Livro da Restauracao de Matosinhos

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História da Restauração em Matosinhos 1800 - 2015




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Homenagem aos Homens do mar que proporcionam excelentes convĂ­vios.


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Emídio C. Brandão

Palavras Necessárias Restauração de Matosinhos – a mesa que todos apreciam

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Livro da Restauração é uma obra única onde ficará a conhecer a história deste setor no concelho, desde a primeira taberna à primeira marisqueira, passando pelas casas de comida tradicional portuguesa. Os registos mais antigos remontam ao século XIX, altura em que começaram a surgir em Matosinhos as típicas casas de pasto. No século XX, o setor não parou de crescer, com os restaurantes a proliferarem pelas ruas da cidade levando-a desde muito cedo a afirmar-se como a “sala de jantar” do Porto, mas não só… Muitas são as individualidades, vindas de vários pontos do país e do mundo, ligadas à política, ao desporto, à cultura, que prezam uma boa refeição junto ao nosso mar. Como não poderia deixar de ser, as individualidades da nossa praça também não dispensam um bom prato e reconhecem o privilégio de viver numa terra que dispõe do melhor peixe e marisco que a costa nos dá.

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Não posso deixar de registar umas palavras a dois Homens importantes em tempos diferentes: Henrique Torres e Valentim Santos. Uma palavra final, mas também ela necessária, para referir um dos locais em Matosinhos famoso pelas sardinhas assadas. Não é um restaurante de porta aberta, mas junta à mesa, diariamente, muitos amigos. Chamamos-lhe A Gruta e tem como anfitrião o senhor Manuel Rodrigues. O método de assar sardinha, ou salmão, é muito diferente do habitual, mas os segredos não se divulgam. Fica apenas o registo de um produto final de muita qualidade. Neste livro poderá ainda ler alguns testemunhos de diversas personalidades, acerca das suas casas de eleição, dos pratos que mais apreciam e de tudo o que tornou Matosinhos numa referência regional e nacional da gastronomia.


í c. 1 c. 2 c. 3

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A Excelência da Matéria-Prima

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A Construção do Porto de Leixões

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A Evolução da Restauração

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I Introdução

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II Os Restaurantes

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III Os Estabelecimentos Similares

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IV As Marisqueiras

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V As Memórias das Adegas e Tascas

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n c. 4 c. 5 c. 6

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Políticas para a Restauração em Matosinhos

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Entrevistas

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Bibliografia e Agradecimentos

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Guilherme Pinto

Presidente da Câmara Municipal de Matosinhos

A

gastronomia é o mais importante cartãode-visita de Matosinhos, considerada a sala de jantar da Área Metropolitana do Porto. A pensar nas potencialidades deste produto turístico, criamos a marca “Matosinhos, World’s Best Fish” destinada a promover a gastronomia do concelho pelo mundo fora. Na realidade, não são necessários pretextos para almoçar ou jantar em Matosinhos. Um almoço de trabalho, um jantar de família ou um reencontro de amigos são sempre uma boa oportunidade para apreciar o peixe e o marisco de excelência que os nossos restaurantes apresentam. O difícil mesmo é escolher entre os mais de 600 restaurantes em todo o Concelho. Dos requintados e luxuosos restaurantes às tasquinhas informais e acolhedoras, os restaurantes de Matosinhos têm estilos de apresentação muito variados, mas uma forma única de servir apenas os ingredientes de melhor qualidade, sem esquecer a excelência e a simpatia no atendimento.

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A EXCELÊNCIA DA MATÉRIA-PRIMA

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Júlio Pinto da Costa

autor do texto

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e é certo que os restaurantes, propriamente ditos, nasceram em Paris, no final do século XVIII, também é verdade que foi a sua disseminação a nível mundial que tornou tão atractiva a culinária, pelos diferentes produtos e paladares que nos foram sendo oferecidos ao longo dos anos. A este fenómeno, que poderíamos designar de globalização da restauração, não são alheios dois inventos, cruciais para que tal fosse possível: o frigorífico e os modernos e rápidos transportes. É também conveniente salientar a importância dos descobrimentos para a troca de produtos, técnicas de confecção e ementas. E neste aspecto muito se deve a Portugal. O desenvolvimento de Matosinhos deve-se, em grande parte, à excelência do seu peixe e à construção do porto de Leixões. O primeiro deu origem a uma enorme frota pesqueira, ao aparecimento das fábricas de conserva e uma restauração de grande qualidade, se bem que os dois primeiros factores já não tenham a importância que em tempos tiveram. O segundo trouxe à terra gentes de outros lugares em busca de emprego e as riquezas resultantes do comércio e do transporte de passageiros à escala mundial. Ultrapassado o período das adegas e tascas, que desempenharam um papel extraordinário no tecido económico e social de Matosinhos e Leça da Palmeira, veio o tempo dos restaurantes e das marisqueiras, com preços para todas as bolsas. Merecem saliência especial os muitos e muitos restaurantes de peixe localizados nas ruas Heróis de França, do Sul, S. Sebastião e na avenida Serpa Pinto. Esta é a narrativa possível, um contributo para a história da restauração em Matosinhos. Até esta data não são

conhecidos trabalhos deste género, se bem que num ou noutro documento tenha sido possível recolher uma ou outra nota sobre a matéria, como se poderá verificar ao longo do texto e na bibliografia. Fazemos notar que o nosso objectivo não se reduz à listagem dos estabelecimentos. A este propósito, apesar de também serem escassos os livros, eles existem e estão disponíveis. Contudo, a nossa intenção foi mais longe, descrevendo sempre que possível o contexto da evolução da restauração, a história das diferentes casas, os seus factos mais curiosos, os seus responsáveis, os seus clientes e outros factores que consideramos relevantes. Face a este conjunto de problemas o trabalho de pesquisa não foi fácil e envolveu diversas técnicas. Numa primeira fase optou-se pela recolha de dados em diversos livros sobre a história de Matosinhos, incluindo as suas monografias. Para os capítulos mais técnicos recorremos à consulta de trabalhos académicos. Seguiuse a consulta de periódicos matosinhenses, desde o século XIX até cerca do último quartel do século XX. Para os tempos mais recentes optamos por entrevistas com os empresários e gerentes do sector, procurando retirar delas dados contemporâneos, mas também histórias antigas que são do seu conhecimento. Quanto à história das adegas e dos tascos da terra, servimonos da ajuda de amigos, que em longas reuniões foram narrando as suas memórias, que depois procuramos completar com trabalho fotográfico. Foi pois um trabalho de investigação multifacetado e complexo. Pelas razões expostas, não é um produto acabado, nem completo – nem poderia ser. Contudo, a excelência da restauração matosinhense merece outros contributos que completem a presente obra.



capítulo 3

Ilustração 1: Sardinha.

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sardinha1 (sardina pilchardus) é um dos marcos da gastronomia nacional e a sua pesca e confecção espalham-se de Norte a Sul do país, em especial no litoral. Os benefícios que traz à saúde e o seu sabor, claro, fizeram deste peixe, desde tempos remotos, um alimento muito apreciado. Já os fenícios, no tempo em que os seus barcos dominavam o comércio mundial, tinham por hábito salgar a sardinha, para mais tarde a vender. Os romanos criavam-nas em tanques e espalhavam o seu sabor pela Europa e por África. Quanto à origem do nome, a generalidade dos autores acredita que ele provém do facto de em tempos remotos este tipo de peixe existir em grande quantidade nas proximidades da ilha da Sardenha 2. A sua conservação pelo sal permitiu que ela chegasse ao interior de Portugal e o seu preço, módico, transformou-a no alimento dos pobres. A sardinha pescada no país tem um tamanho bastante razoável, servindo cada uma delas, ainda em finais do século XX, por vezes, para refeição de duas pessoas. Isto verificava-se, principalmente, nas terras do interior. A sua conservação pelo sal permitiu que ela chegasse ao interior de Portugal e o seu preço, módico, transformou-a no alimento dos pobres. A sardinha pescada no país tem um tamanho bastante razoável, servindo cada uma delas, ainda em finais do século XX, por vezes, para refeição de duas pessoas. Isto verificava-se, principalmente, nas terras do interior. Trata-se também de um peixe que existe com abundância na costa portuguesa, alimentando-se de plâncton em suspensão nas águas. Contudo, também serve de alimento a um extenso número de predadores que habitam o oceano.

Nome dado aos peixes malacopterígios (Clupeiformes) da família clupeídeos (Couto, 2012).

O registo mais antigo referente à sardinha, sob a forma fóssil, data do Eoceno (55 a 36 milhões de anos atrás).

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A EXCELÊNCIA DA MATÉRIA-PRIMA

A sardinha pescada no país tem um tamanho bastante razoável, servindo cada uma delas, ainda em finais do século XX, por vezes, para refeição de duas pessoas.

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Depois dos ovos terem sido fecundados pelos machos, nascem as larvas. Daí até à sardinha adulta são cerca de 45 dias. Este peixe desloca-se em cardume, tanto próximo como longe da costa. O facto de ser hoje reconhecida como um alimento de elevado valor nutricional aumenta o seu consumo, transformando-o numa moda, nomeadamente no Verão. Nesta época a sardinha é a rainha de muitas festas, em especial nos santos populares. Mas também o é, por exemplo, por ocasião dos festejos do Bom Jesus de Matosinhos. As vantagens para a saúde resultam do facto de ser rica em ómega 3 e, consequentemente, proteger o coração e reduzir o nível do colesterol. É também reconhecida como tendo propriedades anti-inflamatórias e ser um auxiliar da respiração. Fornece ao organismo as vitaminas E e D. A primeira é antioxidante e a segunda reforça a protecção contra as alergias. Para além destas, algumas obras referem ainda: A, B1, B2, B6, e C3. É ainda rica em minerais, como o cálcio, o ferro, o

As obras consultadas não são unânimes no que respeita ao conjunto de vitaminas fornecidas pela sardinha. Contudo, todas elas garantem a importância do seu consumo para a saúde. Também são unânimes no que respeita ao facto de prevenir muitas doenças.

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capítulo 3

fósforo, o magnésio, o potássio e o sódio. A sardinha, para ser boa, deve ter as guelras vermelhas e sem muco as escamas bem fixas e brilhantes, os olhos salientes, o corpo firme e um ligeiro cheiro a maresia. Se for congelada em água do mar e descongelada naturalmente também é saborosa. Deve ser assada alta, ou seja, afastada da brasa, e parece ser aconselhável comê-la em cima do pão, mesmo que num prato e de faca e garfo. Quer pela qualidade, quer pela quantidade pescada, a sardinha é, por excelência, o peixe de Matosinhos e, consequentemente, a principal matéria-prima da sua oferta culinária. Assada na brasa é um dos pratos mais frequentes nas casas dos matosinhenses e nos restaurantes da terra, que preparam o petisco em plena rua, em especial na Heróis de França, o que constitui um atractivo adicional para os turistas. Não é, contudo, como se verá, a única dádiva do mar de Matosinhos. A pesca efectuada pelas traineiras situa-se entre os 4 e 15 Km da costa. Os pequenos barcos pescam até 4 Km da mesma. Quando há falta de peixe, aquele primeiro tipo de barcos pode procura-lo na Figueira da Foz, na Nazaré, em S. Pedro de Moel, ou mais a Sul, podendo vende-lo noutras praças. Ou seja, a pesca, por norma, vai das 100 milhas para Sul e 75 para Norte, desde as 5 às noventa braças de profundidade (Fangueiro, 1985). Esta actividade económica, em Matosinhos, vem

desde o tempo em que a foz do rio Leça e a zona circundante começaram a ser habitadas, como o demonstra os pesos de rede encontrados no castro de Guifões, estudados por Joaquim Neves do Santos, Rocha Peixoto e outros. A importância desta actividade e das salinas que então existiam naquele local estão documentadas já no tempo de D. Afonso Henriques e D. Afonso III, cujas inquirições atestavam também a pesca de baleias, golfinhos, orcas e toninhas. Gente rude, mas trabalhadora e corajosa, somava cerca de 150 pessoas, entre pescadores, lavradores e salineiros. Por essa altura, 1258, já as suas embarcações chegavam à foz do Cávado (Galego, cit. in Couto, 2012). Do livro de Vereações da Câmara Municipal do Porto, no que respeita ao ano de 1393, aparece já a menção à sardinha pescada em Matosinhos e Leça da Palmeira, que era livremente comprada pelos portuenses, que a vendiam na sua terra. Também é verdade, que os pescadores locais, quando a pescaria era boa, iam vendê-la a outros locais, incluindo Espanha (Fangueiro, 1985). O Foral de Matosinhos, dado por D. Manuel I, na parte que se refere à cobrança de impostos e

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Ilustração 2: cavala.

respectivas isenções, menciona, para além do peixe, a captura de marisco. O quadro seguinte demonstra a enorme evolução da pesca em Matosinhos no século XIX e princípio do século XX. Permite também concluir pela importância da construção do porto de abrigo de Leixões, cuja segurança chamou à terra pescadores de outras regiões. Foram anos de acentuado crescimento. No quadro seguinte não estão considerados os pescadores contratados nos períodos em que o trabalho apertava, alguns dos quais eram oriundos de actividades bem diferentes, como por exemplo a agricultura.

ano 1812 1860 1890 1894 1899 1929 1931

recursos barcos 30 32 83 170 217 ? 417

pescadores 120 103 211 465 440 2620 ?*

Fonte: adaptado a partir de Fangueiro (1985), Faria (1899) e Pires et al (1934). *Só em traineiras eram 2900.

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capítulo 3

Ilustração 3: pescada.

Os meios utilizados na pesca foram também evoluindo: desde os barcos a remos e à vela, de pequena dimensão, até aos providos de motor, de grande dimensão. As técnicas de pesca também progrediram muito. A lista que se segue não é exaustiva, mas procura dar uma ideia dos diferentes tipos de recursos e artes aplicados ao longo do tempo:

o Lanchas; o Catraias; o Armações à valenciana; o Batéis; o Saveiros; o Arte xávega; o Cerco americano (utilizando barcos à vela, a remos ou a motor); o Barcos a carvão (vapor); o Traineiras; o Cerco algarvio (utilizando nas traineiras e buques a motor – as enviadas); o Motoras; o Barcos a gasóleo; o Arrastões.

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A EXCELÊNCIA DA MATÉRIA-PRIMA

Como se disse, é uma lista meramente indicativa, devendo apontar-se a utilização da motorização nos barcos a partir de 1906. Na verdade, existiu uma infinidade de barcos adaptados ao tipo de peixe ou marisco pescado. Esta constatação reportase, obviamente a períodos mais remotos. Neves (1958) menciona, no Norte de Portugal e na Galiza, a utilização da caravela, do baixel, da nau, da pinaça e da barca. No que respeita à pesca da sardinha, convém notar que antes da utilização da armação à valenciana e do cerco americano, já se usava a designada rede de emalhar, mais tarde chamada peças da sardinha. Inicialmente, a sardinha pescada era repartida pela companha, pelo barco, pelos santos da devoção dos pescadores e pela adega onde os mesmos iam matar a sede (Neves, 1958). Um dos factores mais importantes no desenvolvimento da pesca em Leixões foi a autorização, em 1913, do funcionamento das traineiras e dos cercos americanos. Em 1958, a produção do pescado na terra era já

Ilustração 4: robalo.

Ilustração 5: goraz.

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capítulo 3

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equivalente a 43% do total do país (Fangueiro, 1985). Houve, inicialmente, uma certa contestação aos cercos americanos motivada pelo risco (segundo alguns diziam) de extermínio da sardinha. Devese a José Ferreira Neto (o Sabeler) a introdução desta arte em Leixões. Só ao fim de um ano, depois de todos terem constatado que o receio não se concretizava e que a rentabilidade deste processo era muito superior ao das peças (tipo de rede) é que se verificou a sua adopção mais ou menos generalizada (Isidoro, 1979). A partir de então o crescimento da pesca da sardinha foi notável. Resumidamente, a pesca de cerco consiste no estender de uma rede em forma de saco, por intermédio de um pequeno barco que sai da traineira e a esta regressa, possibilitando que aquela seja puxada para bordo. Recentemente, as autoridades oficiais têm manifestado alguma preocupação motivada pela redução da quantidade de sardinha pescada, fenómeno que está ligado às alterações climáticas, às correntes oceânicas e a quantidade e qualidade do plâncton. Para ultrapassar este problema adoptou-se em Portugal uma política de quotas máximas de pesca. Algumas empresas detinham mais de uma embarcação. Felgueiras (1958) dá notícia dos armadores com um número significativo de traineiras4:

Cita-se apenas os que têm 3 ou mais embarcações. O seu número está logo a seguir ao nome da empresa.

Ilustração 7: carapau.

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o Companhia Pesca Transatlântica, SARL – 6 o Jamar, Lda. – 5 o Neves & Cª, Lda. – 5 o Mestres e Armadores Reunidos, Lda. – 4 o Empresa de Pesca “A Vimaranense” – 3 o Sociedade de Pesca Gondomarense, Lda. – 3 o Sociedade de Pesca S. Vicente, Lda. – 3


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A sardinha, para ser boa, deve ter as guelras vermelhas e sem muco as escamas bem fixas e brilhantes, os olhos salientes, o corpo firme e um ligeiro cheiro a maresia.

Na mesma altura existiam em Matosinhos 59 empresas de conserva de peixe, das quais 20 eram pelo sal. A pesca da sardinha efectua-se, por norma, à noite, altura em que este peixe sobe à superfície para se alimentar. Por isso, as traineiras saem para o mar ao escurecer e voltam por volta das seis ou oito horas da manhã. Pode ser efectuado mais que um lance de redes. A descarga de peixe, hoje facilitada devido às pontes cais construídas a partir de 1963 e aos meios mecânicos que passaram a ser utilizados, era antes bastante difícil. Os barcos de pesca não acostavam. O peixe era passado dos tanques de bordo para os cabazes, que depois eram colocados nas chalandras. Movidas a remos, estas dirigiam-se à lingueta. Quando o mar estava mau, o pescado era muito e os barcos afluíam à doca, na sua

Ilustração 6: atum.

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Ilustração 8: congro.

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maioria, ao mesmo tempo. A confusão era enorme, com as chalandras a chocar umas contra as outras, ferindo, por vezes com gravidade, alguns pescadores. A lingueta, rampa construída em pedra para facilitar a descarga do peixe na praia, só foi construída em 1924 (Couto, 2012). Até aí, as chalandras entravam pela areia dentro. A lota era no meio da praia, onde cada posto de venda era marcado por uma bandeira. Seguia-se então o leilão. Muitas traineiras de outros portos do país também descarregavam o peixe em Leixões, chegando a juntar-se umas 200, o que complicava todo o processo. Chegada a chalandra à lingueta, os cabazes eram colocados no chão, três a três. Era então enfiado um bordão nas pegas dos cabazes e os pescadores em terra levavam-nos até à lota, onde eram arrematados ao melhor preço. O processo repetia-se até não haver mais peixe nos tanques dos barcos. Em alturas de fome não faltavam na lingueta miúdos e graúdos à espera que um ou mais peixes caíssem dos cabazes. Sabedores do sofrimento de muito gente, que nada tinha para comer, os pescadores que carregavam os cabazes abanavam por vezes o bordão, provocando a queda de um ou outro peixe. Os mais afoitos entravam mar adentro na busca da sardinha que caía à água. A sardinha, como antes se disse, é a principal espécie pescada em Leixões, chegando a representar cerca de 70% do total. Contudo, ao longo dos anos, e ainda hoje, outras espécies se pescaram, como por exemplo: faneca, raia, cação, tamboril, linguado, areeiro, azevia, besugo, ruivo, pescada, marmota, robalo, peixe-pau, dentilha, chicharro, charroco, peixe-rato, carapau, bonito, cherne, capatão, tainha, goraz, congro, safio, imperador, garoupa, corvina, chaputa, sargo, dourada, badejo, abrotea, rodovalho, solha, peixegalo, cavala, peixe agulha, espadilha5.

Esta listagem é apenas uma amostra das espécies mais significativas. Parte dela teve como fonte a monografia de Guilherme Felgueiras citada na bibliografia, que, por sua vez, se serviu do trabalho extraordinário de recolha e catalogação feito por Augusto Nobre e outros cientistas. Alguns dos peixes têm diversas designações. Nestas circunstâncias, utilizou-se aquela que pareceu mais comum em Matosinhos. Obviamente, que a frequência de capturas varia de peixe para peixe, sendo ainda certo que alguns deles vão já rareando. Não se mencionou qualquer espécie de peixes de água doce, uma vez que desde há muitos anos a esta parte o rio Leça não é utilizado para a pesca.

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Como é sabido, Matosinhos foi, e é, uma praça forte no que respeita ao marisco. As espécies de crustáceos e moluscos marinhos mais comuns são: lula, choco, polvo, caranguejo, caranguejola, lagosta, camarão, mexilhão, percebe, santola, lavagante, sapateira, amêijoa, lapa e navalheira.

Ilustração 9: lula.

Ilustração 10: ostra.

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Como é sabido, Matosinhos foi, e é, uma praça forte no que respeita ao marisco. As espécies de crustáceos e moluscos marinhos mais comuns são: lula, choco, polvo, caranguejo, caranguejola, lagosta, camarão, mexilhão, percebe, santola, lavagante, sapateira, amêijoa, lapa e navalheira6. Da fauna marinha, em tempos idos, faziam também parte a baleia, a toninha, o golfinho e o roaz (Felgueiras, 1958). Embora hoje já nada subsista, durante anos, com início em 1896, existiu um estação de piscicultura, no local onde antes estavam as salinas 7. Era propriedade de João de Brito e tinha mais de 1.100 metros quadrados. Criava-se o robalo, a tainha e a enguia. Também havia uma pequena reserva de criação de ostras, mas, como diz Godinho de Faria, em 1899, estava inutilizada devido às cheias do rio (Faria, 1899). Só mais tarde, em meados do século XX, é que surgiu, mas desta vez em Leça da Palmeira, a actividade lagosteira, ou seja a exploração de viveiros de lagostas, cujo produto era, inclusive, exportado. A sardinha é, possivelmente, o principal prato da restauração em Matosinhos, em especial no que concerne aos restaurantes situados junto ao porto de pesca (ruas Heróis de França, do Sul, de S. Sebastião, do Godinho, avenida Serpa Pinto, etc.). Merece por isso uma referência especial. Tomando por base o excelente trabalho de Filipe Couto, citado na bibliografia, transcreve-se de seguida os possíveis pratos da culinária portuguesa nos quais este peixe é rei (Couto, 2012, p. 40)8:

Também não é uma listagem exaustiva.

Numa ilha no meio do rio Leça, a seguir à ponte de pedra, entre os canais doce e salgado.

Erguiço é sinónimo de caruma. A esta lista dever-se-á acrescentar a sardinha assada no carvão.

Ilustração 11: mexilhão.

Ilustração 12: ameijôas.

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Arroz de sardinhas, caldeirada de sardinhas, sardinha em vinho tinto, caldeirada de petinga, sardinhas fritas, sardinhas de escabeche, sardinhas na telha, bola de farinha de milho com sardinhas, sardinhas assadas no forno, sardinhas assadas no erguiço, sardinhas prenhas, sardinhas recheadas com bacalhau, sardinhas cozidas, sardinhas recheadas com carne, sardinhas curtidas, bola de sardinhas, farinha de pau com sardinhas, pastelões de petinga, costeletas de sardinhas, migas com tomate e sardinhas, massa com sardinhas, caldeirada de sardinhas ao forno, tarte de sardinha e sardinha à escabeche. 27


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capítulo 4

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á um mapa de 1583, da autoria de Lucas Waghemaer, representando a costa Norte de Portugal, no qual já aparecem identificados os leixões. Trata-se de um conjunto de penedos em frente à foz do rio Leça, cuja disposição tem a configuração de um porto natural. Durante centenas de anos, muitos foram os barcos que se acolheram à sua protecção, sempre que o temporal a isso obrigava e impedia a entrada no rio Douro. Note-se ainda, que em 1567 já tinha sido produzido, por Simão de Ruão, um estudo para aproveitamento do local como porto de abrigo (Marçal, 1965). Uma nova carta, de 1775, da autoria de José Gomes da Cruz, representa também as mencionadas pedras, acrescentando algumas notas das quais se salienta: “Pedra de Leixões onde se pode mandar fazer hum castello que abrigue os Navios e defenda a Costa fronteira” e “Podem entrar aqui piquenos barcos de Pescadores” (Sousa e Alves, 2002, p. 25). Deste último mapa consta também a observação sobre a urgência da construção do porto do Douro, antevendo-se já o seu possível entulhamento de areia. Paralelamente, refere a possibilidade dos navios se abrigarem sob a protecção dos leixões, caso seja impossível entrarem no rio Douro, bem como a ligação dessas pedras a outras mais a Norte, reforçando a barreira protectora. Já em 1812 o major de Engenharia Marino Miguel Franzini salientava que os rochedos designados leixões eram o único ponto da costa onde os barcos e a respectiva tripulação podia encontrar salvação caso o mar estivesse mau. Alertava também para o facto dos piratas procurarem aí abrigo, enquanto aguardavam a passagem de embarcações que pudessem abordar (Marçal, 1965). Começou, então, a discussão em torno da construção do porto no rio Douro, urgente não apenas pelo que atrás ficou dito, mas também porque os acidentes resultantes dos temporais e das cheias do rio eram muitos e tinham resultados devastadores, sendo especialmente severas as enchentes de 1727, 1739 e 1860, entre muitas outras. Muitos foram os projectos apresentados, por nacionais e estrangeiros, mas

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a verdade é que o seu custo e a dificuldade da sua implementação iam adiando a decisão. As dificuldades que se colocavam à navegação eram muitas, sendo de salientar que a barra do Douro estava muitas vezes fechada, tendo-se atingido o máximo de 105 dias em 1881 (Sousa e Alves, 2002). Acabou por ser o naufrágio do vapor Porto, em 1852, a determinar a necessidade de uma decisão urgente sobre o assunto9. Neste desastre morreram, à vista de todos, 66 pessoas da alta burguesia do Porto. Repescaram-se então ideias antigas, que defendiam a construção de um porto de abrigo na foz do rio Leça. Por outro lado, a previsível construção da linha-férrea, que ligaria Lisboa a Gaia em 1864 e passaria o Douro em 1887, implicava a existência de uma estrutura portuária que permitisse, não apenas as ligações internas, mas também as externas. Foi assim que, pela primeira vez, em 1860 o conselheiro Lopes Branco apresentou à Câmara dos Deputados a proposta de construção de um porto artificial em Leixões (Sousa e Alves, 2002). Sem sucesso, diga-se. Seguiram-se novas propostas para a construção

Note-se, que mesmo depois da construção do porto de abrigo de Leixões ocorreram naufrágios, com a consequente perda de muitas vidas, junto à entrada da barra do Douro, como foi o caso, em 3/2/1929, do vapor alemão Dieister.

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do porto de abrigo em Leixões, bem como as respectivas críticas, feitas por aqueles que temiam a decadência do comércio na cidade do Porto e a desvalorização do património que possuíam junto ao rio. O assunto voltou a entrar num impasse. São chamados técnicos estrangeiros, que na sua maioria se manifestam pelas enormes dificuldades em construir um porto no rio Douro devido à dificuldade da entrada de navios de grande porte na sua foz. De uma forma geral, todos apontam para as vantagens de Leixões. Algumas tentativas para manter o projecto ligado ao Porto, ou mesmo a Gaia, apresentam propostas extraordinárias, de dificílima concretização e custos elevados. Há, inclusive, um derradeiro esforço que prevê a construção do porto de abrigo em Leixões e de um canal para barcos, paralelo ao mar, que o ligasse ao rio Douro (Carreiros). A estas lutas pela definição do local de construção, não são alheios os interesses económicos dos diversos intervenientes, alguns dos quais pertencentes à mesma agremiação, a Associação Comercial do Porto.

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Por outro lado, era urgente evitar que o porto da cidade de Vigo, em Espanha, passasse a absorver todo o tráfego portuário, bem como garantir aos pescadores um abrigo seguro para os seus barcos, aumentando assim o abastecimento de peixe à cidade do Porto e arredores. A partir de 1881 os projectos e obras no porto do Douro são escassos. As atenções estão já voltadas para Leixões (Marçal, 1995). Por fim, em 23 de Outubro de 1883, foi aberto concurso para a construção do porto comercial de abrigo de Leixões, tendo por base a autorização legislativa datada de 26 de Junho do mesmo ano. O projecto definitivo, que absorve muitos dos contributos dados por diversos técnicos, em especial sir John Cood, ao longo de todos esses anos, foi da responsabilidade do Eng. Afonso Joaquim Nogueira Soares, na altura director das obras da barra. Estava tomada a decisão que alteraria de forma radical e em definitivo a vida dos matosinhenses e modificaria profundamente os aspectos económicos e sociais de toda a região. Em 16 de Fevereiro de 1884 os trabalhos foram adjudicados à firma Duparchy & Dauderny Cª pelo valor de 4.489 contos de reis. A construção do porto de Leixões trouxe a Matosinhos e arredores gente de muitos e variados lugares. Alguns foram trabalhar directamente na construção da infra-estrutura portuária; outros encontraram emprego na edificação de pontes, de estradas e do caminho-de-ferro; outros ainda trabalharam nas pedreiras de S. Gens, em Custóias, que forneceu a matéria-prima respectiva. Mas dizer isto é muito pouco, uma vez que o empreendimento também trouxe para Matosinhos muitos pescadores do litoral Norte do país, entusiasmados pela protecção que o mesmo lhes daria no exercício da sua actividade. Mais tarde, a abundância de pescado conduziu à construção de muitas fábricas de conservas, armazéns de peixe e novas empresas de pesca10. As tarefas do porto comercial exigiram gente especializada: despachantes, transitários, estivadores, etc.

Convém também lembrar a construção, em 1937, da Fábrica de Óleos e Farinhas de Peixe de Matosinhos, que através do aproveitamento do peixe excedentário e em pior estado, bem como dos resíduos das fábricas de conserva, produzia farinhas para animais, adubos e óleos. Esta lembrança advém do facto de esta ter sido a primeira fábrica do género em Portugal. A Fábrica da Tripa, como também era conhecida, encerrou na década de 80 do século XX.

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A CONSTRUÇÃO DO PORTO DE LEIXÕES

Trata-se de um conjunto de penedos em frente à foz do rio Leça, cuja disposição tem a configuração de um porto natural. Durante centenas de anos, muitos foram os barcos que se acolheram à sua protecção, sempre que o temporal a isso obrigava e impedia a entrada no rio Douro.

(Os Leixões)

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capítulo 4

E é ainda pouco ficarmos por aqui, uma vez que o porto de Leixões teve um enorme efeito multiplicador, com implicações em diversas áreas económicas, como a construção civil, a metalurgia, a carpintaria, a hotelaria, a restauração, o comércio, etc. Saliente-se, por último, que Matosinhos passou também a ser o ponto de passagem de muitos daqueles que queriam emigrar para outras terras. A dinâmica criada em torno do projecto foi enorme, conduzindo ao aparecimento de muitas pensões e restaurantes, como forma de dar resposta à procura crescente deste tipo de serviços. Como entreposto comercial, a terra beneficiou também do conhecimento atempado das novidades nacionais e estrangeiras, bem como da visita de passageiros e marinheiros de muitas nacionalidades. Foi, como é fácil de ver, um mar de oportunidades e um factor catalisador de muitos e bons negócios. As obras do porto de abrigo consistiram na construção de dois molhes. Um a Norte da foz do rio Leça, que assentou nos rochedos designados por Tringalé, Salgueiro, Galinheiro, Lada pequena, Lagedo e Leixão grande. Outro a Sul, que aproveitou a formação rochosa conhecida pelo nome de Espinheira. Os trabalhos, concluídos, no essencial, dentro do prazo acordado, foram recepcionados, provisoriamente, no dia 28 de Outubro de 1892 e ficaram definitivamente prontos em 31 de Dezembro seguinte (Sousa e Alves, 2002). Já antes disso entravam navios no porto. O primeiro foi em 9 de Novembro de 1886. Para se ter uma ideia das implicações do porto de Leixões e da sua necessidade para a região, consulte-se a tabela com os movimentos de navios e passageiros embarcados, referente aos primeiros anos de funcionamento do porto de abrigo. Não se deve esquecer que nessa altura ainda estava em plena actividade o porto do Douro.

ano 1891 1892 1893 1894 1895 1896 1897 1898 1899 1900 1901 1902

navios 476 485 404 405 448 473 571 534 446 488 543 600

passageiros 7797 3000 13667 6113 9184 9458 8584 13107 6614 5456 5863 5605

Fonte: Adaptado a partir de Sousa e Alves, 2002.

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A CONSTRUÇÃO DO PORTO DE LEIXÕES

Já em 1812 o major de Engenharia Marino Miguel Franzini salientava que os rochedos designados leixões eram o único ponto da costa onde os barcos e a respectiva tripulação podiam encontrar salvação caso o mar estivesse mau.

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capítulo 4

Apesar dos melhoramentos que foram sendo introduzidos no porto de abrigo, para o adaptar a porto comercial, foi prevalecendo a ideia de aumentar substancialmente a sua capacidade, ao mesmo tempo que a solução Douro ia perdendo força. Assim, em 1907 foi encomendado a Adolfo Loureiro um plano de conjunto que abrangesse soluções técnicas e custos estimados para novas e antigas instalações. O trabalho, um dos mais notáveis da engenharia portuguesa, ficou concluído no ano seguinte e teve a assinatura de dois engenheiros: o já mencionado Adolfo Loureiro e Santos Viegas. Prevê-se então a construção de duas docas no estuário do rio Leça. Ao longo deste período, é indiscutível a efectiva redução do número de naufrágios na barra do Douro, sem dúvida resultante da preferência em aportar a Leixões quando as condições do mar não eram boas. Em 1878 verificaram-se 22 naufrágios. Em 1906 ocorreu apenas 1. Apesar do Douro continuar com movimento, este vinha decrescendo à medida que os anos passavam – pelo menos na tonelagem transportada por cada barco e por comparação com Leixões. Para se ter uma ideia, basta comparar os seguintes dados: em 1909 entraram no Douro 1.124 navios com uma média aproximada de 410 toneladas cada; no mesmo ano, em Leixões, os números eram, respectivamente, 937 e 2031 (Sousa e Alves, 2002). As dificuldades financeiras e a indecisão política continuaram a adiar a execução dos projectos. Em 1912 foi decidido manter o projecto Loureiro/ Viegas, introduzindo algumas alterações resultantes do aumento de tonelagem dos navios. A discussão em defesa do Douro continuou, mas as condições naturais não favoreciam esta opção. Em finais de 1911, princípios de 1912, no conjunto de 90 dias, aquela barra esteve fechada em 51. Em 1924 arrancam novas obras, entre elas um melhoramento significativo para os pescadores, que foi a construção da lingueta (rampa com cerca de 5 metros, em pedra, no interior do porto de abrigo, com o objectivo de facilitar a descarga de peixe). Por esta altura, a

zona da foz do rio Leça era um autêntico estaleiro, dadas as muitas obras que decorriam, entre as quais sobressaíam a construção do canal de desvio do rio e das cabeças de entrada daquela que seria a doca número um. Mas a crise económico-financeira e as mudanças políticas voltam a atrasar todo o processo. Estas demoras conduzem a alterações ao projecto, mas a ideia de Adolfo Loureiro e Santos Viegas de construir as docas comercias na bacia do Leça mantém-se. A empreitada de construção daquela doca só se iniciaria em 1934, tendo ficado concluída em 1938 e sido inaugurada em 1940. Em 1942, a Junta Nacional da Marinha Mercante toma uma decisão de capital importância para Leixões, que arruma, em definitivo a questão do porto do Douro: as companhias de navegação passariam a aceitar carga apenas na primeira daquelas infra-estruturas. O fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, permite que o tráfego marítimo volte a ter um crescimento acentuado, o que em muito beneficiou o porto de Leixões, cujo projecto passou a ser mais ambicioso. A doca número dois permitiu a criação de uma bacia de rotação para grandes navios, o aumento do cais de acostagem e da área para armazenamento temporário de mercadorias. Contudo, a sua construção só se iniciaria por volta de 1956, tendo os trabalhos sido concluídos em meados da década de setenta do século XX. Voltando ao porto de abrigo, este também permitiu a criação de condições de segurança para os pecadores, o que conduziu à concentração em Leixões de

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A CONSTRUÇÃO DO PORTO DE LEIXÕES

Por fim, em 23 de Outubro de 1883, foi aberto concurso para a construção do porto comercial de abrigo de Leixões, tendo por base a autorização legislativa datada de 26 de Junho do mesmo ano.

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capítulo 4

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muitos barcos e respectivas companhas, alguns dos quais estavam espalhados por pequenos portos do Norte do país. Determinou também o aparecimento de grandes e modernas empresas de pesca, bem como o desenvolvimento da indústria conserveira. Contudo, o porto de pesca, encostado ao molhe Sul, era de pequena dimensão e não oferecia grandes condições, sendo a origem de diversos acidentes de trabalho e a causa de acentuada ineficiência. Notese, que as dezenas de traineiras descarregavam para pequenas chalandras que afluíam aos montes à lingueta. Aí, enquanto umas esperavam a sua vez, outras eram alijadas do seu precioso produto por pescadores, que penduravam os cabazes de peixe em bordões e os levavam para venda. E o ciclo repetia-se até que tudo estivesse concluído. Para se ter uma ideia do movimento gerado, importa dizer que em 1960 já havia 200 traineiras em Leixões, 113 das quais aí matriculadas. No mesmo ano a sardinha descarregada totalizou 87.599 toneladas11 (Sousa e Alves, 2002). Para ultrapassar este problema, que fazia perder tempo e suportar custos elevados, deu-se início, em 1960, à construção de três pontes cais que permitiriam a acostagem simultânea de 72 traineiras. A primeira entrou ao serviço em 1963 e o projecto ficou concluído em 1968. Outras datas importantes para o porto de Leixões foram: em 1968 é alteado o quebra-mar; em 1969 entra em funcionamento o terminal para petroleiros; em 1979 fica concluído o primeiro terminal para contentores; em 1983 acaba de ser construída a doca número quatro; em 2015 foi inaugurado um novo e moderno terminal de cruzeiros. São estas as datas mais significativas da grande epopeia que foi a construção do porto de Leixões – uma obra notável, de grande impacto económico, social e paisagístico. A partir do momento que se deu início às obras de construção, a afluência de pessoas a Matosinhos e Leça da Palmeira foi enorme. Em primeiro lugar devido àqueles que vieram trabalhar nas obras da construção do porto de abrigo e em todos os melhoramentos que se lhe seguiram. Em segundo, porque os pescadores do litoral Norte do país, em especial da Póvoa de Varzim, de Vila do Conde, da Afurada, de Espinho, de Ovar, da Murtosa, de Aveiro e da Gafanha, procuraram em Leixões melhores

De notar, que no segundo porto do país, Portimão, apenas se descarregavam 12.967 toneladas de sardinha.

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A CONSTRUÇÃO DO PORTO DE LEIXÕES

A dinâmica criada em torno do projecto foi enorme, conduzindo ao aparecimento de muitas pensões e restaurantes, como forma de dar resposta à procura crescente deste tipo de serviços. condições de trabalho e de segurança. Em terceiro, devido à presença, mesmo que temporária, mas sempre renovável, de passageiros e tripulantes dos navios que aqui aportavam. Em quarto, porque a construção do porto comercial trouxe consigo a instalação de muitas e variadas empresas, cuja actividade se centrava na chegada, carga, descarga, abastecimento e partida dos barcos. Em quinto, devido o aumento do número de traineiras e arrastões que, por sua vez, implicaram o aumento e a variedade do pescado, o que conduziu ao aparecimento de muitas fábricas e armazéns de peixe. Em sexto e último, porque o desenvolvimento de toda essa actividade teve um efeito multiplicador na economia da terra, em particular devido à implantação de agências bancárias, pensões, hotéis, mercearias, restaurantes e outras casas comerciais. Em resumo, as infra-estruturas adaptaram-se ao crescimento económico e populacional As pensões, hotéis, mercearias, tascos, casas de pasto, adegas, cafés e restaurantes, já de si significativas devido à zona balnear, tiveram enorme incremento. A restauração, razão de ser deste livro, beneficiou em muito deste movimento. Como se verá, apareceram novos pratos, diversos níveis de preços, inovações no atendimento, publicidade, instalações modernas, música ao vivo, cozinheiros famosos, etc. Tudo o que pudesse ser factor de preferência, num negócio bastante concorrencial, foi utilizado. A chegada de pescadores e de suas famílias, na sua maioria pobres, aumentou também o movimento das

mercearias, tascos, adegas e casas de pasto, com as vendas, muitas vezes, a serem feitas a crédito, no que resultou no endividamento de uma franja da população, mas também na sua fidelização ao credor. As dificuldades desenvolveram a arte da confecção de alimentos, bem como da matéria-prima e dos processos utilizados. A história nunca mais parou. Não houve marchaatrás. Foram apenas fases diferentes de um mesmo processo, cujas alterações resultaram do tipo de clientes, dos hábitos de consumo e do aparecimento de novas matérias-primas (muito em especial o peixe e o marisco) – até que Matosinhos se transformou no restaurante do Norte do país, num local de referência da gastronomia portuguesa e europeia.

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A EVOLUÇÃO DA RESTAURAÇÃO

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ão é usual escrever-se sobre a história da restauração. Por isso, as fontes são escassas e as lacunas muitas. Nestas circunstâncias, o tema é de difícil abordagem e obriga a um trabalho intenso de consulta, procurando aqui e ali pequenos dados, sem garantia de sucesso ou, por vezes, com resultados marginais. Neste sentido, este trabalho permite abrir portas a futuras investigações sobre a matéria. Procurouse conjugar as fontes escritas com o resultado das entrevistas aos profissionais do sector que, na medida do possível, contribuíram para a compreensão da evolução da restauração em Matosinhos. Entendeu-se aconselhável começar a narrativa em finais do século XIX, por razões que são

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compreensíveis: a disponibilidade de dados e a importância da construção do porto de Leixões, com todas as consequências que daí resultaram. Para além desta introdução, este capítulo foi dividido em quatro pontos que, no essencial, retratam aspectos diferentes da evolução da restauração, ou formas diferentes e complementares da mesma actividade12. Aborda-se em primeiro lugar a questão dos restaurantes, depois a dos estabelecimentos similares, a seguir as das marisqueiras e, por último a das adegas e tascas. Contudo, convém salientar que a divisão entre os diferentes tipos de estabelecimentos nem sempre é fácil. Havia cafés, hotéis e pensões, e até mesmo mercearias, adegas e tascas, com serviço de alimentação.

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O capítulo seguinte é uma abordagem crítica, especialmente em termos futuros, que resulta, em parte, do contributo dos donos e responsáveis por diversos restaurantes de Matosinhos.



OS RESTAURANTES


capítulo 5

Na década de 80 do século XIX existia um restaurante em frente à fonte dos dois amigos (actual rua José Ventura). Chamava-se Restaurante Rua Velha e persistiu, pelo menos até 1888, apesar de ter sido atingido por um incêndio. No ano atrás referido anunciou que cozinhava para fora e alugava trens de cozinha. Este último serviço caiu em desuso, pelo menos no que respeita aos restaurantes. Na mesma altura, na alameda Passos Manuel, em Matosinhos, junto ao rio Leça, dominava o Restaurante Dias. Anos mais tarde, por volta de 1890, existia na rua Juncal de Baixo (actual rua Roberto Ivens), nº 22, uma mercearia com casa de pasto e cinco anos mais tarde abriu na rua Conde S. Salvador, n.º 14, outra casa de pasto, anunciada como a primeira no género. Uma das novidades introduzidas foi a abertura de uma subscrição para fornecimento de refeições a operários e outros empregados. O custo das mesmas era de 170, 280 e 500 reis, consoante o menu escolhido13. Neste ano tinham acabado as obras do porto de abrigo e o desemprego nas classes mais baixas aumentara substancialmente, o que reduzira a actividade económica e criara situações sociais preocupantes. Não admira pois, que os empresários procurassem soluções imaginativas e económicas para ultrapassar os problemas. Em Leça da Palmeira, temos notícia, em 1891, da abertura do Novo Café e Restaurante, situado na rua da Praia, a caminho da entrada para os paquetes. Era propriedade da firma Ferraz & Martins. A sua localização era a ideal para a captação daqueles que se dirigiam a bordo. Esta constatação e outras que a seguir se verão, demonstram que a vida económica de Matosinhos e Leça da Palmeira e, em especial, os restaurantes, casas de pasto, cafés, hotéis e pensões se iam estendendo em torno do porto de Leixões, o que, por sua vez, prova a importância desta infraestrutura para a localidade. No mesmo ano, 1895, anunciava-se a abertura de um restaurante, propriedade de João Manuel Martins, na rua Roberto Ivens n.º 60. Este era, por certo, um importante empresário da restauração, pois antes já detinha um outro estabelecimento na alameda Passos Manuel (a alameda de Matosinhos). Quatro anos mais tarde, na rua de Santo Amaro n.º 1 e n.º 2, abria o restaurante Silva, de Manuel Ferreira da Silva. Uma das especialidades desta casa seria a confecção de tripas à moda do Porto, duas vezes por semana. Este era outro dos conhecidos empresários da

Restaurante Garrafão.

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Em parte, estamos a seguir, com algumas adaptações, para o período do 1850 a 1910, a informação recolhido no trabalho de António de J. Gomes, publicado em 2005 e citado na bibliografia.

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A EVOLUÇÃO DA RESTAURAÇÃO

restauração, em Matosinhos, pois já tinha explorado o Restaurante Minho e Douro, na rua do Paço n.º 1814, que, entretanto, tinha trespassado a Manuel da Silva Torres. Anos mais tarde era já propriedade de Francisco da Silva Torres, que em 1907 também geria o restaurante da Praça de Touros de Matosinhos. Por esta altura, as tripas à moda do Porto eram um dos pratos mais apreciados da gastronomia matosinhense. É o que se deduz da existência de mais um restaurante, na rua de Santo Amaro, em 1896, que publicitava o referido prato. A rua Conde S. Salvador e as situadas na sua proximidade (Brito Capelo e Roberto Ivens) pareciam ser um dos centros mais importantes da restauração na localidade. Em 1900 houve notícia da abertura,

nessa artéria, do Café Restaurante do Pereira, que tinha a particularidade de também alugar quartos. Tinha, segundo anunciava, preços módicos, que se poderá avaliar na seguinte lista (Gomes, 2005):

Restaurante Garrafão.

Restaurante Garrafão.

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Chávena de café, com ou sem leite – 30 reis; Copo de chocolate – 50 reis; Chávena de chá – 40 reis; Genebra ou aguardente – 20 reis; Posta de pescada, com ou sem batatas – 80 reis; Bacalhau assado ou cozido – 50 reis; Bife na grelha ou de cebolada – 100 reis; Sopa – 40 reis; Dose de arroz – 20 reis; Pensão completa (3 refeições) – 200 reis (por dia)15.

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Anteriormente estava sediado na rua Conde S. Salvador n.º14.

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De notar que um dia de trabalho manual valia, na altura, cerca de 300 reis.


capítulo 5

Outro dos empresários mais dinâmicos do início do século XX era Francisco Ariz, proprietário do Hotel de Matosinhos, que, em 1903, abriu o Restaurante Leixões, em Leça da Palmeira, em frente à estação semafórica. Um dos atractivos deste restaurante era a sua localização, no caminho de quem ia para bordo ou, simplesmente, passear no molhe Norte. No largo do Castelo, também em Leça da Palmeira, existiu, por essa altura, um restaurante que Gomes (2005) admite ser o Vai e Volta, da firma Queiroz & Filho. Do outro lado do rio, na rua Roberto Ivens, em frente à farmácia Faria, abriu em 1903 um restaurante com o nome comercial Cozinha do Povo. Foi pertença da firma Silva & Correia e afirmava ter bons petiscos a preços razoáveis. Quatro anos depois, um pouco mais abaixo, na avenida Serpa Pinto, junto ao teatro Constantino Nery, abriu em 1907 um novo café/ restaurante, propriedade de Augusto Martins. O autor atrás citado admite que esse estabelecimento poderá ter sido o antepassado do Girassol, sobre o qual falaremos mais adiante. Em 11 de Fevereiro de 1904 o Café Restaurante do Pereira confeccionava umas famosas tripas, às Quintas e Sábados. Ao Domingo tinha carne seca à brasileira. Esta era uma casa rica em petiscos e pescado, todos os dias ao som da guitarra e do violão, a toda a hora. Em Abril de 1907 abriu mais um café e restaurante, desta vez junto ao Senhor do Padrão, com frente para a linha-férrea. Tinha sala de bilhares e bons quartos com vista para o mar. Como é sabido, hoje em dia esta zona está repleta de restaurantes. Pelos vistos, já na altura, exercia alguma atracção sobre aqueles que queriam investir no Sector. Em 1910 Angelina da Conceição Soares fundou a casa Caninhas Verdes16, na rua Brito Capelo n.º 1495. Muitos anos mais tarde, em 5 de Junho de 1960, anunciava que tinha serviço de cozinha permanente, com lista. Servia pratos regionais que podiam ser saboreados numa simpática sala de jantar ou numa esplanada.

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Henrique Torres e os irmãos.

Mais adiante falar-se-á de novo sobre este estabelecimento, quer a propósito das marisqueiras, quer das adegas e tascos.

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A EVOLUÇÃO DA RESTAURAÇÃO

Em 1910, na rua da Praia, em Leça que também tem o nome Serpa Pinto, no n.º 41-43. da Palmeira, existia um restaurante Servia carne e peixe, mas não vendia marisco. Fazia propriedade da firma Pereira & muitas caldeiradas confeccionadas por homens do Sousa. Mais um estabelecimento mar. Os clientes eram sobretudo pescadores. Em nesta artéria, o que prova que o 1970, quando Maria Alice da Silva Alves, natural de Lavra, foi para lá trabalhar, com cerca de 7 anos, o local era muito frequentado. Por vezes os estabelecimentos tipo de cliente já era da classe média alta e já se mudavam de lugar, por certo usava guardanapo de pano. em busca de maior clientela ou Passou a Restaurante Marisqueira Serpa Pinto de melhores instalações, o que em 1972, altura em que ainda existiam poucas resultava no mesmo. Era essa a marisqueiras. O empresário Henrique Torres, expectativa. Por exemplo, em 4 fundador de muitas marisqueiras matosinhenses, era de Maio de 1913 o proprietário cliente e fornecedor da casa. Devia-se estar por volta (Augusto Martins) do restaurante de 1974 ou 1975, porque na altura ele tinha deixado Martins anunciava no Badalo que a restauração e só vendia marisco. Maria Alice se mudava da avenida Serpa lembra também que o marido apanhava mexilhões, que eram oferecidos gratuitamente aos clientes que Pinto para o n.º 51 da rua Brito Capelo. O restaurante Praxedes reabriu no dia 20 de Abril comprassem cerveja. de 1915, agora com o nome Restaurante da Africana. Por essa altura abriu também a Marisqueira dos Pelos vistos, o seu dono, depois de ter trespassado Pobres, próxima do local. Contudo, Maria Alice o estabelecimento anterior, que era mercearia garante que o seu estabelecimento é que era a e restaurante, em simultâneo, teve saudades do verdadeira marisqueira para os menos abonados. negócio e resolveu tentar de novo a sua sorte. A dona tem actualmente 82 anos e começou a servir com 7 anos, como já Abordamo-lo, por isso, antes foi referido, ganhando também no ponto referente aos 5 tostões por mês. Foi no estabelecimentos similares. início da década de 70 que O número de restaurantes pegou no restaurante, altura e casas similares, em em que o forte era a sardinha Matosinhos e Leça, devia assada no sal e a faneca com ser, por esta altura (primeiro arroz de tomate. Actualmente quartel do século XX), as especialidades são o bastante elevado, uma vez que muitos aparecem bacalhau à Serpa Pinto, que é o mesmo que à moda de frequentemente citados na Braga, com batata à rodela e imprensa local – e muitos um molho especial, o arroz haveria que não eram notícia. de marisco, a açorda de Em 4 de Março de 1917 há marisco e as lulas. São 11 a publicidade ao Bom Retiro, trabalhar, incluindo a Maria na qual se pode ler que tem Maria Alice, do Restaurante Marisqueira Alice e as filhas Olinda Silva bons vinhos e petiscos. Tinha Serpa Pinto e Maria da Graça Silva. morada na rua França Júnior, 91 Com o nome Aliança funcionava desde 1942, na rua e era propriedade de Francisco Antunes de Castro. Em 11 de Dezembro de 1921, o jornal O Democrata do Godinho, n.º 408, uma adega regional, cujos donos anunciava que junto ao Prado a Casa 1º de Maio já faleceram, não tendo sido possível apurar os seus servia bons rojões, papas, sarrabulhada à moda do nomes. Em 1977, José Alves, antigo empregado da Adega Campos, e outro sócio tomaram de trespasse o Minho e excelentes vinhos verdes e maduros. Por volta de 1935 foi fundado por Eduardo Costa, estabelecimento, que transformaram em restaurante, que andara embarcado no navio Serpa Pinto, o mantendo contudo o nome. Há mais de 30 anos que restaurante com este mesmo nome, sito na avenida o primeiro o gere sozinho. Foi sempre uma casa de

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capítulo 5

comida tradicional portuguesa – peixe grelhado, peixe frito, carnes assadas. O mais solicitado é o bacalhau, as tripas e o cozido à portuguesa. No início, uma das salas era um logradouro com árvores, mas os sócios transformaram-no numa sala de jantar. As principais diferenças que ocorreram ao longo dos tempos, segundo José Alves, foram as exigências em termos de higiene e de Contabilidade. Lembrou que nos primeiros tempos nem caixa registadora existia. Por volta desta altura (década de 40 ou 50 do século XX), mas em data que desconhecemos, existiu em Leça da Palmeira, na Travessa do Castelo nº 3, a Casa de Pasto de A. Rodrigues “Cortiça”, que anunciava ter excelentes acomodações e bons vinhos a preços módicos. No início dos anos 50 do século XX foi fundada aquela que viria a ser uma das casas mais afamadas de Matosinhos, uma autêntica referência da cidade – a Adega Campos, mais conhecida por Farmácia Campos, pelo menos a partir de 1965. Muitos visitantes percorriam as Matosinhos à procura da “Farmácia”, que se situava na rua 1º de Dezembro n.º 522 e que enchia com frequência. Foi um local de culto de muitas gerações de matosinhenses. O chão era, inicialmente, em terra batida. Os sócios fundadores, António, Acácio e Laurindo Campos eram oriundos de Tabuaço. O primeiro era também ferrador, profissão na qual era igualmente muito conhecido. A sua neta, Fátima Campos, recorda que havia um quintal enorme onde brincava com o primo, Rui Campos, que chegou a abrir A Nova Farmácia Campos na praia de Pipa, no Brasil. O referido espaço tinha também uma ramada que dava sombra a algumas mesas ao ar livre, nas quais se reuniam os elementos do grupo de futebol Os Pimentas, equipa amadora que participava apenas em jogos particulares e à qual pertenceram Bené, Wagner, Geraldinho, Jacinto, Gainza, Santana, Manuel Pinto da Costa, Eduardo Pinto da Costa, Vasco e outros. Muitos destes eram jogadores, ou antigos jogadores, do Leixões Sport Clube. A Adega Campos vendia, inicialmente, vinho ao balcão, atrás do qual havia um exército de pipas sempre prontas a encher os copos dos clientes. A qualidade dos vinhos Paivas, comprados em armazéns sitos em Leça da Palmeira, era muito apreciada, tendo servido para fidelizar muitos clientes. Chegaram também a vender azeite. A D. Aduzinda Pato e a D. Conceição Nora, mãe e tia de Fátima Campos, faziam

Acácio e Laurindo Campos, com amigo, no quintal da Farmácia Campos.

Primitiva sala da Farmácia Campos.

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A EVOLUÇÃO DA RESTAURAÇÃO

O número de restaurantes e casas similares, em Matosinhos e Leça, devia ser, por esta altura (primeiro quartel do século XX), bastante elevado, uma vez que muitos aparecem frequentemente citados na imprensa local – e muitos haveria que não eram notícia.

Acácio Campos.

Laurindo e amigo.

Acácio Campos e António - filho - na Farmácia Campos.

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capítulo 5

Eles é que modernizaram o espaço, puseram tudo em pedra e aumentaram a cozinha. Hoje, e após ter estado algum tempo encerrado, estão à sua frente Bruno Pinto e Tiago Gouveia. Reabriram a casa no dia 3 de Dezembro de 2014 e mantiveram a comida tradicional portuguesa e os petiscos. As doses continuam a ser grandes e o bacalhau, tal como antes, desempenha o papel principal (bacalhau à moda de Braga, a que chamam bacalhau à Farmácia, bacalhau na brasa, no forno e à Zé do Pipo). A Adega Campos foi também uma grande escola. Muitos dos seus empregados acabaram por se estabelecer por conta própria. Foi o caso de José Alves, ao abrir o Aliança, de Manuel Sousa, o Galispo, de Armindo, a adega Leixões, de Joaquim, a Casa Império. As cozinheiras também fizeram carreira profissional em restaurantes conhecidos. E foi ainda na década de 50 do século XX que o senhor Armindo, que como se disse tinha sido empregado na Adega Campos, abriu a Adega Leixões, na rua França Júnior, nº 493, onde antes existia uma mercearia, propriedade do senhor Henrique. Pintou a casa e encheu-a de pipas. A sala da frente tinha o chão em cimento e a de trás em areia. Tudo um pouco ao estilo do estabelecimento onde se tinha formado. Contudo, a doença afastou-o da gerência da adega, passando a mesma para o seu genro, António Reis, e filha, Isabel Reis, que estão ao leme da mesma há já 28 anos. Os petiscos mais famosos, no início, eram as lulas e o bacalhau (iscas e bolinhos). O tipo de clientes era variado, incluindo pessoas com possibilidades, que gostavam de ir às tasquinhas, pescadores e médicos. Por lá também passaram várias personalidades, como Fernando Mendes e Eusébio. O que deu fama à Adega Leixões foi a comida caseira e o vinho verde branco. Actualmente a preferência dos clientes vai para os ossinhos de assuã, servidos com grelos e morcela, e para a caldeirada de peixe. O chispe assado é outra das especialidades. Recebem muitas festas de estudantes e aniversários. Há cerca de 12 anos a adega foi objecto de obras, altura em que deixaram de ter as pipas em exposição. Hoje tem o aspecto de um restaurante com um estilo rústico cuidado. Têm clientes com uma assiduidade de muitos anos, sendo caso extremo o de um senhor com uma frequência de 40 anos. António Reis explicou que o nome Adega Leixões resultou do facto da antiga estação de comboios e do porto de mar terem essa designação.

os lanches em casa, que os empregados iam buscar de bicicleta, como por exemplo fígado de cebolada e pataniscas. Mais tarde começaram a confeccionar almoços, porque os petiscos agradavam e a procura aumentava rapidamente. Na altura, o estabelecimento era muito frequentado pelos industriais de conservas, em especial quando reuniam com armadores de pesca e mestres de traineira. Foi então que começou a ser muito conhecido. Anos depois construíram uma enorme cozinha e, em 1974, um pré-fabricado com mesas corridas. As pessoas sentavam-se juntas, mesmo sem se conhecerem. Os clientes comiam e bebiam a quantidade que quisessem, o preço era fixo. Vinham de todo o lado, inclusive os emigrantes na altura das férias, ou os políticos de visita a Matosinhos, entre os quais se contavam Mário Soares, Freitas do Amaral, Fernando Nogueira, ou artistas, como Fernando Mendes e o pai. A Adega Campos passou também a ter um novo leque de clientes, os estudantes universitários, que a escolhiam para a realização das suas festas. Até 1985, ano em que o restaurante foi trespassado para um senhor de nome Agostinho, a Adega Campos manteve-se igual a si própria: dois pratos, um de peixe e outro de carne, tudo à discrição. Ficou muito famosa pelo bacalhau no forno e na brasa, mas também pelos bolinhos de bacalhau, pelas tripas, pelas sardinhas fritas, acompanhadas pelo arroz cozido em água das mesmas e pelo peixe-galo. O trespasse ocorreu devido à morte de Laurindo e Acácio Campos. O primo de Fátima Campos, já citado, esteve à frente da casa durante algum tempo. Só nesta altura é que passou a haver lista com a variedade de produtos confeccionados. O dono que se seguiu foi Albino Pinto, responsável por obras importantes realizadas em 1999. Até aí o chão era em terra e chovia dentro do edifício. As mesas ainda eram corridas, com bancos compridos. Ele e a esposa, Maria Fangueiro, compraram a Adega Campos aos herdeiros e senhorios de então: Fátima Campos, António Campos, Maria Teresa Campos e Rui Nuno Campos. Mas quem esteve sempre à frente da adega foi um cunhado da dona Maria Fangueiro, o senhor Mário Oliveira, a intenção foi comprar o prédio e o cunhado ficou a gerir. Contam que a Adega Campos sempre teve 3 salas. O pré-fabricado foi construído na altura do casamento de Fátima Campos. Quando a compraram, a casa estava muito velha, a cozinha não estava actualizada, a construção era em madeira.

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A EVOLUÇÃO DA RESTAURAÇÃO

Os Zés Pereiras na Adega Leixões.

Adega Leixões.

Adega Leixões.

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capítulo 5

Outra casa fundada na década de 50 do século XX, que ainda hoje se mantém aberta, foi o Restaurante Costa, na rua Roberto Ivens, nº 201. É mais uma referência da restauração matosinhense. Instalouse no mesmo sítio onde já funcionava uma adega/ mercearia. O chão era em terra batida. Na gerência encontra-se agora Goreti Costa, filha do fundador, Joaquim Augusto Costa, que foi para lá na década de 50, primeiro como funcionário e passados uns meses como proprietário. No início a casa não tinha nome. Aos poucos foram transformando o espaço: o chão foi cimentado, as pipas que existiam no início foram dispensadas e a adega ficou mais estreita, o que permitiu o aumento do restaurante. É curioso referir que o estabelecimento chegou a vender água. Os primeiros clientes foram, essencialmente, da classe piscatória. Iam de manhã abastecer-se com pão, garrafões de vinho e petiscos. Como se depreende era, no início, uma casa de pasto, tendo

passado a restaurante na década de 60. Os petiscos mais requisitados eram as pataniscas, as iscas de fígado, o bacalhau frito e o pernil cozido. Tinha bancos corridos onde os clientes se sentavam, as paredes eram brancas e sem decoração. A esposa de Joaquim Augusto Costa, Idalina Costa, era a cozinheira de serviço e está ainda à frente do estabelecimento. Ainda mantêm o hábito de servir lanches, com petiscos como pataniscas, tripinhas enfarinhadas e sandes de presunto. Estas granjearam enorme fama. Não fecha durante a tarde! Actualmente, os clientes são de classe média alta e os pratos fortes são o pernil à costa, o cozido à portuguesa, o bacalhau à costa, as sardinhas na telha. No Natal têm um prato famoso que é o Capão à Bordalesa. Joaquim Augusto Costa morreu em 1992 e desde então, como já mencionado, ficaram à frente do restaurante a esposa e a filha. A década de 50 do século XX parece ter sido um período excepcional no que respeita à abertura de

Adega Leixões.

Restaurante Garrafão.

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novos e bons restaurantes, muitos dos quais ainda hoje estão em funcionamento. Para além de terem sido a escola de muitos profissionais, eles foram o ponto de partida para o desenvolvimento do turismo gastronómico em Matosinhos, hoje um dos grandes atractivos da cidade. Neste período, entre aqueles que tiveram mais sucesso parece haver traços comuns: a casa de pasto com os pipos à vista; as mesas corridas; os petiscos; o bom vinho. Por volta de 1958, os restaurantes mais conhecidos, para além dos anteriormente referidos, eram: o Girassol, na avenida Serpa Pinto, nº 22, em Matosinhos, o restaurante Grilo, na rua Heróis de França, nº 595, em Matosinhos, o Bem Arranjadinho de Leixões, em Leça da Palmeira, o Escondidinho de Leixões, na rua do Vareiro, nº 51, em Leça da Palmeira, o Universal, na rua Brito Capelo, em Matosinhos, o Eduardo Rosário Costa, na avenida Serpa Pinto, nº 149, em Matosinhos, o Alexandre Bastos & Delfina Magalhães, Lda., na rua Moinho de Vento, nº 127, em Leça da Palmeira, o Manuel Pinto de Sousa, no Mercado de Matosinhos, nº 368 e o Bastos, Silva & Oliveira, Lda., na rua Hintze Ribeiro, nº 16, em Leça da Palmeira. Em 10 de Abril de 1960 abriu ao público o restaurante Brisa do Mar, na rua França Júnior, da propriedade de José de Oliveira. Dispunha, segundo anunciava, de serviço de marisqueira com um bar em anexo. No mesmo ano, mas em 5 de Junho, o Restaurante Palmeirinha, em frente à Câmara Municipal, na rua Brito Capelo, nº 234, muda de gerência. Tratava-se de uma casa de almoços e jantares com serviço à lista, sempre aberto até às 24 horas. Tinha serviço de baptizados e casamentos. Mudou-se para a rua 1º de Dezembro, nº 318, em Matosinhos e era propriedade de Fernando Amaral. Estava aberto até às 24 horas. Maria Docelinda trabalhou no Restaurante Garrafão, de finais de 1961 a Janeiro de 1964, ainda no primeiro edifício, junto à capela do Ruas, em Leça da Palmeira. Mas já em 1 de Janeiro de 1961 o seu proprietário anunciava no jornal Comércio de Leixões, que era uma das melhores casas do país em mariscos e que dispunha de grandes quantidades de lagosta em viveiro. Tinha ainda uma sala com aquecimento. No mesmo ano o restaurante publicitava ter como clientes cidadãos do Porto e das colónias estrangeiras. Mencionava serem suas especialidades a açorda de camarão, a Lagosta “à L´ armoricaine”, o frango à Garrafão e outras carnes.

Neste período, entre aqueles que tiveram mais sucesso parece haver traços comuns: a casa de pasto com os pipos à vista; as mesas corridas; os petiscos; o bom vinho.

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Tem também quadros de clientes famosos, com dedicatórias, como por exemplo José Carlos Malato, Júlio Isidro, Gerardo Burmester, Eusébio, Manuel de Oliveira, Manuel Nabeiro, etc. Destaca ainda como clientes Fernando Mendes e o Major Valentim Loureiro. Só serve peixe grelhado e marisco. Não tem um único prato de carne. A esposa faleceu há um ano, pelo que Arménio Duarte reparte agora a gestão do restaurante com a filha. Em 1967, Maria da Glória abriu a Marisqueira dos Pobres, na avenida Serpa Pinto, que ainda continua em funcionamento. Foi esse o seu primeiro restaurante. Na altura tinha um fornecedor de gás que sempre que lá chegava e a via cozer grandes tachos com mexilhões e lapas, que era marisco muito barato, comentava que ela só cozinhava marisco para pobres – e assim nasceu o nome da casa. Também tinha lagosta, lavagante, sapateira, arroz de marisco e peixes grelhados. De acordo com o depoimento do filho, Eduardo Rocha, a mãe deixou a Marisqueira dos Pobres por volta de 1977. Tal como noutros restaurantes, na altura, eram habituais os lanches: pratinhos de tripas, de arroz de marisco, de rojões e de rancho. Poucos anos depois, em 1979, Maria da Glória abriu a Casa Maria da Glória, mais conhecida por Mariazinha. Era assim que as pessoas lhe chamavam, até porque no exterior a casa nunca teve identificação. Ainda está aberta, no cruzamento da avenida Serpa Pinto com a rua 1º Dezembro. Quando o marido, Augusto Rocha Borges, faleceu houve uma funcionária que quis ficar com a casa e ela passou-a. Em 1987 abriu outra casa, a Mariazinha, próximo da Escola Secundária João Gonçalves Zarco, na rua D. Nuno Álvares Pereira, nº 184., que hoje é gerida pelo filho, Eduardo Rocha. No início não tinha diária (menu completo), mas com a crise acabou por adoptá-la, tendo ainda serviço económico ao balcão. É uma casa essencialmente virada para o peixe, destacandose o arroz de tamboril, o peixe-galo frito com açorda de ovas e a açorda de marisco. Desde o início que a casa tem os dois andares, mas antes era mais pequena, nomeadamente a cozinha. Passados 3 anos de lá estarem aumentaram o espaço mas as obras de remodelação completas foram feitas há 10 anos. Tem ainda serviço de catering, entrega de refeições em casa e take away, disponibilizando, se o cliente desejar, um empregado para servir em casa e arrumar a cozinha.

Depois as instalações passaram um pouco mais para Norte, na rua António Nobre, nº 53. Foi fundado por João Rufino Pinto e esposa, Maria Amélia Pinto. A antiga funcionária conta que antes já existia como mercearia, também pertença dos mesmos donos. A decoração do restaurante era muito simples, em pedra, com uns quadros na parede. Apesar de na altura não ter pratos especiais, também é verdade que não existiam muitos restaurantes em Leça da Palmeira, o que lhe permitiu sobreviver e até ganhar alguma fama. O estabelecimento mudou de local em Novembro de 1963, passando a ocupar uma moradia de dois andares, servindo o primeiro de habitação. No résdo-chão ficava o restaurante, a dispensa, a cozinha e a garrafeira. Faziam arroz de camarão, açorda de camarão, frango à Garrafão, santola recheada, santola frita, filetes de pescada, linguadinhos fritos, linguados grandes, lampreia. A fama aumentou muito e estava frequentemente cheio, em especial ao Domingo. Lembra-se que o mesmo foi frequentado por Nogueira Pinto, corredor de automóveis, e filho. Servia marisco e tinha viveiros próprios, no meio do mar. Quando queriam iam lá de barco. Era um restaurante caro e tinha muitos empregados. Carlos Carrasco também se refere ao Garrafão como casa de elite. O Presidente Mugab ia lá comer. Pousava o avião no aeroporto Sá Carneiro, comia e voltava para África. Comia sempre açorda de marisco com linguados fritos. O Garrafão fechou há 6 ou 7 anos, porque depois da dona falecer não havia ninguém capaz de dar continuidade ao projecto. Foi pena, pois era um restaurante de referência, que de 1978 a 1980 ostentou a estrela Michelin. Também por volta de 1961 foi fundado por Arménio Duarte e pela esposa, Alexandra da Costa, o Restaurante O Malcriado, na avenida Serpa Pinto, nº 160. No local existia antes um tasco, propriedade de Domingos da Mateira, que vendia vinho e sandes. Consumado o trespasse, os novos donos transformaram o espaço num restaurante. O nome deste surgiu numa brincadeira com Manuel Rui Nabeiro, dono dos cafés Delta, que é cliente e amigo de Arménio Duarte. Ao contrário do que acontecia há 54 anos atrás, a casa está hoje decorada com muitos quadros de jogadores e técnicos do Boavista, porque o proprietário é apoiante acérrimo desse clube.

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A década de 50 do século XX parece ter sido um período excepcional no que respeita à abertura de novos e bons restaurantes, muitos dos quais ainda hoje estão em funcionamento. Para além de terem sido a escola de muitos profissionais, eles foram o ponto de partida para o desenvolvimento do turismo gastronómico em Matosinhos, hoje um dos grandes atractivos da cidade.

Restaurante O Chanquinhas.

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O restaurante O Bananeiro foi fundado há 40 anos, por João Augusto Borges. Antes disso existia no local, sito na rua D. João I, nº 82, um armazém de bananas.

Maria da Glória é uma das empresárias mais antigas ainda em actividade no concelho. O restaurante O Bem Arranjadinho, sito na rua Matinho, nº 2, em Leça da Palmeira, foi fundado, seguramente, antes de 1960. Em 1958 era, como já vimos, um dos restaurantes de referência do concelho. Em 1970, contudo, foi tomado de trespasse por Maria Docelinda Silva e pelo marido, Frederico Augusto Gomes Batista, entretanto falecido. Este último já lá trabalhava há cerca de 10 anos. Na opinião da proprietária a casa está aberta há mais de 100 anos. Ela é natural Cinfães e ele de Barcelos. Juntaram-se em Leça de Palmeira, onde chegaram a trabalhar no mesmo restaurante, embora em períodos diferentes. Pelo O Bem Arranjadinho já passaram o duque de Bragança, as marquesas do Cadaval, o Júlio Iglésias. Este último proporcionou uma noite fantástica até às 5 horas da manhã. Antes do 25 de Abril organizavam sessões de fado, que retomaram quando começou a crise económica. Nessas alturas a casa enchia. Contudo, depois do marido falecer Maria Docelinda não conseguiu dar continuidade às sessões musicais. O restaurante foi o escolhido para o almoço da Cimeira Luso Americana, em 1998, tendo recebido todos os ministros dos negócios estrangeiros, aos quais foi servido robalo assado no forno, para 110 pessoas. O restaurante já não tem a clientela de outrora, facto cuja responsabilidade a proprietária atribui ao aparecimento de muitas casas de refeições baratas.

Relata ainda que trabalham para pagar os impostos e para cumprir com os funcionários, num total de 10. A casa tem 3 salas independentes com uma capacidade para 240 pessoas. Carlos e Rosinha tinham, em 23 de Maio de 1970, o restaurante Bom Abrigo. Situava-se no nº 245 da rua de Santa Catarina, em Leça da Palmeira, junto ao largo do castelo. O restaurante Galispo, sito na rua do Godinho, nº 783, em Matosinhos, abriu por volta de 1972/73, pelas mãos do senhor Manuel, que havia sido gerente da Adega Campos. Antes chamava-se Caracol, pertença do senhor Miranda, da Esplanada Antiga. No início era ao estilo da Adega Campos, e o forte era o arroz de feijão, o bacalhau e as costeletas. O restaurante O Chanquinhas, sito na rua de Santana, nº 243, em Leça da Palmeira, foi fundado em 1974, por António Silva e o pai (Manuel da Conceição Silva), que era o proprietário da casa Silva, uns metros abaixo. O primeiro trabalhou ainda 14 anos com o pai, na casa Silva, tendo-se esta mantido durante algum tempo sob a gerência deste último. O nome Chanquinhas surgiu porque era o apelido de António Silva, que na sua juventude usava umas chancas, um nome popular que pode contradizer com a nobreza do espaço, instalado numa casa senhorial antiga. Antes era uma habitação do conservador/notário de Matosinhos. Foi criado numa época controversa, a seguir à revolução de Abril,

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Mais tarde abriu o último andar, a que chama Wine Bar, que é transformável em sala de jantar e onde se realiza todo o tipo de eventos: lançamento de livros, exposições de pintura, fotografia e vinhos. Tem uma mesa oval que leva 36 pessoas. Tem bar e uma garrafeira, visitável, com vinhos do século XIX, garrafas de vinho do porto da Real Companhia Velha desde 1937 até aos anos 60. No piso do meio, a sala de jantar mais nobre e luxuosa, que faz lembrar um palacete, os móveis são de tom escuro, contrastando com os cadeirões dourados, num estilo clássico. Os empregados servem de colete. Os pratos são de comida tradicional portuguesa, com uma variedade enorme de peixes, como o robalo, o cherne, a garoupa, e de pratos de carne, como o arroz de frango de cabidela ou as tripas à moda do Porto. António Silva conta que todos os Primeiros-Ministros e Presidentes da República por lá passaram. E ainda Salvador Caetano, Laurinda Soares da Costa, Cândido da Silva, Costa Pina e Vilaverde e Belmiro de Azevedo. No Chanquinhas nasceu a Confraria Gastronómica do Mar e a Confraria Gastronómica da Boa Mesa. É também o local onde reúnem várias confrarias, como a Confraria das Tripas à Moda do Porto, o Rotary Club de Leça da Palmeira e várias tertúlias. O Chanquinhas já foi por várias vezes galardoado, quer com talheres de ouro, quer com o certificado de reconhecimento por serviços relevantes prestados ao turismo português, atribuído pelo Governo. É reconhecido no guia Repsol, na Michelin e mais recentemente recebeu a Bandeja de Ouro, atribuída em 2014 por uma instituição espanhola. O restaurante O Bananeiro foi fundado há 40 anos, por João Augusto Borges. Antes disso existia no local, sito na rua D. João I, nº 82, um armazém de bananas. O fundador, também conhecido por João Bananeiro, pai de Horácio Borges a quem devemos este depoimento, foi uma figura marcante em Matosinhos. Era pescador e quando veio para Matosinhos foi para trabalhar nesse Sector, tendo passado muitas dificuldades, incluindo fome e frio. Chegou, inclusive a dormir num quarto de 10m2 com mais 10 pessoas. Inicialmente, O Bananeiro funcionava como tasca na parte de trás e mercearia na parte da frente. O prédio do outro lado da rua era uma fábrica de costureiras (Lacitex), que começaram por pedir para fazer umas sopas. A partir daí fechou-se a mercearia

João Augusto Borges, Rosa da Conceição Borges e Maria do Céu Dias Borges na década de 60.

mas António Silva foi fazendo a casa de acordo com aquilo que os clientes iam pedindo. No início tinha uma sala de jantar mais pequena, eliminada para criação de um restaurante/bar. A actual sala de jantar tinha no início um corredor a dividir a meio mas para dar amplitude às salas António Silva deitou paredes abaixo, tirou portas e abriu arcos para ficar com toda a dimensão que tem hoje. O restaurante ocupa hoje três andares, ao contrário de que antes acontecia, pois só um estava aberto. Os clientes são sobretudo empresários e gente de negócios. É uma casa familiar com vertente empresarial. Tem as listas traduzidas em várias línguas. O piso de baixo foi o segundo a abrir e é o único espaço rústico, com uma sala para banquetes, aniversários, baptizados e casamentos, no qual também se realizam tertúlias. Ao longo da parede são imensos os certificados, galardões, peças de jornal, fotografias de personalidades que por lá passaram, como o Nobel da paz Ximenes Belo, Mário Soares, Narciso Miranda, entre muitos outros. Encontramos ainda dois desenhos emoldurados de Júlio Pomar, um deles um auto-retrato com o pintor a comer no Chanquinhas, no qual se pode ler “que bem se como no Chanquinhas”. Vemos também um desenho assinado por Siza Vieira, de duas caras que estão esculpidas em pedra no museu de Vila Nova de Cerveira, que o arquitecto pintou à mesa, durante um almoço com o José Rodrigues e Mário Soares.

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capítulo 5

de marisco e foi aí que começou a decair, porque alterou as suas raízes. Em 1979 abriu o restaurante O Ti Manel, na rua Ló Ferreira, nº 243, em Matosinhos. Mas a história da casa é mais antiga, pois desde 1961 que aí funcionava, propriedade de Manuel Pinto Saraiva, uma mercearia que tinha num espaço adjacente uma adega. A história da Mercearia Parque é, inclusive, anterior, pois já pertencera aos falecidos senhorios do prédio. Não foi possível apurar mais sobre o assunto. O actual dono de O Ti Manel é Manuel Freitas, antigo funcionário do Café Parque, mesmo ao lado da mercearia, da qual guarda muitas memórias. Lembra-se que existia um biombo que separava a parte de mercearia da adega, que servia alguns petiscos confeccionados pela sua sogra. Quando era para fechar a mercearia, o biombo recolhia e ficava só a adega a funcionar, com as características pipas de vinho encostadas a uma parede. Maria Alexandra Saraiva Freitas, que comanda a cozinha de O Ti Manel, tem ainda bem presente o quotidiano da mercearia do pai, em que as senhoras vinham fazer compras e os maridos vinham logo de manhã “matar o bicho”, como se dizia na altura, ou seja, beber um copo de aguardente. Num extraordinário testemunho Maria Alexandra

e passou-se a vender petiscos e vinho. Os lanches saíram de moda e a casa passou a trabalhar apenas com almoços e jantares. As especialidades são os rojões, o bacalhau, o polvo, os filetes de polvo, as lulas fritas e as espetadas de lulas. Têm menus diários para os trabalhadores. Horácio Borges nasceu já no Bananeiro, nuns quartos que tinham na parte de trás e também passou por tempos difíceis, tal como as irmãs mais velhas, que chegaram mesmo a dormir no chão do restaurante. Nos primeiros anos o Bananeiro vendia o vinho americano, proibido na altura, e o pai de Horácio Borges viu muitas vezes a porta lacrada pela polícia. É uma casa que ficou famosa pelos caracóis, que o pai, algarvio, trouxe da sua região. Tal como também trouxe os carapaus alimados, as enguias de escabeche, as amêijoas, as lulas fritas e os chocos na brasa. Outra casa que durante muitos anos teve um enorme sucesso, se bem que hoje esteja já encerrada, foi a Brisa, sita na avenida Serpa Pinto, nº 523. Era um restaurante frequentado por muita gente e havia dias nos quais as pessoas faziam fila para entrar. Maria Fangueiro lembra que a casa fechou há cerca de três anos. Era uma casa de comida tradicional, caseira e barata. Em determinada altura instalou um viveiro

Restaurante O Ti Manel.

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recorda que na mercearia do seu pai se vendia de tudo um pouco, desde a farinha, o açúcar, o pão ralado, massas, batatas, cebola, feijão, bacalhau, queijo, marmelada cortada em pedaços, “tudo às 50 e 100 gramas, consoante o cliente pedisse”. Não havia ainda “os aparelhos de azeite”, que funcionavam à manivela, não havia balanças electrónicas nem máquinas registadoras. Na zona dos vinhos, “vendia-se ao quarteirão, ao meio litro, directamente da pipa”. Em 1979, Manuel Freitas concretiza o sonho que sempre teve de possuir um restaurante e a Mercearia Parque encerra para ver nascer O TI Manel. Em 1980 abriu na rua Brito e Cunha, nº 119, em Matosinhos, o Restaurante Mauritânia. Foi o ponto de partida de um grupo de restaurantes que hoje tem já cinco casas. Todas elas servem marisco, mas na sua maioria são mais conhecidas por outros pratos. Daí a sua inclusão neste

Restaurante O Ti Manel na década de 90.

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capítulo 5

Marisqueira Henrique Torres.

Esplanada Marisqueira.

peixe e marisco. A Casa Serrão foi, provavelmente, uma das primeiras. Antes disso existiam apenas umas tasquinhas frequentadas pelos pescadores antes de ir para o mar. A Casa Serrão abriu as portas há cerca de 30 anos, sob a responsabilidade de João Costa Serrão e Maria Fernanda Santos Cunha. A especialidade do estabelecimento é, reconhecidamente, a sardinha assada na brasa. A funcionar há 15 anos no número 521 da rua Heróis de França, esta casa histórica surge-nos agora renovada, com melhores condições de conforto para todos os seus clientes. O filho dos fundadores é quem dará seguimento ao negócio. Em 1987, na Avenida Serpa Pinto, nº 464, abriu o restaurante Mar na Brasa, fundado por Albino Pinto, o mesmo que já tinha estado à frente da Adega Campos, e Maria Fangueiro. Antigamente, existia no local uma alfaiataria. Os pratos fortes são os peixes grelhados, o arroz de tamboril, o arroz de marisco, a cataplana e o polvo.

ponto. O fundador foi Joaquim Rocha, que tirou o curso de empregado de mesa de 1ª na escola de hotelaria existente na rua do Bonjardim, no Porto. Depois foi para a Marinha, onde tirou o curso de instrução técnica e básica de cozinha. Trabalhou em restaurantes e hotéis, sentindo o despertar para a cozinha, que considera a área mais importante do restaurante. Joaquim Rocha tem hoje a ajuda do seu filho, Nuno Miguel Almeida Rocha, licenciado em Gestão de Empresas. A estratégia de crescimento do grupo passou pela abertura de casas em parceria com os seus empregados mais capazes. Foi assim que nasceram o Casarão do Castelo, a Mauritânia Grill, a Mauritânia Real e a Lagosta da Mauritânia. Os dois primeiros ficam em Leça da Palmeira, o terceiro em Matosinhos e o último no Porto. Na rua Heróis de França, a partir da década de 80 do século XX, houve uma “explosão” de restaurantes, que começou com a confecção de sardinha assada, na rua, e acabou, com muitos e bons restaurantes de

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Maria Fangueiro assegura que as pessoas cada vez comem menos, porque o poder de compra diminuiu. Actualmente fogem às entradas e às sobremesas. Atendendo aos preços que praticam têm todo o tipo de clientes. São 7 pessoas a trabalhar no Mar na Brasa e têm muitos clientes fiéis, se bem que a frequência com que vão ao estabelecimento seja menor. No entanto, Maria Fangueiro destaca o facto de ter um cliente, que desde o início almoça todos os dias no seu restaurante. Henrique Torres17 foi para Maria Fangueiro o grande impulsionador da restauração em Matosinhos. Por volta de 1990 abriu o restaurante Veleiros, situado em Perafita, em frente à praia do Paraíso, na rua de Almeiriga Norte, nº 2520. O actual proprietário é Fernando Manuel Pais Pinto, natural de Seia. Já antes tinha trabalhado nesta casa, saindo depois para um restaurante no Porto. Em 2010 regressou como gerente e em Janeiro de 2012 decidiu-se pela aquisição do espaço. Fernando Pinto entende que a restauração atravessa um momento muito difícil, sendo necessário cortar nos custos e rentabilizar ao máximo o que se tem, para evitar a indesejável falência. Um factor importante é a localização privilegiada, com uma praia fantástica à frente. A casa foi fundada por Fernando Santos Almeida, que foi também o criador da receita que caracteriza o estabelecimento: o polvo assado com arroz. Recentemente aconteceu um episódio engraçado, aquando da visita do Cônsul da Guiné. Chegou mais cedo para jantar, quando ainda se preparava a refeição do pessoal, nesse dia arroz de frango. Tiveram que lhe servir a mesma coisa, porque ele ficou encantado com o cheiro. Em 1992 foi fundado o restaurante Os Lusíadas, num espaço onde anteriormente existiu o restaurante os Kikas, fundado por Henrique Torres em 198218. Este vendeu-o mais tarde a uns brasileiros, que o transformaram numa casa de comida típica do seu país de origem, o Monge. Dois ou três anos depois fechou e o pai de Serafim Miranda, actual gerente do estabelecimento, viu aqui uma oportunidade de negócio a juntar ao que já possuía, por sinal bem perto: a Esplanada Marisqueira Antiga. A casa, que tem cerca de 16 funcionários, localiza-se na rua Tomaz Ribeiro, nº 257, em Matosinhos. A Esplanada Marisqueira Antiga é gerida por Carlos Miranda, irmão de Serafim. Em 1994 nasceu o Arquinho do Castelo, restaurante situado na zona histórica de Leça da Palmeira,

Ver ponto dedicado às marisqueiras.

Henrique Torres.

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Outra opinião refere o ano de 1984.

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capítulo 5

primeiro na rua de Fuzelhas, de onde saiu devido à falta de segurança do prédio, que ruiu em 2012, e depois uns metros mais acima, na rua do Castelo, nº 53. António Manuel Duarte Ferreira e a sua esposa, Lina Ferreira, são os proprietários. Ele nasceu precisamente na rua de Fuzelhas, podendo por isso dizer-se que está ambientado ao local. Antes de ter a sua própria casa geriu, durante dois anos, o restaurante Avó Miquinhas, situado também na mesma zona. António Fonseca salienta a qualidade do atendimento, uma vez que os seus empregados têm formação e experiência. Uma das razões que o fez mudar com urgência da rua de Fuzelhas para a rua do Castelo foi o pormenor menos agradável da queda de uma trave do piso de cima do prédio onde abriu inicialmente a casa. Para complicar a situação, a viga caiu numa mesa onde estavam pessoas a almoçar. Por volta de 1994 abriu o restaurante Tito I, sito na rua Heróis de França, nº 279, em Matosinhos. Foram sócios Júlio Tito Neves Rodrigues e Valentim Santos. Tinham-se encontrado em França, onde eram emigrantes, e regressados a Portugal decidiram comprar estabelecimentos de restauração, primeiro em Lisboa e depois no Porto e em Matosinhos. Na mesma rua, mas com o número 321, abriram em 2000 o Tito II. Separaram-se por volta de 2008, tendo cada um seguido com o seu próprio restaurante.

Situados na mesma rua, os dois restaurantes partilham idêntico conceito: casas típicas, de estilo rústico, nas quais o parto forte é o peixe grelhado. Júlio Rodrigues teve, contudo, outros estabelecimentos, como a Casa Carvoeiro e o Ponto de Encontro. Em sua opinião, os fogareiros a carvão, plantados em plena rua e a trabalharem, são um atractivo, em especial para os turistas, que à hora de jantar voltam à rua Heróis de França para saborearem o peixe grelhado. Valentim Santos era já um especialista no Sector da restauração, que começou a investir na zona da rua Heróis de França na data referida no parágrafo anterior. Emigrou para França, depois de uma curta passagem pela Suíça, e aí trabalhou num restaurante de referência: o Le Dôme. O dinheiro amealhado em França, permitiu-lhe, no regresso a Portugal, investir no Sul do país, na Costa da Caparica e Almada, quer na área da restauração, quer na imobiliária. Mas acabou por voltar ao Norte, de onde é oriundo. Depois de algumas experiências, escolheu Matosinhos e a qualidade da sua matériaprima, o cherne, o carapau, a petinga, o rodovalho, o robalo e a sardinha, que fizeram a delícia dos seus clientes nos restaurantes O Valentim e S. Valentim, entre outros. Este último é a casa que possui na actualidade, a par de investimentos noutras áreas de negócio. Valentim Santos é hoje uma referência da restauração em Matosinhos, não apenas devido à qualidade do

Restaurante O Malcriado.

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serviço, mas também devido à quantidade de casas de sucesso que abriu e construiu. Em 1999 foi inaugurado o restaurante O Filipe, sito na rua Eng. Duarte Pacheco nº 36, em Matosinhos, cuja especialidade é o peixe. O dono, Manuel Filipe Sousa Oliveira, natural de Mondim de Bastos, trabalhou anteriormente no Galispo, no Mar na Brasa, no Gaveto, no Casarão do Castelo e no João Ratão. Após longos anos a trabalhar como funcionário aceitou o desafio do seu ex-sócio com quem abriu dois restaurantes, o Filipe e o Ruca, até que decidiram separar-se, ficando cada um com uma das casas. A crise tem afectado o restaurante, mas o dono tem mantido a aposta na qualidade, procurando garantir a fidelidade dos clientes, muitos dos quais vêm de longe. Em 2000 a matosinhense Margarida Maria Miranda deu nome ao restaurante que abriu na rua do Castelo nº 59, em Leça da Palmeira. Herdou o gosto pela restauração dos pais, durante muitos anos donos do restaurante o Bom Abrigo. A especialidade é o peixe grelhado com açorda. O restaurante Margarida é um espaço, acolhedor e simpático, frequentado por muitas pessoas ligadas a negócios, Contudo, a dona procura dar-lhe um ambiente familiar, em especial ao jantar, altura em que o estabelecimento é mais procurando por famílias. Em 2004, Rui Sousa Dias juntou-se a Valentim Santos e Tito Rodrigues, já estabelecidos no concelho, como

Capela de Sta. Catarina, o Bem Arranjadinho e Palace Hotel Leixões.

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capítulo 5

sócio do restaurante “O Valentim”, situado na rua Heróis de França nº 263, em Matosinhos. Quebrou assim com a tradição familiar, que era o Sector têxtil, pois na altura este estava mergulhado numa crise profunda. Depois da saída dos dois sócios fundadores, Rui Sousa Dias continuou à frente dos destinos de O Valentim e deu-lhe uma nova imagem ao transformar em 2013 o edifício num espaço mais moderno Também aumentou a sua capacidade através da aquisição de outro edifício. A especialidade é o peixe. A necessidade de adquirir outro espaço surgiu na altura em que O Valentim se preparava para encerrar ao público devido às tais obras de remodelação. Nasceu assim, metros mais à frente, no nº 241, o Dom Peixe. Neste espaço existiu anteriormente o restaurante Visconde. Situado num edifício com cerca de 100 anos, o que difere o Dom Peixe da primeira casa, O Valentim, é apenas a decoração que mantém as paredes em pedra e o teto original, com um travejamento antigo. De notar que estes dois restaurantes são detidos por sociedades das quais Rui Sousa Dias é sócio. Em 2007, Albano Jácome, em conjunto com o seu sócio, Carlos Teixeira, abriu o restaurante Jácome, na rua do Vareiro, nº 141, em Leça da Palmeira, onde antes já existia outro estabelecimento. As especialidades são o peixe grelhado, o peixe ao sal e o peixe ao pão. Este último é cozido ao mesmo tempo que o pão. Depois tira-se o miolo e come-se a côdea do pão e o peixe. É um prato muito requisitado. Restaurante Dias e Liceu Alto Mearim.

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A EVOLUÇÃO DA RESTAURAÇÃO

o Olhinhos de Polvo com o marido, Mário Silva (antigo dono do restaurante Veleiros, no Cabo do Mundo), que trabalha em restauração desde os 10 anos. Só funcionam por marcação, porque estão frequentemente cheios. As reservas só se conseguem com muita antecedência. Mais recente ainda é o restaurante O Barco Velho, fundado em 2013 por Pedro Enguião, sito na rua do Sul nº 75, em Matosinhos. Está vocacionado para os pratos de peixe. O mar é o essencial da decoração da casa, que serve diversas classes sociais. De 2014 é o restaurante O Clássico, localizado na avenida Serpa Pinto nº 402. Gerido por António Gonçalves e pela esposa, Odete Gonçalves, o restaurante tem os seus pratos fortes no cabrito, na vitela e no bacalhau. A ideia do nome resultou do facto de um familiar ser um amante de carros antigos. Os proprietários são oriundos de Ponte da Barca e ele tem já uma longa experiência na área da restauração. O projecto é ainda recente e, por isso, os donos estão ainda a trilhar novos caminhos, procurando construir um espaço próprio, apesar da altura difícil que o país atravessa. Em Julho de 2014 abriu na rua de S. Pedro, nº 79, em Matosinhos, a taberna A Badalhoca do Fredo, propriedade de Alfredo Zuzarte, que alarga assim o negócio de sua mãe, Maria de Lourdes, dona da famosa tasca A Badalhoca, no Porto. Acessível a todo o tipo de clientela, pois pode-se comer com pouco dinheiro, o menu mais requisitado é a sandes de presunto. Confecciona ainda diversos petiscos tradicionais, como fígado, rojões, bucho e orelheira.

Albano Jácome iniciou-se na restauração aos 14 anos, na altura no restaurante já encerrado, Mar Leça. Passou ainda pelo Bem Arranjadinho, pela Mauritânia, pelo Casarão da Castelo, pelo Mar na Brasa, pela Mariazinha, pelo Zeferino, pelo João Ratão e pelo Marujo. Uma vida dedicada à restauração. Albano Jácome e Carlos Teixeira são também donos, desde 2014, do restaurante A Cozinha da Maria, localizado na rua Fresca nº 187-189, em Leça da Palmeira. Esta casa não é muito diferente da anterior, embora tenha outras especialidades, como a sopa de marisco e o rosbife. Os sócios vão-se repartindo à frente do estabelecimento Jácome, porque prezam também a vida em família. A gerir a Cozinha Maria está João Pinto, um profissional com experiência no ramo. Fundado apenas há 6 anos, mas com um serviço diferente do habitual, pelo menos na zona onde está implantado, o Olhinhos de Polvo, sito rua Heróis de França nº 669 (anteriormente era na mesma rua, mas no nº 601), tem um espaço pequeno, mas harmonioso e moderno. O polvo é a “cara” da casa porque é a especialidade, seja no forno, no arroz ou nos filetes. A comida é feita na hora em fornos de grande potência que são ligados às 10 da manhã e desligados às 22h30. A cozinha é caseira e está sob a responsabilidade da dona, Isabel Leal. A casa tem carisma porque a comida é diferente e distingue-se dos restaurantes da mesma rua. Não tem, por exemplo, peixe na brasa, como a maioria dos seus concorrentes directos. Isabel Leal, ex empregada de escritório, assumiu

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OS ESTABELECIMENTOS SIMILARES


capítulo 5

Hotel Golfinho - Leça da Palmeira.

O

adiante. Em 1897 entrou para a sociedade um dos melhores cozinheiros do Porto, de nome Manuel Varela Real. No mesmo ano, aos Sábados, introduziram uma novidade importante: a confecção de tripas. O restaurante tinha também serviço de mesa redonda. Os preços eram altos, mas condiziam com a qualidade da ementa. Passado dois anos a sociedade foi desfeita, tendo Francisco Ariz voltado a ser o único proprietário do hotel. Em 1904, ano em que também entrou em remodelação, passou a ser propriedade da firma Quelhas & Fernandes e, em 1905, de Manuel dos Santos Quelhas. Em 1892 há notícia da existência do Café Rio Leça, que tinha também serviço de restaurante. Parece ter sido, pelo menos temporariamente, propriedade de José Alves de Brito. Um dos atractivos deste estabelecimento era a música ao vivo, às Quartas e Domingos. Em 1895 ainda existia e continuava a proporcionar música aos seus clientes.

Hotel Estefânia foi inaugurado, tanto quanto se sabe, em 1859 e era um dos mais afamados de Leça da Palmeira. Beneficiou da sua proximidade do porto de Leixões, em particular mos períodos em que este esteve em obras, mas tinha também muitos clientes que vinham a banhos a Leça da Palmeira. Situava-se na rua do Vareiro, junto à chamada “sala de visitas” e por ele passavam aqueles que iam embarcar. Tinha serviço de restaurante, inclusive para fora, e inaugurou, em Julho de 1888, os jantares em sistema de “mesa redonda” (Gomes, 2005). Foi propriedade de Raimundo Vila Verde e terá sido o hotel mais antigo da já citada freguesia. Terá, posteriormente, mudado de nome. Mais tarde, em 1908, foi desmantelado. Em 1888, em Matosinhos, o Novo Hotel Lisbonense instalou-se no cruzamento da rua do Godinho com a rua Juncal de Cima (actual Brito Capelo). Antes, localizava-se na Alameda de Matosinhos. Chegou a ser seu proprietário José Garrido. Também no ano de 1888 há notícia, na rua Juncal de Cima, nº 19 (actual Brito Capelo), do Hotel de Matosinhos, propriedade do espanhol Francisco Ariz. Junto a ele situava-se o Café Ariz. Tinha fama de ter um dos melhores serviços de restaurante de Matosinhos e ser ponto de encontro de muita gente, em parte devido à animação dos concertos que promovia, assunto que será retomado mais

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A EVOLUÇÃO DA RESTAURAÇÃO

Este serviço adicional era, por essa altura (1893), moda, pois o Hotel Central, situado no Largo da Fonte Seca, em Leça da Palmeira, também organizava concertos com a participação de conceituados cantores. Este estabelecimento era propriedade de José Gomes e tinha serviço de restaurante, incluindo para fora. No mesmo ano, o Hotel de Matosinhos, ou Ariz, contratou a cantora espanhola Cármen Piñero. Outros artistas espanhóis, incluindo músicos, sucederam-lhe. A ópera era um dos géneros musicais mais apreciado. Em 1894, o mesmo hotel também oferecia aos seus clientes números de prestidigitação, a cargo de João Albino da Silva, o Robert Houdin português (Gomes, 2005). Em 1902, o hotel, que também tinha serviço de café, continuava a apresentar aos seus clientes números musicais. Mas, em 1903, aparentemente com grande sucesso, ofereceu-lhes um espectáculo de espiritismo, necromancia e cartomancia protagonizado por “Dr. Artur”. Com o objectivo de angariar mais clientes chegou ainda a sortear alfinetes de ouro.

O Café Central, pelo menos entre 1897 e 1900, também contratava músicos e cantores com o objecto de aumentar a clientela (Gomes, 2005). Em 1904, os seus proprietários, José Alves Brito e Francisco Xavier de Gouveia, abriram um hotel/restaurante, junto ao já existente café, ao qual deram o nome de Central Hotel. Localizava-se na actual rua Brito Capelo, num edifício lindíssimo, entretanto destruído. A partir de 1909 passou a dispor de esplanada. Segundo Gomes (2005), existiu também em Leça da Palmeira, em 1902, o Pension-Hotel, propriedade de mistress Street, do qual mais nada se soube. Em 11 de Novembro de 1905 o jornal O Progressista anunciava que na rua Roberto Ivens nº 74, em Matosinhos, o senhor António Moreira servia o apreciado vinho de Lamego e belos petiscos a preços económicos. Em 5 Outubro de 1913 abriu ao público uma nova casa de pasto e mercearia na rua da Praia de Leça. Era propriedade de Alberto Fumega. Sempre dinâmico, o já mencionado Central Hotel muda de donos, passando a ser pertença de Melo, Braga & Barbosa. Estávamos em 17 de Janeiro de 1914. Este hotel, situado no nº 19 da rua Brito Capelo, era um estabelecimento de referência em Matosinhos. Pertencia, em 29 de Março de 1914, à firma Santos Barbosa & Cª Lda. Por essa altura, passou por grandes obras interiores e exteriores, que lhe deram um aspecto renovado e mais apelativo. Servia almoços e jantares e anunciava ter diárias entre $80 e 1$50. Menos de um mês depois, em 19 de Abril de 1914, o mesmo hotel publicava um menu totalmente escrito em francês. Possivelmente, seria moda; ou então a tentativa de captar clientes estrangeiros de passagem por Leixões. Com uma grande dinâmica comercial, o Central Hotel publicava na mesma data um anúncio no qual mencionava funcionar também como café restaurante, servindo os almoços das 9.00 às 12.00 e os jantares das 17.00 às 20.00. Os primeiros custavam 500 réis e os segundos 600 réis. Notícia, em 3 de Maio de 1914, foi a abertura do Hotel e Restaurante Carioca, na rua de Santa Catarina nº 14. Este novo estabelecimento estava preparado para atender os passageiros dos vapores de passagem por Leixões. Em 2 de Agosto do mesmo ano anunciava que aos Domingos servia tripas à portuguesa e às Quintas-feiras feijoada à brasileira. Na mesma data, António Praxedes da Silva comunicava, que desde 12 de Maio de 1914 tinha trespassado o seu estabelecimento de mercearia e restaurante.

Palace Hotel Leixões.

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capítulo 5

Voltando ao Central Hotel, em 14 de Fevereiro de 1915, os sócios eram apenas Braga & Barbosa. Passados 7 dias, o jornal O Badalo noticiava a realização de bailes neste mesmo hotel, agradecendo os gerentes a todos quantos tinham participado nos mesmos. No mesmo número informava-se que nesse dia se realizaria o baile da pinhata. À dama que se apresentasse melhor mascarada seria oferecido um objecto em ouro. Mas este estabelecimento foi sempre muito activo, como se verá mais adiante. A rua de Santa Catarina, em Leça da Palmeira, parecia ser, no início do século, um dos locais preferidos dos empresários para abrir hotéis e restaurantes. Em 20 de Junho de 1915 anunciava-se a abertura do Palace Hotel Leixões, no nº 2 daquela artéria. O jornal O Badalo traz rasgados elogios a este estabelecimento e à iniciativa dos seus proprietários. Considera-o mesmo grande e luxuoso. Tinha acordos com hotéis do Porto para efeitos de transferência de clientes nos dois sentidos. Os proprietários eram Manuel Pinto de Mesquita, Domingos Pereira de Azevedo, José Luís Ribeiro, Manuel da Silva Moreira e Manuel Caetano Rodrigues Correia. Os clientes de hotéis do Porto poderiam ainda servir-se do Palace Hotel Leixões para aí jantarem, desfrutando da bonita paisagem marítima. Como estavam dispensados de pagar, pressupõe-se que também nesta matéria havia acordos entre hotéis. Tratavase de um bonito edifício, de traça antiga, que denunciava, exteriormente, o luxo que certamente tinha no seu interior, como aliás relatava o jornalista de O Badalo. Em 11 de Julho de 1915 publicitava-se a Confeitaria Idial – assim, com erro ortográfico e tudo. Este estabelecimento anunciava no jornal antes referido o seu menu do dia. Tinha serviço de restaurante e também servia para fora. Situava-se na rua Brito de Capelo, 110. A título de curiosidade, diga-se que o engano mencionado só foi corrigido no número de 23 de Abril de 1916. Passou então a ser a Confeitaria Ideal, propriedade de Francisco C. Araújo. O Central Hotel continuava muito activo e os anúncios publicitários sucediam-se. Este estabelecimento era um dos melhores, senão o melhor, de Matosinhos e tinha uma localização excelente (no local onde hoje se situa o Hotel Porto Mar. Assim, em 1 de Agosto de 1915, à semelhança da Confeitaria Ideal, anunciava também no mesmo jornal o menu do dia, bem como os concertos, à tarde e à noite, que proporcionava aos seus clientes. Listava o nome dos músicos e das obras interpretadas.

Uma semana depois voltava a publicitar os concertos, da responsabilidade do terceto de Alísio Arreda. A concorrência era forte e a imaginação fértil. Todos os argumentos serviam para chamar mais clientes e, consequentemente, melhorar as receitas. Em 15 de Agosto de 1915 o Hotel Grilo, situado na rua do Godinho, avisava que tinha comidas e bebidas a qualquer hora. Era, portanto, mais um benefício para os clientes, que fazia a distinção em relação aos restantes concorrentes. Entretanto o Central Hotel deve ter mudado de proprietário, já que em 2 de Julho de 1916 aparece citado Tomaz Alves. O Badalo, de 3 de Setembro de 1916, noticia a existência, junto à praia (sem mencionar a rua19), do Hotel e Restaurante Europa, uma das melhores casa do género na opinião daquele semanário. Junto à Fonte dos Dois Amigos, na antiga rua da Igreja, existiu em tempos o Hotel Senhor de Matosinhos. Não deve ter feito muito negócio, uma vez que em 3 de Dezembro de 1916 já tinha encerrado. Também não descobrimos publicidade ou qualquer notícia a seu respeito. Contudo, naquela data era anunciada a realização de um baile no seu antigo salão. Tem-se também conhecimento, em 14 de Janeiro de 1923,

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Situar-se-ia, possivelmente, na actual rua Heróis de França.


A EVOLUÇÃO DA RESTAURAÇÃO

da existência da Adega Montanha, sita na rua Brito Capelo. Em 13 de Janeiro de 1924 o jornal Vida Nova diz que se passa uma adega e casa de comidas, sita na Rua Heróis de França nº 402, por o seu dono, António Brito, ter de se retirar. O mesmo jornal anuncia, em 22 e Março de 1925, que se aceitam propostas para a exploração do buffet no Parque Alto Mearim (campo de jogos do Matozinhos Football Club). Assunto que, se segundo também aí se dizia, deveria ser tratado com a direcção do clube. A primeira notícia de que temos conhecimento sobre o Café Lisbonense, sito na rua Brito Capelo, propriedade de Abel dos Anjos Gomes, é de 12 de Julho de 1925. Tinha serviço de restaurante. Em 13 de Setembro de 1925 volta-se a ter notícia do memos café restaurante. Em 26 de Julho de 1925 o jornal O Monitor trazia publicidade à Casa Farripas, que havia sido fundada em 1886. Tinha entrada pela rua do Godinho e era propriedade de Manuel de Oliveira Lima. Era mercearia e tinha serviço de restaurante. Foi uma das casas que mais anos esteve aberta ao público. Situou-se no antigo largo de Santana e, mais tarde, ao cimo da rua do Godinho, do lado direito quem sobe. Já havia sido notícia em 5 de Julho de 1908, por motivo da sua passagem para novo proprietário.

Hotel Leixões e restaurante Ariz.

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capítulo 5

O Guia de Leixões (Pires et al, 1934), mencionado na bibliografia, dá-nos notícia que em 1934 ainda existia o Central Hotel, na rua Brito Capelo, e que tinha 34 quartos. Servia pequenos-almoços a 3$00, almoços a 12$00 e jantares a 15$00. Uma diária custava entre 25$00 e 40$00. Na mesma data existia o Palácio-Pensão Leixões, situado em Leixões, na rua da Ribeira Brava nº 2. Tinha 18 quartos e cobrava diárias que iam de 18$00 a 30$00. Foi divulgado que tinha almoços com 3 pratos e jantares com 4. Em ambos serviam fruta e café. Outro estabelecimento do género era a Pensão Paris, na rua Carvalho Araújo nº 17, em Leixões. Tinha 18 quartos e diárias entre 15$00 e 25$00. Outras pensões existentes na mesma data: Pensão Estefânia, na rua Brito Pais nº 1, Leixões (10 quartos e diárias de 16$00 a 20$00); Pensão Matosinhos, na rua França Júnior, Matosinhos (7 quartos e diárias de 10$00 a 15$00); Pensão Grilo, na rua Heróis de França nº 11, Matosinhos (5 quartos e diárias de 8$00 a 15$00); Pensão Amélia na rua Carvalho Araújo nº 4, Leça da Palmeira (5 quartos e diárias de 18$00 a 20$00). Da leitura da Monografia de Matosinhos, de Guilherme Felgueiras, apuramos também a existência de diversos hotéis e pensões existentes por volta de 1958. Talvez o mais famoso de todos, ainda hoje existente, seja o Hotel Porto Mar, que anunciava ter aquecimento central e uma pista de dança no terraço. Situa-se na rua Brito Capelo nº 167, em Matosinhos. Este hotel de 1ª classe reabriu em 19 de Junho de 1960, sob a gerência do Grand Hotel do Império, do Porto, com excelente serviço de restaurante, conforme anunciava. Em 30 de Dezembro de 1962, cerca de dois anos e meio depois, anuncia nova gerência, sem especificar os nomes. Merecem ainda referência a Pensão Central – Vergílio Cadeco, na mesma rua, nº 599, a Pensão Restaurante Golfinho, em Leça da Palmeira, e a Pensão Restaurante Amélia, na mesma localidade. Muitas vezes, com designações diferentes, surgem estabelecimento que servem almoços e jantares, umas vezes mais ligeiros, outras não, que não têm a designação de restaurante. Ainda hoje em dia isso acontece. Para além dos hotéis e pensões, há ainda os cafés, cervejarias e outros. Um exemplo disso é o já citado Café Central. Passemos em revista o nome de alguns que existiam no virar do século XIX para o XX: Café Rio Leça20, na

rua Juncal de Cima (Brito Capelo), propriedade de Bernardo França; Café França, na rua Brito Capelo, também, propriedade de Bernardo França; Café Elegante, de Carlos Guerra, na rua Conde S. Salvador. De notar que o Café Central, já antes mencionado, tinha entradas pelas ruas Brito Capelo e Roberto Ivens. Uma referência ainda para os cafés, cervejarias e botequins que existiam por volta de 1958: Café Lisbonense, Leão d’ Ouro de Matosinhos, Sport, Alberto Martins de Oliveira & Irmão, Aurora Teixeira de Aguiar, António da Costa Ferreira, Beatriz Azevedo e Luísa Ferreira e Jesuína Maria da Conceição. Todos em Matosinhos, excepto este último que se situava em Leça da Palmeira (Felgueiras, 1958). Em 5 de Junho de 1960 o Café Parque, sito na rua Ló Ferreira nº 239, anunciava no jornal Comércio de Leixões, que servia lanches e marisco. Este estabelecimento

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Em 1891 foi objecto de grandes obras, que o transformaram num verdadeiro café restaurante, tendo, inclusive, o sistema de mesa redonda. No mesmo ano mudou de proprietário e passou a ter espectáculos ao vivo. Voltou a entrar em obras em 1893 e mudou-se para o cruzamento das ruas Brito Capelo e Godinho em 1894 (Gomes, 2005).

situava-se onde hoje está um dos restaurantes do grupo Mauritânia, sobre o qual se fala noutro ponto. Já falamos antes na Casa Farripas, fundada em 1886. Em 31 de Dezembro de 1961 temos também notícia da Casa Farripinhas, propriedade de Bruno Peixoto. Era uma mercearia com serviço de chã, café e vinhos. Situava-se na Rua do Godinho nº 689. Mais tarde teve também restaurante. Em 6 de Maio de 1962 tem-se notícia de uma nova casa, A Petisqueira, sita na rua de S. Roque nº 58, em Matosinhos. Tinha como especialidade o frango assado à Petisqueira e dispunha de serviço de encomendas. O Comércio de Leixões publicita também, em 23 de Dezembro de 1962, a casa A Tripeirinha, de Fernando

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A EVOLUÇÃO DA RESTAURAÇÃO

Amaral. Tinha serviço de almoços e jantares, além de sandes e petiscos sempre acompanhados com bons vinhos. Estava aberto até às 24 horas e situava-se na rua 1º de Dezembro, nº 318, em Matosinhos. No mesmo local e do mesmo dono existia em Maio de 1964 a casa A Palmeirinha – o mesmo nome de uma outra que existira na rua Brito Capelo e que já foi mencionada. A Confeitaria Pastelaria Primavera não era um restaurante, mas em 17 de Maio de 1964 anunciava que fazia serviços de copo de água para casamentos e baptizados. O estabelecimento ainda hoje existe e situase na rua do Godinho nºs 510 a 528, em Matosinhos. Em 11 de Outubro de 1969 reabriu o Café Império, no nº 299 da rua Brito Capelo, completamente remodelado. A nova gerência afirmava tê-lo transformado num espaço digno e moderno. Além do serviço de café dispunha de serviço de snack-bar, com especialidades em combinados, francesinhas especiais, cachorros à brasileira, hambúrgueres, etc. Em 11 de Novembro de 1977 o Café Onda, situado na Avenida D. Afonso Henriques nº 1055, em Matosinhos, mudou de gerência, passando a mesma para Luís Manuel Hora de Carvalho. Tinha serviço de restaurante e bilhares e estava aberto todos os dias até às 2 da manhã. O horário de abertura reduziu-se para as 24 horas a partir de Julho de 1978. Mais recentemente, em 1996, foi fundado o Lais de Guia, um bar muito frequentado, em especial na época de Verão, pois situa-se em plena praia de Matosinhos, com acesso pela avenida Norton de Matos. Manuel Augusto Silva Costa, economista reformado, é o proprietário do espaço, juntamente com a esposa, Ana Maria Teixeira, e um terceiro sócio. Natural de Penafiel. Tomou conta da casa ainda era só esplanada, com a ideia de abrir apenas no Verão. Contudo, o negócio correu tão bem, que passaram a ter também uma sala e a abrir durante o ano inteiro. O Lais de Guia acolhe eventos, como passagens de modelos, teatro e concertos. Isto ajudou a divulgar o bar e a chamar clientela. Ao almoço têm sempre um prato de peixe e outro de carne, serviço de snack-bar, saladas e uns doces óptimos, tudo de fabrico próprio. A casa já arrostou com alguns azares, entre os quais um incêndio, em 2002, em que ardeu quase tudo e uma onda gigante que varreu toda a praia e causou danos na sala das máquinas.

Loja da Garrafa - Leça da Palmeira.

Central Hotel

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MARISQUEIRAS


capítulo 5

A

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s pensões e restaurantes existem, em Matosinhos, há muitos anos. A qualidade dos seus produtos foi sempre apreciável, tanto mais que a terra era local de férias de muita e variada gente. Os pratos à base de peixe seriam os preferidos, tanto mais que, sendo uma região de pescadores, a matéria-prima é de excelente qualidade. Contudo, durante muito tempo, a procura da gastronomia matosinhense não atingiu os níveis que hoje tem. É importante reconhecer que o grande salto foi proporcionado pela abertura de marisqueiras, momento a partir do qual a cidade se transformou numa autêntica sala de jantar de toda a região, tendo também passado a ser conhecida a nível nacional e internacional. Até essa altura o marisco não era devidamente apreciado, sendo muito dele servido gratuitamente ou, simplesmente, deitado ao lixo. Mas a moda pegou e obrigou à criação de novos pratos. Esta novidade, ao servir de pólo de atracção de muitos consumidores, catapultou também os restaurantes de peixe, que sedimentaram a sua existência nas primeiras ruas a seguir ao porto de pesca. O aumento do poder de compra da população e a alteração dos hábitos alimentares também ajudaram ao desenvolvimento da restauração em Matosinhos. Se as marisqueiras tiveram esse efeito multiplicador, é justo que se reconheça que o primeiro e grande responsável por tal sucesso foi Henrique Torres. Por isso, uma parte da história da restauração em Matosinhos está ligada ao seu nome. Em 2006, o empresário prestou o seu depoimento a António de J. Gomes, depoimento esse que é parte integrante do livro “Testemunhos da História. Para um Retrato de Matosinhos Contemporâneo”. As linhas que se seguem aproveitam, em parte, esse importante contributo que, como se perceberá, é fundamental para perceber o aparecimento e desenvolvimento das marisqueiras. Henrique da Silva Torres nasceu em Fradelos, Vila Nova de Famalicão, no seio de uma família com 14 filhos. Com doze anos entrou às escondidas no camião do peixe e só parou em Matosinhos. Dormiu debaixo dos barcos, na praia, até que arranjou emprego no Tainha21. Passou então a dormir debaixo do aquário das amêijoas, até que o dono do restaurante lhe arranjou um quarto.

O Tainha situava-se onde hoje fica a Marisqueira Majara.

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A EVOLUÇÃO DA RESTAURAÇÃO

O Tainha não era propriamente uma marisqueira, se bem que oferecesse aos seus clientes alguns mariscos, entre eles percebes. Por essa altura, apenas os camarões e as lagostas eram dignas de registo no que respeita à venda e consumo de marisco. Na cidade do Porto havia apenas uma casa, o Caldo de Galinha, que vendia este produto ao público. Foi nessa altura que o senhor Tainha alugou a parte de trás do prédio e alargou o estabelecimento, passando também a vender, ocasionalmente, outro tipo de marisco (lagosta, camarão, lavagante, búzio e santola). Descontente com o tipo de negócio em que trabalhava, Henrique Torres decidiu-se a montar o seu próprio restaurante. Tinha então vinte e um anos. Nasceu assim

a Esplanada Marisqueira22, que representava já uma forte evolução em relação ao que até então existia: maior variedade de marisco; disponibilidade diária, e não ocasional, do mesmo; equipamento próprio para venda de cerveja; balcão frigorífico. Situava-se na rua Roberto Ivens nº 628, em Matosinhos. Mas este estabelecimento está também ligado à invenção do arroz de marisco. Até 1956, com o marisco ainda barato, o que se conhecia era o arroz de amêijoas feito no Tainha. Henrique Torres teve a ideia de lhe juntar lagosta, camarões e outras variedades, e o sucesso foi enorme, tendo, inclusive, sido responsável pelo êxito da sua primeira marisqueira. No mesmo ano, ou no ano seguinte (1954 ou 1955), Henrique Torres abre também a Marisqueira da Póvoa23. Entretanto, um seu irmão, que no início trabalhara com ele, decidiu-se também a montar o seu negócio – a Marisqueira Mário24. Pode pois situar-se em meados da década de 50 do século XX o aparecimento das primeiras marisqueiras. A partir daí foi um longo caminho – um caminho de sucesso. Este tipo de restaurante, como se sabe, não vende apenas marisco, mas esta é a parte essencial do menu e está disponível todos os dias. Sendo Matosinhos uma terra de peixe, é natural que este faça também parte integrante dos pratos servidos, em especial o de mais alta qualidade (pescada, tamboril, cherne, robalo e outros). Mas o leque de refeições propostas é ainda mais variado, incluindo a carne.

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No mesmo local existe hoje o Restaurante Esplanada Marisqueira Antiga.

No lugar da Cova do Coelho (Póvoa do Varzim), onde mais tarde se instalou o Tourigalo.

No local onde hoje está a Marisqueira Matosinhos.


capítulo 5

Interior d’Os Lusíadas.

funcionou onde antes se situava o Café Marítimo, na rua do Godinho. Era um dos primeiros snack-bares de raiz, com cozinha especializada e um longo balcão. Incorporava também uma excelente gelataria. Não durou muito tempo porque os custos eram altos. Como se vê, a história das marisqueiras, e da restauração em geral, em Matosinhos, está intimamente ligada à figura de Henrique Torres. Dinâmico e capaz de correr riscos, ele foi inovador, lançando as bases da moderna restauração local. Desempenhou, inquestionavelmente, um papel fundamental no enorme salto do sector. O 25 de Abril de 1974 trouxe-lhe, como a outros empresários, problemas sérios, que fizeram com que abandonasse a gerência dos três estabelecimentos que então detinha. Foi a altura de apostar ainda mais fortemente na criação de marisco, em particular numa empresa que tinha nos Açores. Por cá tinha um armazém, que passou a ser a sua plataforma de desenvolvimento da actividade, vendendo na região e exportando para Espanha.

Em 1964, Henrique Torres dá inicio ao projecto Caninhas Verdes, restaurante situado na rua Brito Capelo, já próximo da Estrada da Circunvalação. No ano seguinte, devido a desentendimentos, abandonou o empreendimento e arrancou com outro: a Churrasqueira do Norte, na Travagem, Ermesinde. Também neste ramo de negócio foi inovador, uma vez que esse tipo de restaurante era raro no país. Só mais tarde chegou o churrasco brasileiro. Em 1972 deixou a Churrasqueira do Norte a um empregado, que já tinha uma pequena quota, e abriu o restaurante Proa, um snack-bar e marisqueira, situado em frente à praia de Matosinhos, que ainda hoje funciona com o mesmo nome. Anteriormente o local tinha sido uma fábrica de anchovas, de Alves da Silva. De seguida, abandonou a gestão do restaurante que tinha na Póvoa de Varzim, para se dedicar em exclusivo aos três estabelecimentos de Matosinhos: a Esplanada Marisqueira e os restaurantes Proa e Convés. Este último abriu as portas em 1972 e

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A EVOLUÇÃO DA RESTAURAÇÃO

Em 1977, com outros sócios, abriu a Marisqueira Matosinhos, na rua Roberto Ivens, nº 717. E em 1984 fundou o restaurante Os Kikas25. Dez anos depois já não tinha qualquer restaurante, pois tinha vendido as respectivas quotas. Insatisfeito em trabalhar apenas na criação e venda de marisco voltou a lançar-se em novo empreendimento: a Marisqueira Restaurante Torres, na rua Roberto Ivens. Mais tarde, fruto de diversos problemas pessoais, teve também de abandonar este negócio. Tinha, na altura, setenta anos, ocasião em que prestou o depoimento já mencionado. A sua vida, como se viu, marcou de forma indelével a história da restauração em Matosinhos, em particular no âmbito das marisqueiras. Foi, neste sentido, o motor do desenvolvimento da indústria na região. Convém também referir, que nos seus estabelecimentos se formou muita gente, incluindo grandes cozinheiros. Muitos dos seus empregados foram e são donos e gerentes de restaurantes, tendo aproveitado e desenvolvido o que aí aprenderam. Foi o que aconteceu com Carlos Carrasco, que chegou a Matosinhos em 1970 e foi trabalhar na Esplanada Antiga, tendo depois gerido o Convés, estabelecimentos fundados por Henrique Torres. Carlos Carrasco começou na restauração aos 9 anos, em Cascais. Em 1975 abriu o Surrobeco26 (actual Marujo), na rua Tomás Ribeiro, nº 284, que fechou em 1978 devido às confusões que se seguiram à revolução de 25 Abril de 1974. Tinha como sócio Manuel Marques Ferreira Era uma casa com 240 lugares, com um grande snack para mais de 30 pessoas. Tinha um salão, uma tasca na parte de baixo e uma churrasqueira no meio virada para a rua. Serviu personalidades como Ramalho Eanes, quando era Presidente da República, e Vasco Lourenço. Em 1979 abriu a Tasquinha do Carrasco em frente ao Surrobeco. Era uma casa especializada em caldeiradas de peixe e comida alentejana, tendo fados com guitarradas à Sexta-feira e ao Sábado.

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No local onde depois funcionaria o restaurante Os Lusíadas.

Surrobeco significa pano grosseiro, de lã, amarelado ou acastanhado, semelhante ao burel.


capítulo 5

Joaquim Jorge Fonseca Rocha.A casa é muito conhecida pelo marisco, mas também pela francesinha, a única que segue a receita do molho original, criada por um emigrante regressado de França, que depois a passou a José Silva, um dos fundadores da Majára. Nascido em Mafamude, Gaia, em 1966, Jorge Rocha está a dar continuidade ao trabalho do, Gaudêncio Rocha, e do tio, José Silva, que criaram a casa em conjunto com outros três sócios. Antes de assumir responsabilidades na Majára, em 2009, trabalhara já na restauração e em outras profissões. Mas era importante assegurar a continuidade do negócio da família, daí a decisão tomada nessa altura. A casa tem cerca de 30 funcionários, muitos deles quase desde o seu início. A Esplanada Marisqueira Antiga é hoje propriedade de Serafim Miranda, sendo gerida pelo seu filho, Carlos Miranda, que já aí trabalha desde 1980. Um negócio com raízes na família, já que o irmão deste é gerente de uma outra Marisqueira, os Lusíadas. A Esplanada Marisqueira Antiga tem 26 empregados, alguns dos quais com quase 40 anos de casa. Segundo o próprio gerente não é uma casa onde se possa ir todos os dias, uma vez que os preços são caros. Certo dia Mário Soares, na altura Presidente

Carlos Carrasco era alentejano e cantava fado e folclore alentejano, tendo começado a cantar aos 11 anos, em Lisboa. A Tasquinha do Carrasco fechou a 21 de Março de 2012. Era um espaço que levava 60 pessoas, tudo em pedra e tetos em cortiça. Os empregados andavam com aventais à talhante. Teve clientes de nomeada, como Mário Soares, Almeida Santos, Fernando Nogueira, Pires Veloso e D. Manuel Martins. Um dos sócios de Henrique Torres na Marisqueira de Matosinhos foi Miguel Teixeira Faria, o seu actual proprietário e o único desde 1993. Mantém a aposta na qualidade e a dedicação ao trabalho, que fizeram do estabelecimento um dos mais bem sucedidos de Matosinhos. Miguel Faria manteve uma profunda amizade com o seu antigo sócio, que considera ter sido fundamental na evolução da sua vida profissional. No início da década de 60 do século XX começou a ser usual os estabelecimentos de restauração fazerem publicidade ao serviço de mariscos frescos e à disponibilidade de viveiros. Já o vimos em relação ao restaurante O Garrafão e a outros, mas isso também era verdade, por exemplo para a Marisqueira de Portugal, de António Lopes de Rezende, que em 1 de Janeiro de 1961 anunciava ser uma casa especializada em mariscos, dispor sempre de mariscos frescos e ter aquários privativos. Ficava na Rua Antunes Guimarães e na Rua de Santa Catarina, nº 6, em Leça da Palmeira. Em 31 de Dezembro de 1961 temos notícia da existência da Marisqueira Mário, famosa pelo frango à cafreal, e pelos mariscos frescos com cerveja à caneca. Situava-se na rua Roberto Ivens, nº 717, em Matosinhos. A marisqueira Majára foi fundada em 1970, no mesmo local onde antes tinha trabalhado Henriques Torres, no restaurante Tainha. A morada oficial é rua Roberto Ivens, nº 603, em Matosinhos, se bem que a casa também tenha entrada pela rua do Godinho. Actualmente quem está à frente da marisqueira é

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A EVOLUÇÃO DA RESTAURAÇÃO

da República, entrou marisqueira adentro, sem seguranças, pediu um príncipe e meia dúzia de camarões, para se ir embora de seguida. O mesmo não aconteceu, mais recentemente, com a actriz Sharon Stone, que quando foi à marisqueira estava rodeada de seguranças e à porta era uma enorme confusão de carros topo de gama estacionados. Manuel Pinheiro, nascido em 1947 e natural de Famalicão, depois de servir numa casa particular na Foz do Douro, pertença de uma filha de um dos fundadores do Banco Borges e Irmão, e de mais de 30 anos a gerir o restaurante Ribeiro, no Porto, concretizou, em 1982, o sonho de possuir uma marisqueira: O Gaveto, sito na rua Roberto Ivens, nº 826, em Matosinhos. O empresário tem um enorme e justificado orgulho por ter sido publicado um artigo no reconhecido jornal económico Financial Times, que classifica o Gaveto como o paraíso do oceano, depois de se saborear as suas travessas recheadas com o maravilhoso produto da costa portuguesa. Manuel Pinheiro é um acérrimo defensor da gastronomia matosinhense, que em sua opinião deve ser protegida e divulgada, face à sua qualidade e variedade.

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AS MEMÓRIAS DAS ADEGAS E TASCAS


capítulo 5

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ma tasca é um estabelecimento onde se serve vinho, na maior parte dos casos ao copo, bem como refeições ligeiras (petiscos), a baixo preço. Existiram nas áreas rurais, onde eram o ponto de encontro das gentes da terra, como também nos centros urbanos, pelo menos até à década de 80 do século XX. Alguns autores consideram que tasca é uma designação pejorativa de taberna. Quando ao longo deste texto usarmos essa designação, não é com o intuito de minimizarmos ou maltratarmos esses estabelecimentos, mas sim de sermos fiéis ao registo histórico do vocabulário matosinhense. Casa de pasto era também um termo usado antigamente para referir estabelecimentos semelhantes, mas não iguais, às tascas. Distinguiam-se destas, por terem um serviço de refeições mais completo. É impossível falar-se da restauração em Matosinhos, sem abordar o tema das tascas e das adegas27. Durante longos anos foram muitas e muitas as que abriram na terra e aqui se mantiveram, estendidas por todo o território, desde a estrada da Circunvalação até ao rio Leça e desde Bouças até à praia. Umas grandes e outras pequenas, com maior ou menor clientela, mais ou menos arejadas, assim eram as tascas e adegas, que tinham em comum servir a preços económicos. Por isso, uma grande parte dos seus clientes era gente humilde, em especial pertencente à classe piscatória. Muitos destes estabelecimentos são hoje modernos restaurantes, completamente remodelados, com todas as condições exigidas por Lei e até com um nível de preços muito acima daquilo que praticavam anteriormente. Começaram a entrar em desuso à medida que foram aparecendo cada vez mais e mais cafés (estes, aos poucos, também vão fechando), que captavam os mais endinheirados. Convém lembrar que os tascos e adegas foram durante muitos anos ponto de encontro daqueles que não tinham rádio e, mais tarde, televisão, porque essa era a forma de ouvirem e verem as novidades. Foi também o local onde os pescadores se reabasteciam, quando o tempo entre a chegada do mar e uma nova partida era escasso. E o que mais adiante se verá!

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Utilizar-se-á adega com o mesmo conceito de tasca, apesar de não serem formalmente a mesma coisa. Por regra, tasca será uma casa mais pequena que a adega.

Adega Campos.

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É impossível falar-se da restauração em Matosinhos, sem abordar o tema das tascas e das adegas. Durante longos anos foram muitas e muitas as que abriram na terra e aqui se mantiveram, estendidas por todo o território, desde a estrada da Circunvalação até ao rio Leça e desde Bouças até à praia. Como se compreende, não foi fácil, em especial a esta distância, recordar todos os estabelecimentos deste tipo. Alguns terão mesmo sido esquecidos. Contudo, os mais importantes estão listados neste ponto do trabalho sobre a história da restauração em Matosinhos28. Para que tal fosse possível é de inteira justiça salientar o nome do Eng. Delfim Caetano Nora, que teve a amabilidade e paciência de recordar, rua a rua, muitos tascos e adegas da terra. O agradecimento é também extensivo a outros amigos do NAPESMAT29, que igualmente ajudaram na identificação de diversos estabelecimentos: Júlio Pinheiro, Fernando Fangueiro e Eduardo Tato. A ele se deve uma grande parte da informação que esteve na base deste ponto. Utilizar-se-á a abordagem por rua, por ser assim mais fácil a sua identificação30. Convém ainda salientar, que fomos fiéis às designações em tempos utilizadas para identificar esta ou aquela adega ou tasca. Apesar de alguns nomes serem menos usuais e utilizarem linguagem menos comum, não é nosso intuito menosprezar ou maltratar os seus proprietários, por norma gente de bem, a quem Matosinhos deve agradecer o seu espírito dinâmico e a sua capacidade empreendedora. Quisemos antes seguir fielmente aquilo que nos foi contado e que passou de geração em geração. Alterar os nomes por que eram conhecidos tascas e adegas, para além perder todo o significado, seria uma grave falta do rigor que deve presidir a este tipo de trabalhos31. Na avenida D. Afonso Henriques, antiga avenida da Vitória, existiu e ainda existe a Casa Tendinha, que hoje é apenas uma mercearia, mas que antigamente, tinha, na parte de trás, uma pequena adega, onde parou esse extraordinário actor que foi João Guedes. É um estabelecimento que ainda resiste às crises económicas e à concorrência das grandes superfícies.

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Neste caso referimo-nos apenas ao território da antiga freguesia de Matosinhos e a um período que abrange os últimos 100 anos.

Núcleo de Apoio aos Pescadores de Matosinhos.

Não é objectivo deste trabalho falar exaustivamente sobre cada um dos estabelecimentos. Fica, contudo, o registo de muitos deles, à espera que alguém com maior disponibilidade, num livro apenas sobre este tema, adopte uma abordagem mais exaustiva.

Ainda assim, àqueles que não gostem da abordagem, as nossas sinceras desculpas.


capítulo 5

Adega de Santo Amaro.

não tinha nome na fachada. No interior era uma casa térrea muito escura e quem passava na rua mal via o seu interior. Nas redondezas chamavam-lhe a Casa da Porca, mas não temos a certeza desta designação. Ainda na rua Conde Alto Mearim, ficava a Tasca do Adão, em frente ao jardim Basílio Teles, na esquina coma rua Tomás Ribeiro. O edifício ainda lá está, no seu estado original. Mas, há pouco tempo, a loja encerrou. Já não era propriedade do senhor Adão. Antes deste tinha sido dos Pataratas, a propósito dos quais se fala noutro parágrafo deste ponto. Ainda na rua Conde Alto Mearim, próximo da confluência com as avenidas da República e Afonso Henriques, existe a Adega do Malóio (nas costas da estátua de Afonso Cordeiro). Na mesma rua existiu em tempos a Loja do Prado, muito próximo da ilha da Cavalaria, também chamada ilha do Martins, em Carcavelos. Prado era o nome do dono do estabelecimento. Esta ilha fazia a ligação entre a rua Silva Pinheiro, onde se situava o antigo Campo de Santana, do Leixões Sport Clube, e a avenida Afonso Henriques. Dizem que o nome Cavalaria foi ganho devido ao facto dos homens a cavalo da Guarda Nacional Republicana a atravessarem sempre que iam fazer a segurança dos jogos no campo do Leixões. Um pouco mais a Sul, ainda em Carcavelos, junto

Mais à frente, também na mesma artéria, pegada aonde hoje fica o Pingo Doce, estava a Adega do Chico dos Pipos. No local existe há muito tempo um terreno desocupado, que resultou da demolição do referido estabelecimento. O dono nasceu paredesmeias com a Adega Costa, hoje um restaurante, na rua Roberto Ivens. Próximo havia uma tanoaria onde ele parava com frequência, pois era amigo do proprietário. A certa altura, resolveu montar um bar na rua Tomás Ribeiro, onde também alugava quartos. Esteve aí pouco tempo, tendo-se mudado para o local antes referido, onde abriu a adega e manteve o aluguer dos quartos. Como se chamava Francisco e tinha parado muitos anos na tanoaria já mencionada, ficou conhecido pelo Chico dos Pipos. Na rua Conde Alto Mearim, próximo da esquina com a rua Dr. Filipe Coelho, situava-se a Adega do senhor Mário. Virado para a rua ficava a mercearia, enquanto nas traseiras, com entrada pelo lado do edifício, era a adega. Ainda tudo está como dantes, ou quase, mas a adega está fechada. O dono já faleceu, pelo que a casa é hoje gerida pela viúva e pela filha. Por cima da porta da adega ainda lá está o letreiro que diz: AQUI É QUE SE BEBE. Uma curta referência a um tasco que existia um pouco a Norte da Adega do senhor Mário, pegado à casa das Rendas de Bilros, que entretanto fechou. Não tinha qualquer designação comercial e por isso também

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A EVOLUÇÃO DA RESTAURAÇÃO ao local da Feira dos Porcos e às alminhas, ficava a Adega do senhor Morgado. Este local foi objecto de uma forte intervenção urbanística, que entre outras coisas eliminou as ilhas que antes existiam. Um pouco mais abaixo, na rua Álvaro Castelões, existiu a Adega Castanheira, mais tarde transformada em restaurante. Ficava relativamente próximo do fim (lado Norte) dessa artéria. Mais adiante, na esquina com a rua de S. Roque, ficava a Adega dos Pataratas. Hoje é o Pão Quente e Confeitaria O Forno. Abaixo da rua Álvaro Castelões fica a França Júnior, onde em tempos existiu, em frente ao mercado municipal e à paragem dos autocarros e eléctricos, que já não existem, a Adega de Santo Amaro. Hoje é um restaurante com o mesmo nome. Circulando em direcção a Sul, depois do cruzamento coma rua do Godinho, no passeio do lado direito, existe anda a Adega do Sr. Roberto. Hoje é propriedade do seu filho Eduardo. A casa mantém ainda os traços de outrora, quer no interior, quer no exterior, o que ao fim de tantos anos é notável. Na rua Brito Capelo, já próximo da Estrada da Circunvalação, existiu a Adega das Caninhas Verdes, que mais tarde foi um restaurante, cujo proprietário era Henrique Torres, conforme se refere no ponto sobre as marisqueiras. No entanto, enquanto adega era uma das preferidas dos pescadores devido à proximidade do local para tratamento (secar, coser, etc.) das redes, que ficava onde hoje está o Parque da Cidade32. Ainda na rua Brito Capelo, quase em frente à Gago Coutinho, existe ainda um restaurante com o nome Delícias da Mesa. Terá sido em tempos um estabelecimento mais modesto, tipo adega. Há quem diga que era aqui a primeira Adega da Palmeirinha, mas pela leitura dos jornais da época assim não parece, como aliás se deduz do parágrafo seguinte. Na mesma rua existiu ainda, em frente à Câmara Municipal, a Adega da Palmeirinha, que mais tarde foi transformada em restaurante, tendo mudado a rua 1º de Dezembro. Por isso, também é referida a propósito dos restaurantes. Um pouco mais a Norte, já depois de passar o cruzamento com a rua Conde S. Salvador, existiu a Adega do Olho, propriedade do senhor André, segundo soubemos. O edifício ainda lá está, ocupado agora pela Adega do Pipo. Os donos também já não são os mesmos. Passando à rua Roberto Ivens, imediatamente abaixo da Brito Capelo33, havia em tempos a Adega do Passos, situada entre a avenida Eng. Duarte Pacheco e a rua Conde S. Salvador, no passeio do lado Este.

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A zona onde hoje fica o Parque da Cidade era conhecida por Xangai. Aí também existia um grande número de pequenas tascas, junto ao ribeiro que desagua na praia, devido, como já se disse, a ser um local muito frequentado.

Antigamente, a rua Brito Capelo chamava-se Juncal de Cima, enquanto a Roberto Ivens tinha o nome de Juncal de Baixo.


capítulo 5

Mais a Sul, em frente à Capela de Santo Amaro, onde hoje está o restaurante Manel, existiu também uma adega cujo nome não foi possível apurar. Em tempos vendeu combustível, pois tinha uma bomba de manivela, à porta. Ficava junta à ilha do Mestre Inocêncio Rato (Inocêncio Pinto Soares). Este local tinha e ainda tem pequenas adegas, como por exemplo a Casa Couto, que antigamente era a Adega do Sr. Fernando. Existiu uma outra onde hoje é a Padaria Popular. Na mesma avenida, mas mais para Sul, junto à ilha do Aguiar, existiu em tempos a Tasca do senhor António Caixa d’ Óculos. No local continua a funcionar com o nome de Tasca do António uma casa com aspecto mais moderno. A ilha do Aguiar tinha a particularidade de ter casas cujas traseiras davam para o pavilhão Siza Vieira (que antes era conhecido pelo Filatélico). Eram apenas paredes com pequenos postigos, mas estes eram o suficiente para os residentes nessas casas verem os jogos e treinos do Leixões Sport Clube, pelo menos nas modalidades de basquetebol e voleibol, enquanto estas aí jogaram.

Depois da rua Conde S. Salvador, no mesmo passeio, existe ainda o Restaurante Costa, que era antigamente uma adega. Já falamos desta casa no ponto referente aos restaurantes. Quando era ainda uma adega tinha uma decoração típica, com os presuntos pendurados no tecto, uma fila de pipas e um balcão de madeira. Mais adiante, em direcção a Sul, depois de atravessar a rua 1º de Dezembro, existiu em tempos uma adega, onde também se vendia hortaliça, cujo nome não foi possível apurar. Hoje, no mesmo local está a Casa Mister Couto. Um pouco mais a Sul existiu a casa Cacho d’ Ouro. Na avenida Serpa Pinto, esquina com a rua do Sul, no local onde hoje fica o restaurante Rei da Sardinha Assada, existiu em tempos um tasco utilizado para depositar provisoriamente artigos que saíam à socapa da doca. Na mesma avenida, quase em frente ao antigo restaurante Girassol, existiu em tempos uma outra tasca, muito próximo da Ilha34 da Fome Negra. Nesta última vivia muita gente, porque ia da avenida já mencionada até à rua Roberto Ivens – uma extensão considerável. Os seus habitantes seriam, naturalmente, seus clientes. Do outro lado da avenida, mas já depois de passar o cruzamento coma a rua Conde S. Salvador, pegado à ilha da Francelina, existiu em tempos a Adega Passos (segundo edifício a contar da esquina da avenida Serpa Pinto com a rua Conde S. Salvador). Também ficava perto da ilha do Capitão Sona. Um pouco mais à frente, no mesmo passeio, existiu a Adega do Domingos da Mateira, onde hoje fica o Restaurante O Malcriado. Na esquina da avenida Serpa Pinto com a rua 1º de Dezembro (canto SE) existiu a Adega Infante de Sagres, que era um dos principais pontos de encontro dos pescadores de Matosinhos. Foi a primeira a dispor de rádio (década de 40 do século XX), o que atraía muitos clientes. Fechou por vota de 1950 e os seus proprietários foram para Ovar, onde fundaram a fábrica de motores Rabor. No prédio, exactamente por cima da porta da esquina, está um conjunto de azulejos com a figura do já mencionado filho de D. João I. No local existiu, mais tarde, a Oficina Ultramarina, que entretanto também encerrou. Perto do cruzamento atrás citado, um pouco para Norte, mas no passeio oposto, existiu a Loja do Manuel da Adega. Esta situava-se, inicialmente, ao fundo da rua Conde Alto Mearim, na alameda Passos Manuel, próximo da velha ponte de pedra (ponte dos arcos), destruída para a construção da doca nº 2.

Adega do Lisboa - atravessa da rua S. Sebastiaão à rua do Sul.

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Ilha é um conjunto de habitações com apenas uma (às vezes duas) saída para a rua. São casas de operários e pescadores, por norma pobres e com fracas condições. Algumas tinham sanitários fora das casas, individuais ou colectivos. Esta designação é muito antiga e supõese que as ilhas são de inspiração inglesa.


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Na rua Heróis de França, esquina com a Conde S. Salvador, lado Norte, existiu um dos mais célebres estabelecimentos de Matosinhos: a Adega do Cartaxo, local de encontro de muitos pescadores. A casa ainda lá está, mas hoje chama-se A Tasquinha do Cricas. Seguindo a rua Heróis de França em direcção a Sul encontrávamos do lado esquerdo, na esquina com a rua Gago Coutinho, a Adega do Moreira, local onde também eram pagas as caldeiradas. Em frente a esta adega existia outra cujo nome não foi possível apurar. Hoje são ambas restaurantes. Continuando na rua Heróis de França em direcção a Sul, antes do cruzamento com a rua 1º de Dezembro encontrávamos, antigamente, a Adega do Zé do Mar. Ficava à saída da ilha do Galante, do lado esquerdo de quem está de costas para o mar. Hoje é um restaurante. Do outro lado da entrada da referida ilha havia ainda outra adega, cujo nome não foi possível apurar. No seu lugar está hoje o restaurante O Lusitano. Esta rua, que hoje é um extenso conjunto de restaurantes especializados em peixe, era antes uma sucessão de pequenas adegas e tascas, na sua maior

Antiga Adega do Galego (actual Grito’s Café).

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capítulo 5

parte frequentadas por pescadores e habitantes das muitas ilhas que aí existiam. Mais adiante, por exemplo, no passeio do lado do mar, quase em frente à rua 1º de Dezembro, ficava a Adega da Maiata. Na esquina oposta, em diagonal, existiu a Adega do Jacinto. Hoje funciona no mesmo local a Auto Eléctrica Gomes e Fumega, Lda. Mais à frente, depois de passar a última rua citada, no passeio do lado da doca, ficava a Adega do Salto o Muro, hoje Casa Salta o Muro. Entre a Adega da Maiata e esta última há uma reentrância do lado da doca, onde hoje existe um posto de transformação. Havia um muro baixo na traseira das casas dessa zona e umas escadas no referido recanto, que permitiam o acesso aos depósitos de carvão localizados na doca. Era o local onde, por norma, as pessoas saltavam o muro – dai o nome do estabelecimento. Na esquina da rua Heróis de França com a rua do Godinho, canto NE, existiu em tempos a Adega do Travincas. Hoje, no mesmo local, há um prédio de construção recente. No mesmo cruzamento existiu também a Adega do Grilo, um dos principais pontos de encontro de pescadores, já que este era um dos locais onde os mestres pagavam a caldeirada. Começando de novo pelo lado Este de Matosinhos, mas agora mais próximo da Circunvalação, temos a rua Silva Pinheiro, onde adjacente à rua de Damão (a chamada viela do Campo de Santana) ficava a Adega do Tira Vidas. O conjunto de casas da mencionada viela é conhecido pela Vila Deolinda. No seu lugar existe ainda a Adega Santana. Quase em frente existiu também a Adega do Brasileiro, onde mais recentemente foi uma drogaria. Um pouco mais abaixo, no passeio oposto, em frente ao local onde ficava a bancada central do antigo Campo de Santana, ficava a Adega do Benfica. Esta era a alcunha do dono, naturalmente resultante da sua fé clubista. Segundo ouvimos, a adega terá sido inaugurada pelo pai de Santana, famoso jogador do Leixões Sport Clube. Virando agora a nossa atenção para a rua Afonso Cordeiro, enumeramos um estabelecimento que já não existe, a Adega do Evaristo, no cruzamento daquela rua com a avenida da República. Era muito frequentado pelos moradores da ilha do Gesta. Ainda na rua Afonso Cordeiro, em frente à antiga escola da Preta, existiu em tempos a Adega do Amor, que mais tarde mudou para a rua Alfredo Cunha, onde funcionou muitos anos. O prédio desta última rua foi demolido, existindo outro no seu lugar. Contudo, o

Antiga Adega do Olho (actual Adega do Pipo).

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A EVOLUÇÃO DA RESTAURAÇÃO

prédio que ocupou na rua Afonso Cordeiro ainda existe, tendo, inclusive, sido durante anos a Adega do pai do Mário da Catróia, pessoa conhecida em Matosinhos pela sua força física. Na rua Afonso Cordeiro, em frente ao antigo Matadouro, existiu a Adega da Viúva e na mesma rua, esquina com a rua Tomás Ribeiro, funcionou em tempos a Adega do Moinhos. Também já não existe a Adega do Faria que se situava na esquina daquela rua com a avenida da República. Ainda na rua Afonso Cordeiro, esquina com a avenida Menéres, existiu a Adega do Crispim. Hoje, a loja está fechada. Chegou a ser um dos estabelecimentos onde outrora alguns mestres pagavam as caldeiradas35 à sua companha. Este facto trazia clientela às casas e esta terá beneficiado disso durante um largo período. Também tinha mercearia. Depois de ser a Adega do Crispim foi, segundo soubemos, a Tasca do Albino, ex-empregado do Café Lua. A seguir foi a Mercearia do senhor Miranda e mais tarde o Buraquinho dos amigos do Bené (antigo jogador do Leixões Sport Clube) e o Buraquinho dos amigos do senhor Álvaro. Na mesma rua, mas no passeio oposto, existiu a Tasca do Quim da Russa. No passeio Oeste desta mesma rua existiu também a Adega da Benilde, em frente ao Matadouro e perto da casa do Manuelzinho Alfaiate. Perto havia também a Adega do Bernardo, que organizava excursões e tinha como principais clientes o pessoal da Serralharia Leixões. Na rua abaixo, a Mouzinho de Albuquerque, entre as avenidas da República e Menéres, do lado Este, existiu a Adega Festas, que em tempos pertenceu a Emília Vilara, mãe do Eng. Delfim Caetano Nora, que como antes referido foi fundamental para a escrita deste ponto. Hoje é a Casa Festas. Na mesma rua, quase a chegar à rua Sousa Aroso, em frente à parte final do edifício da Real Vinícola, ficava a Tasca do pai do David, como era conhecida. Mais recentemente foi a Casa do Victor. Nesta altura está em obras. Na rua abaixo, a D. João I, no passeio do lado Oeste, ficava a Adega dos Trafulhas. Este nome era por certo uma alcunha, que alguém mais brincalhão decidira atribuir ao estabelecimento. E assim ficou, como aliás muitos outros que relatamos neste ponto36. A casa ainda existe, mas hoje é um pequeno restaurante, certamente com outros donos, Fica perto do restaurante Bananeiro. Na mesma rua, em frente à antiga fábrica de Conservas Universal, ficava a Adega do Sr. Santos. No início da rua Brito e Cunha houve em tempos

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Caldeirada é a parte ou valor que cabe aos pescadores, mestre, armador e barco, sempre que há pesca. Varia de porto para porto.

Há nas terras piscatórias um hábito muito antigo, que é o de atribuir alcunhas a pessoas e estabelecimentos. Por norma estes estão relacionados com aqueles. O leceiro Laura Moreira chegou, inclusive, a estudar as alcunhas de Leça da Palmeira, tendo escrito um texto a propósito do mesmo. O que aconteceu muitas vezes foi, ao fim de anos e anos, a alcunha ter sido incorporada no nome de família.


capítulo 5

a Adega do Canastra, junto à Tourada e próximo da linha do comboio. Na mesma rua, próximo do cruzamento com a avenida da República, existiu a Adega do Abílio Azeiteiro. Na mesma rua, mas ainda mais a Norte, perto do cruzamento com a rua Tomás Ribeiro, existe ainda a Casa Santos, que outrora era conhecida pela Tasca do senhor Cunha. Fica perto do restaurante e snackbar Iate, que antes era o Café Iate, muito frequentado por estudantes universitários, em especial dos cursos de Economia, Engenharia e Medicina. Começando agora de Norte para Sul, vejamos em primeiro lugar a rua de S. Sebastião, onde fica, logo no seu início, junto à doca, no passeio Sul, a Adega Chaves, antes propriedade de Joaquim da Silva Chaves e agora de um seu antigo empregado. Tratase de uma pequena casa, muito conhecida pelas iscas de bacalhau. Ainda está aberta ao público. Na mesma rua ficava também a Adega do Lisboa – uma casa que se prolongava até à artéria seguinte, a rua do Sul. Nesta última rua, esquina com a Heróis de França, existiu a Loja do Felisberto. A meio da rua, do lado Norte, ficava a Adega do Tone da Loja. Ainda na rua do Sul, ficava a Loja do Cova Funda. Passando agora à rua Conde S. Salvador, começando pelo seu extremo Oeste, junto antiga rua da Praia, actual Heróis de França, começamos por citar a Loja da Borrada, pegado à ilha de S. Pedro. Esta ostenta ainda o seu nome, com o orgulho de quem durante longos anos sobreviveu em condições bem difíceis: BAIRRO DE S. PEDRO. Hoje a antiga adega é um pequeno restaurante. Do outro lado da rua, um pouco mais a Oeste, ficava a Adega de Bernardino Pinhal. No seguimento da rua Conde S. Salvador fica a rua de S. Roque. Entrando nesta, logo no início, do lado Norte, deparamos com a Tasca do Fontes. Ainda lá esta, num prédio muito antigo, com o letreiro a indicar o nome da casa, que contudo pensamos já estar encerrada. Subindo a rua de S.Roque,encontrávamos,antigamente, na esquina com a rua Conde Alto Mearim, a Tasca do Arnaldo. O prédio foi completamente remodelado e da velha tasca já nada se vislumbra. A seguir à rua de S. Roque, passando o largo do Ribeirinho, antigo largo do Sol, subimos a rua Dr.

Adega Félix.

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Na mesma rua, entre Brito Capelo e França Júnior, existiu a Adega Amaral. O prédio que hoje lá está é de construção recente. Virando agora a nossa atenção para a rua do Godinho e começando pelo seu extremo Oeste, junto ao Senhor do Padrão, a primeira casa, muito próxima do mencionado zimbório, tinha no seu rés-do-chão a Adega Filinto ou, como também era conhecida a Adega da Miquinhas do Filinto. Hoje ainda existe, mas com o nome de O Cantinho do Senhor do Padrão. Esta é uma casa de um brasileiro de torna viagem, que no seu lindíssimo portão colocou o emblema do Brasil. Subindo a rua do Godinho e ainda do lado Norte, deparamos com a antiga Tasca da Sra. Maria. Segundo nos contaram, esta casa também tinha dormitórios com beliches, onde dormiam muitos pescadores, inclusive casais e respectivas famílias. Ali cozinhavam, comiam e bebiam, como se fosse uma comunidade única. A extrema pobreza e a procura de uma oportunidade de emprego na pesca conduziram a situações deste tipo. Tudo se passava como se fosse uma ilha dentro de uma casa ou de um quarto.

José Ventura, antes chamada rua da Igreja, passamos o entroncamento com a rua Cartelas Vieira e um pouco mais à frente podemos ainda ver a casa onde esteve instalada a Adega do Mata Porcos, embora esta já esteja fechada. Na rua Gago Coutinho, entre as ruas Brito Capelo e Roberto Ivens, ficava a Adega Félix. O prédio ainda lá está, mas o estabelecimento chama-se agora Flor de Matosinhos. O nome do estabelecimento terá a ver com o de um conhecido jogador do Benfica, da altura em que a casa abriu. Parece que há 50 anos se comia um bom bife e bebia uma caneca de vinho verde tinto, tudo por sete escudos e cinquenta centavos. Na rua 1ª de Dezembro, próximo do cruzamento com a avenida Serpa Pinto, no mesmo passeio onde está o primitivo restaurante Mariazinha, ficava a Tasca da Palhaça. Este pedaço da rua, entre Roberto Ivens e a avenida atrás referida, foi construído onde antes existia a Ilha da Toucinheira. Outra casa no mesmo local era a Loja do Sr. Américo. A poente desta ficava a tasca e casa de pasto da Aninhas do Moreira, que também alugava quartos, e a nascente a do Sr. Moura (mais tarde do Sr. Oliveira)

Esta rua, que hoje é um extenso conjunto de restaurantes especializados em peixe, era antes uma sucessão de pequenas adegas e tascas, na sua maior parte frequentadas por pescadores e habitantes das muitas ilhas que aí existiam. (Rua Heróis de Fraça)

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capítulo 5

Adega Stadium (rua de S. Pedro).

quase em frente à lateral do Café Lua, existiu em tempos a Loja dos Azeiteiros, cujos donos eram de Coimbra, os filhos estudaram na Escola da Bruxa e montaram, mais tarde, um supermercado na rua Brito Capelo. Continuando a subir, agora pela rua Alfredo Cunha, tínhamos antes a Adega do Amor que se mudou da rua Afonso Cordeiro para aqui, quase em frente ao edifício das Finanças e da esquadra da Polícia de Segurança Pública. Nesta última localização esteve muitos anos, até que o edifício foi demolido. Na rua Alfredo Cunha existiram ainda, acima do Centro de Saúde, do lado esquerdo, duas adegas muito próximas uma da outra: a do Biscaia e a da Arminda. Esta última fechou há pouco tempo e a sua dona era filha da antiga proprietária da Adega da Azeiteira. Mais acima, no cruzamento das ruas Alfredo Cunha e da Misericórdia, em frente à estação de serviço Solmar, existiu a Tasca da Aurora. O edifício foi, recentemente, demolido, no âmbito da requalificação do Bairro dos Pescadores. O estabelecimento também era conhecido pela já referida Adega da Azeiteira. Nos Fiéis, os pobres vinham para aqui beber e petiscar com os tostões que conseguiam amealhar à porta do cemitério de Sendim. Incluamos nesta sequência, por comodidade de referenciação, outras adegas existentes nesta zona de Matosinhos. No miolo do Bairro dos Pescadores, em Manhufe, está a chamada casa do leão, onde em finais do século XIX viveu a

Continuando a subir a rua e também do lado Norte deparávamos, antigamente, na esquina com a rua Álvaro Castelões, com a Adega da Vitorinha, pessoa muito conhecida em Matosinhos, porque organizava excursões a diversos lugares do país. A localização do estabelecimento ficava num cruzamento com algum perigo, em especial antes da colocação dos semáforos. Mais que uma vez a casa sofreu o embate de viaturas. A Adega da Vitorinha era também mercearia. Hoje, do velho prédio já nada existe. Ao chegar ao cimo da rua do Godinho existia do lado direito a Casa Farripinhas e mais acima, na esquina com a avenida D. Afonso Henriques a Casa Farripas. Esta, inaugurada em 1886, também era mercearia, enquanto a primeira estava mais vocacionada para servir refeições, se bem que tenha aberto como casa de chá, vinhos e café. Contudo, ambas funcionaram como adegas e serviram refeições. Hoje já não existem. Também falamos destas duas casas noutro ponto deste trabalho, uma vez que também funcionaram como restaurantes. Na rua Tomás Ribeiro, próximo da esquina onde ficava a Adega do Moinhos, esteve em tempos a Adega Cardoso. Ao fundo desta rua, antes de chegar à rua Heróis de França, existiram duas adegas, uma em frente da outra: Adega do João e Adega Faísca. Os respectivos prédios ainda lá estão. Na rua Ló Ferreira, que fica no seguimento da anterior, entre as ruas Conde Alto Mearim e Afonso Cordeiro,

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A EVOLUÇÃO DA RESTAURAÇÃO

violoncelista Guilhermina Suggia. Mais tarde a casa albergou a Tasca do Leão. Hoje a habitação está desocupada e em mau estado, mas o leão lá se mantém. Segundo fomos informados, o estabelecimento era explorado pelo Sr. Álvaro, que terá saído da Adega do Mata Porcos. Se subirmos a rua Alfredo Cunha e entrarmos na rua da Seara, deparamos logo no início com a Adega Maia e depois com a Adega da Geninha. Nem uma, nem outra, está já em funcionamento. Mas da segunda ainda lá está a casa respectiva. Voltando atrás e descendo para Bouças de Baixo, entrando na rua do Convento, estamos no local onde antes existia a Adega do Sr. Joaquim. Muito próximo é o local onde há séculos se poderia ver o mosteiro de Bouças, datado do século X, que durante muito tempo abrigou a imagem do Bom Jesus, que hoje se

em tempos a Adega do Rebelo. A este local afluem as artérias atrás citadas, num total de cinco, considerando que a primeira atrás citada chega e parte desse ponto. É o chamado cruzamento de cinco pontas. Os pescadores, por norma supersticiosos, quando iam ao mar, não passavam nesse tipo de cruzamentos, com medo que algo lhes corresse mal, o que não deveria ser muito bom para a Adega do Rebelo, pois afastava a procura. Outro caso de cruzamento de cinco pontas é o que fica próximo da Confeitaria Primavera, com a confluência das ruas do Godinho, França Júnior e Brito e Cunha. No cruzamento das avenidas da República e Comendador Ferreira e Matos, ficava a Adega do Império, hoje um snack-bar com o mesmo nome. Já desactivada está a Tasca do Sr. Santos, sita na avenida Menéres, em frente a fábrica de conservas Pinhais. No cruzamento das avenidas Menéres e Comendador Ferreira de Matos situava-se a Adega do Galego, que foi em tempos propriedade do pai de Eliseu, um conhecido jogador do Leixões Sport Clube. O edifício ainda lá está, mas o estabelecimento é hoje um café (Grito’s Café), que também serve almoços e jantares. Terminamos um pouco mais distante, mas ainda em Matosinhos, com mais um dos nomes inesquecíveis com que as nossas gentes brindavam tascos e adegas (e não só): a Tasca do Baixa a Tola, na rua Dr. Eduardo Torres, logo a seguir a um pequeno largo que fazia o cruzamento com a rua da Cruz de Pau. Acontece que a porta de entrada era baixa, havendo de seguida umas escadas. Os clientes tinham que se curvar para poderem entrar, mas alguns esqueciam-se e davam uma valente cabeçada na verga da porta. Daí o nome do Baixa a Tola, que não correspondia a qualquer marca ou firma, mas sim a uma designação de origem popular, que foi a que ficou na memória das pessoas. Parece ter sido propriedade de um tal senhor Serafim e que era famosa pelas iscas de bacalhau. Mas outras opiniões afirmam também que era um local onde os miúdos passavam com medo e tapavam o nariz devido ao cheiro nauseabundo. Era frequentado por muitos jogadores do Leixões Sport Clube.

Adega Festas.

pode ver na igreja matriz de Matosinhos. Estas terras foram propriedade de D. Mafalda, filha de D. Sancho I, admitindo-se que aí tenha vivido. Na rua 1.º de Maio, próximo da esquina com a avenida D. Afonso Henriques, ficava a Adega do senhor António. Já desapareceu, dando agora lugar a um moderno edifício. Onde hoje fica o Restaurante Ramada do Mar, em frente à antiga fábrica de conservas Rainha do Sado, no cruzamento das ruas Roberto Ivens, Heróis de França e Carlos Carvalho, com a avenida Menéres, existiu

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Políticas para a restauração em Matosinhos

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restauração é um óptimo instrumento para dinamizar o turismo em Matosinhos e chamar gente da região ou de fora, que ao almoçar ou jantar na terra contribui para o seu desenvolvimento económico. Naturalmente que a Câmara Municipal está atenta a este mercado, dada a sua importância ao nível do emprego e das receitas municipais, pelo que tem tentado aproveitar a excelência do peixe e do marisco de Matosinhos, os bons restaurantes existentes e a tradição para dinamizar a actividade. Há anos que a autarquia tem vindo a promover a restauração através da iniciativa “O mar à mesa”, divulgando-a a diversos níveis, entre os quais nas camisolas do Leixões Sport Clube. Um dos projectos da organização foi lançar a chancela Mar à Mesa “Restaurante 100%”, que é um certificado que reconhece o estabelecimento em questão como tendo capacidade para assegurar boas práticas de higiene, segurança, qualidade alimentar e serviço. Podem candidatar-se a esta chancela todos os restaurantes com serviço de mesa, que não estejam integrados em centros comerciais. A comissão para atribuição da distinção é constituída pela Câmara Municipal de Matosinhos, pela Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo, pela Confraria Gastronómica do Mar – Matosinhos, pela Escola de Hotelaria e Turismo do Porto e por “O Peixe à Mesa” – Associação de Restaurantes de Matosinhos. A atribuição da chancela é efectuada em duas fases. Na primeira são avaliados os seguintes parâmetros: higiene e segurança alimentar; higiene e segurança no trabalho; gestão de resíduos; imagem; qualidade. Ultrapassada a primeira avaliação, a segunda, que resulta de uma visita sigilosa ao restaurante, pondera os seguintes factores: imagem exterior; qualidade do ambiente/ espaço, imagem do pessoal, domínio das técnicas de serviço, acolhimento e atendimento; ementa, carta e carta de vinhos; técnica; correcção no pagamento; serviço geral de mesa; qualidade gastronómica da refeição; relação entre qualidade e preço da refeição. A atribuição da chancela é válida por dois anos. A marca “ Mara à mesa” foi, entretanto substituída pela “World’s best fish”.

O futuro da restauração em Matosinhos está dependente de diversos factores, alguns dos quais externos e portanto não controláveis pelos restaurantes ou pela autarquia. É o caso da carga fiscal sobre os restaurantes e do maior ou menor desenvolvimento económico do país em geral e da região em particular.

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POLÍTICAS PARA A RESTAURAÇÃO DE MATOSINHOS

Nuno Rocha, do restaurante Mauritânia, entende, por exemplo, que a autarquia deveria embelezar a rua Heróis de França, para que o espaço fosse mais atraente para os visitantes. Esta rua é, como se sabe, uma espécie de “sala de jantar” de Matosinhos. Contudo, há também muitos restaurantes nas ruas circundantes que merecem esta atenção. Paralelamente, seria necessário aproveitar a rua Brito Capelo, a zona do mercado municipal e a praia para abrir espaços nocturnos que retivessem turistas e visitantes. E é, obviamente, necessário promover esta oferta. O terminal de cruzeiros, localizado nesta zona da cidade e prestes a ser inaugurado no preciso momento em que este texto é escrito, é uma oportunidade que não deve ser desaproveitada. Esta ideia é partilhada por Carlos Miranda, da Esplanada Marisqueira Antiga, para quem o terminal de passageiros será, se servido por uma estratégia adequada, uma oportunidade que trará bons resultados para a restauração de Matosinhos. O arranjo da rua Heróis de França não merece, contudo, opinião unânime, já que alguns defendem a manutenção dos actuais fogareiros a carvão, sob pena de se perder uma tradição que dá uma certa graça ao local. Por isso, se tem discutido há já algum tempo a opção pelos assadores eléctricos. Serão mais higiénicos e amigos do ambiente, mas não tão atractivos para os turistas, como refere Júlio Tito Rodrigues, dos restaurantes Tito I e II. Segundo o mesmo proprietário, está também em estudo a possibilidade de construção de esplanadas fixas, em substituição das que actualmente se montam apenas no Verão. O empresário alerta, contudo, para o preço a pagar por cada uma destas novidades, já que o fogareiro eléctrico ficará por 5.000 euros e a esplanada por 50.000 euros. Os próximos tempos não serão, certamente, fáceis. Mas António Ferreira, da casa Arquinho do Castelo, defende que o projecto da associação de restaurantes é prioritário: o fogareiro ecológico já está patenteado e encontra-se à experiência. Em sua opinião, irá filtrar a maioria dos cheiros. No futuro, continua, quem quiser utilizar fogareiro no exterior terá de adquirir o novo modelo. Aparentemente, o movimento associativo tem, pelo menos por enquanto, uma baixa adesão. Fernando Pinto, do restaurante Veleiros, afirma que as reuniões são pouco concorridas, o que limita a capacidade de actuação da Associação do sector.

Como se compreende, o futuro da restauração em Matosinhos está dependente de diversos factores, alguns dos quais externos e portanto não controláveis pelos restaurantes ou pela autarquia. É o caso da carga fiscal sobre os restaurantes e do maior ou menor desenvolvimento económico do país em geral e da região em particular. Também é verdade que nem todos têm a mesma opinião sobre este assunto. Ainda assim, a par das nossas achegas sobre a matéria, tentamos dar voz a todos aqueles que nos quiseram dar a sua opinião sobre a matéria – e foram muitos. Um dos factos que preocupa alguns gerentes/ proprietários é a concorrência que os restaurantes do Porto fazem, sendo certo que antes não o faziam, uma vez que trabalhavam, essencialmente, na base da confecção de almoços. De facto, a noite da cidade vizinha sofreu, nos últimos anos, uma enorme evolução, tendo uma diversificada oferta de divertimentos, que Matosinhos não tem. Há pois que pensar numa estratégia global, que permita atrair e manter os visitantes.

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Paralelamente, seria necessário aproveitar a rua Brito Capelo, a zona do mercado municipal e a praia para abrir espaços nocturnos que retivessem turistas e visitantes. E é, obviamente, necessário promover esta oferta.

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o risco do investimento. Fernando Pinto, do restaurante Veleiros, também critica a elevada carga de impostos, tal como Joaquim Rocha, da Majára, Manuel Pinheiro, do Gaveto, e Manuel Rocha, do Lais de Guia. Este economista, de formação, defende o retorno do IVA à taxa de 13%. Outros, como Carlos Miranda, da Esplanada Marisqueira Antiga, consideram os impostos pesados, mas dados os preços altos que praticam, a influência dos mesmos é reduzida. O empresário aposta numa política de continuidade, recusando-se a alterar a estratégia da casa, independentemente de num período de crise isso afastar alguns clientes. Já o seu concorrente, Joaquim Rocha, do Majára, chama a atenção para a falta de apoio às marisqueiras, salientando que este está todo concentrado nos restaurantes que servem preferencialmente peixe. Em sua opinião deveria existir um trabalho específico com o intuito de defender o marisco como marca regional, cuja responsabilidade caberia à Câmara Municipal, à Junta de Freguesia e à Associação de restaurantes. Em face das dificuldades que o sector atravessa, alguns, como António Ferreira, do restaurante Arquinho do Castelo, defendem uma maior união em torno da Associação, que apesar de ter começado sem grandes apoios, tem hoje um bom relacionamento com a autarquia, possibilitando dessa forma sinergias importantes para a melhoria da restauração em Matosinhos. A melhoria do sector da restauração em Matosinhos é, contudo, uma realidade, em especial devido à forte concorrência, que obriga os respectivos donos a melhorarem a sua oferta. Não será fácil manter a continuidade dos negócios, tanto mais que os filhos dos actuais empresários terão outras expectativas. Há muitos que se queixam da prisão que representa gerir um restaurante ou das incontáveis horas de trabalho. Contudo, todos são unânimes quanto às potencialidades de Matosinhos e aos efeitos positivos que isso pode trazer à restauração, à qual não falta qualidade.

Rui Sousa Dias, Presidente da Associação de Restaurantes de Matosinhos, com sede na rua Heróis de França, nº 211, em Matosinhos, e dono das casas Valentim e Dom Peixe, refere que a instituição a que preside está empenhada em tornar a cidade mais bonita aos olhos dos estrangeiros que poderão entrar pelo novo terminal de passageiros, mas principalmente para os que cá chegam pelo aeroporto Sá Carneiro. Nesse sentido, “ está a ser realizado, em conjunto com a autarquia, um trabalho de divulgação junto das operadoras e de todos os intermediários ligados ao turismo”, adianta. A aposta no turismo aliado à gastronomia é, para o empresário, a chave para ajudar o país a sair da situação económica fragilizada em que se encontra e “Matosinhos é, sem dúvida, uma das zonas principais desta metrópole que é o Porto, com características tão próprias, quer pela proximidade do mar, quer na actividade da pesca, quer na gastronomia, que faz todo o sentido vir conhecer”, conclui. Pedro Enguião, do restaurante o Barco Velho, defende também a realização de iniciativas de captação de clientes, como festivais de marisco ou de peixe e museus dedicados à pesca. Outros empresários começaram já a apostar na internet, em particular nas redes sociais, como forma de captar um novo tipo de clientes. A ideia base é sempre a mesma e parece ser a correcta se quisermos desenvolver a restauração em Matosinhos, criadora de postos de trabalho e de riqueza. Para isso é importante estimular a procura e melhorar as condições da oferta. Alfredo Zuzarte, da casa A Badalhoca do Fredo, refere também a necessidade de criar parques para estacionamento de viaturas e de aumentar a fiscalização para evitar a concorrência desleal. Outra opinião, que parece ser comum a diversos responsáveis da restauração, é a pesada carga tributária, em especial o IVA, que sofreu um aumento brutal nos últimos anos. É o caso de Filipe Oliveira, do restaurante O Filipe. Para este empresário, o peso dos impostos faz aumentar perigosamente

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francos franceses ganhos em uma semana a apanhar bolota, o suficiente para se alimentar, parte para Paris à procura de lugar ao sol. Que encontrou. As suas habilitações académicas foram patamar para inscrição na escola francesa, para estar legal, fez um estágio de barman e começou a trabalhar numa mercearia para a uma família judia e acabou, depois de ter passado por outras experiências na área da gastronómica, num restaurante muito famoso cuja existência e prestígio já vinham de mil novecentos e vinte, o “Le Dôme” , onde, depois de ter passado para o serviço de sala, servindo figuras emblemáticas da sociedade parisiense e internacional, como Paloma Picasso, Yves Saint Laurent, o filho de José Sarney, entre muitos, começou a usufruir remunerações da ordem dos mil e trezentos contos por mês. Valentim Santos rondava os seus vinte e anos de idade. Foi no “Le Dôme” que começou a verdadeiramente epopeia de Valentim Santos que o levou a empresário de sucesso na restauração, tendo, o seu restaurante “S. Valentim”, já sido titulado por publicações de prestígio nacional, como um dos “Cem Melhores Restaurantes” do país, o que ele, modestamente, julga não corresponder bem à verdade. O saudosismo, sentimento impregnado na alma lusitana, levou Valentim Santos a deixar-se trair e volta,

alentim Santos é transmontano, nasceu em Salte, Montalegre, no seio de uma família humilde trabalhadora e é do meio de nove irmãos. Aos onze anos entra no Seminário de Vila Real onde fez o antigo sétimo ano, para a seguir, rumar a Braga em busca do então propedêutico mas a falta de meios económicos travou a sua entrada na faculdade uma vez que se tornou inviável a gestão familiar dos pais com nove filhos que, mesmo assim, todos estudaram, muito embora, só três conseguiram chegar mais longe no percurso académico. Da sua desistência escolar resultou a necessidade de se tornar auto-suficiente e, vai daí, há trinta e cinco anos, começa a procura de emprego em Braga, que não conseguiu, porque na altura se ter verificado a preferência daqueles que vieram das nossas ex-colónias com experiência profissional ou aptidões académicas. Parou para pensar e decidiu. Esqueceu a convocatória para cumprir o serviço militar, pegou numa mochila, sem dinheiro, e marchou à boleia até aos Alpes franceses a pensar que iria encontrar trabalho, mesmo não tendo experiência em qualquer actividade profissional. Porém, não resultou a sua estadia por aquelas paragens, até porque o frio não ajudava nada, e, com novecentos

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Mestre Valentim Santos, proprietรกrio.

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(...) É necessário ter-se em atenção que Matosinhos tem turismo e que a ele está intrinsecamente ligado à gastronomia local pelo que a promoção desta vertente deve ser feita de forma mais incisiva e sistematizada através duma informação selecionada.

em mil novecentos e oitenta e quatro, a Portugal, começando um caminho de investimento que, segundo nos confessou, não pára no seu actual restaurante, uma vez que projecta neste momento a construção dum aparthotel mesmo ao lado do S. Valentim. Assim, a aplicação dos dinheiros ganhos em França começaram ver-se a sul do país - inicialmente pensou ir viver em Lisboa – na Costa da Caparica e Almada, nas áreas da restauração e imobiliária mas o coração nortenho verte novamente e fá-lo rumar a estas paragens, instalando em Leça da Palmeira onde tinha uma habitação. A proximidade do mar de Matosinhos e o seu produto, que bem conhecia do tempo em que trabalhou no “Le Dôme” – este, só servia pescado - levou a tornar-se especialista na arte de bem servir à mesa, montando desde há vinte e um anos, na Rua Heróis de França, em tempos diferentes, mais do que um restaurante, sempre na área do peixe, que tem vindo ao longo dos tempos a fazer as delícias de clientes de vários estratos sociais, que se fidelizam e são oriundos de vários pontos

do país – com maior incidência de empresários dos Vales Ave e Sousa e área de Chaves - até do estrangeiro, sendo que, os espanhóis de Barcelona, Madrid e outras regiões, que por razões profissionais se deslocam ao norte de Portugal, escolhem “O Valentim” para degustar as maravilhas do magnífico e variado peixe servido á mesa de diversas formas. Assim, o cherne, carapau, petinga, rodovalho, entre outros, fazem parte da ementa do “S. Valentim” mas a eleição vota no robalo grelhado que só é suplantado pelas toneladas de sardinhas no tempo de verão. Refere que o seu sucesso se prende com a qualidade de serviço que presta e pela filosofia empresarial que imprime ao negócio em que nada é deixado ao acaso, sempre tendo em atenção que o seu cliente tem que deixar o “S. Valentim” absolutamente satisfeito. Desde há vinte e um anos na Rua Heróis de França, Valentim Santos, reconhece que ambiente evoluiu muito, em consequência da procura de uma boa mesa com peixe, passando de alguma anarquia, por toda a gente querer apostar na

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restauração sem grande conhecimento da arte, para um patamar acima como reflexo de uma maior exigência da parte da clientela. E que muito mais se pode fazer, convocando cada vez mais forasteiros para aquilo que considera ao melhor local para se comer peixe no país. Para isso é necessário ter-se em atenção que Matosinhos tem turismo e que a ele está intrinsecamente ligado à gastronomia local pelo que a promoção desta vertente deve ser feita de forma mais incisiva e sistematizada através duma informação seleccionada. Mesmo que sinta que nos últimos vinte anos muita coisa foi feita, a que não é alheia a acção da Câmara Municipal, Valentim Santos acha que mais ainda há por fazer mas para isso tem que haver diálogo constante entre todos os intervenientes deste processo. Para este empresário de sucesso, Matosinhos é a terra onde se come melhor peixe no País e que o seu “O Valentim” é uma referência nesta matéria testemunhado pelo vário tipo de clientes vindos de todo o lado.

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Júlio Tito Neves Rodrigues, proprietário.

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m 1977, apenas com 17 anos, Júlio Tito Neves Rodrigues parte rumo a França como escapatória ao serviço militar e em busca de uma vida mais promissora. Uma aventura que durou 17 anos durante os quais passou por vários restaurantes e onde conheceu Valentim Santos, proprietário actual de uma outra casa de referência em Matosinhos, de quem se tornou sócio e amigo. “Em França conheci o Valentim, que também era emigrante, e quando trabalhávamos como empregados sempre ambicionámos ser patrões. Regressámos ao nosso país e começámos a adquirir casas em conjunto, primeiro em Lisboa, depois aqui, fomos sócios durante muito tempo. Há 7 anos atrás decidimos separar-nos, eu fiquei com o Tito I e o Tito II, ele ficou com o S. Valentim”, conta Tito, como é conhecido. O gosto pela restauração nasceu desde muito cedo, “é isto que eu gosto de fazer, acolher e comunicar com as pessoas e na altura era um negócio que dava muito dinheiro”, explica o empresário. Matosinhos, foi uma atração, “quando cá cheguei vi esta rua cheia de movimento, na altura a lota era uma agitação, fazia-me lembrar Paris”, recorda.

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O espaço, mais amplo que a primeira casa e com parque de estacionamento privativo, segue o mesmo estilo rústico, paredes em pedra, mas aqui podemos ter uma refeição mais íntima e tranquila numa das mesas dispostas por cantos discretos.

Natural do Vimioso, o transmontano estabeleceu-se em Matosinhos há 20 anos, juntamente com Valentim Santos, e tiveram em comum vários negócios, a Casa Carvoeiro foi o primeiro, seguiu-se o Ponto de Encontro e, por fim, os Titos I e II. Situados na mesma rua, quase paredes meias, os Titos partilham o mesmo conceito, “são casas típicas, de estilo rústico, ambas têm como forte o peixe grelhado. O Tito I é mais pequeno, acolhedor, as pessoas vão lá porque é muito antigo, existe há 20 anos”, refere Tito. A clientela, “é de classe média /alta, desde jogadores de futebol, políticos, doutores e os que vão ao Tito I não vêm ao Tito II e vice-versa, têm a sua casa de preferência provavelmente pelo atendimento e pela relação que criam com os empregados”, esclarece o proprietário. O Tito II, surgiu passados 6 anos, em 2000, “com uma brincadeira, o espaço estava à venda, toda a gente queria comprá-lo mas ninguém concretizava. Um dia, depois do almoço, eu sugeri ao Valentim comprarmos o espaço. Ele levantou-se, foi falar com o responsável, deu-lhe um jipe. Algum dinheiro e fechámos negócio”, conta. O espaço, mais amplo que a primeira casa e com parque de estacionamento privativo, segue o mesmo estilo rústico, paredes em pedra, mas aqui podemos ter uma refeição mais íntima e tranquila numa das mesas dispostas por cantos discretos.

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PERSPECTIVAS PARA O FUTURO O Tito I e o Tito II são as duas casas que Tito Rodrigues pretende manter por muitos anos e que considera serem casas de referência no concelho, “fomos dos primeiros a trabalhar o peixe na rua, nos tradicionais fogareiros. Os turistas passam e gostam de ver o peixe a grelhar, principalmente desde que existem os autocarros turísticos que circulam aqui na cidade, eles passam, vêem os fogareiros, ficam curiosos e vêm cá jantar à noite. Se nos tiram os fogareiros perde-se toda a mística”. Os típicos fogareiros, não deixarão de existir, mas passarão a ter um outro formato, com a incorporação de um exaustor que passará a reter os fumos e as gorduras. Tito Rodrigues concorda com este novo modelo “se for benéfico para todos, talvez seja mais higiénico mas não será tão atrativo para os turistas”. As espla-

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nadas fixas são outra novidade que poderá surgir futuramente para substituir as antigas barracas colocadas no verão em frente aos restaurantes de peixe. “Darão com certeza uma melhor imagem mas pedem-nos preços que não são fáceis de suportar, em tempos de crise não vai ser fácil”. Apesar dos tempos menos bons dos últimos anos que obrigaram Tito a socorrer-se à banca e em que a redução de custos e de pessoal foi inevitável, “2014 já correu melhor e de futuro as condições para trabalhar vão-se aperfeiçoar cada vez mais”, acredita. Para o empresário, Matosinhos será sempre uma referência na restauração, “estamos num ponto estratégico, temos a lota, temos turistas e as pessoas desta terra são muito boas. Acredito que se nos mantivermos unidos como uma família conseguimos superar qualquer concorrência”.


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O FILIPE

Manuel Filipe Sousa Oliveira, proprietário.

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“fazemos sempre consoante a vontade do cliente, se ele quiser determinado peixe grelhado em vez de ser no forno nós fazemos”, frisa o proprietário. Além do produto de qualidade, Filipe Oliveira sublinha “que os clientes elegem o Filipe pelo serviço, esta casa é mais pequena e tem um ambiente familiar. Faço questão de estar sempre em contato com o cliente, é tudo muito personalizado. Grande parte da minha clientela vem de fora, de Paredes, Penafiel, Braga, Vila Real e mesmo do exterior do país”. Em tempos menos prósperos como os últimos anos, o empresário confessa que não foi fácil mas que contornou as dificuldades com mais trabalho, “eu folgava o Domingo inteiro, agora só fecho ao jantar, mantive os funcionários todos, que são nove incluindo eu e a minha mulher, e nunca alterei a qualidade, que é o fundamental”. Instalado em Matosinhos desde muito jovem, Filipe Oliveira conhece a maioria das casas que fizeram do concelho uma referência nacional na gastronomia, destacando “o Fernando, o S. Valentim, a Marisqueira

anuel Filipe Sousa Oliveira veio da aldeia de onde é natural, Mondim de Bastos, juntamente com o tio, quando tinha apenas 11 anos em busca de uma saída profissional já que a vida académica não se proporcionou. O restaurante O Galispo, em Matosinhos, foi o seu primeiro emprego no concelho e abriu-lhe portas no ramo da restauração, passando depois por várias casas de referência como os Kikas, Mar na Brasa, o Gaveto, o Casarão do Castelo e o João Ratão. Após longos anos a trabalhar como funcionário aceitou o desafio do seu ex-sócio com quem abriu dois restaurantes, o Filipe e o Ruca, isto em 1999, “até que um dia decidimos desfazer sociedade e cada um ficou com uma das casas”, elucida Filipe Oliveira. O restaurante que gere juntamente com a esposa, situa-se junto à lota de Matosinhos, “tem sempre peixe fresco, os pratos fortes são o robalo ao sal, o peixe na brasa, as cataplanas de tamboril, que

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ENTREVISTAS de Matosinhos, a Esplanada Antiga” e recorda aquele que é considerado o pai das marisqueiras Henrique Torres, “com quem trabalhei, foi ele que abriu a maioria das casas. Lembro-me que era uma pessoa muito correta, exigente no trabalho, só tenho a dizer bem de Henrique Torres, era cumpridor e gostava que as pessoas cumprissem também”. Além de Henrique Torres, destaca como figuras importantes da restauração no concelho,” pelas casas que mantêm abertas, o Serafim Miranda da Esplanada Antiga, o Miguel da Marisqueira de Matosinhos, o Manuel Pinheiro, do Gaveto e o Sr. Albino do Mar na Brasa”. Durante o seu percurso, Filipe Oliveira sentiu que “a restauração está sempre a melhorar, porque embora o IVA nos corte um bocado as pernas e o facto de abrirem cada vez mais casas, isso obriga-nos a melhorar”. Sendo a restauração, aquilo para que Filipe Oliveira vive, há 32 anos, 18 horas por dia, o empresário lamenta que “de futuro, os jovens não queiram seguir este ramo, porque nos tira muito tempo. Mas espero que todas as casas abertas até então sobrevivam por muitos e muitos anos”.

PERSPECTIVAS PARA O FUTURO Esta é uma das prioridades para a associação de restaurantes de Matosinhos, da qual Rui Sousa Dias é presidente, tornar a cidade mais bonita aos olhos dos estrangeiros que poderão entrar por este novo terminal mas principalmente para os que cá chegam pelo aeroporto Sá Carneiro, nomeadamente através das companhias de Low Cost cada vez mais procuradas. Nesse sentido, “ está a ser realizado, em conjunto com a autarquia, um trabalho de divulgação junto das operadoras e de todos os intermediários ligados ao turismo”, adianta Rui Sousa Dias. Outra das prioridades prendese com os típicos fogareiros de grelhar o peixe na rua que estão já proibidos no regulamento municipal e que deixarão de existir a partir do mês de Maio. Em substituição destes, surge um novo modelo que incorpora um exaustor possibilitando a retenção de fumos e gorduras. “Trata-se não só de uma questão ambiental mas também de respeito pela comunidade que nos envolve”, esclarece Rui Sousa Dias. Extintas serão também as antigas esplanadas colocadas nos passeios durante o verão que passarão a ser substituídas por estruturas, fixas. A aposta no turismo aliado à gastronomia é para o empresário a chave para ajudar o país a sair da situação económica fragilizada em que se encontra e “Matosinhos é sem dúvida uma das zonas principais desta metrópole que é o Porto com características tão próprias quer pela proximidade do mar, quer na atividade da pesca, quer na gastronomia, que faz todo o sentido vir conhecer”, conclui.

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VELEIROS

Fernando Manuel Pais Pinto, proprietário.

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atural de Seia, Fernando Manuel Pais Pinto é proprietário há 4 anos do restaurante Veleiros, situado em frente à praia do Paraíso, Perafita. Uma casa que conta com 26 anos de existência e por onde Fernando Pinto já tinha passado em 2004, saindo um ano e meio depois para trabalhar durante 5 anos num restaurante no Porto. Em 2010 regressou como gerente e em janeiro de 2012 “decidi adquirir o espaço para evitar que ele fechasse, porque apesar das dificuldades, da perda de poder económico, o aumento dos impostos, que são necessários mas não desta forma, esta casa não podia encerrar”, esclarece o empresário. Tempos complicados “que só se contornam com sacrifícios, tive que minimizar os custos bem como as perdas, hoje em dia temos que mentalizar os funcionários que nada se pode estragar. Neste momento, trabalhamos todos para sobreviver, ninguém consegue actualmente enriquecer na restauração”, frisa Fernando Pinto. Outro factor preponderante na decisão de Fernando Pinto para adquirir o espaço foi a localização “privilegiada em todos os sentidos, com uma praia fantástica à frente. Esta casa sempre teve uma boa áurea, principalmente pelas pessoas que a fundaram

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nomeadamente o senhor Fernando Santos Almeida que, além de fundador, foi o criador da receita que nos caracteriza, o polvo assado com arroz, marca da casa, famoso pela sua macieza ”. Da receita, o proprietário pouco revela, apenas que a acompanhar o polvo, o arroz vai diretamente cru ao forno e é consumido conforme de lá sai. O tipo de clientes é sobretudo a classe média alta, bastantes do meio empresarial, “devido ao ambiente calmo e propício para negociar. Temos alguns clientes quase diários, clientes que são figuras públicas mas para nós todos os clientes são especiais e tratados da mesma forma, porque sem eles nada somos. Agrada-nos sim que muitas dessas personalidades optem por vir cá em família, o que nos deixa muito honrados”, confessa Fernando Pinto. O empresário recorda com graça um episódio recente, a visita do Cônsul da Guiné “que chegou mais cedo para jantar e nós estávamos a cozinhar um arroz de frango para os da casa e tivemos que partilhar com ele porque encantou-se com o cheiro. Isso acontece muitas vezes, os clientes chegam cedo e acabam por querer provar as nossas próprias refeições”. Fernando Pinto trabalhou 19 anos na confeitaria Primazia no Porto, onde ganhou o gosto por este ramo e pretende fazer isto “para sempre, os meus pais faleceram muito cedo e eu fui conseguindo tudo sozinho. Sou persistente, já pensei em desistir, mas 5 minutos depois mudo de ideias porque é disto que eu gosto”.

PERSPECTIVAS PARA O FUTURO Quanto ao futuro, Fernando Pinto prefere não fazer planos a longo prazo e não vê um futuro promissor “pois estão a criar muitas regras e medidas, umas são necessárias mas outras não. Isso vai levar à destruição de postos de trabalho. Mas a responsabilidade não é de quem faz as regras, é de quem não as cumpre, porque quando não cumprem todos, os prejudicados são sempre os que cumprem.”. A sobrecarga de impostos é outra preocupação de Fernando Pinto, “embora eles sejam necessários mas em proporções adequadas”. Para Fernando Pinto, “a restauração tem que ser ajudada, nesse intuito existe uma associação dos restaurantes que tem um papel importante, mas os associados também o devem ter. Entristeceme, como associado, deslocar-me de Perafita a Matosinhos para uma assembleia e só estarmos lá 4 ou 5, por aí se vê que a associação não pode fazer milagres”. Quanto ao futuro da restauração no concelho “esse depende essencialmente de nós, se eu fizer bem o meu trabalho de certeza que o cliente volta e vai querer trazer mais alguém, essa é a melhor publicidade que podemos fazer. No meu caso, já cá tenho gerações contínuas porque mantivemos sempre a mesma qualidade”, frisa o proprietário. “Se fizermos um bom trabalho o futuro existe, agora não podemos ter quem nos corte as pernas, porque não depende só de nós, acredito no bom senso que possa existir a nível de governos e instituições”, conclui Fernando Pinto esperançoso. Isto,” porque Matosinhos, devido à sua localização, é uma terra cheia de recursos que temos que saber aproveitar e que até aqui foi sempre bem aproveitado. Só tem que o continuar a ser”.

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capítulo 7

DOM PEIXE / VALENTIM

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ui Sousa Dias, nascido em 1960, é um dos membros das sociedades que possuem dois dos restaurantes mais prestigiosos de Matosinhos, O Valentim e o Dom Peixe. Depois de perceber que o sector a que a sua família sempre se dedicou, o têxtil, estava numa fase crítica, o empresário sentiu a necessidade de procurar uma alternativa e, incentivado pela sua mulher Fernanda Sousa Dias, um “apoio que foi e é da maior importância no desenvolvimento de todo este projeto” refere o empresário, enveredou pela restauração, “porque na altura pareceu-me ser uma área com potencial, aliada a um outro sector precioso para o desenvolvimento da economia, o do turismo. Não entendo que se consiga fazer bom turismo sem boa gastronomia”, sublinha. O primeiro passo foi aliar-se a duas personalidades que na altura já estavam estabelecidas no concelho com casas de referência, Valentim Santos e Tito Rodrigues, e surge assim, em 2004, uma sociedade a três no restaurante “O Valentim”, situado na rua Heróis de França. Após a saída dos dois sócios fundadores, Rui Sousa Dias continuou à frente dos destinos de O Valentim e deu-lhe uma nova imagem ao transformar em 2013 o edifício num espaço moderno, de linhas direitas, com mais amplitude e conforto, dando-lhe um toque de charme e requinte. Além da mudança radical na imagem, o espaço duplicou, passando a ocupar dois edifícios para fazer face à elevada procura, “inicialmente a casa tinha apenas capacidade para 45 pessoas, metade do que temos hoje, com o sucesso que fomos conseguindo junto dos clientes houve necessidade de lhes proporcionar mais comodidade e condições para os receber”, explica Rui Sousa Dias. Sucesso esse que o proprietário atribui a 4 factores preponderantes, são eles a excelente qualidade das matérias primas, “temos muito cuidado nas compras que fazemos garantindo que tudo o que entra no restaurante é da melhor qualidade que há”. A preparação é outro dos factores fundamentais, “o

Rui Sousa Dias, proprietário.

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peixe é muito sensível, um bom peixe mal preparado perde todo o interesse”, frisa Rui Sousa Dias. Acolher bem os clientes prestando um serviço atencioso e proporcionar-lhes conforto constitui mais uma das diretrizes da casa e, por último mas não menos importante, o equilíbrio na relação preço/qualidade. “Neste momento, os sectores económicos que nos rodeiam atravessam um momento de instabilidade. A época favorável que Matosinhos viveu há anos, sobretudo beneficiando do sector da construção, dos transitários e dos despachantes que traziam muitas pessoas ao concelho, deixou de existir. Nesses tempos o preço da refeição era o menos

“O peixe é muito sensível, um bom peixe mal preparado perde todo o interesse.”

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Afastado apenas alguns metros de O Valentim encontramos o Dom Peixe. A necessidade de adquirir outro espaço surgiu na altura em que O Valentim se preparava para encerrar ao público para obras de remodelação. “A abertura do Dom Peixe, antigo Visconde, possibilitou-nos continuar a receber os clientes que nos procuravam num outro lugar onde o serviço é exatamente o mesmo”, explica Rui Sousa Dias. De forma a garantir a mesma qualidade e o mesmo atendimento com que fidelizou os seus clientes, Rui Sousa Dias deslocou para o Dom Peixe metade da equipa de O Valentim, incluindo o cozinheiro. “Com isso, consegui adaptar a cozinha e torná-la muito idêntica à de O Valentim e fiz com que os clientes ao entrarem no Dom Peixe vissem as mesmas caras, garantindo-lhes um serviço com a mesma preparação, os mesmos paladares, tudo igual”, frisa. Situado num edifício com cerca de 100 anos, o que difere o Dom Peixe da primeira casa de Rui Sousa Dias, é apenas a decoração que mantém as paredes em pedra e o teto original com um travejamento antigo.

importante, hoje em dia as empresas preocupam -se com os custos e nós mantemo-nos num equilíbrio razoável, oferecendo um preço justo comparado com a qualidade que servimos”, refere o proprietário. Situado numa artéria junto à lota, o forte da casa é naturalmente o peixe fresco grelhado, esse produto tão apreciado que movimenta empresários e famílias de todo os cantos para o saborear. O Valentim, especializado neste produto, oferece uma variedade de peixes frescos e marisco, com destaque também para o arroz de tamboril, o arroz de camarão com ameijôa, a açorda de ovas, “uma cozinha muito simples onde o que realmente vale é a qualidade do peixe”, realça o proprietário. Da ementa, Rui Sousa Dias exalta ainda as entradas que são diversas desde as lulas salteadas, as ameijôas e, entre outras, “o espadarte laminado em molho vinagrete que introduzimos recentemente e é muito procurado”. Ao acompanhamento, o proprietário não poupa elogios, “um delicioso arroz malandro de grelos ou a batata a murro com um molho de bradar aos céus”, refere orgulhoso na casa que mantém há mais de dez anos.

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PERSPECTIVAS PARA O FUTURO Esta é uma das prioridades para a associação de restaurantes de Matosinhos, da qual Rui Sousa Dias é presidente, tornar a cidade mais bonita aos olhos dos estrangeiros que poderão entrar por este novo terminal mas principalmente para os que cá chegam pelo aeroporto Sá Carneiro, nomeadamente através das companhias de Low Cost cada vez mais procuradas. Nesse sentido, “ está a ser realizado, em conjunto com a autarquia, um trabalho de divulgação junto das operadoras e de todos os intermediários ligados ao turismo”, adianta Rui Sousa Dias. Outra das prioridades prende-se com os típicos fogareiros de grelhar o peixe na rua que estão já proibidos no regulamento municipal e que deixarão de existir a partir do mês de Maio. Em substituição destes, surge um novo modelo que incorpora um exaustor possibilitando a retenção de fumos e gorduras. “Trata-se não só de uma questão ambiental mas também de respeito pela comunidade que nos envolve”, esclarece Rui Sousa Dias. Extintas serão também as antigas esplanadas colocadas nos passeios durante o verão que passarão a ser substituídas por estruturas, fixas. A aposta no turismo aliado à gastronomia é para o empresário a chave para ajudar o país a sair da situação económica fragilizada em que se encontra e “Matosinhos é sem dúvida uma das zonas principais desta metrópole que é o Porto com características tão próprias quer pela proximidade do mar, quer na atividade da pesca, quer na gastronomia, que faz todo o sentido vir conhecer”, conclui.

Apesar do sucesso destas duas casas, os projetos de Rui Sousa Dias não se ficam por aqui. A curto prazo, o empresário conta abrir um hotel com o título da sociedade Casa do Peixe, no edifício onde se situa O Valentim. O prédio, com 3 andares, passará a dispor do restaurante no rés-do chão, de uma unidade hoteleira no primeiro e segundo andares, e ainda um lounge bar no último andar. Rui Sousa Dias, natural do Porto, sempre reconheceu Matosinhos como uma das cidades periféricas com mais potencial, acredita que o concelho onde desenvolve a sua atividade há mais de uma década está numa fase em que vai dar um grande passo em frente. “Estamos num apeadeiro onde vai parar um comboio e temos que fazer tudo ao nosso alcance para o apanhar. Com a abertura do novo terminal de cruzeiros, toda esta zona da Quadra Marítima será requalificada, tornando-a mais atraente”, considera o empresário convicto que no futuro a restauração de Matosinhos terá todas as condições para fazer chegar ainda mais longe a sua marca.

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capテュtulo 7

Jテ,OME / A COZINHA DA MARIA

Albano Jテ。come e Carlos Teixeira, proprietテ。rios.

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lbano Jácome, de 44 anos, é o proprietário do restaurante Jácome em Leça da Palmeira, juntamente com o actual sócio Carlos Teixeira, e de uma outra casa de referência na mesma zona, a Cozinha da Maria. Para o empresário, natural de Matosinhos, o Jácome é a sua casa de eleição, que adquiriu em 2007, após o desafio de um ex sócio para adquirir o espaço, iniciando-se como proprietário. Num primeiro ano com apenas quatro funcionários, o Jácome tem neste momento oito pessoas a trabalhar e prima pela qualidade e pelos pratos de peixe que apresenta. “Temos o peixe grelhado, o peixe ao sal e o peixe ao pão que fazemos como mais ninguém onde o peixe é envolvido em massa de pão e vai ao forno. Conforme coze o peixe, coze o pão, depois tiramos o miolo e come-se a côdea e o peixe”, explica Albano Jácome. O tipo de cliente “é variado, desde empresários, diretores, estrangeiros que cá vêm referenciados, 90% dos nossos clientes não conhecem a nossa lista, entram, eu mostro-lhes a montra do peixe, eles escolhem e eu decido a melhor forma de o confecionar”, esclarece o proprietário.

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capítulo 7

Albano Jácome iniciou-se na restauração aos 14 anos, na altura no restaurante já encerrado, Mar Leça. No seu percurso passou por várias casas de referência, como o Bem Arranjadinho, o Mauritânia, o Casarão da Castelo, o Mar na Brasa, a Mariazinha, o Zeferino, o João Ratão e o Marujo. Durante este trajeto trabalhou com várias personalidades que ainda hoje admira pela seriedade e pelo trabalho que sempre desempenharam, nomeadamente os irmãos Lopes do Casarão do Castelo, Miguel Faria da Marisqueira de Matosinhos, o Sr. Valentim, o Tito, entre outros. Remetendo aos inícios da história da Restauração no concelho, Henrique Torres é, sem dúvida, na opinião dos dois sócios, a figura de maior relevo. Questionados acerca das dificuldades dos tempos atuais e das adaptações necessárias, os sócios frisam que mantêm o mesmo nível porque a “forma de contornarmos os obstáculos é manter a qualidade”, conta Albano Jácome. Sócio há dois anos, Carlos Teixeira corrobora a aposta na qualidade e defende que é isso que faz de Matosinhos uma referência da gastronomia porque “no Porto, por exemplo, há muita oferta mas os restaurantes não têm a nossa qualidade”, sublinha. Esta é outra casa de referência que os sócios Albano Jácome e Carlos Teixeira adquiriram há pouco mais de um ano. “A Cozinha da Maria começou com uma brincadeira, o filho dos antigos donos convidou-nos para ir ver o espaço porque o pai ia encerrar a casa porque a esposa, que teve de ser internada, não revelava as receitas a ninguém”, esclarece Albano Jácome. Depois de visitarem o local, os dois sócios decidiram avançar pois “estava tudo pronto a arrancar, era só meter a chave na porta”, conta Carlos Teixeira.

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Embora o tipo de clientela “Temos o peixe grelhado seja o mesmo, a Cozinha da Maria oferece outro tipo e o peixe ao sal e o peixe de pratos, incluindo diárias, ao pão que fazemos como e as especialidades são a sopa de peixe, o bacalhau mais ninguém onde o peixe com natas e o rosbife. é envolvido em massa de A Cozinha da Maria situa-se a 100 metros do Jácome mas os pão e vai ao forno. ” proprietários confessam que pouco lá vão, pois têm um gerente de confiança, o senhor João Pinto. “Ele esteve uns anos no Jácome, eu vi as capacidades e conhecimentos dele e achei que encaixava lá melhor que eu”, afirma Albano Jácome em tom de graça. A data de abertura deste espaço ao certo, os sócios desconhecem, “mas diz a história que tem mais de 30 anos”, refere Albano Jácome.

PERSPECTIVAS PARA O FUTURO De futuro, os dois empresários pretendem manter as duas casas abertas e concordam que Matosinhos continuará a ser uma referência a nível nacional por muitos anos, devido à qualidade do produto que oferece. Apesar de gerirem duas casas, os sócios não desprezam a vida familiar que conseguem manter porque revezam-se nos horários. “O Carlos abre de manhã e eu chego à hora que quero para almoçar, à tarde nas nossas horas mortas vou ao ginásio, levo os miúdos à escola e ele vai andar de bicicleta. À noite, temos a tradição de jantar todos juntos à mesa, patrões e funcionários, não há distinção. Aos Domingos folgámos alternadamente”, conta Albano Jácome. “Ter vida própria é muito importante”, sublinha Carlos Teixeira.

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ARQUINHO DO CASTELO

António Manuel Duarte Ferreira e Lina Ferreira, proprietários.

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zona conjugado com a localização privilegiada. A paixão pelo ramo nasceu do contato com o seu melhor amigo gémeo que lhe despertou o bichinho da restauração ao pedir-lhe para o acompanhar em serviços de catering. Posteriormente, “abracei durante dois anos um projeto que foi a Avó Miquinhas, quando o meu primo o adquiriu e me convidou para gerir o espaço, até que decidi ter o meu próprio restaurante”, conta António Ferreira. O empresário, que mantém a casa aberta há 21 anos, fala com orgulho do seu espaço e salienta a mesa do capitão como é carinhosamente conhecida pelos clientes que frequentam a casa desde o início. ”Temos muitos clientes frequentes, uns que cá vêm todos os dias, ao fim de semana temos um ambiente mais familiar, à semana trabalhamos mais na base de almoços e jantares de negócios. Vêm pela qualidade e pelo acolhimento, tenho comigo funcionárias há 18 anos na cozinha”. Muitos clientes frequentam a casa porque, além da qualidade, “o ambiente é excelente,

a zona histórica de Leça da Palmeira encontramos o Arquinho do Castelo, não no espaço onde nasceu na rua de Fuzelhas, em 1994, e de onde saiu devido à falta de segurança do prédio que ruiu em 2012, mas uns metros acima, na rua do Castelo. António Manuel Duarte Ferreira e a sua esposa, Lina Ferreira, são os proprietários do espaço, e o sucesso da casa deve-se “precisamente à minha mulher pela competência com que dirige a cozinha, porque se a confeção não fosse de excelente qualidade este projeto já teria acabado há muito”, sublinha o empresário. Nascido em 1960, na rua de Fuzelhas, António Ferreira considera que está a trabalhar em casa “porque tenho entrada tanto pela rua do Castelo como pela rua de Fuzelhas, eu trabalhava paredes meias com a casa onde nasci, isto é a minha rua, foi aqui que eu brinquei e que cresci”. Este foi um dos principais motivos que levou a estabelecer-se nesta

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“Os nossos funcionários estão todos preparados e têm formação para servir com competência e rigor, este restaurante exige isso...”

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a simpatia com que os recebemos, o bem estar e toda a envolvência do espaço”, frisa o proprietário. Do staff, António Ferreira sublinha que estão todos bem formados, uma área que o empresário considera fundamental nos tempos de hoje, a profissionalização. “Os nossos funcionários estão todos preparados e têm formação para servir com competência e rigor, este restaurante exige isso, é uma casa com nome feito e frequentada por várias personalidades, que vão desde a política, à cultura e ao mundo do futebol”. António Ferreira revela com satisfação que alguns jogadores de futebol frequentam regularmente o espaço e que mesmo após a mudança para outros clubes mantém-se clientes. “Esteve cá recentemente o Deco com os seus 5 filhos e foi muito engraçado ver o mais velho que conheço desde pequeno e que agora está enorme”. Sérgio Conceição é outro cliente assíduo de quem o proprietário se tornou amigo e compadre e que lhe traz à memória um episódio engraçado em

que o seu restaurante serviu de cenário para uma das cenas do programa “Apanhados” em que o apanhado foi o jogador de futebol e que contou com a cumplicidade de várias personalidades presentes no restaurante como Jorge Costa, o cantor Toy e o comediante Fernando Rocha. Histórias tristes são poucas, mas António Ferreira não se esquece de um dia em que teve de recorrer ao hospital depois de se queimar com uma travessa de peixe ao desviar-se de uma criança a correr. A queda de uma trave do piso de cima do prédio onde abriu inicialmente a casa numa mesa onde estavam pessoas a almoçar é outro episódio dramático que António recorda e que fez acelerar o processo da mudança. Saindo do contexto da casa que fundou para a história da restauração em Matosinhos, António Ferreira destaca aquele que considera o grande impulsionador das marisqueiras em Matosinhos, Henrique Torres, mas conta que antes deste senhor aparecer no concelho já existia uma marisqueira. “Era o Golfinho, não sei quem fundou porque eu era muito

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pequeno, situava-se ali perto do Bem Arranjadinho, mas ficou destruída no famoso incêndio do algodão, na passagem do ano de 1964 para 1965”. Das figuras mais recentes na restauração do concelho, António Ferreira realça o senhor Manuel Pinheiro, do restaurante “O Gaveto”, e destaca casas como a Esplanada Marisqueira A Antiga e a Marisqueira de Matosinhos “porque se mantêm abertas todos estes anos com a qualidade que lhes é reconhecida”. António Ferreira, que foi durante 20 anos técnico de frio, teve ainda uma experiência como pescador. Desde que se iniciou na restauração ao abrir O Arquinho do Castelo, não se vê a fazer outra coisa e pretende manter o espaço aberto por muitos e bons anos com a mesma qualidade. Como especialidades da chefe Lina, destaca o robalo ao sal, o arroz de polvo com filetes, o arroz de tamboril com gambas e o bacalhau com natas “que é delicioso, mas a nossa marca é o polvo assado no forno que é alvo de muitos elogios para além do nosso famosíssimo leite creme”, realça com orgulho. da associação “e que foi sempre prioritário para nós, é o fogareiro ecológico, que já está patenteado e já se encontra à experiência. Esse fogareiro irá filtrar a maioria dos cheiros e futuramente quem pretender continuar a usar o fogareiro no exterior terá de adquirir o novo modelo”, esclarece o empresário. Quanto ao futuro da restauração no concelho, António Ferreira lamenta que “além dos impostos, a prevalecer este exagero de normas impostas desta forma violenta muitas casas irão fechar porque não vão conseguir cumprir”. Os últimos anos não foram fáceis para O Arquinho do Castelo, “com o aumento dos impostos tivemos que reformular tudo, notou-se a redução de clientes com a crise e nós tivemos que reduzir os custos e fazer um reajustamento do pessoal. Mas nunca alterámos a qualidade do serviço e dos produtos, aí nunca podemos mexer”, sublinha o empresário. No entanto, “penso que os tempos piores já passaram”, acrescenta.

PERSPECTIVAS PARA O FUTURO Para António Ferreira, o papel da associação de restaurantes é fundamental e explica “que foi uma associação que começou do nada, sem apoios, e é de lamentar que nas assembleias poucos apareçam, mas era bom que marcassem presença para abordar problemas que são comuns a todos, para discutir ideias tendo em vista a melhoria do sector da restauração da nossa terra”. António Ferreira considera que existe neste momento uma boa articulação entre a associação e a autarquia e confessa que nunca se sentiu tão apoiado como agora, quer a nível de iniciativas que têm sido realizadas por parte da câmara, como as Festas do Mar, as Festas dos Piratas que atraem milhares de pessoas, quer a nível de projectos que estão a nascer. “Estão neste momento a ser projetadas as novas esplanadas para Matosinhos que serão fixas e feitas por um gabinete de arquitetura”. Outro projeto

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A MARGARIDA

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argarida Maria Miranda da Silva, nascida em 1967 no concelho de Matosinhos, dá nome ao restaurante que abriu em 2000, A Margarida. O gosto pela cozinha herdou – o dos pais que começou por ajudar desde muito cedo, no restaurante O Bom Abrigo o Vítor, que entretanto fechou portas devido a um incêndio. Foram 27 anos de boas recordações que alimentaram o gosto de Margarida da Silva pela restauração, levando-a a abrir uma casa própria. Num meio maioritariamente gerido por homens, Margarida da Silva considera que ser mulher torna as coisas mais fáceis pois “somos mais dedicadas, fazemos tudo com mais amor. Eu consigo gerir o meu restaurante, o meu negócio e ser mãe”, exalta a empresária. Da casa que mantém com orgulho, sublinha a frequência dos seus clientes, que “optam por cá vir pela forma como eu os trato, acho que nenhum cliente conhece a minha lista, sou eu que sugiro ou escolho o prato deles”. O peixe grelhado com açorda à Margarida é a especialidade que destaca “porque tem uma base

Margarida Maria Miranda da Silva, proprietária.

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ENTREVISTAS muito própria, diferente das outras, que a torna original, é o prato mais requisitado”, confessa. Embora o espaço, acolhedor e simpático, seja frequentado por muitas pessoas ligadas ao mundo dos negócios, Margarida refere que “para eles isto é uma casa familiar, tratam de negócios ao almoço mas ao jantar vêm com a família”. Leça da Palmeira foi o local escolhido para se estabelecer porque, além da localização privilegiada, “fica perto do local onde resido e da casa dos meus pais que estão cá frequentemente a ajudar-me, juntando-se assim o útil ao agradável”. Volvidos 15 anos desde a abertura da Margarida, a proprietária só guarda recordações positivas, “tenho elogios excelentes, muitas pessoas conhecem isto por acaso e voltam porque gostaram da cozinha e do ambiente”, sublinha. É frequente também a presença de clientes estrangeiros, sobretudo espanhóis e ingleses, que vêm referenciados, a chamada publicidade de boca a boca, que Margarida considera a mais eficaz, por ser uma publicidade gratuita que surge do mérito próprio. Para Margarida, tudo o que conseguiu até hoje deve-o aos pais, ao herdar da mãe a aptidão para a cozinha e os conhecimentos do pai “que é um excelente relações públicas”.

Além dos progenitores, que considera figuras importantes na restauração de Matosinhos, Margarida Silva destaca Henrique Torres, “uma pessoa com muitos conhecimentos sobre o sector”. Para a empresária, Matosinhos é uma referência da gastronomia principalmente pela qualidade do produto, “temos um peixe fabuloso que bem trabalhado atrai muito público, as conservas também atraíram muita gente. Matosinhos tem ainda mais sorte que nós, aqui em Leça, porque tem o porto de Leixões, mas a forma como aquela rua se encontra onde os turistas desembarcam, só os afasta”, lamenta a empresária. De forma a contornar os tempos complicados que se vivem, Margarida teve que fazer algumas adaptações, mas sem alterar a qualidade do produto e do serviço. “Tudo o que fazia antes da crise continuei a fazer, nunca reduzi na qualidade porque é isso que mantém a casa aberta, só reduzi à quantidade e aos meus próprios gastos”. Numa família de cozinheiros, Margarida gostava que os filhos enveredassem pelo mesmo ramo, “a minha filha já me acompanha aqui no restaurante e o meu filho tem um bar próprio no Porto. A hotelaria está nas veias da família, sinto-me uma mulher realizada”!

PERSPECTIVAS PARA O FUTURO Quanto ao futuro da restauração no concelho Margarida prevê que “muitos restaurantes vão fechar. Eu não senti a crise, mas senti os impostos, esses vão continuar a ser o maior problema no futuro”.

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BARCO VELHO

Pedro Enguião, proprietário.

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Barco Velho de envelhecido nada tem, pelo contrário, é um “barco renovado”, como gosta de frisar o seu proprietário, Pedro Enguião. Situado junto à lota de Matosinhos, na rua do Sul, onde o característico cheiro a sardinha abunda, o Barco Velho não foge às raízes do concelho mas quer marcar a diferença. “Sem perder a essência, tentamos primar pela distinção, “na forma como servimos, quer o peixe, as saladas, os pimentos ou as nossas lulas, famosas pelo molho especial”, que o proprietário se recusou a revelar. Matosinhense de gema, Pedro Enguião sempre teve o bichinho da restauração e criou de raíz, há cerca de dois anos, este restaurante todo ele alusivo ao mar, desde a ementa, passando pelas fardas da equipa jovem que ali trabalha, à decoração.

Nascido no concelho, em 1975, o empresário reconhece as potencialidades da terra mãe e escolhe a cidade para se estabelecer com uma casa acessível a todos, “aqui qualquer um pode comer, não sirvo apenas uma classe social, estamos acessíveis a todos”, sublinha Pedro Enguião. Seguindo esta premissa, o Barco Velho apresenta na ementa pratos económicos e pratos mais elaborados, com destaque para a espetada de lulas, os robalos, as douradas e o misto à Barco Velho, onde são conjugados vários tipos de peixe. Para Pedro Enguião os clientes estão sempre em primeiro lugar, “ são tratados como família, gostamos que se sintam em casa”. Sendo o objetivo primordial “crescer e fazer jus à qualidade pela qual o concelho é reconhecido”, remata.

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PERSPECTIVAS PARA O FUTURO Sem desprimor à terra que o viu nascer e à qual se orgulha de pertencer, Pedro Enguião lamenta que a cidade esteja envelhecida e que pouco ou nada esteja a ser feito para a reaproveitar. “Muitas iniciativas poderiam ser levadas a cabo de forma a atrair as pessoas, desde um festival de marisco ou peixe. Temos fábricas antigas abandonadas que poderiam ser aproveitadas para criar um museu da pesca. Nos últimos anos as pessoas foram-se

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afastando do concelho o que é mau para a restauração, pois nós criamos postos de trabalho e riqueza, isto devia ser mais valorizado pelas entidades competentes”, sublinha o empresário. Como matosinhense de gema que é, Pedro Enguião reflete que ao longo de 40 anos de vida, muitas mudanças ocorreram na restauração, mas não tantas quanto seria desejado, pois se “um ou outro tiveram possibilidades de se actualizar e adaptar aos tempos modernos, mantendo sempre as raízes, com certeza outros quiseram fazê-lo mas não tiveram oportunidade devido à conjuntura, aos tempos difíceis que se sentiram nos últimos anos e ao exagero de barreiras que nos impõem neste negócio”, lamenta. Apesar dos obstáculos, Pedro Enguião conseguiu criar um negócio de raiz. “Não desista, persista e insista”, este é o seu lema, “não podemos ficar estagnados, quando nos dedicamos e entregamos a 100% com uma meta bem definida, conseguimos levar o barco a bom porto”, afirma. Aliado a esta força de vontade, esteve o saber fazer, “eu próprio fiz as obras no espaço e trabalho aqui como qualquer um, se sei fazer, eu próprio faço e poupo recursos”. Confiante no futuro, Pedro Enguião apela à união, “somos todos um grupo e devemos ser incentivados. Precisamos de mais apoio, de menos burocracias. Matosinhos tem um potencial único, a estrutura e a localização têm de ser aproveitadas, precisamos criar vários sectores de desenvolvimento e deixar de ser cidade dormitório”, realça. “Até porque temos mesmo aqui o porto de Leixões que deve ser aproveitado para nós ao invés de direcionar todos aqueles que chegam directamente para o Porto”, acrescenta.


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O BEM ARRANJADINHO

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os anos 60, juntamente com o avô, às 5 horas da tarde, “parávamos na capela de Santa Catarina, seguíamos para a rua do Vareiro e chegávamos ao paraíso, o Bem Arranjadinho. Não sei se era restaurante tão famoso como agora mas sempre o conheci como o jardim das delícias…”, assim descreve o escritor Hélder Pacheco o restaurante mais antigo de Leça da Palmeira, no seu livro “Grande Porto”, de 1986. Maria Ducelinda Silva, proprietária do espaço, juntamente com o marido Frederico Augusto Gomes Batista (falecido), decidiram tomar as rédeas da casa em 1970 após uma proposta dos anteriores donos “porque o meu marido era empregado aqui há 10 anos e ninguém conhecia a casa tão bem como nós para dar continuidade, uma casa que conta já com 100 anos de existência”, frisa Ducelinda Silva. A vinda para Matosinhos e o casamento com Frederico

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Maria Ducelinda nunca irá esquecer o dia da Cimeira Luso Americana em 1988, “em que vieram cá almoçar todos os ministros dos negócios estrangeiros, servimos robalo assado no forno para 110 pessoas, foi um grande evento onde tudo correu lindamente.”

Batista foi uma história de encontros felizes. Ela, natural de Cinfães, ele, natural de Barcelos, encontraram-se em Leça da Palmeira e chegaram mesmo a trabalhar num restaurante em comum, mas em períodos diferentes, o extinto Garrafão, “a minha casa de eleição e de referência no concelho, onde se comia muito bem”, frisa a proprietária. “O meu marido adorava este ramo, começou em confeitarias de Barcelos e depois veio para cá por intermédio de um familiar. Eu vim para casa de uma tia aqui em Matosinhos, depois do meu pai falecer juntei-me a ele no Bem Arranjadinho pois vimos aqui uma oportunidade”, conta. Ao longo destes 45 anos de dedicação, as diferenças sentidas “são imensas, quando viemos para cá trabalhávamos com o pessoal da doca, sobretudo os despachantes, tínhamos sempre casa cheia ao almoço. Depois do 25 de Abril, tínhamos aqui as famílias todas chiques do Porto. Actualmente, os clientes não vêm com a mesma frequência mas continuam a vir em ocasiões especiais, ao Domingo continuamos a ver as mesmas famílias, clientes que vinham com os pais há 40 anos, agora vêm com as famílias deles, somos uma casa de gerações”, sublinha a proprietária.

Luís Miguel Ferreira da Silva, um dos filhos que gere o restaurante juntamente com a mãe, Maria Ducelinda Silva.

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Pela porta dentro, Ducelinda Silva orgulha-se de ver entrar muitas figuras públicas e da sua casa ser a eleita de grandes personalidades, “já por cá passou o duque de Bragança, as marquesas do Cadaval, o Julio Iglesias que proporcionou uma noite fantástica até às 5 horas da manhã”, recorda com saudade. Memoráveis, “foram as sessões de fado que organizávamos antes do 25 de Abril e que retomámos quando começou a crise económica. A casa enchia sempre, depois do meu marido falecer não consegui dar continuidade mas os clientes já começam a pedi-las ”, adianta a proprietária. Muitas histórias e vivências haveria a relatar desta casa situada no centro histórico de Leça da Palmeira, mas Maria Ducelinda nunca irá esquecer o dia da Cimeira Luso Americana, em 1998, “em que vieram cá almoçar todos os ministros dos negócios estrangeiros, servimos robalo assado no forno para 110 pessoas, foi um grande evento onde tudo correu lindamente”. O mérito da casa, Maria Ducelinda atribui à qualidade do que serve, especialmente porque tudo é confeccionado no fogão a lenha, com destaque para o cozido à portuguesa, todas as Quintas-feiras, considerado pela revista Time Out um dos melhores cozidos do Porto. “É confeccionado de uma forma que mais ninguém faz, com arroz de forno, legumes, enchidos e onde colocamos uma cabeça inteira de porco”, revela. A proprietária, que lidera a cozinha, realça ainda o frango à Boticas, as tripas, e o peixe assado, tudo comida tradicional portuguesa, “porque é isso que caracteriza o nosso restaurante”, acrescenta. Uma cozinha, “que está a perder seguidores. A geração da comida tradicional portuguesa, dos nossos pais e avós, está a acabar. Os cozinheiros formam-se hoje noutro tipo de cozinha”, lamenta Luís Miguel Ferreira da Silva, um dos 3 filhos que gerem o restaurante juntamente com a mãe.

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PERSPECTIVAS PARA O FUTURO Olhando para o futuro, Maria Ducelinda conta ainda cá estar por longos anos para poder continuar a agradar aos seus clientes que conhecem o seu toque especial na cozinha. “Sou muito perfecionista e exigente, os clientes reconhecem e elogiam o meu trabalho, percebem quando não é confeccionado por mim”, frisa com orgulho. “Passei muitos momentos bons aqui, nunca me irei arrepender de ter assumido esta casa”.

“É confeccionado de uma forma que mais ninguém faz, com arroz de forno, legumes, enchidos e onde colocamos uma cabeça inteira de porco.”

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DOM ZEFERINO

O destaque vai ainda para o arroz de tamboril com gambas e para o bacalhau à D. Zeferino, onde uma posta de lombo é gratinada com maionese e servida com puré, “somos acima de tudo um restaurante de comida tradicional portuguesa”...

Zeferino Alberto Monteiro Gonçalves e Maria Gonçalves, proprietários.

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omeçou por se chamar “As Filhas do Alberto” mas há 23 anos passou a D. Zeferino e é uma das casas mais afamadas de Matosinhos, da propriedade de Zeferino Alberto Monteiro Gonçalves e Maria Gonçalves. Famosa pelo peixe grelhado confeccionado já nos recentes grelhadores ecológicos, nesta casa a carne também manda e são muitas as especialidades recomendadas desde o soberbo Terra e Mar, onde um bife rolha se mistura numa sertã com ameijoas e gambas descascadas, ao requisitado arroz de pato. O destaque vai ainda para o arroz de tamboril com gambas e para o bacalhau à D. Zeferino, onde uma posta de lombo é gratinada com maionese e servida com puré, “somos acima de tudo um restaurante de comida tradicional portuguesa”, orgulha-se Zeferino Gonçalves. Com mais de duas décadas de existência o espaço sofreu algumas alterações, inicialmente com azulejo nas paredes e um balcão de snack, hoje a casa apresenta-se ampla, modernizada, com dois pisos, o que proporciona jantares de grupo e convívios agradáveis. Neste último campo, são já famosas as noites com atuações musicais, em especial as de

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fado vadio “em que alguns amigos se juntam e fazem umas brincadeiras”. Nestas noites, também Zeferino Gonçalves encanta ao interpretar as “Canoas do Tejo”. Natural de Mesão Frio, D. Zeferino é um apaixonado pela restauração e desde os 16 anos que se dedica ao sector, depois de começar como empregado de mesa passando por vários estabelecimentos até que em 1982 chega a Matosinhos, mais concretamente ao restaurante Mauritânia “onde aprendi muito com o chefe Rocha”, frisa. Em 1992 abre o D. Zeferino, um sonho antigo, “de quando era empregado e tirava férias, nessa altura, todos os anos a caminho da Serra da Estrela eu parava em Viseu para almoçar no restaurante D. Zeferino, mais conhecido por Cortiço, cujo dono também se chamava Zeferino e ia buscar receitas deliciosas às aldeias que existiam por perto”, explica. Também no D.Zeferino, de Matosinhos, as receitas são de qualidade e bem tradicionais, pelas mãos do Chef Fernando Bernardes, e “todas surgem da nossa criatividade, o segredo está nos ingredientes e na preparação que faz com que esta casa seja tão requisitada e mantenha famílias que contam com tantos anos de clientes quantos os anos da casa”, remata D. Zeferino.

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PERSPECTIVAS PARA O FUTURO Na opinião do empresário, “o afundamento que se fez sentir a partir de 2009 em todas as casas começa agora a ser ligeiramente ultrapassado, este verão já se notou uma grande melhoria sobretudo devido ao fluxo de estrangeiros. Foram muitos os franceses, espanhóis e holandeses que nos visitaram, provavelmente graças às empresas Low Cost que muito nos têm ajudado”, salienta. Quanto ao futuro do D. Zeferino irão de certeza surgir novidades, “espero em breve transformar o segundo piso num bar de música ao vivo, onde as pessoas poderão também jantar se o pretenderem, ao qual pretendo juntar uma gintonaria”,revela. Porque o sonho comanda a vida, e D.Zeferino tem muitos...


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FERNANDO

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famosas tripas ou o arroz de frango. Porque apesar de habitar na Heróis de França, o Fernando não é apenas um restaurante de peixe grelhado, a carne também reina nesta casa. Os acompanhamento, esses estão à altura, nomeadamente o arroz malandro de grelos, tomate, nabiças, resumindo, à escolha do freguês. Com quase um quarto de século de história, Fernando Ferreira, fundador, tem muitos amigos de profissão na rua e reconhece-los o valor na história da restauração do concelho. O S. Valentim, o Filipe, entre outros, são sem dúvida “uma referência da gastronomia matosinhense, assim como o chefe Rocha, do Mauritânea, mas a maior referência será sempre o saudoso Henrique Torres, fundador das melhores casas de Matosinhos, frisa. Mas Fernando Ferreira, tem também ele a sua quota parte na história da restauração do concelho e o restaurante que ganhou o seu nome é bem prova disso.

om uma entrada discreta, o Fernando surpreende pela imensidão do espaço e pelo charme imposto desde a primeira à última mesa, distribuídas em dois pisos. Situado na famosa rua dos grelhadores de peixe, Heróis de França, neste restaurante os grelhadores estão fora mas dentro, isto é, num espaço exterior nas traseiras da casa. Mas não é por isso que o peixe deixa de ser mais saboroso, pelo contrário, o peixe do Fernando é mais que apreciado, assim como os pratos de carne que aqui são tão bem e tradicionalmente confeccionados. Fundado em 1992, inicialmente na Avenida Serpa Pinto, passou para o actual espaço em 2002, mas os clientes, esses seguem o Fernando para onde ele for, muitos deles há 24 anos. Rústico mas moderno, mantém-se igual desde o início, com o mesmo ambiente requintado e os mesmos pratos que continuam a conquistar famílias, desde o típico peixe grelhado ou assado às

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PERSPECTIVAS PARA O FUTURO Referindo-se às exageradas imposições legais atribuídas ao sector, Fernando Ferreira suspeita que os próximos tempos não serão fáceis, “as dificuldades são imensas e a hotelaria em Portugal desta forma não tem um bom futuro”, prevê.

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LAIS DE GUIA

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m plena praia na marginal de Matosinhos encontramos o Lais de Guia, um dos mais emblemáticos bares do concelho, que abriu portas em 1996. Manuel Costa, economista, e a esposa Ana Maria Teixeira, decidiram ficar com a concessão da Praia Moderna, há 19 anos, abrindo o bar/esplanada Lais de Guia durante todo o ano, quando na época era tradição os bares de praia só estarem abertos durante a época balnear. Inicialmente, a previsão era funcionar apenas no verão, “até porque nessa altura existia somente a esplanada mas a experiência correu tão bem que, estimulados por alguns clientes, decidimos acoplar uma sala, que permitisse desfrutar da vista do mar num espaço aconchegante e ao abrigo das nossas nortadas”, conta Manuel Costa. O sucesso da casa, o empresário atribui aos eventos realizados, nomeadamente concertos, passagens de modelos, teatros e outro tipo de eventos com o apoio da autarquia, como a biblioteca andante, o futebol, o andebol de praia e outros jogos na areia. Actualmente direcionado para um público mais diversificado, o Lais de Guia é um local aprazível e recatado, com uma decoração ligada ao mar “óptimo para um copo e umas tapas ao fim da tarde a ver um radioso pôr-do-sol ou um cocktail para iniciar e aquecer uma noite entre amigos. Beber um chá dos muitos sabores existentes com uns scones feitos na hora, no conforto da sala e do aconchego da lareira a lenha, ou ainda reservar uma mesa para um jantar romântico à luz da vela com o(a) companheiro(a) com um serviço eficiente e simpático.

O Lais de Guia tem ainda para oferecer todos os dias ao almoço um prato de peixe e outro de carne, diferentes todos os dias, o peixe grelhado, as saudáveis saladas variadas, para além de todo o serviço de snack nomeadamente as famosas francesinhas, os pregos em bife de lombo, o bacalhau, arroz de tamboril, para além dos excelentes doces e bolos caseiros. De salientar que os pratos e produtos referidos são confeccionados com os mais rigorosos critérios de higiene e qualidade, sendo das poucas casas na região com a Certificação em Qualidade e Segurança Alimentar”, norma ERS 3002 da APCER. No que respeita às dificuldades que se sentiram nos últimos anos, “a passagem do Iva para 23% foi o maior drama para a restauração em geral pois, na sua grande maioria, aos restaurantes não foi possível repercutir esse aumento nos preços, esmagando ainda mais as margens, por causa da grave crise económica e financeira que se abateu em Portugal, a partir de 2011 e pela perda do poder de compra das classes média e baixa”, considera o economista. No entanto, Manuel Costa acredita que “a tímida recuperação económica associada ao aumento do número de turistas no último ano, e ainda à convicção na reversão da taxa do Iva para os 13%, faz-nos também acreditar e ter esperança em que melhores dias virão para o sector da restauração, tão importante para economia do país, pois o turismo já é e vai ser ainda mais um dos sectores mais dinâmicos do País”, conclui esperançoso.


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O CLÁSSICO

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ituado numa das artérias principais do concelho, a Avenida Serpa Pinto, o Clássico é o restaurante ideal para os amantes de carros antigos, um espaço com classe onde ao longo de uma parede de pedra podem ser apreciadas diversas fotos de carros considerados relíquias. O nome teve como ponto de partida precisamente um clube de amantes de carros antigos, o Clássico Mania “ e surgiu daí a ideia do nosso logotipo ser um carro restaurado por ele. Todos os Sábados, há um grupo ligado aos automóveis clássicos que vem cá almoçar, em que a decoração é feita como eles desejarem e vão trazendo fotos que colocamos aqui na parede”, conta Odete Gonçalves.

António Gonçalves e Odete Gonçalves, oriundos de Ponte da Barca, são os proprietários do espaço que abriu em 2014, “é um projeto nosso que decidimos lançar aqui depois de estudarmos vários locais e percebermos que esta rua é muito movimentada. A casa também nos agradou e considerámos que encaixava no que nós pretendíamos”, conta Odete Gonçalves. Ainda em fase de crescimento, o casal orgulha-se do feedback positivo que tem recebido por parte dos clientes, “são sobretudo da classe média e da classe média/alta porque o nosso produto não é barato, a especialidade é o cabritinho de leite assado no forno com arroz de miúdos, a vitela assada no forno também é muito requisitada e temos um bacalhau selecionado, não é um bacalhau corrente, são postas

António Gonçalves, proprietário.

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com mais de um quilo”, salienta a proprietária. “Tentamos sempre ter peixe fresco mas também vamos apresentando coisas novas por sugestão do cliente pois tentamos sempre ir ao encontro dele. Trabalhamos muito por encomenda e tudo o que temos é feito no momento”, frisa Odete Gonçalves, que comanda a cozinha. A proprietária decidiu acompanhar a carreira do marido, António Gonçalves, que sempre trabalhou na área da restauração desde os 16 anos “porque na altura era uma área que tinha muita saída. Antigamente abria-se um restaurante e fazia-se uma fortuna, hoje em dia lutamos para ter um ordenado. Tudo nesta casa passa por nós, desde as sobremesas, as roupas, a limpeza, pois as despesas são muitas, a mão de obra é cara e temos que ser responsáveis”, refere Odete Gonçalves que, além do marido, conta apenas com mais uma pessoa na cozinha. Em dias com mais trabalho, “contratamos pessoal extra para nos ajudar”, acrescenta. Os proprietários, recentemente estabelecidos no concelho, desejam manter-se cá por muitos anos apesar de se encontrarem ainda numa fase inicial de aprendizagem. “Nós vivemos para isto e vamos tentar melhorar todos os dias”, garante Odete Gonçalves.

PERSPECTIVAS PARA O FUTURO Futuramente, “temos consciência que não vai ser fácil, daqui a 10 anos provavelmente ainda vamos estar a trabalhar para pagar impostos e dívidas de outros.

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A BADALHOCA DO FREDO

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esengane-se com o nome A Badalhoca do Fredo. A taberna, situada num beco junto à lota de Matosinhos, é um espaço rústico de ambiente acolhedor e requintado. Alfredo Zuzarte, proprietário do espaço que abriu em Julho de 2014, está a dar continuidade ao negócio da mãe, Maria de Lurdes, proprietária da famosa tasca A Badalhoca, no Porto, com meio século de história. Aos 49 anos, Alfredo Zuzarte escolhe Matosinhos para se estabelecer pois “faltava uma casa destas no concelho, os tascos estão a perder a tradição, os donos morrem e os filhos não querem dar continuidade pois é um negócio que nos tira 15/16 horas por dia”, considera. Além da restauração, Alfredo Zuzarte possui um negócio de automóveis, mas a Badalhoca do Fredo é a menina dos seus olhos e “é este o ramo que, bem gerido, continua a dar lucro”, frisa. Acessível a todo o tipo de clientela, “pois aqui podese comer com pouco dinheiro”, o ex libris da casa é a sandes de presunto.” Apesar de termos todos os tipos de petiscos tradicionais desde o fígado, os rojões, o bucho, a orelheira, a sandes de presunto é a mais requisitada”. O segredo “está no modo como o fatiamos, como o desossamos, a forma com a sandes é feita e o próprio pão, que é de fabrico próprio, duma padaria que possuímos no Porto já há 30 anos”, revela o proprietário. Os clientes, esses são de todas as classes sociais, “desde pescadores a doutores, estamos abertos a todo o público, aqui com poucos euros consegue-se comer e beber”, salienta Alfredo Zuzarte. Para o futuro, o proprietário deseja para a casa que gere juntamente com a família, o mesmo sucesso que a mãe tem, embora não seja fácil “pois a Badalhoca do Porto tem 50 anos, é uma casa com história que a minha mãe criou do nada, não é fácil ultrapassar uma casa dessas, que conta já com três gerações”. Remetendo à história da restauração em Matosinhos, onde Alfredo Zuzarte viveu 15 anos, o empresário

Alfredo Zuzarte, proprietário.

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considera “que todas as casas que estão abertas fazem falta, porque estamos encostados a uma zona do Porto com poucas opções. Não são as pessoas de Matosinhos que frequentam estes restaurantes pois muitas delas já trabalham no peixe e as pessoas de cá podem comprálo aqui e cozinhar em casa. Há, sem dúvida, casas no concelho que se destacam pelos anos de existência, como o Majára ou o Proa, aguentaram-se durante o auge e durante a crise, mas todas são importantes”. Em tempos de dificuldades, Alfredo Zuzarte conseguiu abrir um negócio que exigiu um grande investimento, “escolhi uma casa antiga, com quase 100 anos, que tive de remodelar e fazer obras de raiz” mas que promete marcar a diferença.

PERSPECTIVAS PARA O FUTURO O maior obstáculo neste sector, “é o mesmo de todos, é o facto das pessoas não terem dinheiro para gastar, a falta de estacionamento nesta zona e a concorrência desleal de casas que não cumprem os parâmetros exigidos, daí a fiscalização por parte da autarquia ser fundamental”, considera o empresário. “Para lutar por todos nós, temos uma associação de restaurantes que precisa de gente nova que imponha e exija aquilo a que temos direito, não é só pagar impostos, licenças, há que ter mais consideração por nós e não nos atropelarem assim”, frisa o proprietário. Para Matosinhos, Alfredo Zuzarte espera “que tenha um futuro melhor, que se criem medidas benéficas, ao invés de medidas que prejudiquem os comerciantes como o defeso da sardinha que está proibida de pescar neste momento, o que tira população à zona e ao comércio e prejudica muitas famílias que vivem disso”, lamenta o empresário mas sempre com a esperança que no futuro o comércio prospere.

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MARISQUEIRA DE MATOSINHOS

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ara muitos é a Marisqueira do Miguel, na altura um jovem de uma família humilde quando largou a sua terra, Felgueiras, aos 18 anos, apenas com um saco às costas e poucas peças de roupa, em busca do sucesso que tem hoje. Falamos de Miguel Teixeira de Faria, nascido em 1955, fundador juntamente com Henrique Torres e mais três sócios da Marisqueira de Matosinhos, uma casa com quase 40 anos de existência e que continua a ser uma das referências da restauração do concelho. Desde 1993 que Miguel Faria assumiu a marisqueira juntamente com a esposa Alice Faria, após a saída dos restantes sócios fundadores, mantendo as características iniciais da casa mas dando-lhe uma nova imagem quando realizou obras em 2001 de forma a modernizá-la e a melhorar as infraestruturas. O segredo do sucesso advém de vários factores, entre eles a existência de funcionários com muitos anos de casa, que conhecem o cliente e a forma adequada de o tratar e bem receber. Dos restantes fundadores Miguel realça como uma das principais figuras da sua vida Henrique Torres, considerado um dos impulsionadores da restauração em Matosinhos, e “com quem aprendi muito e mantive a amizade até ao fim da sua vida”, frisa o proprietário. Outro personagem marcante na vida de Miguel, remetendo à infância, foi Marito, seu primeiro patrão,

Orgulhoso, Miguel Faria explica que o segredo é desvendado na qualidade dos produtos, “primeiro a qualidade, depois o preço”, frisa.

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Miguel Teixeira Faria, proprietรกrio.

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que considera seu protetor e quem o iniciou nos caminhos da restauração, apenas com 12 anos, oferecendo-lhe um emprego numa pensão em Felgueiras, sua terra natal. Marito foi também quem desafiou Miguel a mudar-se para Matosinhos, em 1973, dando início a um longo caminho de sucesso que surgiu com a abertura desta casa de referência em 1978 chamada “A Marisqueira de Matosinhos”, premiada em 2014 por um jornal inglês, que a colocou no top 50 das melhores marisqueiras do mundo. Miguel recorda com satisfação que já em 2008/2009 a Revista Sábado a tinha distinguido como a melhor do país. Orgulhoso, Miguel Faria explica que o segredo é desvendado na qualidade dos produtos, “primeiro a qualidade, depois o preço”, frisa. Desta forma, Miguel considera-se um privilegiado por ter uma clientela fidelizada, “alguns vêm aqui desde qua a casa abriu, outros deixaram de vir porque já cá não estão mas agora vêm os filhos”, conta. Apesar da grande parte dos clientes ser de classe média alta, a marisqueira tem pratos mais variados, inclusive o prato do dia e serviço de snack bar como o prego no pão ou a francesinha. Contudo, naturalmente, a aposta da casa é o marisco e os peixes nobres mas quando lhe pedimos para nomear um prato forte Miguel, apesar de destacar o arroz de marisco ou o robalo com arroz de amêijoas, acrescenta “não gostamos de sobrevalorizar pratos em detrimento de outros, pois todos eles têm de ser bons”. A aposta na qualidade do serviço, o profissionalismo, o bom acolhimento dos clientes, a adaptação aos tempos atuais, todos estes factores contribuem para que a Marisqueira de Matosinhos sobreviva a gerações ultrapassando as dificuldades dos últimos anos que afetaram, não só o sector, mas todo o país.

(...) o profissionalismo, o bom acolhimento aos clientes, a adaptação aos tempos atuais, todos estes factores contribuem para que a Marisqueira de Matosinhos sobreviva e a gerações ultrapassando as dificuldades dos últimos anos que afetaram, não só o sector, mas todo o país.


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ESPLANADA MARISQUEIRA ANTIGA

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Carlos Miranda, proprietário.

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atural de Matosinhos, Carlos Miranda seguiu o negócio da família ao herdar do pai, Serafim Miranda, A Esplanada Marisqueira Antiga, onde começou a trabalhar com apenas 14 anos, em 1980. Inicialmente como funcionário, passou posteriormente a gerir a casa, “uma atividade que pretende fazer para toda a vida porque “eu vivo disto, entro aqui às 10 horas da manhã e saio depois das 2 horas da madrugada, só me falta trazer a cama para cá”, refere Carlos Miranda em jeito de graça. Formado em piloto comercial, o gosto pela restauração falou mais alto, aliás, é uma paixão partilhada por toda a família, já que o irmão, Serafim Miranda, é gerente de uma outra Marisqueira, os Lusíadas, outra casa de referência. Para Carlos Miranda o sucesso da Esplanada Antiga, fundada em 1957, deve-se aos 26 empregados, alguns com quase 40 anos de casa, e à excelência do produto, nomeadamente o marisco fresco desde percebas, lagosta e os mistos de marisco. “O cliente quando vem à esplanada já sabe ao que vem e já sabe que temos o melhor marisco fresco”. Quanto ao tipo de cliente, Carlos Miranda explica que “os clientes vêm cá numa ocasião especial, ou num aniversário, negócios, uma comemoração, vêm quando querem surpreender”. Num concelho em que as marisqueiras abundam, Carlos Miranda refere que na Esplanada Antiga, “ é feita uma selecção do

Para Carlos Miranda o sucesso da Esplanada Antiga, fundada em 1957, deve-se aos 26 empregados, alguns com quase 40 anos de casa, e à excelência do produto, nomeadamente o marisco fresco desde percebas, lagosta e os mistos de marisco. 155


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melhor marisco e peixe, o mais fresco, e é prestado um atendimento diferente, esmerado, atencioso, factores estes que levam os clientes a optar pela Esplanada e não por outra casa”. Matosinhos é uma referência regional e nacional na gastronomia e para isso contribuíram várias personalidades, das quais Carlos Miranda destaca “o Henrique Torres, que abriu as marisqueiras quase todas de Matosinhos, e o meu pai, Serafim Miranda, que deu seguimento a esta casa quando estava falida, bem como salvou “Os Lusíadas”. A Esplanada Antiga foi, sem dúvida, uma das que mais contribuiu para a história da restauração do concelho porque foi a primeira, esta, o Majára, a Marisqueira de Matosinhos, o Proa e o Marujo, em tempos, pois agora tem outro tipo de serviço”. Passados mais de 30 anos a gerir a casa, Carlos Miranda recorda várias histórias engraçadas, “certo dia entrou aqui o Mário Soares, quando era presidente

da república, sem seguranças, estacionou à porta, dirigiu-se ao balcão e disse: sirva-me aí um príncipe e meia dúzia de camarões para me ir embora, e assim foi”, conta Carlos. Outro episódio, mais recente, foi “quando cá veio a Sharon Stone, eram só porshes à porta e seguranças, foi um espectáculo enorme”. Carlos Miranda orgulha-se de ter um livro de honra bastante preenchido com dedicatórias de várias personalidades que por lá passaram como “Raul Solnado, Eunice Munoz, Rui Veloso, que cá vem constantemente, o Maradona, o Quaresma, o Jorge Mendes, empresário de Ronaldo, só falta cá vir mesmo o Ronaldo”, uma personalidade que Carlos Miranda confessa que gostaria de ver à mesa. “É uma local de pessoas com etiqueta e é uma casa de gerações, em que vêm os avós, os filhos, os netos”, conclui, satisfeito com o sucesso que a marisqueira que o viu nascer como empresário mantém.


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PERSPECTIVAS DO FUTURO

Serafim Miranda; Serafim Miranda (pai); Carlos Miranda.

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Em tempos de crise, Carlos Miranda garante que o restaurante que gere irá manter o nível do serviço e o ambiente a que o cliente está habituado. “Se mudarmos para outros pratos, atraímos um tipo de cliente que não é o desta casa, não dá para termos casa cheia todos os dias, mas preferimos manter o nosso nível, os nossos clientes vêm cá por isso”, frisa. Os impostos, o maior problema da actualidade para Carlos, “esses são assustadores, mas pouco se refletem nos nossos preços, porque já são altos. No entanto, não vamos mudar o tipo de serviço por causa disso”. Para Carlos Miranda, uma solução para contornar as dificuldades que se avizinham, seria “atrair os milhões de turistas que vão entrar por aqui este ano, temos aqui ao lado a galinha dos ovos de ouro, o porto onde os barcos atracam, mas não há lá nada a apelar “visitem as marisqueiras de Matosinhos, que é a única parte atraente que o concelho tem”.


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OS LUSÍADAS

Serafim Miranda, proprietário.

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aredes meias com a Esplanada Marisqueira A Antiga, de Carlos Miranda, temos Os Lusíadas, gerido pelo irmão Serafim Miranda. Um espaço “mais pequeno e reservado, com menos confusão, as pessoas procuram-nos pelo ambiente discreto”, frisa o empresário de 43 anos. Aberto desde 1992 com este nome, o espaço já existia como restaurante desde 1982, “nessa altura era o Kikas, fundado por Henrique Torres que posteriormente o vendeu a uns brasileiros que transformaram isto num restaurante brasileiro, o Monge. Dois ou três anos depois fechou e o meu pai viu aqui uma oportunidade de negócio”, explica Serafim Miranda.

Para o actual gestor da casa, embora o principal proprietário continue a ser o pai (Serafim Miranda), o que leva os clientes a optar pela sua casa em detrimento de outra é o acolhimento dos 16 funcionários, “não é propriamente a refeição, porque nós trabalhamos todos com o mesmo produto e todo ele é de qualidade”. Dos pratos que compõem a ementa, Serafim Miranda destaca o robalo ao sal “porque o nosso forno permite-nos fazê-lo de uma forma que mais ninguém faz, assim como o nosso

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marisco tem um ponto de cozedura diferente, é sempre cozido com menos sal do que é habitual nos outros lugares”. Quanto ao tipo de cliente, Serafim Miranda revela que “ é um bocado diferente dos outros restaurantes, quem nos procura são as grandes figuras da economia, da política, grandes negócios das finanças e do futebol são realizados cá porque as pessoas sabem que este é um local discreto e nada é projetado lá para fora”. Em anos de crise, o Os Lusíadas não foi exceção à regra e passou uma fase crítica “em que tudo esteve em cima da mesa, incluindo fechar as portas”, revela o gestor. Para contornar as dificuldades “tivemos que efetuar vários cortes, principalmente a nível de estrutura, tivemos que nos reorganizar e foi necessária uma injeção brutal de capital aqui dentro. O método de compra também passou a ser outro, deixamos de comprar em grandes quantidades”. Passados mais de 20 anos na casa em que iniciou carreira na restauração, Serafim Miranda, licenciado em Relações Internacionais, não pretende mudar de atividade, “ prefiro trabalhar no negócio da família, em algo que também é meu, surgiram-me algumas propostas na minha área de formação mas não eram suficientemente aliciantes”, confessa. “Isto é o que me dá gosto e torna-se viciante, o contacto com o público, com os fornecedores, o ambiente familiar que se vive aqui, incluindo com os funcionários”. No entanto, é um negócio que não deseja que os filhos sigam porque “não há horários, vive-se isto o dia todo, entra-se e não sabemos a que horas saímos, há sempre alguma coisa para fazer. Além disso, quando os outros se estão a divertir nós estamos a trabalhar”. Os Lusíadas são, sem dúvida, um restaurante de referência do concelho, mas para Serafim Miranda, a Marisqueira Esplanada A Antiga, gerida pelo irmão, é aquela que marcou e continua a marcar a história da restauração por ser das primeiras e por se manter aberta. Serafim Miranda não deixa de recordar uma figura importantíssima na história da restauração, Henrique Torres, “foi ele que iniciou a restauração em Matosinhos, depois o meu pai, Serafim Miranda e outros como o Miguel Faria e o meu tio, Carlos Miranda, deram continuidade”. Os Lusíadas, esse irá manter-se fiel a si próprio, com o mesmo registo, a mesma discrição e acolhimento que o cliente sempre conheceu.

PERSPECTIVAS PARA O FUTURO Quanto ao futuro das marisqueiras em Matosinhos, Serafim Miranda considera que têm de ser elas próprias a olhar pelo futuro das mesmas e por fazer a divulgação das mesmas “já que mais nenhuma entidade o faz”.

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MAJÁRA

Joaquim Jorge Fonseca Rocha (ao centro), proprietário.

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oaquim Jorge Fonseca Rocha está actualmente à frente do Restaurante Marisqueira Majára, uma das casas mais conhecidas do concelho, quer pelo marisco quer pela francesinha, a única que segue a receita do molho original, criada por um emigrante que regressou de França e que a passou para José Silva, um dos fundadores do Majára em 1970. Com 45 anos de existência, o Majára é sem dúvida uma das referências de Matosinhos, “quer pela história de bem servir, quer pelo atendimento que sempre manteve e que se foi adaptando às novas exigências do cliente. Hoje em dia o cliente é muito mais observador, liga a outros pormenores e nós fomo-nos sempre actualizando”, frisa Jorge Rocha. Nascido em Mafamude, Gaia, em 1966, Jorge Rocha dá continuidade ao trabalho que o pai, Gaudêncio Rocha, e o tio, José Silva, iniciaram ao abrir o Majára , na altura com mais 3 sócios. “Eu cresci aqui, quando o

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Majára foi fundado, tinha eu 4 anos e com 6 já abria a porta aos clientes”, recorda. “Nessa altura, Matosinhos não é o que é agora, só existiam duas ou três casas de marisco, actualmente há centenas de restaurantes”. Pelo meio do seu percurso, Jorge Rocha sentiu necessidade de experimentar outras áreas e de ser independente da família, o que o levou, aos 19 anos, a trabalhar na alfândega, como ajudante de despachante. Regressou à restauração ao abrir o restaurante Orla Marítima, na Madalena, mas posteriormente a paixão pelos automóveis falou mais alto e enveredou por essa área durante alguns anos. Depois de mais uma retirada do ramo da restauração, Jorge Rocha regressa definitivamente e abre em 2003 “A Brasileira”, no Porto, e em 2006 assume todos os espaços de restauração do teatro Rivoli, também na cidade invicta, até que em 2009 após uma conversa com o seu tio “que quase exigiu que eu assumisse o Majára, regressei às origens, principalmente pelas

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o festival da francesinha, todas as Quintas-feiras e o festival do marisco nas últimas Terças-feiras do mês. “Com isto, trouxe para o Majára um tipo de clientela que até aí não vinha, mais jovem. O cliente habitual manteve-se, temos aqueles que começaram por vir cá com os avós, pais e hoje vêm com os filhos. Temos todo o tipo de clientes, desde negócios, famílias e, para quem prefere estar mais recatado, nomeadamente figuras públicas, dispomos de uma sala na parte superior com capacidade para 40 pessoas, com uma entrada independente em que não há contacto visual com mais ninguém, tirando o empregado que os está a servir”, destaca Jorge Rocha. Depois do ano de 2013 ter sido menos bom com a restauração, “actualmente, estamos a trabalhar muito bem, com uma imagem cada vez mais enraizada no exterior, que foi conseguida através dos festivais onde temos participado em Lisboa e no Porto, nomeadamente festivais de marisco, de francesinha e comida tradicional portuguesa”, sublinha. Quanto aos destinos do Majára, “espero que o meu pai e o meu tio, grandes impulsionadores da restauração no concelho, cá permaneçam por longos anos para me ajudar. Mas acredito que no leque de funcionários mais jovem da casa existam pessoas que poderão dar continuidade à marca Majára”, conclui Jorge Rocha confiante.

raízes familiares. Os anos avançam, o meu pai já tem 75 anos, o meu tio 70, e o Majára estava a correr o risco de não ter seguidores”, conta. Apesar dos 45 anos de história, os tempos mudam, as adaptações são necessárias e Jorge Rocha orgulhase principalmente da modernização que trouxe ao Majára ao dotá-la de sala de fumadores, de meios audiovisuais como ecrã gigante, televisões plasma, a alteração na decoração das salas e a própria formação dos empregados “que estava ultrapassada” e que o empresário considera fundamental nos tempos de hoje. “O Majára tem 30 funcionários, quase todos desde o início da casa. Hoje em dia o cliente é muito mais exigente, e foi necessária uma formação para os rececionar e servir de uma forma mais profissional como a nossa história exige”, explica o empresário. Sendo a Francesinha, na opinião de Jorge Rocha, um óptimo complemento, o Majára é essencialmente uma marisqueira. “Temos viveiros de marisco, um arroz de marisco fantástico e, para além disso, temos sempre peixe fresco e carnes, como o bife à Majára, o bife rolha ou o entrecosto de boi. Existem ainda os pratos diários que são mais económicos e que nos últimos anos tiveram que ser ajustados ao gosto do cliente”, salienta. De forma a atrair outro tipo de público, sem nunca desprezar o mais antigo que se mantém fiel à casa, Jorge Rocha introduziu algumas novidades, como

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(...) Jorge Rocha orgulha-se principalmente da modernização que trouxe ao Majará ao dotá-la de sala de fumadores, de meios audiovisuais com ecrã gigante, televisões plasma, a alteração na decoração das salas e a própria formação dos empregados “que estava ultrapassada” e que o empresário considera fundamental nos tempos de hoje.

PERSPECTIVAS PARA O FUTURO Não fugindo à regra, nos últimos anos com o aumento do IVA para 23%, o Majára não escapou às dificuldades que daí advieram, e Jorge Rocha recorda com tristeza que “no ano passado (2013) não foi fácil chegar ao fim do mês e cumprir com todas as obrigações. Ultimamente apostamos também numa divulgação forte através do nosso site, do facebook e da aplicação adwords da google trabalhada através da Irlanda que nos permite alcançar outro tipo de públicos ”, sublinha Jorge Rocha. Matosinhos, como referência regional e nacional na restauração,“não pode deixar cair essa imagem. O marisco devia estar para Matosinhos como o leitão está para a Mealhada, mas este último não deixa

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cair o leitão como marca da região. Actualmente, Matosinhos confunde-se com o peixe. Não é justo o que deixaram acontecer às marisqueiras deixando-as quase cair no esquecimento. Deveria existir através da autarquia e da junta de freguesia um trabalho específico com o intuito de defender o marisco como marca regional. A própria associação de restaurantes de Matosinhos tem o papel de nos defender”. Olhando para o futuro, “espero que os tempos melhorem, que os impostos baixem e que Matosinhos se transforme num ícone da gastronomia portuguesa. Se tudo se mantiver como está, nos próximos 2/3 anos muitas casas irão fechar o que conduzirá muita gente para o desemprego e é pena que restaurantes com tantos anos corram esse risco”.


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MAURITÂNIA

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uno Miguel Almeida Rocha, nascido em 1977, está actualmente à frente dos destinos do Grupo Mauritânia, composto neste momento por 5 restaurantes. O primeiro a nascer foi o Mauritânia, situado na rua Brito e Cunha, em 1980, tornando-se assim a mãe de todas as outras casas. “Este aqui foi o primeiro fundado pelo meu pai, depois foram saindo vários elementos que abriram as outras casas juntamente com ele. Este é o único que é só mesmo familiar”, explica Nuno Rocha. Formado em gestão de empresas, o empresário sentiu necessidade de uma experiência fora da restauração, na sua área de formação, e dedicou-se 3 anos ao ramo da auditoria e consultadoria. Mas o negócio familiar falou mais alto e Nuno Rocha dedicase neste momento a tempo inteiro a ajudar o pai.

Joaquim Rocha, fundador do grupo, e um dos impulsionadores da restauração de Matosinhos, enveredou por esta área na altura aconselhado por um familiar que lhe indicou a escola de hotelaria do Bom Jardim no Porto, uma escola prestigiante na altura. “Nessa escola, tirou o curso de empregado de mesa de 1ª e depois foi para a marinha, onde tirou o curso de instrução técnica e básica de cozinha. Nessa época, trabalhou em alguns restaurantes e hotéis e sentiu o despertar para a cozinha durante um episódio em que o cozinheiro do hotel ficou indisponível e o meu pai teve de o substituir, aí percebeu que a cozinha é a essência de tudo e sem ela um restaurante não funciona”, conta.

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Joaquim Rocha, proprietรกrio.

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Matosinhos foi o local escolhido para se estabelecer “porque ele reconheceu que era uma zona com potencial, tem lota, tem produto fresco e tinha na altura um tecido e uma classe industrial com dinheiro que eram todas aquelas empresas que na ápoca trabalhavam com o porto de Leixões, os transitários, os despachantes”. Muito mudou desde então na restauração, “começaram a abrir imensos restaurantes, deixou de haver uma formação profissional da atividade e passaram-se a criar epenas cursos superiores, as formações específicas de barman, empregado de mesa, por si só, deixaram de existir”, lamenta. Desde o início, “sempre colaborei aqui com a minha família, mesmo quando estudava, e mantenho-me porque gosto da restauração. Para se estar neste ramo e para se assumir a responsabilidade de abrir um restaurante tem que se gostar porque isto tiranos muito tempo, nós trabalhamos quando os outros se divertem”, sublinha o gestor. “Isto exige muita dedicação e o meu pai é o exemplo disso, é uma pessoa que nunca teve férias na vida”, acrescenta. Dos 5 restaurantes que compõem o grupo “este aqui na rua Brito e Cunha é o principal, com uma grande componente de comida tradicional portuguesa aliada ao marisco. O Mauritânea Real, situado em frente à câmara municipal, aposta mais no serviço de snack bar, na francesinha, no prego em prato e tem um grande balcão de onde as pessoas podem ver o funcionário a confecionar, mas também tem marisqueira e comida tradicional portuguesa. O Casarão do Castelo, também do grupo, é uma casa mais pequena, com cerca de 5 salas individuais e, pelas suas particularidades, aposta num serviço mais requintado e atencioso, à base de peixe e marisco”, explica Nuno Rocha. Em Leça da Palmeira, o Mauritânia Grill com capacidade para 450 pessoas, oferece um serviço diversificado “onde as pessoas podem comer grill por um valor acessível ou uma lagosta. Tem esplanada, salas grandes, onde as pessoas podem ter uma refeição mais calma”, esclarece o gestor. Com as várias casas que mantem abertas, o grupo consegue atingir públicos diversificados e continuar a ser uma referência no sector, “as pessoas optam por cá vir por aquilo que eu considero ser a chave da nossa longevidade e do nosso sucesso, que foi mantermo-nos iguais na qualidade e sermos constantes com aquilo que fazemos. Tivemos um

Com as várias casas que mantem abertas, o grupo consegue atingir públicos diversificados e continuar a ser uma referência no sector, “as pessoas optam por cá vir por aquilo que eu considero ser a chave da nossa longevidade e do nosso sucesso, que foi mantermo-nos iguais na qualidade e sermos constantes com aquilo que fazemos.”

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e destaca grupos mais recentes que decidiram estabelecer-se no concelho, como o Madureiras. Quanto ao futuro do grupo Mauritânia, Nuno Rocha revela que pretende ficar-se pelos 5 restaurantes, que foram sempre adaptando aos novos tempos, “em 2008/2009 todos os Mauritânia foram remodelados com obras quer de restauração e recuperação do edifício quer de alterações na decoração e ambiente”. Para o gestor o seu pai foi e é, sem dúvida, uma das figuras principais na restauração do concelho, principalmente por ter trazido a comida tradicional portuguesa. Henrique Torres foi o “grande impulsionador porque antes Matosinhos só sabia fazer peixe, servido numa travessa com batata. Esse homem criou restaurantes com marisqueira aumentando a oferta matosinhense.

ano de 2013 muito mau, em que perdemos, mas nunca mexemos na qualidade. Perdemos em 2013 mas ao mesmo tempo serviu para sermos melhores, para cortarmos naquelas coisas que se calhar eram supérfluas ”, conta Nuno Rocha. Em tempos difíceis, os cortes impuseram-se,” reduziu-se um ou outro funcionário, cortámos em ações de publicidade que nunca chegávamos a ver, anteriormente tínhamos as duas salas a funcionar, agora só temos uma. O que é natural pois o mercado alargou na oferta, agora Matosinhos já tem outras opções como pizzarias e sushi”, realça o gestor. Além do grupo que gere, Nuno Rocha destaca outras casas como referência no concelho como A Esplanada Marisqueira A Antiga, a Marisqueira de Matosinhos, O Gaveto, o Majára, entre outras, pela longevidade,

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O GAVETO

Manuel Pinheiro, proprietário.

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No seu percurso, que teve como ponto de partida servir numa casa particular de uma filha de um dos fundadores do Banco Borges e Irmão na foz do Porto, dedicou mais de 30 anos a gerir o restaurante Ribeiro na mesma cidade, mas o sonho que sempre ambicionara de possuir uma marisqueira tornou-se realidade em 1982 ao adquirir O Gaveto, um dos ícones da cidade matosinhense. Natural de Vila Nova de Famalicão, Manuel Pinheiro confessa que Matosinhos “é uma paixão, é uma cidade com um enorme potencial e o local mais extraordinário para se trabalhar um produto que possui de excelência que é o marisco e o peixe”. Desde muito cedo que o concelho viu a sua atividade económica ligada ao mar desenvolver-se, mas foi na época de 60/70 “que surgiram duas grandes estruturas de valorização deste produto fantástico que a cidade oferece, foram elas as marisqueiras fundadas por Henrique Torres e o grupo Majára, esses senhores criaram uma escola real de onde saíram muitos formandos que depois abriram os seus próprios restaurantes”, conta Manuel Pinheiro.

anuel Pinheiro, nascido em 1947, é para muitos dos empresários da restauração um dos impulsionadores de maior relevo para o sector na actualidade. Reconhecimento justo e válido de uma carreira com mais de 50 anos onde imperou o conhecimento profundo da arte de bem servir uma mesa e de cativar o público. Ele próprio considera-se um embaixador da gastronomia do norte depois de ter representado por diversas ocasiões a câmara municipal do Porto com as típicas tripas à moda do Porto e com a participação em vários eventos gastronómicos por esse mundo fora, desde Tróia, Lisboa, Santarém, Açores, Ourense, Madrid, Vigo, Verona e Basileia, onde serviu um almoço para 300 pessoas quando a equipa nacional defrontou a Suiça no Euro 2008. No seu currículo são de louvar os títulos que assume desde, embaixador da Confraria Buena Mesa de la Mar das Astúrias, Confrade da Panela ao Lume, da Confraria do Mar de Matosinhos e da Confraria das tripas à moda do Porto.

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Volvidos mais de 30 anos à frente do Gaveto, Manuel Pinheiro viu muitas casas surgirem à sua volta, “a restauração em Matosinhos foi crescendo ao longo destas décadas e tem sempre vincado pela excelência do produto que tem. Por isso defendo que o concelho deveria ser um destino de referência no que toca ao peixe e ao marisco, não deixando morrer essa tradição”. Criar uma marca e uma imagem fortes à volta desse produto de distinção do concelho que o torna destino eleito por muitos turistas oriundos de vários pontos é para Manuel Pinheiro urgente e deveria ser uma prioridade das entidades ligadas ao turismo. “É preciso entender que temos aqui um tesouro, ou o protegemos e olhamos por ele, ou corremos o risco de o perder. É premente a criação de uma estratégia para promover este tesouro precioso e que já foi inclusive distinguido por várias revistas e jornais internacionais de relevo”. Exemplo disso e motivo de orgulho para a família Pinheiro é um artigo do internacionalmente reconhecido jornal económico Financial Times que classifica o Gaveto como o paraíso do oceano depois de saborearem em travessas recheadas o maravilhoso produto da costa portuguesa que esta casa serve. Apesar do Gaveto ser “a menina dos seus olhos”, para Manuel Pinheiro todas as casas são dignas de mérito e todos os empresários deste sector devem

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ser escutados e valorizados pelo trabalho notável que têm desenvolvido ao longo destes 50 anos. “Matosinhos vive de um conjunto de casas que é preciso defender, todas elas contribuíram para que o concelho se tornasse uma referência, por isso a união é fundamental, devemos todos sentar-nos e em conjunto com as entidades competentes ligadas ao turismo, delinear um plano e não permitir que o nosso produto caia no esquecimento traçando uma estratégia de promoção e projeção não só nosso país mas por esse mundo fora ”, alerta Manuel Pinheiro. O empresário, formado pela escola de hotelaria, considera-se um aprendiz para toda a vida e muitos foram os conhecimentos adquiridos e aperfeiçoados ao longo de décadas. Um episódio que nunca esquecerá foi ainda no início da sua carreira quando um cliente lhe pediu meia garrafa de vinho do cartaxo e Manuel Pinheiro limitou-se a pousar a garrafa na mesa. Desagradado, o indivíduo reclamou a falta de simpatia no atendimento. Desde então, “fez-se luz nesse momento e a minha atitude mudou totalmente. A cortesia e a boa disposição imperam nesta casa, é importante cativar as pessoas desde que chegam àquela porta”. O bem receber é para Manuel Pinheiro a chave para a fidelidade dos seus clientes. Aliado a isso, “temos uma matriz muito própria que tem como base uma cozinha natural, sem condimentos exagerados, de forma a manter o paladar natural do produto não seja alterado. Um robalo ou um lavagante a saber a mar é algo maravilhoso”, realça. De todo o leque de peixes selvagens e mariscos frescos que a casa oferece, Manuel Pinheiro destaca o arroz de marisco, a lampreia da época, a açorda de lavagante, o robalo ao sal e pratos de caça na altura desta. “Temos ainda diariamente dois pratos de comida tradicional portuguesa, um de peixe e um de carne, mas tudo o que fazemos segue os valores gastronómicos tradicionais que é a cozinha que eu sempre defenderei”, frisa o empresário. Clássico e tradicional, assim descreve Manuel Pinheiro, o Gaveto, “pois apesar de nunca pararmos no tempo, teremos sempre a preocupação de preservar uma época, a dos anos 60 e 70, garantindo que tudo o que servimos mantenha as suas características, a sua essência”.

De futuro, Manuel Pinheiro conta com os seus filhos para dar continuidade ao trabalho que desenvolveu durante 3 décadas e que o ajudaram a contornar as dificuldades sentidas nos últimos anos. Defendendo veemente que “a gastronomia é um bem para preservar e não para abater”. Agradecimento: “Agradeço especialmente ao Senhor Presidente da Câmara e seu Staff pela forma como nos recebeu e se mostrou interessado em ajudar-nos a criar aqui um nicho específico de peixe e marisco em colaboração com as marisqueiras, para nos promover nacional e internacionalmente.

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“A restauração em Matosinhos foi crescendo ao longo destas décadas e tem sempre vincado pela excelência do produto que tem.”

PERSPECTIVAS PARA O FUTURO Com a sobrecarga de impostos e a falta de poder económico que se instalou. “Só com a ajuda deles foi possível sobreviver a este drama que foi sobretudo a subida do IVA para 23%. Com este aumento é praticamente impossível viver na restauração. Espero que brevemente alguém, nomeadamente as entidades do sector turístico, entenda que a gastronomia é um bem para preservar e não para abater”, assim o deseja Manuel Pinheiro.

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bibliografia E AGRADECIMENTOS

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A T O

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Couto, F. (2012). Sardinha. Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Santos, J. Neves (1958). Pescadores do Leça e Artes de Pesca. Matosinhos, edição do autor. Sousa, F. e Alves, J. (2002). Leixões. Uma história portuária. Leça da Palmeira, Administração dos Portos de Douro e Leixões, SA.

Fangueiro, O. (1985). Aspectos do passado da pesca em Matosinhos. In Boletim da Biblioteca Pública Municipal de Matosinhos nº 29. Matosinhos, Câmara Municipal de Matosinhos. Faria, F. Godinho (1899). Monographia do concelho de Bouças. Matosinhos, edição do autor.

Jornais consultados: Commercio; Comércio de Leixões; O Badalo; O Democrata; O Monitor; O Progressista; Vida Nova

Felgueiras, G. (1958). Monografia de Matosinhos. Matosinhos, Câmara Municipal de Matosinhos37

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Galego, B. Esteves (2004). Pescadores de Matosinhos. Câmara Municipal de Matosinhos/Editorial Maresia. Gomes, A. (2005). As Actividade Económicas de Matosinhos – 1850 a 1910. Matosinhos, Câmara Municipal de Matosinhos/ Editorial Maresia. Gomes, A. (2006). Testemunhos da História. Para Um Retrato de Matosinhos Contemporâneo. Matosinhos, Edições Afrontamento/Câmara Municipal de Matosinhos Isidoro, A (1979). Os Sabeler – uma família de pescadores. In Boletim da Biblioteca Pública Municipal de Matosinhos nº 23. Matosinhos, Câmara Municipal de Matosinhos. Marçal, H. (1965). A barra do Douro e o porto de Leixões. In Boletim da Biblioteca Pública Municipal de Matosinhos nº 12. Matosinhos, Câmara Municipal de Matosinhos. Pires, A., Silva, J., Oliveira, L., Salgado, J. e Silva, J. (1934). Guia de Leixões. Matosinhos, Comissão de Iniciativa de Leixões.

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O autor ofereceu a propriedade literária da obra à Câmara Municipal de Matosinhos.


BIBLIOGRAFIA E AGRADECIMENTOS

Agradecimentos Albano Jácome – contributos para a história dos restaurantes Jácome e A Cozinha da Maria Alfredo Zuzarte – contributos para a história da taberna A Badalhoca do Fredo António Gramaxo – contributos para a história das adegas e tascas António Manuel Duarte Ferreira – contributos para a história do Arquinho do Castelo António Reis e Isabel Reis – contributos para a história da Adega Leixões António Silva – contributos para a história do restaurante O Chanquinhas Arménio Duarte – contributos para a história do restaurante O Malcriado Bruno Pinto e Tiago Gouveia – contributos para a história da Adega Campos e do Mar na Brasa Carlos Carrasco – contributos para a história do Surrobeco, da Tasquinha do Carrasco, do Convés, do Garrafão e do Galispo. Carlos Miranda – contributos para a história da Esplanada Marisqueira Antiga Carlos Teixeira – contributos para a história dos restaurantes Jácome e A Cozinha da Maria Delfim Caetano Nora, Eng. – contributos para a história das adegas e tascas Eduardo Rocha – contributos para a história dos restaurantes Marisqueira dos Pobres e Mariazinha Eduardo Tato – contributos para a história das adegas e tascas Fátima Campos – contributos para a história da Adega Campos Fernando Fangueiro – contributos para a história das adegas e tascas Fernando Manuel Pais Pinto – contributos para a história do restaurante Veleiros Goreti Costa – contributos para a história do Restaurante Costa Horácio Borges – contributo para a história do restaurante O Bananeiro

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Isabel Leal – contributos para a história do restaurante Olhinhos de Polvo Joaquim Jorge Fonseca Rocha – contributos para a história da Marisqueira Majára José Alves – contributos para a história do Restaurante Aliança Júlio Pinheiro – contributos para a história das adegas e tascas Júlio Tito Neves Rodrigues – contributos para a história dos restaurantes Tito I e Tito II Manuel Augusto Silva Costa – contributos para a história do Lais de Guia Manuel Pinheiro – contributos para a história da marisqueira O Gaveto Maria Albertina – contributos para a história da loja do Sr. Américo Maria Alice da Silva Alves – contributos para a história do restaurante (mais tarde marisqueira) Serpa Pinto Maria Docelinda – contributos para a história dos restaurantes Garrafão e O Bem Arranjadinho Maria Fangueiro – contributos para a história do restaurante Mar na Brasa, Adega Campos e Brisa Maria Margarida Miranda Silva – contributos para a história do restaurante Margarida Miguel Faria – contributos para a história da Marisqueira Matosinhos Nuno Miguel Almeida Rocha – contributos para a história do grupo Mauritânia Odete Gonçalves – contributos para a história do restaurante O Clássico Pedro Enguião – contributos para a história de O Barco Velho Rui Sousa Dias – contributos para a história do Dom Peixe e de O Valentim Valentim Santos – contributos para a história do restaurante S. Valentim


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Editor

Direção design

Emídio C. Brandão

Marlene Pereira

Direção projeto

Design

Emídio C. Brandão

Sofia Moutinho

Coordenação

Fotógrafos

Júlio Pinto da Costa

Correia dos Santos Mário Rêga

Entrevistas Propriedade

Francisco Samuel Brandão Emídio C. Brandão Marta Leite

Emibra, Lda

Investigação

Gráfica Vilar do Pinheiro

Júlio Pinto da Costa Marta Leite Diogo Santos

ISBN 978-989-20-6368-3

Textos

Depósito Legal

Impressão

Júlio Pinto da Costa Marta Leite

404020/16

revisão de textos JANEIRO 2016

Diana Freire

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