresina, capital do Piauí existe a predominância de terreiros de umbanda. Lima (2014) destaca a Tenda de Santa Bárbara do Pontal cuja zeladora era Joana Maciel Bezerra, fundado em 1930 e outros posteriores como Congá Espírita São Jorge Guerreiro, Tenda Espírita Nossa Senhora da Conceição, Tenda Santa Bárbara, Tenda São José de Ribamar dentre outros. Existe também vários terreiros de candomblé, com destaque para o Abassá de Iemanjá do pai Bosco de Iemanjá fundado no começo da década de 1980, o Ilê Axé Opassoró Fadakar do saudoso pai Oscar de Oxalá, fundado em 1989, o Ilê Axé Oya Tade de pai Hadilton de Iansã e o Ilê Asè Oloomi Wura de pai Maurício de Oxum. Mas a predominância dos terreiros em Teresina é a prática da umbanda, religião que engloba elementos das religiões negras, indígenas, do catolicismo e do espiritismo kardecista. As origens da umbanda remontam ao culto às entidades africanas (orixás, pretos velhos), aos caboclos (espíritos ameríndios), aos santos do catolicismo popular e às outras entidades que a esse panteão foram sendo acrescentadas pela influência do kardecismo (doutrina filosófica e religiosa estruturada no século XIX na França por Allan Kardec, que destaca a crença na reencarnação). A umbanda, inspirando-se nas federações kardecistas, também criou as suas. Segundo a literatura umbandista, nessa religião existem sete linhas dirigidas por orixás principais. Cada linha é composta por sete falanges ou legiões. Algumas dessas linhas são: Linha de Oxalá, Linha de Iemanjá, Linha de Xangô, Linha de Ogum, Linha de Oxóssi, Linha
das Crianças e Linha dos Pretos Velhos. Birman (1985) destaca que na umbanda o mundo é pensado em três domínios distintos: a natureza (com os caboclos), o mundo civilizado (com os pretos velhos e as crianças) e o mundo marginal (com os exus). Caboclos são as entidades espirituais ameríndias, representados como fortes, altivos, valentes, orgulhosos, indomáveis; são os nossos índios, donos da terra brasilis, como Caboclo Rompe-Mato, Caboclo 7 flechas, Cabocla Jurema, etc. Os Pretos Velhos podem ser descritos como espíritos dos negros escravizados no período colonial, alguns apresentam-se como velhos, fumando cachimbo, bebendo vinho em cuias, paternais; mas também existem os mandingueiros, altivos, temidos. Os Exus são os donos dos caminhos, o povo da rua; muitas vezes concebidos como malandros, espertos, com destaque para Exu Bará e Zé Pilintra. A versão feminina denomina-se Pomba Gira, senhora da vaidade, bonita e sensual, cuja mais famosa é Maria Padilha. As religiões de matriz africana em Teresina e no Piauí, apesar de ainda sofrerem preconceitos e perseguições, são formas de resistência da cultura negra e fazem parte do ethos cultural da cidade. Principalmente na periferia onde destaca-se a população negra e mestiça que cultua as divindades da umbanda e do candomblé, preservando dessa forma a herança e a tradição dos antepassados negros que com seu trabalho, sua luta e sua fé ajudaram a construir a sociedade piauiense.
Referências Bibliográficas BASTIDE, Roger. As Religiões Africanas no Brasil. São Paulo. Pioneira, 1985. BIRMAN, Patrícia. O que é Umbanda. São Paulo, Brasiliense, 1985. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2000. LIMA, Solimar Oliveira (Org.). Fiéis da Ancestralidade: comunidades de terreiros de Teresina. Teresina: EDUFPI, 2014. SILVA, Vagner Gonçalves da. Orixás da Metrópole, Tradição e Renovação. Dissertação de Mestrado, FFLCH, USP, 1994. TAVARES. Dailme Maria da Silva. Os Pretos-Velhos e Caboclos: entidades cultuadas na Umbanda. In: Livro de Resumos do III Encontro de Pesquisadores da UFPI. Teresina, EDUFPI, 1998, v.1, p. 187.
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A lingua Yorubá
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religião, que no dizer do Dr. Olajide Alo – ex embaixador da República Federal da Nigéria no Brasil, cujo pronunciamento integra a obra – para o africano “é a própria vida”, nunca foi aliada ao colonizador imperialista; não foi em absoluto, o ópio do sentimento de liberdade de uma raça explorada durante longos anos. Muito pelo contrário! Registra o autor que foi preciso dissimular, por entre as divindades da religião do dominador, as suas próprias, para exercer-lhes o culto. O idioma, não dominado pelo colonizador incapaz de se miscigenar, de aprender e apreender as suas derivações e dialetos, foi o fio telegráfico do sonho de emancipação da nação africana.” José Mauro Couto de Assis in FONSECA Jr. Eduardo. Dicionário Yorubá (Nagô) Português. 1983, 1988.
Acreditamos que a língua é maior patrimônio de um povo. Com ela, nós obtemos os padrões de entendimento e a racionalização das ideias. No Brasil, os escravizadores e as escravizadoras tentaram extinguir os èdés (idiomas), africanos, mas não conseguiram e não conseguiram porque os africanos, as africanas, os negros, as negras, os afrodescendentes, as afrodescendentes não deixaram, resistiram e agiram assim porque conheciam a força e o poder da língua, da palavra, da comunicação e o candomblé e as demais religiões de matriz africana foram essenciais para a (re)criação, manutenção, preservação, salvaguarda das línguas (de origem africana) no Brasil. As principais línguas trazidas pelos africanos, pelas africanas de origem Kétu; Òyò.; S.abe; Ègbá; Ifè.; Ìjes.á; Èkiìtì; Ònkò; Ànàgó; Òndo, Àkókó foram recriadas, porque eles/elas trouxeram em sua bagagem na viagem transatlântica pedras, plantas, árvores, culturas, filosofia, religiões e línguas (ex: Yorubá, Kimbundo, Kicongo.). Discorremos apenas sobre a língua Yorubá, que primitivamente foi denominada “Yariba”, este idioma pertence ao grupo sudânico de línguas. A maioria de seu vocabulário é formada de palavras mono e polissilábicas, analisáveis em seus elementos monossilábicos. A língua Yorubá pertence ao mesmo grupo linguístico isolado que o chinês e é, por necessidade, uma língua tonal (PORTUGAL, Fernandez, 2002). O idioma Yorubá é irmão (primo-irmão) do idioma egípcio. TEXTO RUIMAR BATISTA
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FOTOS FÁTIMA GUIMARÃES
O Yorubá revelou-se desde o início do século XIX a língua geral do candomblé, dos cultos afro-brasileiros e desempenhou um importante papel na formação do português do Brasil: abadá; abadô; abebé; abiã; abô; aburô; adê; afos.é; agô; ajeun; ajuntó; alá; alabá; alabê; alafiá; aluá; angu; apá; apoti; ara/ará; araketo; arias.é; ataré; as.é; azuela; ayabá; babá; babaca; babalaô; babaloris.á; babáu; bafabafa/bafafá; balangandã; bamba; banté; banzé; batacotô; baticum; batucajé; batuque; berimbau, bidu, bimba; bimbinha; binga; bitelo; bobô; boboca; boceta; bozó; brucutu; bumbum; bunda; cabaça; cabaço; cabuleté/cabuletê; caçamba; cacurucai; cachimbo; cacimba; caçula/caçulo; cacunda; cafifa; cafofo; cafundó; cafuné; cafuringa; calango; cambraia; camburrão; camundongo; camutuê; candango; candonga/candongo; candongueiro; canga; cangalha; cangonha; canguru; canjerê; canjica; canzá; canzó; canzuá; capenga; catiçá; catraia; caxinguelê; caxumba; conga; congá; coque; cota/macota; cuba; cubata; curimba; dandalunda; dengo; dengue; diamba; didê; didá; dijina; dudú; dunga; ebó; ecu/eku; eledá; ekedi/equedeekeji; erê; etutu; filá; fiofó; fuá; fubá; fula; fulo; fuzuê; galalau; ganga; gangorra; ganja; ganzuá; garapa; ginga/jinga; gongá; gorô; geledé; guguru; iá/iyá; iabá/ayabá; ialodé/iyalodé; iaô/iyawo; ilé;ilé-aiye; ilu; ilu-aiye; irun; itá; itametá; jabá; jabaculê; jagunço; jajá; jará; jiló; jira/gira; légua; elebá; leguelhé; lemba; lembá; lonã; macaia; macuá; mafu; mafuá; maionga; malafo/marafo; malala; malemba; malembe; malunga/malungo; mambembe; mameto; manauê/manuê; mandinga; mandu; manduca; marimbondo; massapê; maxixe; maza; milonga; mocó; mocotó; molambo; monjolo; moqueca/muqueca; moringa; muafa; muana; mucunã; mungangamoganga; mugunzá/mucunzá; muvuca; muxima; muzenza; nagô; nena; nupê; obá; obé; obó; ocó/okó; odara; odun; ojuobá; opelé; ori; oris.á; orô; orucó/orukó; ossé; pango; paó; patapata; pemba; pepelê/pegi/peji; ponga; quelé/kelé; quendá; quenga; quengo; quequerê/kekerê; quiba; quibamba; quebebe/quibebe; quilombo/kilombo; quimba/quiba; quindim; quitanda/kitanda; quizomba/kizomba; roncó/runcó; rondeme/rondemi; sacana; saluba/salubá; samba; semba; sobá; sunga; tabaco; tabu; tanga; tata; tiana; tibuco; tibum; tibungo; tipóia; toba; ualá; ubele; ulele; utá; uzô; vu; vuvu; vuvuvu; xambá; xanã; xaorô; xibimba; ximbinha; xibiu; ximbica; xirê; xodó; xota/xoxota; zabumba; zambeto; zambi. zumbi; zunga; zungu; zunzum; zunzunzum (CASTRO, Yeda; BENISTE, José) são algumas das inúmeras palavras (não apenas de origem Yorubá) que foram incorporadas à linguagem brasileira.
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Estudar, pesquisar, conhecer, divulgar, fomentar o idioma Yorubá (e outras línguas de origem africana) é relevante, além de se constituir numa missão urgentíssima, pois agindo assim estaremos contribuindo para a salvaguarda e vivência do legado cultural africano no Brasil. A língua falada pelas pessoas Yorubás é o Yorubá, com variações de dialeto: Ègbá, Èkìtì, Ibadan, Ìfé., Ijebu, Ijes.á, Ikalé, Òyó dentre outros. O Yorubá é uma língua tonal (acento agudo - tom alto(mi); ausência de acento tom médio (ré); acento grave-tom baixo(dó)). O alfabeto yorubá possui 25 letras: a, b, d, e, e., f, g, gb, h, i, j, k, l, m, n, o, o., p, r, s, s., t, u, w, y. Algumas letras “c, q, v, x e z” não fazem parte do alfabeto Yorubá. As letras “e, o e s” recebem um acento embaixo que indicam alteração de som: “e (ê), e. (é)., o (ô), o. (ó), s (si), s. (ch, x).” A língua yorubá faz parte do grupo linguístico nigero-congolês e acredita-se que seja falado por cerca de 50 milhões de pessoas. Este idioma integra, juntamente, com o nilosaariano e o afro-asiático, o conjunto de famílias linguísticas que existem na Nigéria (RIBEIRO, Ronilda. Pág, 117). “A linguagem cotidiana dos iorubas, extremamente rica em metáforas, abrange um imenso conjunto de lendas, contos, fábulas, vigorosos ditados, provérbios, relatos mitológicos e históricos. A tradição oral realiza, conforme Vansina (1982), dois níveis de registro: um consciente – registro de acontecimentos passados (crônicas orais de um reino ou genealogias de uma sociedade segmentária) e o outro, inconsciente - literatura oral em todas as suas formas epopeias, poemas, que incluem canções, cantigas e cânticos; fórmulas, que incluem provérbios, charadas, orações e genealogias e narrativas. Compreendendo estas a maioria das mensagens históricas conscientes.
A tradição oral é entretanto, além desse imenso conjunto literário, a grande escola da vida. Baseada numa concepção de homem e de universo que confere à Palavra origem divina, nela reconhece um poder sagrado, criador, capaz de preservar e destruir. Hampate Bá (1982), referindo-se às sociedades orais, aponta para o fato de que em tais sociedades o elo entre o homem e a palavra é muito forte: o homem permanece ligado à que profere. Sendo a palavra uma força fundamental emanada do próprio Ser Supremo, possui caráter sagrado e a ela vinculam-se forças ocultas. A tradição africana concebe a fala como um dom de Deus: divina no sentido descendente e sagrada no sentido ascendente, materializa ou exterioriza as vibrações das forças. A fala humana, eco da fala divina, pode colocar em movimento forças latentes nos seres e objetos, como um homem que levanta e se volta ao ouvir seu nome. É, por essa razão, o grande agente ativo da magia africana(p.186).” RIBEIRO,Ronilda.pág, 118. Conhecer/estudar/pesquisar e praticar a língua Yorubá é importante porque ela foi trazida para o Brasil/ para as Américas (Brasil, Cuba, Estados Unidos, dentre outros), todavia não foi/é divulgada, conhecida; mesmo discriminada ela deixou um grande legado de sabedoria/ conhecimentos. O candomblé, uma religião de matriz africana foi/ainda é o grande baluarte/a salvaguarda do idioma em nosso país. Sabemos o quanto o candomblé foi fundamental para a manutenção dessa língua; reconhecemos o valor do idioma Yorubá nos rituais, porém acreditamos que o idioma deve ultrapassar fronteiras e adentrar nas escolas em todos os níveis de escolaridade. Todas as pessoas das Américas,do Brasil podem/tem o direito de conhecer e praticar esta língua/esta cultura milenar, e por que não?!...
“Um estudioso norte americano das dimensões internacionais da resistência à escravidão negra na América cunhou a expressão “vento comum” para denominar aquela vontade de luta contra o jugo branco que caracterizou o embate dos africanos, durante o século XIX, em todo o hemisfério ocidental. Este “vento comum” com certeza fez do culto do Òrisà uma das formas mais efetivas de luta contra a dominação cultural nas Américas espanhola, inglesa e portuguesa."Carlos Eugênio Líbano Soares pág. 8 in Guia prático da Língua Yorubá. PORTUGAL, Fernandez. 2002.
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Reescrever, reafirmar, estudar/pesquisar/aprofundar as bases históricas de uma narração em que os protagonistas, as protagonistas são pessoas africanas, negras, afro-brasileiras, afrodescendentes é de grande importância; ressalta a intelectualidade, ciência, tecnologia, culturas africanas, bem como coloca-se em prática uma autêntica diversidade e ainda, contribui-se para se repensar e reelaborar o pensamento contemporâneo. Escrever/divulgar/falar a língua Yorubá é fazer com que as pessoas aprendam noções básicas do idioma, compreendam a vida das pessoas africanas (de origem africanas) e navegar em todos os campos do conhecimento africano. A língua Yorubá permaneceu como língua oral até o século XIX, período em que alguns missionários yorubanos da igreja anglicana, liderados por Samuel Ajayiyi Crowder, primeiro bispo africano da referida igreja, apoiado por companheiros e estrangeiros, criaram a escrita Yorubá inspirada no alfabeto europeu (NAPOLEÃO, Eduardo). Atualmente o idioma Yorubá é muito pesquisado/estudado no Brasil, devido, principalmente, aos cultos de matriz africana, a intelectuais e integrantes do movimento negro que além de escrever e falar, cotidianamente empenham-se em tornar a língua conhecida, expandi-la. Hoje estuda-se a língua Yorubá moderna a partir do idioma escrito e desenvolvido pelos missionários anglicanos, todavia, respeita-se, valoriza-se o Yorubá “arcaico” praticado nos cultos; a pesquisa do idioma Yorubá contribui para a compreensão, pelos praticantes, pelas praticantes e pela comunidade (sociedade) da fala/discurso, cantos, orações, louvações e encantações que fazem parte da cotidiana liturgia das religiões de matriz africana. Reafirmamos que o conhecimento/ o ensino/ a prática da língua Yorubá é essencial para a construção e efetividade da história, filosofia, religião, cultura, ciência, tecnologia africanas no Brasil africanizado e, evidentemente, contribui/contribuirá para o desenvolvimento efetivo dos objetivos da Lei Federal nº 10.639/2003, da Lei Federal nº 11.645/2008 e do artigo 26-A da Lei de Diretrizes Bases da Educação Nacional-LDB (Lei nº 9.394/1996), aplicadas ao Ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira e dos povos Indígenas. (BATISTA, Ruimar. Pág 14).
ÀLÁFÍÀ!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BATISTA, Ruimar. Apostila Curso de Yorubá da Universidade Estadual do Piauí/PARFOR, 2017. mimeo. BENISTE, José. Dicionário Yorubá-Português. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011. FONSECA Jr, Eduardo. Dicionário antológico da cultura afro-brasileira: português - yorubá - nagô - angola gêge, incluindo as ervas dos Orixás, doenças, usos e fitologia das ervas. São Paulo: Maltese, 1995. NAPOLEÃO, Eduardo. Vocabulário Yorubá. Rio de Janeiro: Pallas2011 Odé kileuy e Vera de Oxaguiã (organização: Marcelo Barros). O candomblé bem explicado (nações Bantu, Yorubá e Fon). Rio de Janeiro: Pallas, 2009. PORTUGAL FILHO, Fernandez. Guia Prático da Língua Yorubá em quatro idiomas: português, espanhol, inglês, Yorubá. São Paulo: Madras Editora, 2002. RAMOS, Eurico. Revendo o candomblé: respostas mais frequentes às perguntas sobre a religião. Rio de Janeiro: Mauad X, 2011. RIBEIRO, Ronilda Yakemi. Alma africana no Brasil: os iorubás. São Paulo: Editora Oduduwa, 1996.
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Significando as vestes rituais
Sejam rituais ou não, as roupas guardam muito de nós - nosso cheiro, nosso suor -, fazem parte de nossas lembranças. Quem nunca se pegou lembrando de momentos alegres ou tristes e os associa à vestimenta (naquele dia eu estava com tal roupa). Esse acolhimento faz com que elas presentifiquem a ausência; têm uma dimensão imaginária e afetiva; estão estritamente ligadas à memória (CIDREIRA, 2015). As vestes usadas pelos filhos/as de santo das religiões de matriz africana, na cidade de Teresina/Pi/Brasil, tanto as vestes rituais quanto as utilizadas nos trabalhos dentro dos terreiros, são consideradas sagradas; merecem um cuidado todo especial da parte dos seguidores dessas religiões. Vestir-se adequadamente; ter uma boa aparência sem afetação; faz parte do aprendizado de todo recém-iniciado. As vestes, independente da condição hierárquica, devem estar sempre em boa condição – bem conservadas, lavadas e passadas (SANTOS, 2010). Uma filha do nosso campo empírico nos falou que sempre que se manda fazer uma roupa ritual, a primeira coisa que se faz é agradecer, cantar, louvar aquele mensageiro. Depois de pronta, preparar na goma, na água de cheiro, fortalecendo, para, na hora do rufado, do tambor, do xirè, a roupa ser colocada e o guia ser chamado. Ela nos afirmou que isso é muito gratificante (MÃE GARDÊNIA DE OXÓSSI – Teresina/2016). TEXTO L'HOSANA TAVARES 30
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FOTO LUZ NEGRA
Existe toda uma hierarquia na composição do visual, tanto na umbanda quanto no candomblé, no qual essa preocupação é maior. De modo geral, as peças utilizadas dentro dos terreiros são as seguintes: camisu, bata, saia, calçola, pano da costa e turbante, para as mulheres, e calça estilo pijama e túnica, para os homens. As abiyan do sexo masculino usam sempre roupa de ração: uma calça amarrada com cordão, tipo pijama, e camisa, tudo feito de morim (SANTOS, 2010). As abyans do sexo feminino, as que têm apenas “ obrigação de conta lavada”, devem usar apenas roupa de ração – saia e camisu simples, e não usar ojá; a roupa branca indica que estão sendo preparadas. Já as abyan de santo assentado, podem usar anáguas engomadas, ojá e pano da costa; que devem ser sempre de tecido de algodão branco ou colorido. O camisu é muito simples, apenas enfeitado com rendinhas. Cumpre aqui ressaltar, mais uma vez, que essa hierarquia é mais intensa nas casas de candomblé, nos terreiros de umbanda (campo da nossa pesquisa), as roupas de ração são usadas no dia a dia, mas, nas festas, não se segue com tanto rigor essas orientações. A Iyawó, tanto do sexo masculino quanto feminino, usa roupa de ração em rituais, e, nas dependências do terreiro, entretanto, nas festas, é permitido usar roupas coloridas de acordo com o orixá a que pertence ou que deseje homenagear. As do sexo feminino podem usar saia colorida, mas o camisu será sempre branco. Os do sexo masculino podem usar túnica, mas curta. Os filhos de santo não devem circular pela casa de short ou de bermudas, em especial nas proximidades dos recintos sagradas (SANTOS, 2010) Mãe Estela adverte e explica ao mesmo tempo que só podem usar chinelos os filhos de santo com obrigação de três anos; antes, não, e não é para humilhar o novato, não. O recém-nascido, aquele que se iniciou no culto, tem que ter contato com a mãe terra: ela emana energias indispensáveis para o corpo físico e espiritual (SANTOS, 2010).
A palavra Abiyan quer dizer: Abi= "aquele que" e An= seria uma contração de "Onã", que quer dizer "caminho". As duas palavras aglutinadas formaram o termo Abiyan, que quer dizer "aquele que começa", "um novo caminho". E é isto, o Abiyan é uma pessoa que está começando um novo caminho, uma nova vida espiritual. 2 Grau pré iniciático 1
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A SAIA
A BLUSA (CAMISU E BATA)
Foto: João Paulo Brito. 2016.
Foto: João Paulo Brito. 2016.
Tanto na umbanda quanto no candomblé, a saia é sempre muito rodada, roda essa resultante dos cinco panos dela e de uma quantidade de outras saias por baixo, sete, todas brancas e/ou, seis brancas e uma da cor do santo da filha. As saias ficam por baixo, e a primeira, a saia de cima, pode ser branca ou colorida, sempre muito enfeitada, mas cada detalhe tem um significado. Por exemplo, cada fita representa um ano de feita da filha. Pode ser confeccionada em tecido de algodão, renda (sintética ou não), mas sempre muito rodada e bonita. Essas saias são lavadas com água de cheiro e engomadas. Como já dito acima, são consideradas sagradas. Essa que visualizamos acima é toda feita em tecido de algodão, sem nenhum enfeite; apenas bem volumosa. Temos saias simples assim, mas também podemos ter saias bordadas, bem enfeitadas com fitas e outros aviamentos. Na umbanda, a saia bordada e/ou muito trabalhada, com muitos enfeites, pode ser usada por qualquer filha; no candomblé, apenas as filhas que já têm muitos anos de feita podem usar saias e batas bordadas (informação dada pela Profª. Drª. Joanice da Conceição, filha de santo, quando nos acompanhou ao Terreiro Ilè Oyá Tade, campo empírico da nossa pesquisa). Por baixo da última saia, para que as filhas de santo se sintam bem a vontade elas costumam usar uma calça folgada, presa no tornozelo por elástico ou uma espécie de punho com botões.
Acompanha a saia uma blusa, que pode ser o camisu ou a bata ou os dois ao mesmo tempo. Na umbanda, não existe essa distinção, mas no candomblé, só pode usar bata aquela filha que já tem sete anos de feita. Antes disso, ela usa apenas o camisu - uma camisa simples, sem gola, sem volume na parte inferior, diferente da bata, que a largura permite que ela fique por cima da saia bem rodada; o camisu, é sempre colocado por dentro da saia. Essa peça, na maioria das vezes, é branca mas pode ser de outras cores, e os tecidos, na maioria das vezes, são de algodão, renda (sintética ou não), sempre muito trabalhadas com rendas, fitas, passamanarias e outros aviamentos, e ou bordadas em richilieu ou outros bordados, à máquina ou à mão. Nas nossas andanças pelos muitos terreiros e festividades do povo de santo, vimos muitas batas feitas de crochet, lindas, mas, as bordadas em richilieu são as mais bonitas e vistosas. Na festa da Preta Velha Mãe Joana, em 2016, a bata toda bordada em richilieu, deu o toque de nobreza ao evento. Todas as filhas estavam vestidas com saia xadrez preto e branco e bata de renda branca; para amenizar o calor, todas portavam um abano como leque. O preto e branco era uma homenagem à umbanda antiga. Apenas as equedes da casa se vestiram toda de branco.
Feitura de santo é um termo usado nos terreiros de candomblé, que significa a iniciação de alguém no culto aos orixás. Termo também utilizado em outras religiões de matriz africana. http://pt.wikipedia.org/wiki/Feitura_de_santo 4 Professora da Universidade Federal Fluminense -UFF; Pós-doutora pelo Programa de Pós-graduação em Antropologia - PPGANT da Universidade Federal do Piauí; Doutora em Ciências Sociais/Antropologia, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 5 Atribui-se o nome (richelieu) a um tipo de renda-bordado em virtude do uso frequente nos paramentos de Armond-Jean Du Plessis, cardeal duque de Richelieu. Na iconografia desse religioso e nobre destacam-se as alvas (vestes talares) em rendas e bordados elaboradíssimas. O tipo de peça usado em pleno período do renascimento marca a nobreza e o clero, que, segundo determinava a moda, usavam golas, punhos, barrados, adereços diversos, geralmente em tecido branco ricamente trabalhado, evocando poder e suntuosidade. O uso do richilieu nos terreiros funciona como um indicador de luxo e riqueza de suas cerimônias festivas. (LODY, 1995 p. 5). 6 Objeto em forma de leque aberto com que se agita o ar para avivar o fogo ou refrescar o corpo; ABANADOR; VENTAROLA 3
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TURBANTE
Foto: João Paulo Brito. 2016.
Adereço de extrema importância para o povo de santo, o turbante, ou torso, conhecido ritualmente como ojá, é um adereço confeccionado em tecidos que vão desde o algodão simples até bordados extremamente elaborados em richelieu, assim como tecidos adamascados e também com fios brilhantes. O ojá é uma peça de muitos significados. Pode ser amarrado encobrindo as orelhas ou não. Os homens usam com orelhas totalmente descobertas, já as mulheres usam com orelhas cobertas, deixando aparecer apenas a parte onde é colocado o brinco. A informação nos foi dada em 11-02-2017, por Pai Maurício de Oxum. Nos terreiros de candomblé, essa observação é levada muito a sério; nos terreiros de umbanda, nem sempre. Isso é uma preocupação. A outra observação que se faz é com relação às orelhas, mas não a orelha parte do corpo, e sim as pontas que podem ficar aparecendo ou não e que demonstram uma hierarquia e significam também se o orixá da filha ou filho é masculino ou feminino. Duas orelhas significam que o orixá da cabeça do filho/a é feminino e uma única orelha significa que o santo da filha é masculino. No candomblé, apenas os que possuem cargo podem usar o ojá com pontas. “ De todo modo, somente ebômis, ogãs e equedes podem usar o torso dessa forma, com as abas, porque esse é um sinal importante da senioridade, de distinção”. (SOUSA, 2007 p. 59). Não observamos
essa preocupação nos terreiros de umbanda que temos frequentado, e, nas festas as equedes têm a preocupação de usar ojás bem elaborados. O tamanho e largura desse adereço pode variar, dependendo do efeito que se pretenda, desde 1,50 m a 3,00 m de comprimento, por uma largura que varia de 0,30m a 0,50m. Pai Maurício assegura que podem ser usados dois ao mesmo tempo, dependendo do arranjo que se queira fazer. Mãe Stella chama nossa atenção para um fato que não pode ser desprezado: a história de cada casa de axé, a etnia daquela casa, tudo influenciando a forma como se vestem os filhos. Em algumas casas na Bahia, o ojá só pode ser usado pelas filhas com sete anos de feita, o que não é o caso de Ilè Axé Òpó Afonjá, onde, por determinação de Mãe Aninha, até as abiyans em ocasiões especiais devem usar ojá e têm de saber usar (SANTOS, 2010). O ojá é uma peça que tem por objetivo principal cobrir o ori – a cabeça; a linguagem, os códigos, a simbologia, está na forma como é colocado e que já descrevemos. Sousa (2007, apud Escorel 2000, p. 27), chama nossa atenção para o valor utilitário do torso, o de cobrir e manter os cabelos presos, o que nos remete a uma época em que essas religiões eram de negros e negras que queriam esconder o “cabelo ruim” debaixo dos turbantes, dos barretes e dos filás; atitude fruto do desprezo pelo cabelo dos negros e que já foi cantado em versos e prosas. Hoje sabemos: uma das mais bem-sucedidas formas de dominação utilizada pela raça dita branca para submeter os afrodescendentes. Hoje, as mulheres negras sentem orgulho de suas carapinhas, símbolo de beleza; usam seus ojás de maneira ritual, para cobrir o ori com toda uma simbologia ou seus turbantes, de forma graciosa, para cobrir a cabeça, embelezando-a ou até como forma de resistência. É o que ouvimos de uma militante do movimento negro em Teresina que dizia: A utilização do turbante é um AFRONTAMENTO, que é a mistura do afro com o enfrentamento, e que, ´nada mais é que essa capacidade de usar o turbante com intuito de desmistificar o exótico, de reforçar toda essa nossa ancestralidade, toda nossa resistência em preservar nossa cultura, nossos valores. (SÔNIA TERRA, 1606-2017).
Maurício Barbosa de Sousa, Pai Maurício de Oxum, sacerdote do terreiro de Candomblé Ilè Asè Oloomi Wura – Teresina – Piauí – Brasil. A maioridade no Candomblé é atingida quando o adoxu completa os sete anos de iniciação. O ritual de passagem que se processa é chamado de Obrigação de Sete anos (oyé ou deká). Nesse ritual o adoxu deixa de ser iaô e passa a ser um ebomi, que quer dizer irmão mais velho, e recebe o seu cargo (oyé): seja de sacerdote, seja de autoridade na comunidade. Um filho-de-santo quando reconhecido pela comunidade como um membro importante pode ser emancipado e assumir essas funções antes de completar sete anos, mas a obrigação não pode ser adiantada. Lembrando sempre que ninguém pode dar o que não tem. (O mesmo que Égbòn). Disponível em: https://www.facebook.com/CandombleAmorEVida/posts/542778509108697 Acesso em: 16-06-2017.
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PANO DA COSTA
Foto: João Paulo Brito. 2016.
O pano da costa, peça da indumentária dos filhos e filhas iniciados no culto aos orixás, é uma peça usada, dependendo da casa de axé, tanto nas festas como em outras atividades do barracão. Mãe Stella afiança: O pano da costa é a peça feminina de maior significado histórico. Em conjunto com o torso, faz parte do vestuário da africana, sobrevivência da Terra Mater, já que a saia, o camisu e anáguas são sobrevivências europeias de séculos passados (SANTOS, 2010 p. 61).
E é ainda Mãe Stella que insiste em afirmar a importância do uso correto do pano da costa, de sua fabricação. Segundo ela, deve ser feito de tecido de boa consistência, lembrando os tradicionais panos africanos, nunca de tecidos leves como a seda; se liso, deve ser de uma cor suave, nada de cores berrantes; entretanto, pode ser listrado ou quadriculado lembrando os tradicionais panos nigerianos. Ela afirma que, usado na cintura ou no peito, é sinônimo de trabalho; é usado desse jeito nas festas e em outros rituais; no ombro, quando usado pelas mulheres, apenas nas atividades não religiosas. Conclui afirmando: “Se não segurarmos esses ensinamentos, quem perde é a história” (SANTOS, 2010 p.60). Pai Maurício de Oxum, sacerdote do terreiro, em uma das muitas tardes de orientação religiosa, nos falando da importância do pano da costa, de que deve ser usado pelas mulheres amarrado à cintura ou no peito; formando laço (em forma de borboleta ou gravata), dependendo se o orixá da filha é feminino ou masculino, respectivamente, e que no ombro esquerdo apenas nas atividades não rituais. Os homens usam no ombro direito, em atividades rituais ou não. Ele ainda nos contou que, segundo um oriqui, as mulheres usam o pano da
costa para se proteger do ataque das Iá Mi, daí ser peça indispensável e de tanta importância para os seguidores do culto dos orixás. O pano da costa mede aproximadamente três metros de comprimento e noventa centímetros de largura. É uma peça litúrgica, com a qual se pode secar o suor do rosto dos sacerdotes e/ou sacerdotisas; serve para cobrir alguém que por alguma razão caiu em transe súbito, ou para cobrir alguém que tenha ido abraçar um orixá e esteja vestindo uma roupa da cor que aquele orixá não suporta, como é o caso do preto e do vermelho para Oxalá e Iemanjá, entre muitas outras utilidades (SOUSA, 2007) Na África, o pano da costa tem também valor utilitário: serve para transportar crianças, atadas às costas ou escanchadas, deixando livre as mãos do transportador (SOUSA, 2007). O pano da costa é tão significativo para o povo de santo que - é comum, ao se chegar em outro axé, o oferecimento do mesmo; e é de praxe o pai ou mãe colocar no peito imediatamente. Atitude contrária pode parecer desfeita ou falta de conhecimento.
VESTES MASCULINAS
Os homens, tanto nas festas como em outras atividades no terreiro, usam sempre calça estilo pijama e túnica cujo comprimento vai variar com a festividade e com o grau hierárquico. As mais compridas e de tecidos especiais são reservadas para os filhos que já têm mais de sete anos de feitos; as mais curtas e de tecido de algodão são reservadas para os serviços mais simples do terreiro e para os novatos. As calças podem ser presas no tornozelo e são confeccionadas dos tecidos inusitados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CIDREIRA, Renata Pitombo. As vestes da Boa Morte. Cruz das Almas/Ba: UFRB, 2015. SANTOS, Maria Stella de Azevedo. Meu tempo é agora. Salvador: Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, 2010. SOUZA, Patrícia Ricardo. Axós e ilequês: rito, mito e estética do candomblé. São Paulo: USP, 2007.
9 Iá Mi chega ao mundo com seus pássaros maléficos, a Iá Mi Oxorongá são nossas mães primeiras, raízes primordiais da estirpe humana, são feiticeiras. As Iá Mi são o princípio de tudo do bem e do mal (PRANDI, 2001 p. 348).
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Representante de Comunidades Tradicional de Terreiro do Piauí, e Referência Nacional Rondinele dos Santos nasceu em Teresina, capital do Estado do Piauí, em 25 de março de 1985. Desde pequeno acompanha as atividades e ações do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase - MORHAN/PI, movimento que tem por objetivo estimular uma mobilização social em torno do controle da hanseníase e acabar com o preconceito e discriminação secular que acompanha essa doença. A partir de 1998, Rondinele se torna um dos voluntários mais atuantes do MORHAN tanto em nível nacional como estadual. Em 1996 participou como voluntário na Rede de Voluntariado de Teresina e logo em seguida foi convidado pelos membros da rede para ser coordenador geral do devido movimento. Movimento este que agrega voluntários de diversos bairros de Teresina em diversas funções em instituições. Em 2000 participa como dançarino do Grupo Afro Cultural Coisa de Nêgo, grupo piauiense que visa devolver a identidade negra e auto-estima da população do Estado, através da estética negra, da dança, do canto, do toque do tambor e da cultura como um todo. Em 2002 deixa a dança pra se dedicar à elaboração de projetos e captação de recursos pro grupo conseguindo importantes parcerias. Em 2001 é eleito Conselheiro de Juventude pela devida entidade. Em 2003 também é eleito como Conselheiro Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional e também no mesmo ano também é eleito como Conselheiro de Saúde Bucal. Buscando trabalhar com ações e atividades que estivessem de acordo com sua religiosidade, no ano de 2004, Rondinele dos Santos funda em Teresina a Associação Santuário Sagrado Pai João de Aruanda e o Grupo de Cultura Afro-Abá. Essa Associação é uma entidade sem fins lucrativos que visa implementar ações afirmativas junto às Comunidades Tradicionais das Religiões de Matriz Africana. Em 2005, como membro da Coordenação Geral do Morhan/PI, articula e implementa o 12º Encontro Nacional do Morhan. No ano de 2006, Rondinele dos Santos funda a Rede Estadual de Cultos Afros-Brasileiros do Piauí e Saúde, entidade que objetiva agregar as tendas, terreiros e também promover as políticas públicas voltadas para as comunidades de terreiros e tendas de Candomblé, Umbanda e Quimbanda. Atua no primeiro ano como Presidente da Rede, e no ano seguinte como Vice-Presidente. Em 2007, como referência no Estado nas questões que envolvem as religiões de matriz africana, articula e implementa, juntamente com outras parcerias, o I Seminário Estadual de Comunidades das Religiões de Matriz Africanas e também Participa do I Congresso Internacional de Hanseníase na Índia, na cidade de Nova Deli. É nomeado Assessor da EMGERPI no Governo do Estado do Piauí, onde exerceu a função de 2007 a 2008. Trabalhou na Coordenadoria Estadual de Direitos Humanos e Juventude. Nesse cargo, conseguiu importantes avanços, principalmente no projeto de Mapeamento das Comunidades tradicionais de Terreiros do Piauí e de alocação de recursos para projetos para essas comunidades como cotas habitacionais através da ADH-PI ( Agencia de Desenvolvimento Habitacional do Piauí). No ano de 2009 deixa a assessoria para, de fato, representar a Sociedade Civil. Hoje é vice-coordenador nacional do CENARAB – Centro Nacional de Africanidade e Resistencia Afro Brasileira e da Associação Santuário Sagrado de Aruanda, 1º Secretário de Comunicação do Movimento de Reintegração da Pessoas Atingidas pela Hanseníase do Piauí e Coordenador da Central de Voluntariado do Piauí. No mês de setembro criou a Rede Municipal de Juventude de Terreiro de Teresina. É Nomeado em 2015 para o Cargo de Assessor Especial da ADH no mesmo ano é eleito vice-presidente do Conselho Estadual de Saúde do Piauí e do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional do Piauí – CONSEA/PI.