JÁ REVISTA
Festa do Divino
Celebração atrai milhares de fiéis e mistura religião com festejos
Trabalho
Crianças começam a trabalhar desde cedo em facções locais
Segurança
Penitenciária de Jaraguá sofre com más condições e superlotação
Expediente Orientação de reportagem
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Rodrigo Bousada
Milena Marra
Lucas Viana
Thaís Rosa
Naiara Albuquerque
Luisa Bretas
Thayssa Vitória
Revista produzida por alunos de Técnicas de Jornalismo e Fotojornalismo do curso de Jornalismo, da Faculdade de Comunicação
Carta do Editor É incrível como uma cidade que parecia tão pequena aos olhares da turma de Técnicas de Jornalismo se tornou grande e plural depois de alguns dias vagando por suas terras. A escolha da cidade é uma parte bem desafiadora, é o momento onde a jornada se inicia. Não pode ser pequena, mas nada de cidade grande, o tamanho precisa ser ideal para toda a turma de Jornalismo produzir matérias e retratar Jaraguá, a escolhida. Nossa revista começa com um pouco da imensidão que é o patrimônio histórico da cidade. A história se conta a partir dos casos de extração mineral na região e dos contos por trás dos principais monumentos, como as igrejas. Os modos de diversão da população jaraguense também estão em nossas páginas. Outro ponto importante foi conhecer mais sobre as rádios da cidade, meios de comunicação muito significativos para facilitar o contato das mídias com os moradores. Com a proximidade das eleições municipais, nossa equipe buscou saber como anda a política local. Buscamos compreender melhor o trabalho do prefeito e do promotor Everaldo na cidade. Crimes como o suicídio de um ex-vereador e o brutal assassinato de uma adolescente, que tiveram a cidade de Jaraguá como palco, foram pautas que despertaram interesse em nossos jovens jornalistas investigativos. A superlotação da penitenciária e o perigo pelo qual passam os mananciais também geraram discussão. A tradicional Festa do Divino contou com muitos de nossos repórteres, que presenciaram o evento para falar um pouco mais sobre a sua importância para os moradores e para a cidade. Além disso, falamos um pouco sobre o programa Renda Cidadã e sobre as bandas que representam Jaraguá. Muitos mistérios permeiam a cidade e seus arredores, nossa matéria sobre as lendas conta um pouco mais. A prática de parapente, bem como o Poção da Serra no Parque Estadual não ficaram de lado. A produção agropecuária da cidade não poderia ficar de fora, apesar de rumores de que não havia agricultura em Jaraguá. Conhecida como Pólo de Confecções, fomos afundo nas fábricas de jeans e facções da cidade, descobrindo também furos nunca antes imaginados pela turma. Não podemos esquecer do destaque na educação: o alcance da cidade na Prova Brasil e a oferta de cursos superiores, que só cresce. Junte-se a nós e aprecie um pouco de Jaraguá. Boa leitura!
Emília Felix, Editora-chefe
Lucas Santos, Editor-chefe Revista Já 1
04 Da exploração ao ouro azul 10 Procura-se diversão 12 Rádios dominam a comunicação 14 Todos os homens de Jaraguá 18 Ex-vereador morre em acidente 20 Um crime que abalou a cidade Revista Já 2
24 Não há vagas 30 Mananciais em perigo 34 Bendita renda cidadã 36 Entre o profano e o sagrado 44 O lado sombrio das tradições 48 Muito mais que uma banda
52 Nos céus da serra 56 Tesouro esquecido 60 Os trilhos do progresso 64 Do abacaxi ao jeans 68 Pirataria no comércio 70 Só não trabalha quem não quer
76 A terra esquecida do leite e abacaxi 80 Um exemplo nas salas de aula 84 Ensino superior em expansão 90 Coluna Social
Revista Já 3
Cidade
DA EXPLORAÇÃO AO OURO AZUL Texto Leonardo Carneiro Marcelo Tobias Milena Marra Fotografia Letícia Leal Marcus Barbosa Maria Flores
Revista Já 4
História Ao caminhar pelo centro histórico de Jaraguá, entre uma e outra loja, um observador mais atento consegue perceber os vestígios do passado. Nem sempre a antiga Arraial do Córrego de Jaraguá, como era conhecida a cidade, foi destino comercial reconhecido no país. Não se sabe ao certo quando ela fundada, porém, documentos relatam que o seu surgimento se deu após a fundação do Arraial de Meia Ponte (1727) e ao de Santa Rita do Anta (1729). Os resquícios de um tempo
em que a extração de ouro era a principal atividade econômica podem ser encontrados com facilidade e contam a história do local. O crescimento acelerado do comércio, a falta de planejamento urbano e a imigração foram alguns dos fatores que transformaram o pequeno município em um pólo de confecções têxtil nacionalmente conhecido. Hoje, a exploração de ouro não é mais permitida mas a população continua em expansão.
A tradição religiosa se mostra por meio de monumentos e festa
Revista Já 5
História Patrimônio Histórico revela o passado
O sino da Igreja Nossa Senhora da Conceição não toca mais e não há casamentos, missas ou celebrações. Todo o acervo do museu Sacro, que foi restaurado recentemente e deveria ser aberto para visitações, está encostado em uma espécie de depósito situado atrás da construção. Já a Rua das Flores, o Setor Tradicional e a Igreja Nossa Senhora da Penha são alguns dos locais pertencentes ao patrimônio histórico que ainda são preservados na cidade. Equilibrar a preservação desse patrimônio histórico e a expansão urbana causada pela chegada das indústrias têxteis é um dos desafios, não só do governo local, mas também do conselho de cultura e dos moradores. “Esse comércio não foi premeditado. Antigamente eram só alfaiates que existiam na cidade, mas eles começaram a trabalhar em série e deu esse resultado que está aí hoje. Virou uma coisa assustadora” diz o presidente do conselho de cultura da cidade, João Luiz das Graças Soares. Ele explica que se a relação com o ouro já trouxe uma grande quantidade de pessoas e foi impactante, com as confecções, ela foi muito maior. O jeans recebeu o nome de ouro azul, e junto com o seu comércio vieram vários trabalhadores de outros países para a produção dessas confecções. Os impactos da urbanização desordenada e os excessos de exploração da região trouxeram características de um centro urbano para o município que ainda sofre com problemas econômicos, sociais e administrativos. A falta de informações sobre a cidade, tanto do governo local quanto dos habitantes, também faz com que pouca gente saiba o que já aconteceu ali. Ainda assim, a riqueza histórica e cultural local conseguem contar um pouco do seu próprio passado. Revista Já 6
“A Igreja da Conceição é algo que dói. O sino hoje nem toca mais” Alice Braga, 78
João Luiz, Presidente do Conselho de Cultura, fala sobre a história e o patrimônio histórico da cidade de Jaraguá
A Igreja do Rosário tem grande importância histórica. Ela foi construída no século XVIII, e é até hoje o destino de um dos desfiles da Festa do Divino de Jaraguá
História
O outro lado da história: os moradores
“Eu nasci, cresci, casei e separei nessa casa. Era de uma tia minha. Quando ela morreu, a casa ficou para o meu pai”, diz Ana Beatriz Castro Ribeiro, filha de Antônio Castro Ribeiro, prefeito do município de 1935 a 1945. A senhora de rosto sereno que observa o movimento da rua é a mais nova de seis filhos. A idosa de 78 anos vive com sua única filha nas proximidades da Igreja do Rosário, em uma das diversas casas históricas da região. “Nunca trabalhei! Meu pai não deixava. Ele dizia que não tinha necessidade. Possuía várias terras, mais de mil alqueires”, relembra. Ao relembrar de seu passado, dona Alice descreve como a cidade era durante sua juventude. Dessa época restam apenas a rua tradicional onde mora, as recordações da vizinhança tranquila e algumas fotografias de seus familiares dos tempos da construção de Jaraguá. A casa de dona Alice, hoje, possui uma das arquiteturas mais bem preservadas da cidade, que relatam um pouco de suas memórias e a história da região. A casa centenária nunca passou por uma grande reforma, só pequenos reparos. Questionada se a prefeitura já fez algum projeto de revitalização no local, Dona Ana apenas acenou negativamente com a cabeça. “Ela sai daqui e vai até Brasília passear, mas gosta tanto de Jaraguá que quer dormir em casa no mesmo dia”, lembra sua filha, Cristina Braga.
Revista Já 7
Hist贸ria
Revista J谩 8
História Paróquia Nossa Senhora da Penha, localizada no coração da cidade
Revista Já 9
Diversão
PROCURA-SE
DIVERSÃO
Apesar de ser uma das cidades que mais crescem no Estado do Goiás, Jaraguá ainda deixa a desejar quando o assunto é diversão. Os moradores, principalmente os jovens, reclamam da falta de opção que encontram para se divertir. O que a cidade oferece como lazer ainda está distante do que a população espera
Texto Luisa Bretas Marina Machado Fotografia Fernanda Bastos Maria Luíza Diniz
Bar do Ronaldinho: diversão garantida na cidade de Jaraguá Revista Já 10
Diversão Os jovens alegam que os programas que a cidade proporciona durante a tarde não são nada extraordinários. O mais comum é ir à sorveteria ou passear com os amigos. Às sextas, sábados e domingos, Dona Marlene Borges e sua filha Raquel Borges montam brinquedos infláveis para as crianças na Praça do Coreto. O funcionamento é das 18h às 23h. O serviço existe há 10 anos e atrai crianças de 10 a 14 anos. A vida noturna não é muito diferente.Luiz Fernando, 18, afirma que as boates nunca ficam abertas por muito tempo: “Antes era o Carraras, agora o único lugar que tem para sair é o Ronaldinho”. O Bar do Ronaldinho é o grande destaque do momento. Há uma boate em cima do espaço que abre em quinzenalmente. O bar, entretanto, está aberto todos os dias e recebe uma grande quantidade de pessoas nas sextas e nos sábados. O que prevalece no local são homens e mulheres, em sua maioria jovens e de boa condição financeira, que vão para beber, paquerar e reunir os amigos. Os carros com som automotivo estacionados na frente do bar dão o tom da festa que pode rolar até o dia amanhecer. Alguns jovens como Santiago Gontijo, 15, João Francisco, 19, e Igor Palazzo, 18, vão
para a Praça do Coreto, o ponto de encontro da cidade, andar de skate e conversar, porém não escondem a vontade de sair: “Sempre que queremos uma festa, temos que ir para Goiânia. Morar em capital é muito melhor.” afirma Santiago.
Festa do Divino
No final de semana dos dias 21 a 24 de maio, ocorreu em Jaraguá a Festa do Divino. A comemoração movimentou a cidade e proporcionou eventos como as quermesses organizadas na frente da Igreja Matriz iniciadas após a missa. Essas quermesses já fazem parte do inventário cultural da cidade, pois ocorrem. Luiz Fernando, de 18 anos, diz que depois da novena encerrada às 21h todos vão para as Cavalhadas, um costume dos jovens, pois é a única coisa a fazer. Nessas quermesses, havia barracas de várias comidas típicas. O que se notou, entretanto, foi o despreparo para atender a demanda do público que compareceu ao evento. Pouco tempo após o início das vendas, muitas das comidas ofertadas já estavam esgotadas. Uma das organizadoras, Pauliane Oliveira, alegou: “Todos os anos o público é maior que o esperado, por isso, a comida acaba muito rápido”.
Jovens andam skate na praça do coreto a fim de passar o tempo Revista Já 11
Comunicação
RÁDIOS DOMINAM A COMUNICAÇÃO Leonardo, diretor administrativo da Rádio Cidade, cita as dificuldades que enfrentam Texto Luiz Carlos Júnior Pedro Gabriel Costa Fotografia Paulo Vitor Costa
Três emissoras dividem a audiência da população rural e urbana. Dentre os meios de comunicação, rádio é o que possui maior credibilidade e alcance
Jaraguá é conhecida como a capital das confecções, mas também tem um grande acúmulo populacional no meio rural. Fator esse que contribui para que o rádio seja o principal meio de comunicação utilizado na cidade, seja para ouvir músicas ou notícias. A cidade possui três rádios, sendo duas FM e
Reginaldo, locutor da Rádio Sucesso, em apresentação de programa ao vivo Revista Já 12
Comunicação uma AM, além de dois sites de notícias e dois jornais impressos quinzenais. A rádio AM é a Rádio Cidade de Jaraguá, que é a mais antiga existente. Ela tem como público-alvo pessoas mais velhas e foco na produção de notícias. Ainda assim, possui um programa religioso, um musical e um beneficente. No último, o locutor lê cartas de pessoas que estão com alguma dificuldade e, assim, a população pode ajudar o necessitado. A apuração das notícias acontece por meio de telefonemas e mensagens em grupos do WhatsApp que o repórter participa, além de informações trocadas com a polícia local. A rádio também dá enfoque à política, devido ao fato de pertencer ao deputado Frei Valdair de Jesus (PTB – GO). Segundo o diretor administrativo, Leonardo Vamprio, a principal dificuldade que eles têm é o gasto com a energia, que pode aumentar mais ainda entre o final de 2015 e o começo de 2016, quando vão ter que passar pra frequência FM. A Rádio Sucesso FM é uma filial que tem sua própria programação voltada à Jaraguá e aos 25 municípios do entorno que recebem a transmissão. Ela foi fundada no dia 19 de julho de 2007,
e é composta principalmente por reprodução de músicas. O horário de 11h às 12h é reservado para a transmissão de notícias, que também são apuradas, essencialmente, por telefonemas e conversas de grupos do WhatsApp. Já, das 21h às 00h e de 00h às 6h têm programação das filiais de Goiânia e de Jataí, respectivamente. De acordo com o coordenador geral, Deusdete Júnior, música dá mais retorno financeiro, mesmo que enfrente alguns problemas com direitos autorais. A menos expressiva das três é a Nova Dimensão FM, filiada à Sucesso, não possui espaço físico, tem apenas caráter comunitário e é voltada ao público gospel. Os jornais impressos quinzenais, O Pankadão e O Portal, têm dificuldade de circulação na cidade, visto que são particulares e recebem dinheiro por meio de propagandas presentes no veículo. Vale lembrar ainda que O Portal não é de Jara-
guá, mas chega até a cidade, e que O Pankadão tem mais propagandas do que notícias em si. Já os sites de notícias, o Jaraguá Notícia e a Folha de Jaraguá, têm mais visibilidade e credibilidade, apesar de cada um também ser administrado por um só proprietário, que recebe patrocínios das empresas locais e apoio das rádios. Esse fator é essencial pra manutenção dos sites. De acordo com o diretor da Rádio Cidade, outros sites e jornais impressos quiseram bater de frente com as rádios e acabaram não dando certo. Com quase 42 mil habitantes, Jaraguá tem poucos meios para a população se informar sobre o que está acontecendo na cidade e no entorno, já que quase não se fala sobre a região na televisão e em outros veículos de maior circulação. Existe ainda a grande dificuldade de conseguir contato com os outros meios de comunicação, seja por telefone ou e-mail.
Wellington Marques, diretor e apresentador de jornalismo da Rádio Cidade, trabalha no estúdio durante transmissão Revista Já 13
Política
TODOS OS HOMENS DE JARAGUÁ Texto Kauê Scarim
Fotografia Rodrigo Bousada
Engana-se quem pensa que a pequena cidade não tem seu jogo político, suas próprias lideranças, suas disputas e oposições – e também seus escândalos Remontam à Colônia as disputas entre famílias na política no Brasil – quando, pela distância entre o dia a dia de Portugal os “governos” eram feitos por grandes famílias donas de escravos, muitas vezes levando a sangrentas guerras campais nas praças das cidades. No livro A Capital da Solidão, o jornalista Roberto Pompeu de Toledo conta histórias de São Paulo de Piratininga, nome de fundação da capital paulista, que abrigou, em meados do século XVII, a disputa entre os Pires e os Camargo, acumulando algumas dezenas de mortos. Na década de 1650, a capitania chegou a ficar dividida até a Coroa conseguir um acordo de paz. Hoje a política está menos sangrenta. Mas é só chegar a rincões políticos para perceber que grandes famílias Revista Já 14
estão no centro do debate de cidades menores no Brasil – isso sem contar os Sarneys e Garotinhos para nos provar que clãs familiares ainda resistem mesmo na “grande” política. Em Jaraguá não é diferente: os sobrenomes Freitas e Castro estão presentes em diversos capítulos da história da cidade. As famílias se revezaram no comando da Prefeitura, diretamente ou não, até 1992 – quando a tradição foi quebrada por Nédio Leite, hoje deputado estadual pelo PSDB e vice-presidente da Assembleia Legislativa, que se elegeu como independente e manteve seu grupo na prefeitura até 2004, quando sua esposa perdeu a reeleição. Quem a venceu foi Lineu Olímpio de Souza, do PTB, hoje diretor da Companhia Nacional de Abastecimento
(Conab), órgão do Ministério da Agricultura. Lineu, que ganhou com o apoio dos Freitas, fez em 2012 seu sucessor, Ival Avelar, que ocupa atualmente o Palácio do Sol – pequena construção de alvenaria comum e amarela de dois andares que abriga a Prefeitura. Lineu é homem forte no jogo político de Jaraguá até hoje. Suas credenciais são as de quem teria o controle absoluto da Câmara de Vereadores, movimentando o legislativo de acordo com seus projetos. O caso atual mais emblemático é a mudança da gestão do hospital local para o governo do estado, que a Câmara teria derrubado “a pedido de Lineu”. O centro de saúde atende a toda a região próxima à cidade. A transferência, apoiada pelo prefeito e operacionalizada pelo deputado Nédio
Ival Avelar, prefeito da cidade de Jaraguá, se prepara para a candidatura da sua reeleição
Leite com Marconi Perillo, governador tucano do estado, serviria para tirar a sobrecarga do município. Em entrevista ao jornal Diário do Norte (que, apesar do nome, tem edições apenas semanais e é editado em Goiânia), Lineu chamou a transferência do hospital de “falácia política” e de “irresponsável” a articulação entre Nédio e Ival. Ainda assim, a ruptura no bloco que elegeu a atual administração, composto por 16 siglas partidárias, é vista com incredulidade em Jaraguá. Casado e com dois filhos, aos 58 anos Ival Avelar é um homem corpulento com forte sotaque do interior de Goiás. Nas eleições em que ganhou a prefeitura com 56,40% dos votos, declarou um patrimônio de pouco mais de R$2 milhões, fruto de sua atuação como empresário de confecções. O pleito de 2012 foi a sua primeira disputa eleitoral. Juntando isso e o fato de não ter ligações com as famílias históricas da cidade, é visto como alguém que não carrega a “politicagem” e por isso consegue se relacionar com todos os grupos. Na cavalhada da Festa do Divino de Jaraguá, no camarote das autoridades (um palco simples e sem qualquer controle de entrada), ele faz de tudo: concede entrevistas, comanda a guarda particular contratada pela Prefei-
tura e fala ao fotógrafo como espera que sejam feitos os registros. Só não toma a cerveja que é servida livremente pelo cerimonial. Apesar disso, já tem o cacoete de responder pouco conclusivamente quando é perguntado sobre questões mais complexas do jogo político e é o epicentro das expectativas nessa reta final de definição sobre as próximas eleições.
2016 é agora
Na política, como na guerra, os acordos são feitos com base na pragmática de um objetivo final concreto. Por isso, nenhum dos grupos fala de forma certeira sobre 2016 – mas as articulações estão a todo vapor. Em uma Jaraguá de menos de 50 mil habitantes, a política é feita como numa São Paulo de milhões. A participação ou não de Ival é central para a definição. O prefeito afirma “estar trabalhando o seu nome para a reeleição” e classifica como naturais as especulações sobre o pleito no ano que o antecede. “O ex-prefeito Lineu tem dia que fala que quer, tem dia que fala que não”, afirma. Sobre o racha do grupo, ele desconversa: “se eu for candidato, sei que ele me apoia; se ele for, eu apoio ele. Lá na frente a gente decide”. Sob a sombra de Lineu, as forças se moRevista Já 15
Política
Wagner Camargo, no canto superior esquerdo, presidente do PEN, corta laços com atual gestão e busca seu espaço na política da cidade de Jaraguá. Na inferior direita Hélcio Xuda, político influente de Jaraguá
vimentam. No PSDB, Nédio Leite ou Zilomar, que perdeu contra Ival, são opções. O deputado é considerado forte, mas o fato de ocupar a vice-presidência da Assembleia pode fazê-lo preferir apoiar alguém a queimar o nome. Isso pode abrir espaço para quem tenta se postular como alternativa no cenário. É o caso de Wagner Camargo, o Wagão, empresário do ramo de couro e sapatos que rompeu com o grupo de Lineu e Ival para se tornar presidente do nanico PEN. Com 57 anos, se diz jornalista e recebeu a reportagem em sua luxuosa casa em um condomínio na saída da cidade. Wagão foi candidato a deputado estadual em 2014, sua primeira disputa, em Revista Já 16
uma coligação do “baixo clero” com partidos pequenos. Por conta disso, se credencia como suplente de deputado, apesar de seus 1386 votos o colocarem apenas no 18º lugar da chapa. Com um discurso que mistura apoio ao Regime Militar e à participação social, o ecológico floreia a fala quando diz de sua disposição política de ser, inclusive, presidente da República – se “ele puder e Deus deixar”. Com constantes elogios a Perillo e ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, montou sua tática para 2016 visando o apoio de Nédio Leite. Se posta como um articulador desse bloco, mas espera a decisão do deputado estadual. “Espero que seja eu [o escolhido]”, admite, entre
risadas. É considerado no meio político como uma pessoa “boa e correta”, mas ao mesmo tempo com mania de grandeza. Assim, muitas vezes é tratado como alguém caricato, principalmente por seu pequeno número de votos se comparado aos outros. Wagão admite que suas pernas são pequenas e que um passo possível possa ser, na verdade, a candidatura à Câmara. Para apimentar as disputas, no período recente um grupo considerado radical tomou o controle do PMDB, partido do presidente da Câmara, Hélcio Xuda – político tradicional na cidade e intimamente ligado a Lineu. A atual direção força internamente para o rompimento
Política Everaldo Sebastião, promotor de Justiça da cidade e responsável pelas denúncias contra o ex prefeito, Lineu Olímpio de Souza
com o grupo atual, no que poderia se tornar a verdadeira terceira via em 2016. O vereador, conhecido por não ter papas na língua, ataca o grupo. “Eu espero que os companheiros tenham sensatez. Aqueles que querem o PMDB dividido devem ir para casa e ficar por lá”.
Jaragate
Há um fator a mais que pode influenciar diretamente no resultado do jogo. Se já viraram lugar-comum na política brasileira os grandes escândalos de corrupção, Jaraguá, à sua maneira, também faz parte da roda-viva. Uma denúncia apresentada pelo Ministério Público estadual em 2014 acusa criminalmente o ex-prefeito Lineu e mais 21 pessoas de irregularidades em processos de licitações envolvendo uma cooperativa de transporte que teria sido formada exclusivamente para obter privilégios, de 2009 a 2013, na prestação de serviços à Prefeitura. Os valores totais passam de R$4 milhões, entre o contrato inicial e três termos aditivos feitos posteriormente. O promotor de Justiça da Comarca local, Everaldo Sebastião, responsável pela denúncia, explica que o esquema era baseado em terceirizar a contratação dos carros para o serviço, já que a cooperativa não tinha sequer um veículo. Nesse trâmite, os mediadores chegavam a lucrar 50% em alguns casos, repassando valores menores à empresa que liberava os carros. Mesmo que não se julgue antes de julho de 2016, o meio político teme que o caso possa afetar diretamente Lineu e seu grupo – como no escândalo de Watergate, nos EUA (denunciado em reportagens do Washington
Post que, posteriormente, deram origem ao livro Todos os Homens do Presidente), que derrubou o todo-poderoso presidente Nixon na década de 1970. Bem como no caso norte-americano, é nessas horas que se pode perceber melhor como se movimentam as forças políticas. Se o caso tirar Lineu das articulações, é mais provável que Ival componha com o PSDB para a reeleição ou que os próprios tucanos, vendo a debilidade do grupo, coloquem o time em campo para vencer? E como ficam as terceiras vias, com Wagão e o novo PMDB? A população, enfim, vai guiar o seu voto pelos mandachuvas da política local ou um caso de corrupção pode fazer mudar a lógica? É possível se perguntar se uma dinâmica política tão local, como em Jaraguá, se movimenta realmente com essa complexidade. Se acontece apenas na cidade da região central de Goiás, é difícil saber. Muito provavelmente, não. Mas está claro que as disputas das cidades pequenas de hoje não deixam nada a desejar para as dos tempos das guerras familiares – disso, sim, dá para ter certeza. Revista Já 17
Política
EX-VEREADOR MORRE EM ACIDENTE Texto Ana Rita Martins Fotografia Ana Rita Martins
Corpo e carro foram encontrados em penhasco do Parque Ecológico. Laudos periciais indicam suicídio O ex-vereador Marcos Aurélio Gonçalves de Almeida, 39, foi encontrado morto na manhã do dia 19/09/14. O carro de Marcos caiu de uma altura de 60 metros, na rampa de parapente do Parque Ecológico da Serra de Jaraguá. Os bombeiros recuperaram o corpo por volta das 8h30 da manhã, a 70 metros do carro. Depois de uma difícil investigação da Polícia Civil, a análise dos laudos apontou para o suicídio Foi por volta das 2h da madrugada do dia 18 que um homem foi visto em um posto de gasolina na Praça do Coreto. Um amigo próximo do ex-vereador, Eno Antônio de Moraes Júnior, o viu na noite do acidente. “Eu estive no bar junto com ele durante quinze minutos. Ele estava bem e tranquilo. Tinha planos para se candidatar na próxima eleição. Inclusive, me pediu apoio político. Não acredito que ele tenha cometido suicídio. Foi um acidente”. Revista Já 18
Mesmo após as investigações, as circunstâncias de sua morte ainda são questionadas por conhecidos. A mãe do ex-vereador, Dona Preta, acredita no suicídio: “Ele me ligou de lá da Serra, disse que me amava e me agradeceu pelo que fiz por ele. Senti que era um adeus. Foi a última vez que falei com meu filho”. Ao olhar para a Serra da rua em que Marquinho morava é possível ver um pedaço da lataria do carro. “Se eu tivesse saído de casa na hora que meu filho me ligou, eu teria visto o carro cair”, relata Dona Preta. O acidente provocou repercussão em toda a cidade. A prefeitura de Jaraguá decretou três dias de luto oficial em razão do falecimento de Marcos Aurélio Gonçalves Almeida.
Política
Lembranças: Marcus de Almeida, Dona Preta e familiares posam para foto em reunião de família
Trajetória Política
No ano de 2004, Marcos se elegeu vereador de Jaraguá, com 864 votos, um dos mais votados naquele ano. Já nas eleições de 2008, obteve 657 votos, não conseguiu se reeleger e ficou na segunda suplência. Seis anos mais tarde, no início de 2014, foi convidado para assumir a Diretoria de Esportes Radicais da
Secretaria de Juventude, Esporte e Lazer. O mandato de vereador ocorreu na gestão de 2005 a 2008.
Investigação
A polícia Civil de Jaraguá investiga o caso: “O parecer do perito concluiu a auto eliminação, isto é, suicídio”, conta a escrivã Mônica. O relatório de alcoolemia, feito
em Goiânia, ainda não chegou na unidade da polícia de Jaraguá e por isso não é possível dizer o nível de álcool no sangue da vítima. O laudo técnico descarta a hipótese de uma terceira pessoa no local, bem como a de sequestro, já que nada foi roubado. As autoridades afirmam que o resgate foi imediato e o veículo teve perda total. Revista Já 19
Segurança
UM CRIME QUE ABALOU A CIDADE Texto Marcus Barbosa Fotografia Thayssa Souza
O assassinato cruel de uma jovem de 16 anos trouxe uma sensação de medo e insegurança que se espalhou por Jaraguá
“A população de Jaraguá está assustada!” É dessa maneira que Igor Camargo Teodoro, 25, define a sensação dos moradores da pequena cidade no interior goiano. Ele se refere a um caso especial: o assassinato cruel de sua irmã mais nova, Shayda Munielly Camargo de Oliveira Maia, 16, que estava grávida de 7 meses, pelo ex-namorado e pai da criança, também menor de idade. Shayda era conhecida por boa parte da cidade e cultivava muitas amizades em Jaraguá. Dona Divina Dias, vizinha de sua família há 20 anos, tinha muito carinho pela menina que viu nascer e crescer. “Ela era meiga,
Revista Já 20
Segurança carismática. Todo mundo gostava dela por aqui” afirma a vizinha . No entanto, a jovem tinha motivos de sobra para se preocupar com a sua segurança e a da criança que esperava.
Uma relação conturbada
Assim como a maioria das jovens de sua faixa etária, Shayda começou a namorar um rapaz da sua mesma idade por volta dos 14. Esse namoro, a princípio, não era visto com bons olhos por sua família. “No início eu não aceitei o namoro, não queria mesmo”, afirma Dona Seir Camargo, mãe de Shayda. “Mas ela acabava se encontrando escondida com ele. Decidi então que era melhor namorar sob minha supervisão, por isso permiti que eles tivessem esse relacionamento”, acrescenta ela. No começo o namoro dos dois era tranquilo e afetuoso, mas com o passar do tempo o cenário se alterou. De acordo com Letícia
Silva, uma das melhores amigas de Shayda, “aos poucos, ele foi se tornando bastante agressivo, de várias formas ”. As brigas se tornaram constantes e a partir daí surgiram as primeiras agressões. Segundo algumas testemunhas, durante um evento de motocross local o jovem bebeu demais, se desentendeu com Sayda e chegou a dar -lhe um tapa no rosto. Mesmo assim, ela manteve toda essa situação escondida de sua família. “Eu sei que ele a ameaçava, mas quem me contava essas coisas eram as amigas dela porque minha filha não se abria, não comentava nada desse tipo comigo”, afirma Dona Seir. Quando a jovem descobriu que estava grávida os dois já haviam terminado o namoro. Foi aí que o ex-namorado passou a apresentar um comportamento contraditório. A princípio para família de Shayda ele assumiu a criança e se mostrou pronto para dividir essa responsabilidade. Entre os amigos o jovem afirmava não ser o pai e que não assumiria a criança.
Caminho percorrido pelo assassino Revista Já 21
Segurança Crime arquitetado
Na quarta-feira, 1 de abril de 2015, Shayda estava pronta para cumprir mais um dia de rotina quando um telefonema mudou completamente seus planos. “Naquele dia, ela fez o almoço e logo em seguida limpou toda a casa, depois se arrumou e me disse que ia à casa de uma amiga” diz dona Seir. O ex-namorado havia ligado e marcou um encontro num local deserto. Quando notou a demora da filha, Dona Seir foi até a casa da amiga e não encontrou ninguém. No dia seguinte, Shayda ainda não havia aparecido. Logo depois, uma ocorrência foi feita e as buscas começaram. O assassino, de maneira fria, prestou ajuda à família durante as buscas, embora tivesse mostrado certa indiferença quando foi avisado do desaparecimento da vítima. No fim da quinta-feira, 2 de abril, dois presidiários fugitivos da Penitenciária de
Jaraguá se esconderam na Serra e lá encontraram um corpo. No dia seguinte, quando fugiam para Itaguarú, cidade vizinha, foram recapturados pela polícia e por fim contaram o que viram. No Sábado de manhã o corpo de bombeiros, com o auxílio dos detentos, conseguiu encontrar, identificar e retirar o corpo de Shayda de um local de difícil acesso , dentro do Parque da Serra do Jaraguá. Para a família, o menor contou com ajuda de terceiros na execução do crime. “Sozinho ele não teria conseguido fazer o que fez. A forma como o corpo foi encontrado,de barriga para cima, mostra que ele teve ajuda de alguém. Se ela tivesse despencado da suposta altura que caiu, seu corpo teria se despedaçado, e não foi o que aconteceu. Quando encontrada, ela parecia ter sido colocada lá”, afirma Igor Teodoro. Para reforçar essa suspeita, alguns indícios levam ao irmão mais velho do menor. O telefonema que Shayda recebeu veio do celular dele, que sumiu desde a confissão do assassino. O Promotor de Justiça da cidade , Everaldo Sebastião, não descarta totalmente essa versão,mas não a confirma. “Tudo o que nós temos de concreto, até então, aponta de que a versão dele é a verdadeira, no sentido que ele tenha participado sozinho em todo o crime” afirma Everaldo. No dia 28 de abril de 2015, o assassino foi condenado à pena máxima para menores homicidas: três anos de internação.
O Impacto na cidade
Desde o assassinato, Jaraguá não é a mesma. “Tudo o que aconteceu me perturbou muito. Nossa cidade tem se mostrado muito violenta, quem acaba vivendo preso é o cidadão de bem”, afirma Heloísa Dias, moradora do A amiga da vítima, Letícia Silva Revista Já 22
Segurança bairro Jardim Atlântico. “O que acontece já não me espanta. Toda hora passa gente subindo para essa Serra e a gente nunca sabe o que acontece lá, tento apenas proteger minha família”, diz Célia Conceição, moradora de uma área de acesso ao parque. Áquila Priscila, irmã de Shayda, confessa estar assustada com tudo o que aconteceu. “Hoje eu não saio mais como antigamente. Depois da morte da minha irmã, eu me tranco em casa, passo dias e noites sem nem mesmo sair daqui. Jaraguá não tem segurança, por isso, me guardo em minha residência” admite ela. No dia em que o menor confessou o assassinato, uma multidão furiosa se concentrou na parte de fora do Fórum. A família da vítima também estava presente. “Minha vontade era de fazer justiça com as próprias mãos, minha vontade e do povo. Mas, por respeito aos profissionais que trabalham ali, muitos deles meus amigos e da minha família, nós não invadimos o local”, diz Igor Teodoro.
Segundo o delegado Marco Antônio Maia, responsável pela investigação do caso, o assassino “desconfiava não ser o pai da criança e não suportava comentários de que havia sido traído. Por isso, ele a matou”. No entanto, Dona Seir afirma que nunca precisou de nenhum apoio do menor. “Nós não dependíamos dele para nada. Minha filha nunca ligou para ele chantageando com a gravidez ou algo do tipo. Eu inclusive lhe disse que se ele achava que não era o pai, nem o sobrenome dele nós íamos querer”. Para a família de Shayda o momento agora é de superar o que aconteceu, tentar reconstruir a vida, e se concentrar nas boas lembranças que ‘Muni’ — como era carinhosamente chamada — deixou. Entretanto, o sentimento de dor e indignação é inevitável, especialmente em relação à condenação do assassino. “Para nós, o tempo em que ele ficará preso não apaga o que aconteceu, mas saber que ele ficará lá por tão pouco tempo dói, porque isso não é nada em comparação ao sofrimento pelo qual estamos passando”, afirma Priscila.
A dúvida de como ocorreu o assassinato transparece nas falas do irmão da vítima, Igor Teodoro. Revista Já 23
Segurança
NÃO HÁ
VAGAS Texto João Vitor Galvão Luisa Lopes Fotografia Neila Almeida
A Unidade Prisional de Jaraguá está em condições precárias. A cadeia, que deveria abrigar no máximo 74 presos, tem hoje 184 detentos misturados em todos os regimes
Oito fossas correm a céu aberto perto de paredes de cimento. Mais ao fundo, perto de um depósito mal arejado, alguns homens trabalham na solda de uma das portas do presídio, perto de sacos de cimento empilhados no depósito. O diretor que acompanha a nossa visita nos informa que “todos são presos”. “Alguns 213, outros 157 e até 121”. Assim, informalmente, ele se refere aos artigos pelos quais os internos foram condenados – respectivamente: estupro, roubo e homicídio. O agente Thiago Navarro é o diretor da Revista Já 24
unidade e circula entre os detentos com a segurança de quem conhece de perto essa realidade. Ele conta que essa é a primeira reforma de verdade que o presídio tem nos últimos dez anos e ela só foi possível graças aos esforços conjuntos da comunidade, do poder judiciário, da promotoria e também dos presos, a mão de obra da construção dos “puxadinhos” que amenizam um pouco os efeitos da superlotação. Com ferramentas conseguidas através de campanhas de arrecadação junto ao conselho comunitário e usando ci-
Segurança mento que foi dado no lugar de bolsa-alimentação pelos Juizados Especiais, eles trabalham também para diminuir o tempo de prisão. Cada três dias de trabalho reduzem em um dia a pena a ser cumprida. Os poucos funcionários da Unidade Prisional nos mostraram a realidade do sistema carcerário brasileiro: agentes mal equipados, mal treinados e muitas vezes desmotivados tendo que cuidar de um verdadeiro barril de pólvora prestes a explodir. “Isso é uma realidade da segurança pública do país”, diz o diretor. “Não é diferente conosco, não é diferente com a PM, Rodoviária, Polícia Civil... Somos todos defasados em material humano”. São ao todo 14 agentes que se dividem em turnos para manter o local sob vigia. Segundo dados do IBGE, a cidade de Jaraguá tem cerca de 42 mil habitantes, mas sua Unidade Prisional abriga 184 detentos. Isso ocorre por dois motivos: a Unidade
Prisional de Jaraguá tem que abrigar presos da Comarca de Jaraguá, que inclui também os municípios de Jesúpolis e São Francisco de Goiás; e porque Jaraguá localiza-se no encontro de duas rodovias, a BR-153 e a BR-070, que são rotas frequentemente usadas no tráfico de drogas. A maioria dos detentos está presa pelo tráfico em flagrante, durante vistorias nas estradas e está esperando pelo julgamento. Existem casos de presos que esperam até oito meses cumprindo pena provisória em Jaraguá.
Um problema nacional
Atualmente o Brasil possui o terceiro maior sistema carcerário do mundo, em termos de quantidade absoluta. Dados recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estimam uma população carcerária de cerca de 560 mil no Brasil, o que representa 0,36% da população. No número absoluto de pessoas presas o Brasil ocupa o quarto lugar
Nessa área da Unidade Prisional circulam servidores internos e também presos, sempre vigiados Revista Já 25
Segurança
O promotor Everaldo Sebastião de Sousa: cooperação entre os poderes pode solucionar a situação em Jaraguá
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do mundo, perdendo apenas para Rússia, China e EUA. Jaraguá não destoa dessa realidade. O promotor de justiça da 2ª Promotoria, Everaldo Sebastião de Sousa, relata que o Centro de Inserção Social de Jaraguá foi construído na década de 40, com celas escuras e insalubres. Foram realizadas pequenas reformas que aumentaram a capacidade para a atual, de 74 detentos. Hoje a cadeia abriga 184 detentos, sendo 105 provisórios e os demais cumprindo penas nos regimes aberto, semiaberto e fechado. Existem também
mulheres presas na unidade, todas por envolvimento no tráfico de drogas. Para abrigá-las foi necessário que fossem separadas dos detentos do sexo masculino. A superlotação cria um ambiente insalubre e inapropriado para a reinserção na sociedade e motiva as fugas, que são outro problema sério da Unidade Prisional. O ministério público do Estado de Goiás noticiou que somente em 2014 foram registradas 12 fugas. Em abril de 2015 aconteceram mais dez. Nessa última fuga os presos escaparam serrando
Segurança uma grade sem serem vistos pois só havia um agente vigiando toda a unidade. As medidas de reinserção, até o ano passado, eram muitas. Seu objetivo era capacitar os presos através do trabalho e elas incluíam artesanato, com material trazido pelos parentes dos presos, e costura. Com a recente troca de gestão quase todas tiveram que ser temporariamente suspensas, já que a entrada do material necessário para execução dos trabalhos era usada também para o contrabando. Com a nova gestão, só existem planos para a retomada de atividades como a catação de linhas de calças defeituosas enviadas ao presídio. “As calças nós conseguimos revistar, vamos ter total segurança e os presos vão conseguir o trabalho para a redução de suas penas”, explica Navarro.
O trabalho também reduz a pena. Para cada três dias trabalhados, cumpre-se um dia a menos
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Segurança O futuro incerto
Há uma década começou a construção de uma nova Unidade Prisional em Jaraguá. Construída num ponto mais afastado da cidade, a nova cadeia seria capaz de abrigar presos e ajudaria a amenizar o problema da superlotação. A obra foi embargada por estar sendo executada dentro de uma área de proteção ambiental, no Parque Ecológico da Serra de Jaraguá.
Missa é ministrada na cadeia. A recuperação espiritual pode ajudar na reinserção Revista Já 28
A ideia era transferir os presos em regime fechado para a nova construção, que seria mais moderna e segura, e deixar apenas os presos provisórios na unidade que já existe. Mas para que esses planos saiam do papel, ainda é necessário que as obras sejam reiniciadas, esforço que está sendo feito em conjunto pelos envolvidos, tanto o Ministério Público quanto a direção da atual cadeia. O promotor Everaldo afirmou que o ministé-
Segurança rio Público está agindo para liberar a obra novamente, pedindo uma nova avaliação do local. Thiago Navarro afirma que o problema dos presos em regime semiaberto seria mitigado com a chegada de tornozeleiras eletrônicas, que deveriam ser fornecidas pelo governo estadual. Essa medida já seria bastante útil para a Unidade Prisional, que não precisaria mais abrigar esses prisioneiros
durante os fins de semana e também ajudaria a polícia a recapturar os foragidos. O diretor está otimista “Sozinho eu não consigo, eu dependo desde meu servidor mais simples ao governador do estado, mas juntos acredito que nós vamos conseguir”. A situação atual em Jaraguá ainda é grave. No dia que nossa equipe deixou a cidade mais oito detentos fugiram da cadeia. Apenas quatro foram recapturados.
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Meio Ambiente
MANANCIAIS EM PERIGO Texto Marina Torres Fotografia Emília Felix
A poluição e as práticas danosas ao meio ambiente já foram malefícios exclusivos das grandes cidades. Hoje Jaraguá também sofre as consequências da degradação dos espaços naturais, causada por empresas envolvidas com confecções Revista Já 30
Meio Ambiente Além das irregularidades nas lavanderias, a região ainda apresenta acúmulo de entulho próximo às casas dos moradores.
Conhecida como a capital têxtil de Goiás, Jaraguá conta com cerca de 600 confecções, que produzem mais de 1 milhão de peças por mês. As empresas demandam das lavanderias o serviço de lavagem e coloração dos itens, processos que geram resíduos químicos prejudiciais ao meio ambiente, como o metassilicato de sódio, o peróxido de hidrogênio, a soda cáustica líquida e o sabão. Segundo o promotor de Justiça Everaldo Sebastião de Sousa, muitas organizações descartam a água e os produtos utilizados em nascentes e córregos, sem tratamento adequado. O Ministério Público (MP) de Jaraguá investiga as lavanderias da cidade há 20 anos, desde a instalação dos estabelecimentos em área imprópria, próxima à Nascente do Cór-
rego Mojolinho. Com o início das atividades, o MP e a Secretaria do Meio Ambiente constataram que as empresas descartavam efluentes sem o devido tratamento nos leitos dos mananciais. Em 2013, com o agravamento da situação, o MP determinou o fechamento de 31 lavanderias com situação irregular no município. Poucas semanas depois, munida de poder político e desvios legais, a Associação das Lavanderias de Jaraguá (ALJAR) conseguiu reabrir os estabelecimentos. Os proprietários firmaram um acordo com a Justiça e se dispuseram a conseguir as licenças ambientais em até um ano. Ainda assim, segundo o MP, muitos empresários não investiram em técnicos ambientais e não regularizaram a situação no prazo estabelecido. No início de 2015, o Promotor Everaldo determinou uma nova vistoria em 23 lavanderias. Deparado com um cenário de poucas melhorias, abriu uma ação criminal contra 15 organizações e pediu o fechamento e a prisão dos proprietários. Só depois do processo, as lavanderias suspeitas arcaram com os custos da perícia, que deve ser realizada durante o segundo semestre de 2015 e vai determinar as medidas ambientais que devem ser cumpridas pelos empresários. A construção de estações de tratamento adequadas para o descarte de resíduos das lavanderias tem um custo estimado entre 400 e 500 mil reais para cada empresa. A solução é simples e viável, mas muitos proprietários ainda preferem investir em manobras jurídicas e recursos protelatórios, e manter a poluição. “Como eles tem um poder econômico grande, sempre conseguem fugir dos processos e liminares. Se eles pegassem o dinheiro que gastam com advogados e investissem no tratamento, o problema já teria sido resolvido”, declara Everaldo. Revista Já 31
Meio Ambiente
Um bom exemplo Para não colaborar com a degradação, algumas lavanderias investiram em sistemas de tratamento próprios antes mesmo das ações da Promotoria. A Tok Final Lavanderia está em situação regular desde 2011, quando Cristiano de Camargo, proprietário, investiu cerca de R$ 400 mil para construir estação que retira todos os resíduos químicos da água antes de despejá-la nas mananciais. Os proprietários das lavanderias Modelo, Friper e Jump também se regularizaram há quatro anos e têm uma estação funcional e eficiente. Para Fernando Morais, gerente da Lavanderia Modelo, instituir um processo de tratamento dos efluentes é caro e trabalhoso, mas necessário: “as lavanderias que não tem centros de tratamento estão prejudicando muito a natureza e a população de Jaraguá. Agora, já que não se preocupam com os danos que causam, estão sofrendo as consequências legais e vão ser fechadas”.
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Secretário do Meio Ambiente, Jovânio da Silva, fala sobre a situação do Córrego Mojolinho
Meio Ambiente
Poluição
Jovânio da Silva. A meta da Estudo realizado pelo MP Secretaria é encerrar a poluimostra que três rios da região ção no local e investir na recuestão poluídos: Rio Pari, Rio peração das áreas degradadas, das Almas e Córrego Monjoli- processo com custo estimado nho. A nascente do Córrego é de 10 milhões de reais. um dos pontos mais comproSegundo o Promotor Evemetidos: “Já está praticamente raldo Sebastião de Sousa, os seca, com cor escura e forte resíduos são provenientes da odor. Também não existem estação de tratamento de um mais peixes.”, afirma o Se- grupo de lavanderias, que cretário do Meio Ambiente, não realiza o processo correto
de descarte. Ele aponta que a transferência do parque industrial para outra localidade deve ser sugerida pelo relatório dos técnicos ambientais: “Não há dúvidas que cerca de dez lavanderias vão precisar ser retiradas do local da nascente. Elas estão poluindo o meio ambiente, têm um sistema de tratamento que não funciona e estão destruindo o rio”. Revista Já 33
BENDITA RENDA CIDADÃ
Renda cidadã
Texto Naiara Albuquerque Fotografia Maciel Neves
Os programas sociais são uma das ferramentas para reduzir a desigualdade social no Brasil, ainda exorbitante. Em âmbito estadual, o Renda Cidadã é um projeto de cidadania desde o seu nome, mas revela dificuldades para além da situação dos beneficiários.
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Renda cidadã Jaraguá é uma das cidades goianas que desenvolvem o programa estadual, que presta assistência financeira a pessoas que não recebem o Bolsa Família, do governo federal, voltado para indivíduos em situação de pobreza e extrema pobreza em todo o país. Atualmente, 190 famílias no município recebem o Renda Cidadã, menos da metade de três anos atrás, quando o número de famílias beneficiadas chegava a 400. Para participar do programa, a renda per capita mensal do beneficiário deve ser de até 150 reais, limitada a uma renda familiar de 797,50 reais. Desde 2012, quem coordena o projeto em Jaraguá é Benedita de Fátima Carlos Pereira. A principal razão da redução do número de beneficiários, segundo ela, foi o aumento na rigidez dos critérios de supervisão do Renda Cidadã. Foi cortada a assistência àqueles que recebiam, simultaneamente, auxílio de qualquer outro programa de transferência de renda, seja municipal, estadual ou federal. A renda distribuída pelo programa varia
de 80 a 110 reais mensais, de acordo com a dependência médica do beneficiário. Benedita explica que o dinheiro recebido é um complemento financeiro muito importante, destinado exclusivamente à saúde e à educação, sendo imprescindível a prestação de contas das famílias ao governo. “As pessoas costumam dizer que esse dinheiro é pouco, que não dá pra nada. Mas, para muitos, esse dinheiro é tudo”, afirma a coordenadora. A previsão é que a rigidez dos critérios de adesão aumente daqui para frente, bem como o número de beneficiários, através da rotatividade. Um novo modelo para o programa está sendo discutido; e sugere que uma família possa receber o benefício por, no máximo, dois anos. Benedita concorda com o projeto e afirma que, durante o período proposto, uma mudança social considerável pode ser alcançada. “Tem gente que chega a receber o Renda por até 9 anos, impedindo que outros tenham a mesma oportunidade de mudar de vida. A intenção do programa não é sustentar ninguém, mas dar
Pré-requisitos • Tempo de residência: Comprovar residência de, no mínimo, três anos ininterruptos no estado. • Inscrição e frequência: É condição de permanência no programa a apresentação de inscrição e atestado de frequência do beneficiário, ou de um dos membros do grupo familiar em idade produtiva, nos cursos profissionalizantes e/ou de qualificação profissional ofertados pelo poder público, durante o período de concessão do benefício. • Reavaliação da condição socioeconômica: As famílias que integram o Grupo I são reavaliadas a cada 24 meses para confirmação da sua condição socioeconômica exigida por esta lei para gozo do benefício. • Laudo médico: No caso de Grupo Familiar integrante do Grupo I, deve ser apresentado, no ato da inscrição, laudo médico que comprove a incidência de qualquer uma das situações arroladas.
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Renda cidadã Mesmo com a precariedade enfrentada, Benedita Fátima Carlos Pereira, coordenadora do programa estadual Renda Cidadã, em Jaraguá de Goiás, trabalha para que o projeto possa continuar
A quem se destina Famílias de baixa renda, cadastradas pelo próprio Governo de Goiás, conforme a Lei Estadual nº 16.831/2009, não beneficiárias do Programa Bolsa Família.
Grupo 1
Grupo 2
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Grupo familiar composto por membros de idade igual ou superior a 65 anos; ou grupo com, pelo menos, um membro portador de deficiência permanente e incapacitante total ou parcial, doença que impossibilite, comprovadamente, a realização de atividade laboral, hemofilia, epilepsia, doença renal crônica, HIV, fibrose cística, anemia falciforme ou neoplasia maligna. Constituído por famílias de baixa renda em situação de risco social.
Renda cidadã
o suporte para que os necessitados alcancem uma condição melhor”. O acesso a informações sobre o Renda Cidadã é bastante limitado. Muitos moradores procuram o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) para tirar dúvidas sobre o programa estadual, principalmente, referentes ao recadastramento. A unidade, porém, só é responsável por assuntos pertinentes ao Bolsa Família. Qualquer atendimento sobre o Renda Cidadã acontece na Universidade Estadual de Goiás (UEG), na Unidade Universitária de Jaraguá. O espaço foi cedido pela prefeitura local já que não há na cidade um espaço físico próprio para a coordenação do projeto. A dificuldade de deslocamento é um dos problemas estruturais que Benedita enfrenta no trabalho. Ela conta que o governo não disponibiliza veículo nem cobre os custos para as visitas de verificação que tem de fazer periodicamente para acompanhar a evolução da família beneficiada ou para comprovar a necessidade do recebimento
da bolsa. A coordenadora acaba pagando com seu próprio dinheiro pelas viagens profissionais. Por telefone, uma funcionária da Secretaria de Cidadania e Trabalho confirmou que o governo não repassa verba aos municípios para cobrir gastos que os coordenadores têm com o funcionamento do Renda Cidadã. Benedita participa de outro projeto social, a Associação dos Vicentinos, que arrecada dinheiro vendendo bolos e pastéis e faz doação de cestas básicas para famílias carentes de Jaraguá. “Gostaria de cursar Serviço Social”. Ela não nega a vontade de aprender mais sobre o que pratica todos os dias. Segundo o dicionário de nomes próprios, Benedita significa “bendito”, “abençoado”, “louvado”. É a variante feminina de Benedito, tem origem no latim Benedictus, derivado de benedico, que quer dizer “falar bem de alguém”, no sentido de pedir a proteção divina a favor de alguém. Revista Já 37
Cultura & Turismo
Entre o Profano e o Sagrado
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Festa do Divino
Texto Thayssa Souza Lucas Viana Fotografia João Vitor Galvão Luisa Bretas Luisa Lopes Luiz Carlos Marina Torres Naiara Albuquerque Neila Almeida Colaboração Joana Albuquerque
Desde o período medieval até os dias de hoje, a tradição que homenageia o Espírito Santo é uma das marcas da pacata cidade. Movidas pela fé ou pela diversão, mais de 50 mil pessoas se reúnem no evento
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Festa do Divino
Jaraguá, 23 de maio de 2015, 15 horas. O silêncio típico de uma cidadezinha do interior com pouco mais de 50 mil habitantes é tomado pelo barulho de apitos tocados a todo instante por meninos vestidos com macacão florido e fantasiados com máscaras das mais diversas formas. Eles anunciam que algo diferente começaria a movimentar a cidade. É a Festa do Divino, evento religioso e folclórico, que atrai mais de 50 mil pessoas. “Participam dos festejos, filhos da cidade que não moram mais, toda a população da Zona urbana e rural, prefeitos da região, deputados Estaduais e Federais, secretarias do Estado e governadores”, afirma a secretaria de Cultura Maria Maura. A Festa do Divino surgiu ainda no período medieval. D. Isabel de Aragão instituiu a festa como forma de agradecimento às graças concedidas pelo Espírito Santo. Essa manifestação dos tempos de reis e rainhas permanece até hoje. Agora, a figura principal passa a ser o imperador. Ele é o responsável por percorrer o município por um ano, a fim de arrecadar doações dos moradores. Essa manifestação de fé não se revela apenas na colaboração para a promoção da festa, mas também nas novenas que estavam acontecendo desde 15 de maio. Cristiano de Araújo, o pároco da igreja matriz da cidade, fala com orgulho da fé dos jaraguenses. “A diferença entre Jaraguá e as outras cidades que possuem Festa do Divino é que entre nós existe comunhão”, ressalta Araújo.
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Entre os desfiles na cidade, os Mascarados se divertem com o público
Desfile dos “Carros de Boi”
O bloco “Catuapé Cacuncunda” anima o desfile. da Festa do Divino
Festa do Divino Cavalhadas: tradição e fé
No sábado, 23 de maio, os primeiros visitantes começaram a chegar montados em cavalos. Até bois eram utilizados como transporte. Quem estava a pé não abandonou a tradição sertaneja. Eles vestiam chapéus, cintos com fivelas e botas. O som da música tradicional guiava os visitantes até o Clube das Cavalhadas. Lá, todos esperavam o início de um dos eventos mais importantes da festa: as cavalhadas. A luta histórica entre mouros e católicos no tempo das cruzadas é representada pelos cavaleiros. De um lado, 12 homens vestem
vermelho, do outro, azul. Eles carregam espadas e lanças monstados em seus cavalos. Ao compasso da canção, os exércitos rivais atravessam o campo até conseguir vencer o inimigo. No dia seguinte, o público aguarda a conclusão da batalha. O final todos já conhecem: os católicos com vestes azuis conseguem converter os mouros vestidos de vermelho. A encenação das batalhas prende a atenção de frequentadores como Roque Ferreira, que acompanha o evento desde 1973. “Eu não me sinto como morador da cidade se não acompanhar os festejos do Divino”, orgulha-se Ferreira ao falar das cavalhadas.
Voluntários desfilam na parada da Festa do Divino
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Festa do Divino Participantes das Cavalhadas se preparam para o evento
Bandeiras que representam as três festas celebradas. De vermelho, a Festa do Divino; em rosa, a de Nossa Senhora do Rosário e em azul, a de São Benedito
O desfile da Rainha
No primeiro dia dos festejos, a Avenida Coronel Tubertino Rios, a principal da cidade, começou a ser fechada pela Polícia Militar a partir do início da tarde. Como no período medieval, os moradores ficam na porta de suas casas à espera da entrada da Rainha, que é a representação da Virgem Maria. Ela guia o desfile até a igreja matriz Nossa Senhora da Penha. Além dela, outras figuras reais participam da festa, como o rei e a rainha do Rosário. O Imperador também esteve presente. A manifestação folclórica reuniu diferentes tradições culturais. Os carros de bois lembravam os costumes rurais de transportar os alimentos em veículos rústicos puxados por animais. Outras cidades também ganharam espaço. Catalão, a 355 km de Jaraguá, veio representada pelo grupo Catupé Azul Revista Já 42
que participou pela primeira vez da festa. Os hábitos jaraguenses foram representados pelas danças coreografadas por alunos de colégios da região. Eles dançavam ao ritmo das bandas da base aérea, do corpo de bombeiro, do exército, da polícia militar, além dos grupos Lira Jaraguense e Santa Cecília. A capoeira, tradição nordestina, esteve presente através da organização “Senzala Livre”, que já existe há 25 anos. As apresentações chegaram ao fim já perto do cair da noite. Naquele dia, o alaranjado do pôr do sol ganhou o vermelho e o azul das roupas utilizadas pelos cavaleiros. Eles, junto com os visitantes montados em seus cavalos, fecharam mais um desfile. Já à noite, a festa chegou ao fim com uma bela queima de fogos. Eles trouxeram a certeza de que o domingo, último dia de festa, começaria com ainda mais alegria.
Festa do Divino Tradição Bicentenária
Pirenópolis (GO), Paraty (RJ), Planaltina (DF) também recebem a Festa do Divino. Os festejos que ocorrem em todas as regiões do país foi introduzida no Brasil pelos colonizadores no século XVII. Desde então tem Jaraguá como um de seus palcos. Realizada no dia de Pentecostes, homenageia a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Devido a suas enormes proporções, envolve não somente a comunidade, mas também, as igrejas da cidade e a prefeitura local. Faz parte deste cortejo as Cavalhadas, uma representação ao embate entre mouros e árabes muçulmanos, que invadiram a Península Ibérica em 711. “O ensaio das cavalhadas só inicia quando começa a novena do Divino Espírito Santo
A capela de N. Senhora do Rosário enfeitada para a festa Revista Já 43
Festa do Divino aqui na cidade. Existe uma hierarquia e os reis continuam mantendo essa tradição, é a coisa mais linda do mundo. Existe hierarquia para tudo. Quando estamos em um almoço ou jantar, existe uma fila: primeiro é o Rei, segundo o Embaixador, cada um tem o seu lugar” explica André Henrique Santana, cavaleiro Mouro. O cavaleiro descreve ainda a sensação de participar há 12 anos das Cavalhadas e o orgulho que tem de ser cavaleiro do Divino Espírito Santo. “A cavalhada de Jaraguá possui uma ligação profunda com a Igreja Católica. Não existe festa do Divino sem as Cavalhadas e não existe Cavalhadas sem a festa do Divino. Fazer parte disso é um motivo de muito orgulho para quem ama essa tradição e é devoto do Divino Espírito Santo. Só quem é cavaleiro da Cavalhada pode sentir.”
Família participa do desfile de carros de boi Revista Já 44
População Atuante
Paralelo à festa do Divino, acontece também a da Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito. No decorrer delas há uma grande diversidade de causos, contos e superstições que mantêm as conversas entre população e turistas. É uma ocasião de unidade entre a população, todos envolvidos em uma só causa, difundir a cultura local. O evento é composto por uma série de apresentações que se dividem em várias partes da cidade. É de responsabilidade da igreja e da prefeitura a organização das festas. Tudo que a prefeitura fizer, será através da secretaria de Cultura, que tem por incumbência divulgar, ornamentar as ruas e as barracas com auxílio da Fundação Grace Machado, além de estruturar as cavalhadas e as bandas da cidade: Santa Cecília e Lírio da Prata.
Festa do Divino A agente da Pastoral de Comunicação de Jaraguá, Ana Carolina Del Guerra Silva Balestra, fez parte da organização da festa. Como contribuinte, ela trabalhou nas barracas de comida típica e nos leilões, que faziam parte do cronograma do evento. Ana afirma que o mais impressionante dessa edição da festa foi o crescimento no número de devotos que compareceram em relação aos outros anos: “Em todos os dias a igreja esteve lotada. Salta aos olhos de qualquer padre ou visitante, que aqui venha celebrar, a fé do povo jaraguense.”, relata. Nascida em Campos Belos - Goiás, Ana se mudou para Jaraguá há 3 anos. Desde então, acompanha e trabalha nas festas do Divino, Nossa Sra do Rosário e São Benedito. A moça, de apenas
19 anos, tem muito orgulho e considera uma realização pessoal poder participar de um evento com tamanha grandiosidade: “É um ambiente que contagia pela alegria, pela comunhão e pela fé do povo”. O festejo transcende o âmbito religioso de seus princípios e introduz aspectos profanos e regionais. Além das celebrações religiosas, que ocorrem não somente na paróquia matriz, mas também durante o desfile, estão presentes as expressões agrárias com suas coreografias, ritmos e canções. Apesar desta dualidade, ambas possuem uma característica em comum: a preservação dos versos e danças que representam a essência dos aspectos da história do Brasil Colonial, mantendo a tradição viva por diversas gerações.
“A diferença entre Jaraguá e as outras cidades que possuem a Festa do Divino é que entre nós existe comunhão” Cristiano de Araújo, pároco da igreja matriz da cidade
Uma das bandas que animam o desfile. Revista Já 45
Lendas
O lado sombrio das tradições Texto Adriano Lima
Fotografia Adriano Lima
O que se espera de uma cidade do interior são moradores receptivos, bancos de madeira nas calçadas, e é claro, boas histórias. História é algo que tem de sobra. Revista Já 46
São várias as lendas contadas ao longo dos mais de 277 anos de existência. Algumas delas colocaram a cidade entre as mais assombradas do Brasil* *Fonte: Portal Guia
O local é a Rua das Flores, na época, Iraci do Carmo Batista Gomes, ou só Dona Carminha, tinha 22 anos. Hoje tem 67, mas, segundo ela, as lembranças daquele domingo ainda lhe causam calafrios. “Muita gente comentava que aqui na rua, aparecia de vez em quando esse tal cavaleiro. Com cavalo ferrado, espora e tudo”. Carminha, muito religiosa e apegada a Nossa Senhora das Graças, dizia não acreditar em tais aparições e às vezes até se indignava com os outros moradores. “Eita povo sem fé!”, exclamava. Entretanto, enquanto voltava da Igreja Nossa Senhora da Penha após a missa
dominical, sua concepção sobre o Cavaleiro das Flores mudou completamente. Logo ao cruzar a esquina em direção a sua casa, na Rua das Flores, Carminha conta ter sentido algo ruim. “Era como se tivesse alguém me olhando o tempo todo, e a rua estava vazia. Depois da missa, o povo ainda ficava na igreja para rezar o terço da misericórdia ou ia para a praça”. Caminhou mais alguns metros e então começou ouvir galopes que iam ficando cada vez mais fortes. Segundo Iraci, foi naquele momento que se deparou com um homem de chapéu, montado em um cavalo. O cavalo, em marcha, deu
Há muito tempo Carminha não brinca com a “sabedoria dos antigos”, como ele chama os relatos passados de geração em geração
Lendas
várias voltas ao seu redor. Ela, incólume, afirma não ter conseguido nem gritar. “Era um cheiro de estrume com incenso. Ele ficou me rodeando, deu umas cinco voltas, mas não falou nada”. Segundo Carminha, aquela aparição era, com certeza, o tal cavaleiro descrito pelas lendas. Ela contou a sua experiência para todos, o seu antigo ceticismo conferiu a sua história certa credibilidade. “A Carminha não botava fé nem nos remédios de raiz que nossa mãe fazia, quanto mais nas histórias do povo mais antigo. Se ela diz que viu, eu não duvido”, é o que conta Luzia Batista Gomes, de 61 anos. Para Lu-
Muitas casas na Rua das Flores concorrem ao título de “ex-casa do Cavaleiro das Flores” Revista Já 47
Lendas CAVALEIRO DAS FLORES
Um cavaleiro que vaga pela Rua das Flores durante as noites. Dizem que a sua maldição se deu por tamanho ódio sentido ao ver sua mulher com outro homem. São vários os relatos de suas aparições. Mais frequentes ainda são os barulhos feitos pelo lento e marchado galopar de seu cavalo. Muitos moradores indicaram algumas casas como sendo a possível residência do tal homem traído. Por outro lado, os atuais residentes negam a afirmação.
TEREZA BICUDA
A história mais famosa de Jaraguá. Uma aberração social. De família consideravelmente rica, vivia embriagada e batia muito em sua mãe. Apesar de viver em um meio religioso, sempre que podia, evitava passar em frente a uma igreja. Inclusive trabalhava no domingo em forma de protesto contra os costumes eclesiais. Após ser enterrada em uma igreja, gritou por três dias até sair de seu túmulo. Assombrou os moradores por muito tempo, até que os homens mais corajosos de Jaraguá a pegaram e enterraram novamente. Dessa vez, em um lugar pedregoso no pé de uma cruz conhecida como “Cruz das Almas”. Desde então, não se ouvem mais seus gritos, apenas as histórias.
PROCISSÃO DOS MORTOS
Uma dita mulher fofoqueira, que ficava horas na janela espiando a vida de seus vizinhos para ter mote para as conversas. Certa noite se deparou com uma estranha procissão. E o estranho, é que ela não reconheceu ninguém que ali estava, mesmo sendo Jaraguá uma cidade pequena e ela conhecendo quase todos os moradores. Uma das mulheres que estava na caminhada lhe entregou uma vela, que na verdade era um osso de defunto. Na noite seguinte a mulher continuou a observar pela janela até que a mesma procissão aparece. (evite a repetição do “que”) “Cuide da sua vida. Pare de espiar a vida alheia pela janela, isso ainda a levará para o inferno”, advertiu a caminhante.
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Lendas zia, a aparição que sua irmã presenciou foi uma resposta às chacotas de Carminha sobre quem temia os casos de assombração. O professor e também presidente do Centro de Cultura de Jaraguá, João Luiz das Graças Soares, sorri ao ouvir a gravação do relato de Carminha mas endossa: “Esse cavaleiro não é de poucos dias. Dizem que era um morador da zona rural e que sua esposa vivia na Rua das Flores. Desconfiado, vez ou outra ele aparecia de surpresa para conferir se ela se encontrava dormindo”, explica João Luiz. Entretanto, para ele, esta não é a lenda mais contada e temida em Jaraguá. “Já ouviu falar da Tereza Bicuda?”, pergunta o professor em tom de mistério. Esta lenda envolve uma das construções mais antigas e tradicionais da cidade: a igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Conhecida como “Igreja dos Pretos”, foi construída pelos escravos pois estes não podiam frequentar a Igreja Nossa Senhora da Penha. Muitos moradores conhecem a história de Tereza, a cruel moça que maltratava tanto a mãe chegando a montá-la como se fosse um cavalo. Com arreio e espora, até chicote usou em sua genitora. Como afirma o professor João Luiz e vários moradores da Rua das Flores, Tereza foi enterrada dentro da igreja do Rosário, e passava a noite inteira gritando. “Minha avó e todos que moravam em nossa casa ouviram o grito da Bicuda. Diziam que parecia miado de gato morrendo”, afirma Jilvan César, morador e zelador da igreja do Rosário. Depois de três dias de gritos, Tereza saiu de seu túmulo gritando desesperadamente. Os moradores da zona rural também contam os seus relatos, segundo eles, não são lendas contadas para crianças que os assustam. E sim “assombrações de verdade, espíritos negativos”, como define Nivaldo Felix, ex morador da Vila São José.
Félix relata que alugou uma casa naquele setor, local que antigamente era um centro espírita e ficou no imóvel por apenas 7 dias, pois não suportava mais os barulhos sinistros que aconteciam à noite. Ele diz que ao apagar as luzes faziam barulhos parecidos com o atrito de duas bolas plásticas rígidas, o barulho era assustador e após ele verificar por várias vezes a possibilidade de serem ratos ou morcegos, chegou à conclusão que o fenômeno era paranormal. Não contendo mais o medo, certa noite ele saiu com o colchão de espuma debaixo do braço e foi dormir na casa do vizinho.“Tudo era assustador, não parecia com um barulho comum, nada era normal, no outro dia mudei de lá”, recorda.
Igreja do Rosário. Capela construída por escravos e primeiro cativeiro do corpo de Tereza Bicuda
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Música
Muito mais que uma banda
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Música Texto Luisa Bretas Maria Luiza Diniz Fotografia Júlia Sá
A Corporação da Banda Santa Cecília é orgulho para os moradores. Considerada patrimônio da cidade, ela não forma apenas músicos, como também auxilia jovens a formarem seu caráter e a serem disciplinados pelo comprometimento com a música.
Até 1981 não havia nenhuma mulher na banda. Hoje, o número de meninas cresce cada dia mais em Jaraguá Revista Já 51
Música A Corporação e relação com a prefeitura
A Corporação Banda Santa Cecília, além da música, ensina aos alunos disciplina. Há uma preocupação social presente na organização. O maestro José Joaquim do Nascimento, conhecido por sua firmeza e comportamento, foi convidado a participar da corporação para ajudar jovens indisciplinados e envolvidos com álcool. Ele é conhecido por sua firmeza e por sua cobrança de comportamento. Para se tornar um integrante da banda, não basta apenas saber tocar. É necessário comprometimento com as aulas, presença nos dias de ensaio e respeito aos outros participantes. O trabalho social tem sido muito bem-sucedido, o comportamento dos jovens mudou. O envolvimento deles com a banda é gratificante tanto para os integrantes e familiares como para a comunidade. José Joaquim continua comandando a orquestra.
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A Banda Santa Cecília conta com 30 membros oficiais. Por ser patrimônio da cidade, recebe ajuda da prefeitura. O prefeito, Ival Danilo Avelar, afirma não haver uma verba fixa designada à banda, porém ela é auxiliada em suas necessidades. Ano passado, a sede passou por uma reforma completa. Foi melhorado o espaço do local e também as condições do prédio. Os salários do maestro e dos professores também são pagos pela prefeitura. Segundo Avelar, há um forte incentivo à produção musical em Jaraguá. Existem duas bandas na cidade: a Banda Santa Cecília e a Banda Lyra. Além das duplas sertanejas, como Israel & Rodolffo e Pedro e Eduardo. Avelar afirma que incentiva os músicos convidando-os a tocarem em eventos da cidade. A Banda Santa Cecília tocou nas Cavalhadas e Pedro e Eduardo tocaram à noite na Festa do Divino.
Atualmente, a Corporação Musical Santa Cecília tem alunos que diversas faixas etárias
Música Maestro José, disciplina e compromisso No ano de 1980, prefeito de Jaraguá, Tubertino Bráulio de Freitas, fez um pedido direto a José Joaquim do Nascimento, até então maestro de uma banda em Pirinópolis, para que tomasse a frente da principal banda da cidade, a Banda Santa Cecília. Aos 34 anos, o maestro José não viu muito interesse em aceitar o pedido do prefeito. A Banda Santa Cecília era conhecida à época por possuir músicos que enfrentavam problemas com bebidas alcoólicas e, por isso, não contava boa fama na cidade de Jaraguá e em suas redondezas. A imagem da banda era tão negativa que a entrada de membros do sexo feminino era vetada, para a própria segurança das meninas e mulheres. A falta de compromisso e a ausência de dedicação faziam parte da rotina da banda. Após um ano de insistência, por influência de seu irmão, que era morador de Jaraguá, José Joaquim cedeu aos pedidos do prefeito e assumiu a
liderança da Banda Santa Cecília, em 1981. O maestro recebeu o aviso de que os piores elementos de Jaraguá se encontravam na Santa Cecília, por isso recebeu carta branca a fim de fazer o necessário para reestruturar a Banda. Hoje, o maestro José Joaquim do Nascimento, aos 82 anos, possui 48 deles em contato com a música, sendo 34 desses dedicados à Corporação Musical Santa Cecília. Ao longo desse período, José Joaquim trabalhou na disciplina dos músicos e inseriu profissionais do sexo feminino à banda, promovendo o acesso à música para todos. Além de maestro, José trabalha para ser um exemplo para os membros da banda e para os alunos da Corporação. Ele também é quem escolhe os instrumentos que mais condizem com os novos alunos. O maestro afirma saber, apenas ao ver o perfil, com qual instrumento o estudante terá mais afinidade . Revista Já 53
Parapente
nos céus da serra Texto Emília Felix Lucas Santos Fotografia Giovanna Maria João Vitor Galvão
Ao chegarem à rampa, as pessoas que vão saltar abrem seu equipamento e arrumam as cordas
O voo livre é o cartão-postal de Jaraguá. A cidade é ponto turístico para os amantes do esporte que vem de diversos pontos do país para saltarem na rampa do Parque da Serra. A vista lá do alto é única, as antenas de telefonia ficam pequenas diante da junção da cidade bicentenária de céu azulado. Na Revista Já 54
opinião dos pilotos, a rampa para o voo livre não é a melhor porque deixa a desejar em infraestrutura, há rampas no país que possuem banheiros e restaurantes, o que não se vê na singela rampa da cidade. Ainda assim, atrai pessoas de várias partes do Brasil e do mundo.
Parapente Privilegiada por sua serra, o município foge do comum e tem o voo livre como principal esporte. As condições climáticas e de relevo atraem pilotos de diversas partes do país e do mundo, que investem tempo e dedicação buscando distâncias cada vez maiores
Localizada no recém-criado Parque Ecológico da Serra de Jaraguá, a rampa é de difícil acesso. Apesar da estrada começar próxima à cidade, a subida é complicada, apenas caminhonetes e carros 4x4 conseguem percorrer o trajeto. O Secretário de Agricultura e Meio Ambiente de Jaraguá, Jovânio da
Silva, esteve presente na reunião promovida pela Associação Goiases Parapente Clube – entidade que representa os pilotos de Jaraguá, no dia 22 de maio. Ele prometeu reparos da estrada em dois dias úteis. A estrutura dos campeonatos e o resgate dos pilotos após o salto foram os pontos mais discutidos. Revista Já 55
Parapente
Para Vanderley Faquinha, tesoureiro da associação, a rampa de Jaraguá é uma das melhores do Brasil porque a serra é perto da cidade, o que atrai mais turistas
Campeonato
Durante o mês de julho, a Associação realiza o campeonato local no estilo Cross Country. Em 2015 ocorrerá a 7ª edição da competição, com duração de 15 dias. A data do evento se deve às boas condições para voo e ao aniversário da cidade. Segundo dados da associação, mais de 300 pilotos se inscrevem para competir. Segundo piloto jaraguense de grande destaque na cidade Vanderley Fagundes, conhecido como
Vanderley “Faquinha”, a Serra possui um dos melhores lugares no Brasil para o salto. Para ele, a região também é privilegiada por conta do clima, que se torna mais favorável para o esporte a partir do mês de julho. Faquinha acrescenta que o parapente se tornou algo efetivo em Jaraguá há seis anos. O esporte tem estrutura para ser levado à frente graças ao apoio da Goiases, representante dos pilotos. Ela ajuda a organizar e a regular a prática do esporte na cidade. A organização também possui filiados de outros estados, que não encontram em seus municípios uma associação de peso para dar assistência ao esporte. Segundo a Vice-presidente da Associação, Lyne Sussuarana, conhecida como Sussuarana do Cerrado, a boa condição climática e as térmicas, massas de ar que estabelecem condições favoráveis ao voo, são os principais atrativos da rampa da cidade, além de permitir um bom voo cross. “Aqui piloto experiente voa 50km, 100km. Em
Lyne Sussuarana mora em Goiânia, onde trabalha como química ambiental. “No meu serviço as pessoas acham que eu sou maluca. Para eles, Deus deu asas para os pássaros e não para os humanos”, disse. Ela é a vice-presidente da Associação Goiases Parapente Clube e contou um pouco da situação das mulheres que praticam voo livre. Disse que elas são apenas 5% do universo de pilotos e que a intimidação por parte dos homens realmente acontece. Reforçou que isso prejudica as mulheres, que nem todo dia se sentem dispostas para voar. Lyne já presenciou episódios delicados por causa da pressão dos homens e afirma que não é uma coisa legal, porque, se a mulher não se sente à vontade para voar em dado momento, é melhor não ir, até para evitar que aconteça algum acidente. Revista Já 56
Parapente outros estados não consegue”, acrescentou. Lyne foi a única mulher a saltar no penúltimo fim de semana de maio. Ela destaca que recebe auxilio da maioria dos pilotos na hora do salto, mas alguns tem preconceito e querem intimidar as mulheres que voam. Disse ainda que em momentos como esse, prefere não voar, porque não quer simplesmente “saltar obrigada para agradar ninguém”.
Conflito na serra
A Serra de Jaraguá é um parque estadual desde 1998. A partir de 2012, a área foi delimitada e tornou-se Área Protegida. Entretanto, o local é de posse de fazendeiros locais e não do Estado, o que impede que seja feita qualquer benfeitoria pela prefeitura. O superintendente de Proteção Ambiental e Unidades de Conservação do Estado de Goiás, José Leopoldo de Castro, diz que, com a desapropriação da área, o estado de Goiás vai ter autoridade para atuar na região. Ele reiterou o seu apoio à prática de esportes na região do parque, desde que não tragam impactos ecológicos. José Leopoldo contou que foi realizado um levantamento fundiário na área. A superintendência possui hoje cerca de oitenta milhões de reais em caixa, obtidos por meio de compensação ambiental e destinado ao pagamento dos fazendeiros. Contudo, o superintendente afirmou que ainda não existe data para o pagamento.
drinho”, foi o último presidente da Goiases. Ele afirma que as instituições nacionais são responsáveis pelas normas de regulamentação do esporte no Brasil. As regras são passadas para os demais clubes e gestores. Para que os pilotos recebam a habilitação que autoriza o voo em qualquer rampa do Brasil, sua associação deve ser filiada às nacionais. O treinamento de novos pilotos dura entre 60 e 90 dias, com aulas teóricas e práticas. A ambientação do piloto com os equipamentos, com a rampa, os procedimentos de segurança e com as condições climáticas são essenciais para que não ocorram acidentes. Atualmente Sandrinho é o único instrutor habilitado que reside em Jaraguá. Ele obteve recentemente o certificado da ABP para treinar novos pilotos.
Órgãos e normas
O salto individual de parapente só pode ser realizado após certificação da Associação Brasileira de Parapente (ABP). Goiás possui três associações ligadas à ABP. A Goiases Parapente Clube é uma delas e possui mais de 100 associados, alguns de outros estados da federação. Alessandro Alves, conhecido como “San-
José Leopoldo Ribeiro, superintendente de proteção ambiental e unidades de conservação, ressaltou que o Parapente não traz nenhum prejuízo à natureza, diferente do MotoCross, que também é praticado na serra. Revista Já 57
Cachoeira
tesouro esquecido
Texto Agatha Gonzaga
O Poção no Parque Ecológico da Serra é uma opção de lazer pouco valorizada
Marina Machado Fotografia Bernardo Costa
Além de se destacar pelas práticas esportivas, a reserva natural possui um atrativo pouco lembrado pela população e autoridades. A criação do Parque Ecológico pouco ajudou para a preservação do local Revista Já 58
Cachoeira
O Parque Ecológico da Serra do Jaraguá, criado e delimitado por decreto em abril de 2012, tem sido palco de diversas atividades esportivas antes mesmo de sua criação. O Parque, entretanto, esconde uma riqueza natural não é tão explorada quanto o esporte. Há sete anos como presidente do Conselho de Cultura de Jaraguá, João Luís Soares das Graças, relata que o Poção da Serra é uma área formada por nascentes que, unidas, se tornam uma pequena queda d’agua, formando um poço de aproximadamente 50m² e 2m de profundidade. O local é ideal para banho e mergulho. Localizado a cerca de 5 quilômetros do centro da cidade, a área é de difícil acesso. O trajeto é realizado de carro por uma estrada até um ponto onde só é possível seguir andando. A trilha é composta por pedras e raízes. O mototaxista, Dinga, alerta que, por não haver placas indicativas a possibilidade-
de visitantes se perderem na serra é muito grande, em virtude dos caminhos íngremes e com muitas pedras soltas. O Morador sugere que a visitação no parque seja feita com alguém que conheça o local. João Luís também denunciou a falta de compromisso dos órgãos responsáveis pela promoção de atividades de lazer e turismo, como as secretarias de Agricultura e Meio Ambiente e de Cultura do município. Segundo ele, a secretaria de Agricultura e Meio Ambiente, ao contrário do que foi informado pelo secretário municipal, Jovânio da Silva, não controla a entrada e saída de pessoas, do que é retirado e nem realiza qualquer fiscalização para manutenção da biodiversidade do local. Em dias de realização de campeonatos o acesso também não é controlado. O motorista, José Camilo, que levou nossa equipe ao Poção, afirmou que a maioria das pessoas não frequenta o lugar, e os que frequentam acabam poluindo-o com resíduos lá deixados. João Luis informa que existe a ação autônoma de alguns cidadãos preocupados com a preservação da área e formam com ele grupos que se deslocam para a limpeza. O Conselheiro ressalta que muito da Serra já foi devastado. Além da degradação física devido a retirada de pedras com fins comerciais, a biodiversidade do local foi severamente atacada e a flora original que existia na Serra já não se vê mais. Como defensor da Serra do Jaraguá, João critica o descaso com as leis de proteção ao meio ambiente, tanto pela Prefeitura quanto pelo Governo Federal e faz um apelo para que estes orgãos se mobilizem para a causa. Revista Já 59
Foto: Fernanda Bastos
Economia
Jaraguá é considerada o pólo de confecções do estado de Goiás por possuir diversas fábricas, lojas e grandes feiras de moda, sendo o jeans seu principal produto. Esse, todavia, tem seu potencial de lucro subaproveitado graças à não utilização da ferrovia de Jaraguá, que poderia ajudar facilitando a distribuição de produtos têxteis produzidos na cidade para as outras regiões do estado, não fossem os altos custos envolvidos e a demora na conclusão da ferrovia Norte e Sul. A economia jaraguense é também fortemente calcada na produção agrícola de abacaxi, banana e abóbora, e a cidade tem em
Aulas de costura que transformam não só os alunos, mas também todo o município Revista Já 60
Economia
Foto: Fernanda Bastos
seu domínio uma das maiores empresas de laticínios do estado. Apesar da diversidade presente nos setores comerciais locais, o município apresenta uma situação notável de irregularidade nos direitos trabalhistas em seus estabelecimentos e fábricas, chegando a empregar menores de idade, por exemplo. A cidade possui por fim uma variedade de cursos profissionalizantes, como o recém-inaugurado curso de Design de Moda, da UEG (Universidade Estadual de Goiás), que se fez necessário devido à alta demanda. No entanto, a pirataria está presente em muitas das confecções ameaça o comércio local.
Local de roupas bonitas e baratas, Feira de Compras de Jaraguá atrai revendedores Revista Já 61
Ferrovia GO 080 GO 427
Trajeto da Ferrovia
BR 153
Rodovias Rio das Almas
BR 070
BR 070
Desvio de Cruzamento
Aqui um trem pode parar para que outro trem, seguindo em sentido contrário, passe.
Encontro com a BR 070
A BR 070 teve que sofrer um desvio por um trecho não asfaltado para a finalização das obras da ferrovia. No futuro a ferrovia passará por baixo da rodovia.
NOS TRILHOS DO PROGRESSO Texto Leilane Gama Fotografia Carolina Zampiron Ilustração João Vitor Galvão
Em agosto, os primeiros vagões com cargas comerciais da Ferrovia Norte e Sul começam a passar por Jaraguá, que fica entre os pátios de carga das cidades de Anápolis e Uruaçu. Iniciado em 2008, o trecho de 280 quilômetros finalmente está sendo concluído com testes com locomotivas. Em Jaraguá há desvio de cruzamento de Revista Já 62
A cidade ganhou mais visibilidade por ser ponto de passagem e descarregamento de grãos
Ferrovia trilhos e estrutura para, posteriormente, integrar-se nos serviços de carregamento de descarregamento dos produtos. Inicialmente as cargas da cidade serão embarcadas e desembarcadas em Uruaçu. Uma inovação nas obras em Jaraguá é o caminhão rodoferroviário, da empresa ELACAUD, que pode andar tanto na estrada na ferrovia, ajuda a jogar as sementes nas regiões próxima aos trilhos, para recompor a vegetação original da região e fez as canaletas para o escoamento de água, cumprindo as exigências ambientais da VALEC, a empresa estatal responsável pela construção de toda a ferrovia. Segundo o dono da empresa Edvaldo Dias, 38, a
máquina que se encontra em Jaraguá, é uma das únicas em operação no Brasil. As obras da ferrovia criaram empregos temporários na região. Segundo Edvaldo, em 2014 haviam cerca de 1.500 homens trabalhando ao longo do trecho Uruaçu-Anápolis, número reduzido para cerca de 200 pessoas devido a conclusão da obra. Os operários reclamam de “complicações” nos últimos pagamentos, que, segundo o empresário, decorreram de repasses atrasados pela VALEC. Há pouco envolvimento da população de Jaraguá com as obras da ferrovia, embora haja a expectativa de que o novo meio de transporte trará benefícios para a cidade.
O projeto original da Norte e Sul permitirá a ligação do estado do Pará a portos do Sul e Sudeste do País, passando por Tocantins, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Paraná. O radialista Marcelo Amaral relembra que, desde o começo, a população criou expectativas: “é uma obra muito importante para o escoamento de mercadorias via ferrovia, que é um transporte rápido, prático e barato, e para desafogar a nossa BR-153, que infelizmente ainda não foi duplicada, ficando com uma trafegabilidade muito intensa”. Esta rodovia é a chamada rodovia Belém-Brasília. Para Marcelo, todos ficarão ainda mais felizes quando a ferrovia estiver funcionando “à todo vapor”.
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Ferrovia O escritor João Luiz acredita que a ferrovia poderá tornar a cidade mais conhecida e desenvolvida e que a ferrovia será tão importante quanto a BR 153, que tirou a cidade do anonimato. Ele é membro da Associação de Proteção ao Patrimônio e lembra do primeiro grupo de estudiosos que veio para a região, aproximadamente em 2006, com o intuito de analisar a terra e fazer a primeiras negociações para a construção do trecho ferroviário. A estudante Francine Chagas, 16, lembra que o pólo de confecções é o que gera
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a maioria dos empregos na cidade e acredita que a ferrovia pode ajudar na criação de novos empregos. Em Jaraguá, a BR 153 é importante via para a escoamento da produção de grãos da região e possui grande tráfego de caminhões, assim como o alto índice de acidentes. Além da 153, a BR 070 poderia diminuir o fluxo de transporte pelas demais vias que chegam à cidade, favorecendo a chegada de cargas à ferrovia. No momento a BR 070, que liga Brasília a Cuiabá, possui vários trechos sem asfalto e pontes não constru-
ídas próximo a Jaraguá. Há, por exemplo, projeto de um viaduto sobre a ferrovia, que não saiu do papel e os veículos precisam passar sobre os trilhos. Como os moradores não estão acostumados com a movimentação de máquinas, segundo Edivaldo, a maioria dos motoristas não se atenta à sinalização “pare, olhe e escute”, e fazem a travessia sem hesitar. A BR 070 já faz parte da história de Jaraguá. O escritor João Luiz, 65 anos, afirma: “A Brasília-Cuiabá eu conheço desde que nasci e nunca foi concluída.”
Ferrovia ele relata que a rodovia passou por terrenos de parentes seus da região de Pirenópolis e está asfaltada de Mato Grosso até a BR 153 em Jaraguá, mas não foi concluída no trecho que chega a Brasília. A grande expectativa dos produtores, porém, é quanto ao transporte ferroviário, mais barato e capaz de carregar o equivalente a três carretas em apenas um vagão. A ferrovia Norte e Sul começou a ser desenvolvida no governo do Presidente José Sarney (1985/1990) e quase esteve parada por aproximadamente 19 anos. O projeto
foi retomado no segundo mandato do governo Lula, mas chegou a ser interrompido por determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), devido à diversas irregularidades. Em maio de 2013 foi inaugurado o trecho de 854 quilômetros, de Palmas, no Tocantins, a Anapólis, Goiás, com a presença da presidente Dilma Rousseff e do ministro dos transportes, César Borges. Após um ano, ainda não começaram os serviços de carga comercial. No início de junho de 2015, o Ministério dos Transportes anunciou a pri-
vatização de rodovias que passam por Goiás (BR-364 e BR-060) e do trecho da ferrovia Norte e Sul, entre Palmas e Anápolis. Estão previstos investimento de R$ 198,4 bilhões, segundo o Governo, para concluir a ferrovia na região Norte, finalizar o trecho Sul e melhorar as rodovias que já fazem parte do escoamento de produtos goianos.
A implementação ferroviária além de gerar empregos, não prejudicou o meio ambiente
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Pólo de Confecções
DO CAMPO AO JEANS Texto Brenda Faria Fernanda Bastos Fotografia Marcelo Tobias Milena Marra
Às margens da BR, a prefeitura investe na divulgação da principal atividade econômica da cidade
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Pólo de Confecções A partir da década de 1970 a indústria das confecções começa a se desenvolver na cidade. Impulsionada pela dificuldade em conseguir artigos de moda de outras regiões do país. A posição estratégica do estado, que se localiza no caminho entre as regiões Norte e Nordeste e a cidade de São Paulo, propiciou a expansão da atividade. O alfaiate Ildevan Pereira da Silva , falecido em 2008, foi pioneiro no ramo. Da alfaiataria em 1971 à primeira indústria de confecção em 1977, superou as dificuldades com o árduo trabalho de seus funcionários. Ao perceber a necessidade de inovações do mercado, adquiriu a primeira máquina de bordado computadorizada de Jaraguá, em um dos primeiros lotes de máquinas vindas diretamente do Japão para o Brasil Na década de 1980, ocorre a primeira expansão de confecção para lavanderia no estado de Goiás. Os avanços não pararam.
Nelson Capitão, presidente da ACIJ, afirma que a cidade tem potencial para crescer cada vez mais neste ramo
A “Capital das Confecções”, inovou com a criação de um dos primeiros centros tecnológicos do Brasil, o Centro Tecnológico Municipal de Jaraguá (CETEMJ). Localizado às margens da BR 153, foi inaugurado em 2008 com o objetivo de atender a toda a região do arranjo produtivo de confecções, que compreende também as cidades de Goianésia, Itaguaru e Uruana. O nome do centro é uma homenagem, feita pelo prefeito prefeito na época da inauguração Lineu Olimpío de Souza, ao pioneiro Ildevan da Silva. A agência SE-
BRAE da região conta com o apoio da Prefeitura Municipal, que fornece o espaço, bem como toda manutenção da estrutura física do CETEMJ. No ano de 1977, houve a fundação da Associação Comercial e Industrial de Jaraguá, ACIJ. A associação que representa comerciantes e trabalhadores industriais, também é responsável por promover a valorização dos produtos e serviços oferecidos. Apesar dos problemas enfrentados pela economia da cidade, como as facções e a pirataria, os lojistas deixam claro que não falta trabalho Revista Já 67
Pólo de Confecções para os moradores. A principal reclamação dos comerciantes é a concorrência com os produtos pirateados, que devido o baixo custo causam redução de suas vendas. Nelson Capitão, presidente da ACIJ, revela a falta de investimentos da prefeitura no meio como outra complicação. Os lojistas tentam se adaptar a esse quadro investindo em modelos e publicidade diferenciados. Atualmente, o município possui dois grandes mercados na mesma região, a Feira de Compras e a Feira de Modas, que recebem sacoleiros de todo o país. Os feirantes relatam que antigamente os dois centro de vendas ficavam situados próximo ao centro da cidade, após a percepção de que a maioria dos compradores vinha de outros municípios, houve o deslocamento desses pólos para as margens da rodovia que dá acesso
No galpão da fábrica de jeans Mahallo, são produzidas 1500 calças diariamente. Nela, trabalham mais de 200 pessoas, entre a produção e distribuição das peças Revista Já 68
ao município, gerando maior visibilidade e mais lucro para os lojistas. Outra medida da prefeitura, para a valorização da região , foi o pedido feito ao governo de Goiás para a implementação de sinalizações durante o percurso da rodovia. As placas possuem a distância da cidade a partir daquele ponto e também a seguinte descrição: Pólo de Confecção Jaraguá, colocando em evidência a principal atividade econômica do município. A cidade se tornou referência no estado de Goiás e no Brasil pela produção do jeans. Atrai pessoas de diferentes regiões do país como mão-de-obra, consumidores ou revendedores. A produção local deve ser valorizada para que a diversidade de produtos e a indústria continuem a crescer durante o ano de 2015.
Pólo de Confecções João, que não informou seu sobrenome ou idade, é responsável por costurar os moldes que servirão como base para novos modelos de calças. “Quando eu comecei a fazer, eu errava bastante, mas agora eu faço de olhos fechados!”, acrescentou o jovem
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Pólo de Confecções
PIRATARIA NA INDÚSTRIA E NO COMÉRCIO Texto Gabrielle Freire Hugo Evaristo Fotografia Thaís Rosa
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As confecções não se limitam à moda regional. A cidade conhecida como capital das confecções vai além das tendências goianas e visa grandes marcas nacionais e internacionais. Em muitas confecções, é possível encontrar réplicas de grifes por um preço bem abaixo do mercado, as cópias muito similares atraem grande parte dos compradores.
Pólo de Confecções Maria Goretti, 50, é moradora de Goiânia e sempre que pode vai à cidade para comprar as réplicas com baixo custo. “Acho ótimo vir aqui, sempre encontro roupas de marca com qualidade e bom preço. Sempre recebo encomendas de calça jeans para meus vizinhos e familiares”, disse ela.
Fiscalização
Apesar das frequentes operações da polícia civil de apreensão de mercadorias falsificadas, o vereador Hélcio Xuda, 64, defendeu as confecções piratas alegando que a atividade engrandece a economia da cidade.
“Jaraguá se tornou um pólo industrial quando os empresários locais começaram a confeccionar essas roupas, antes a cidade não era reconhecida por suas indústrias”, afirma. Ainda segundo ele, as operações da polícia civil desagradam os empresários, famílias e empregados. “Chegam derrubando portas, desrespeitando famílias com crianças pequenas e trabalhadores”, ressalta o vereador. Contrário à disseminação do comércio ilegal na cidade, o presidente da Associação Comercial e Industrial da cidade, Nelson Rodrigues, 50, declarou que essas atividades não podem ser apoiadas, com elas a cidade fica bagunçada e mal vista. “As pessoas que trabalham com a pirataria não têm compromisso com receita, apresentam cheques sem fundo, mudam de endereço toda a semana, não dá para chamar isso de comércio. Nós, a Câmara de Dirigentes Lojistas e a Secretaria de Indústria e Comércio não apoiamos a ilegalidade. ” relata. O pólo de confecções é a principal fonte econômica da
cidade, e em meio à polêmica das produções de roupas falsificadas, os comerciantes defendem o trabalho árduo que realizam todos os dias e não aceitam que toda produção seja vista como réplica. Luciano Maia, 37, gerente de uma loja no centro da cidade, alerta que Jaraguá está além da ilegalidade sempre falada. “Todo mundo diz que as roupas daqui são falsificadas e isso não é verdade, sabe? Onde eu trabalho tem mais de 10 anos e nós nunca falsificamos nenhuma peça. Há muito potencial para um outro tipo de comércio aqui também. ”, falou. Jaraguá vive um dilema na economia municipal, por um lado cresce com uma atividade paralela e ilegal ou se reprime com o a consequência de gerar menos receita e empregos. Uma complicação de como atingir o progresso econômico sem ferir a legalidade, questões éticas e morais, característica enraizada na tradição da cidade goiana enquanto não resolve por completo o problema que dá fama a cidade conhecida como capital das confecções.
Inúmeras réplicas são confeccionadas em residências adaptadas para as máquinas de costura Revista Já 71
Trabalho
SÓ NÃO TRABALHA QUEM NÃO QUER Texto Thais Rosa Maria Carolina Brito Fotografia Helena Sarmento
As roupas da região são vendidas em vários estados, mas quem vai à cidade pode comprar por 50 reais um jeans que custa mais de 200 em Brasília. Um dos motivos dos baixos preços é também um grande problema: as irregularidades trabalhistas, principalmente trabalho de crianças e adolescentes. Configura-se como trabalho infantil qualquer criança menor de 14 anos que trabalha, ou entre 14 e 16 sem regulamentação como aprendiz. As crianças são expostas a am-
bientes inadequados e muitas vezes saem da escola para trabalhar. A mão-de-obra é utilizada por ser barata e fácil de lidar, além do fato de que trabalhadores ilegais dificilmente denunciam abusos de poder ou recusas de pagamento. A produção têxtil da cidade se divide em dois focos: as confecções nas fábricas e as facções de fundo de quintal. As empresas atuam de forma ilegal em residências com portões de aço e muros altos que escondem oficinas onde trabalhadores de todas as idades fazem acabamentos nas roupas. De acordo com o promotor de justiça Everaldo Sebastião, as facções são contraA vida da maior parte da população da cidade gira em torno das confecções. As pessoas trabalham nas mais diversas etapas de produção: de costura a aplicação de etiquetas
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Trabalho tadas pelas fábricas para realizar acabamentos mais baratos: “Por uma questão econômica, as fábricas estão terceirizando parte da mão de obra. Se fazem uma calça, por exemplo, contratam a aplicação de botões. Essa terceirização é feita na maioria para empresas de fundo de quintal, onde infelizmente há contratação de mão de obra infantil, o que a lei não autoriza”.
O dono de uma fábrica de confecções e atual prefeito de Jaraguá Ival Danilo Avelar assume que o trabalho infantil é um problema na cidade. Acrescenta de maneira superficial quais medidas estão sendo tomadas para combater essa prática: “Na época da minha campanha eu fiz uma pesquisa: de cada 10 casas que você entra, 7 tem roupa. Aí entra o trabalho infantil: é a pessoa catan-
do linha, bordando, pregando botão. Mas é dentro da casa dele, trabalha ali o pai, a mãe, a filha, os netos. Jaraguá hoje depende muito da confecção. Pode ter certeza que a prefeitura deveria ajudar mais, mas não tem como ajudar muito”. Segundo o assessor do prefeito Rarilton Damasceno, a fiscalização não é jurisdição da prefeitura e sim de órgãos do estado, que
Evasão escolar
Um dos problemas do trabalho infantil é a evasão escolar. O promotor Everaldo afirma: “Nas facções, menores de quatorze anos trabalham em uma jornada por produção, quanto mais produzir, mais ele ganha. Logo, acabam sobrecarregando a jornada e isso tira o tempo da escola. Ficam ali 10, 12 horas e a remuneração é muito baixa, é coisa de centavos por botão, por exemplo”. A Secretária de Educação de Jaraguá, Nara Núbia de Cabral Pina, defendeu que esse é um problema sob controle na cidade. “Eu não tenho visto os nossos jovens abandonando muito a escola por trabalho não”, diz Nara. “Se o aluno tem três faltas, temos que procurar sua família, procurar saber o que está acontecendo. “
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Trabalho precisam receber denúncias para entrar em residências com facções escondidas. Assim, com um determinado número de denúncias, são feitas ondas de fiscalização na cidade. O assistente social da Fundação Grace Machado em Jaraguá explica: “Quando há essa onda de fiscalização, eles acabam demitindo, mas depois recontratam”. Além dessa barreira, Everaldo chama a atenção para a estrutura dos órgãos fiscalizadores: “É uma situação preocupante. Nós comunicamos as irregularidades à Superintendência Regional do Trabalho, que sempre fazem fiscalizações, mas a estrutura deles é pequena pra realizar esse atendimento”. O SITI - Sistema de Informações sobre Focos de Trabalho Infantil - indica 67 focos dessa atividade irregular na cidade entre os anos de 2008 a 2015. Pela dificuldade de fiscalização nas facções, o setor têxtil é deixado de la inspeção, liderada por lava-jatos, oficinas e supermercados, categorizados como trabalho perigoso e insalubre. Nesses casos, qualquer um que passar pela rua pode identificar o trabalho infantil, enquanto nas confecções é preciso entrar na fábrica ou na casa com facção para averiguar a irregularidade. Apesar dos inúmeros casos registrados, as autoridades concordam que as confecções são o setor mais problemático quando o assunto é trabalho infantil. Além da falta de denúncias e de estrutura dos órgãos fiscalizadores, o trabalho das crianças e adolescentes conta com mais uma arma a seu favor: o incentivo popular. Marcelo Moreira expõe esse problema na mentalidade da população local: “Há todo um querer da família que o menor trabalhe, de que não fique ocioso e acabe entrando por caminhos errados. A família tem medo da questão das drogas, e prefere que o jovem trabalhe e tenha responsabilidade do que esteja envolvido com essas coisas”. Revista Já 74
Fábricas
Fábricas de médio e grande porte com localizações regulamentadas como local de trabalho Fabricação de roupas em grande quantidade Fiscalizações são feitas com mais facilidade
Menor incidência de trabalho infantil devido a maior quantidade de fiscalizações
Trabalho Fundo de quintal (Facções)
Oficinas escondidas no fundo de quintal de residências Acabamentos como costura de golas e mangas e pregação de botões e etiquetas Fiscalizações são muito difíceis de ser feitas devido a restrições de se inspecionar uma moradia pessoal
Jovem trabalhando, mesmo que fora da lei, é motivo de orgulho na cidade. Tal afirmação foi comprovada quando, ao procurar relatos das pessoas mais variadas nas ruas da cidade, a frase mais escutada foi: “Em Jaraguá, só não trabalha quem não quer!”.
Maior incidência de trabalho infantil devido a menor quantidade de fiscalizações e incentivo da família
Em facção de fundo de quintal, mulher prega botões em bermuda da Nazlei
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Trabalho Visita à fábrica e à facção
Relato de Carol Brito O estilista da fábrica Nazlei, Emerson Borges, explicou as etapas da confecção de roupa, mostrando os moldes criados, trabalhadores carregando e cortando os rolos de tecido e pessoas costurando em frente às máquinas. O trabalhador de uma dessas mesas chamou atenção: jovem de porte miúdo, chamado por seus superiores de “garotinho”. Quando questionado, disse ser maior de idade. Em outro ambiente, mais um jovem é encontrado trabalhando. O gerente de produção, Luciano, informou que com seu emprego na Nazlei o menino sustenta sua família e conseguiu comprar uma moto. A presença dos jovens na fábrica contradiz a fala de uma representante do Sindicato de Costureiros de Jaraguá, que afirmou não ser comum esse tipo de irregularidade em fábricas, apenas em facções. No caminho à facção, que presta serviços de acabamento à Nazlei, Luciano e Emerson informam que lá encontraríamos apenas duas mulheres, pois “as crianças foram liberadas para participar das cavalhadas”, desfiles da Festa do Divino. Do lado de fora, o que denunciava Revista Já 76
que aquela não era uma residência comum era a placa que dizia: “precisa-se de um pregador de etiqueta”. Nos fundos da casa haviam cinco máquinas, onde uma mulher aplicava botões. Emerson contou sobre como o seu sobrinho começou a trabalhar em facções aos 12 anos, e Luciano comentou com orgulho de uma sobrinha que tinha começado a trabalhar com 10.
Na Constituição Federal: Título VIII, “Da ordem social”, Capítulo VII, modificado em 1998 pela Emenda Constitucional n. 20, determina que há“proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos”.
Trabalho
Jaraguá é repleta de fábricas de roupas, onde jovens começam a trabalhar desde cedo carregando e cortando tecido e costurando
Rafael e Leonardo trabalham na fábrica de roupas Nazlei. Rafael (boné vermelho), também chamado de “menininho pelos seus superiores”, defendeu ter 20 anos aos repórteres, apesar de seu pequeno porte
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Agropecuária
A TERRA ESQUECIDA DO LEITE E ABACAXI
Texto Leticia Leal Fotografia Agatha Gonzaga Caroline Zampiron
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A agropecuária em Jaraguá é constituída por pequenos produtores rurais, que habitam as cerca de 1080 micro e pequenas propriedades agrícolas - e 460 grandes (Incra) -, ao longo da extensão de 1888 km² do município. Segundo dados do Incra, seus produtos, como banana e abóbora, abastecem as tradicionais feiras que ocorrem no local. O principal deles, o abacaxi tem sua maior área plantada desta lavoura no estado, com cerca de 1,8 mil hectares. De acordo com o IBGE, média de produtividade é de 25 mil frutos em cada hectare. O plantio na cidade consiste em agricultura de subsistência, em contramão à tendência nacional e mundial do agronegócio. O vereador e secretário de Agricultura, Abastecimento e Meio Ambiente Jovanio da Silva, afirmou que a região “em matéria de agricultura é bem devagar”, e que se sustenta da indústria têxtil e da pecuária. Ele não soube responder quantas seriam as pequenas propriedades rurais no município, afirmando com pouca convicção que seriam cerca de 800.
Agropecuária Segundo Jovanio, existem atualmente diversos projetos em andamento na prefeitura que buscam suprir as demandas da agricultura familiar local. Entre as iniciativas estão a criação de um tanque para peixes, o conserto das estradas e rodovias e o trabalho de conscientização ambiental dos grandes propriprietários, que descartam barris de agrotóxicos nas nascentes, poluindo-as e dificultando o acesso à água limpa aos pequenos produtores. Em visita ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais, órgão que responde pelo pequeno e médio produtor, o líder sindical Wanderley Ribeiro de Sousa afirmou que a realidade agrícola na cidade é de desamparo. Entre as várias denúncias realizadas por ele estão o descaso da prefeitura com a situação, que Wanderley exemplificou com a maneira desleixada com que o ex-prefeito Lineu Olímpio de Souza levou em seu mandato as pautas mais graves dos agricultores; o sucateamento e a péssima condição das vias que ligam o centro urbano às demais regiões e a falta de incentivo e de valorização desse setor, que poderia estar crescendo abundantemente caso houvesse um maior interesse político.
O pequeno produtor e feirante José Divino relatou que outro problema é o redirecionamento das máquinas importadas aos grandes proprietários de terra em detrimento dos que, segundo ele, realmente possuem demanda para o maquinário e legalmente são seus reais beneficiários. José reclama também da dificuldade que enxerga na articulação do sindicato, que fica desmobilizado graças à distância entre as fazendas e o centro. Apenas cerca de 1000 agropecuaristas estão cadastrados no Sindicato, que, em 2011, tentou um plano de ocupação da prefeitura para exercer pressão quanto às obras das estradas. O plano foi rapidamente dissolvido perante promessas do Secretariado da Agricultura; promessas essas até hoje não cumpridas. O caso da Goiamido Agroindústria e Comércio Ltda, uma fecularia inaugurada em janeiro de 2006 por um grupo de holandeses, é uma das maiores provas da situação de abandono em que se encontra a agricultura em Jaraguá. O grupo teria chegado à cidade em dois aviões cheios prometendo a criação de 450 empregos diretos e entre 2 mil e 2,5 mil indiretos. A fecularia declarou falência cerca de dois anos depois da inauguração,
Visita à fazenda produtora de abacaxi Revista Já 79
Agropecuária sem nunca ter pago sua dívida com os cerca de 200 funcionários que trabalharam na lavoura . O caso foi levado a justiça pelos trabalhadores, que tiveram sentença favorável por parte do juíz, mas não receberam o dinheiro,um total de R$ 59.761,87 reais segundo o Diário Oficial. O paradeiro do acusado, o “Ralph”, que segundo Wanderley de Souza, era o “cabeça da coisa toda” é desconhecido, tornando praticamente impossível o ressarcimento. Nem o maquinário de ponta, que foi revendido às pressas pela Goiamido, nem o terreno, que havia sido doado pela prefeitura no ano de 2005, foram entregues como garantia. Quebrando assim uma das cláusulas do contrato. O atual prefeito Ival Avelar determinou que para lá fossem destinados pneus, transformando a antiga fábrica em um depósito, a despeito dos protestos do Sindicato. Outro caso é o da agroindústria que chegou a ser construída ao lado da antiga Goiamido com objetivo de transformar o excedente na produção de abacaxis em polpa, para que as safras
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industriais não fossem desperdiçadas, mas a inauguração que estava marcada para outubro do ano passado ainda não aconteceu. Na ideia original do projeto, a fabricação de polpa de abacaxi abriria portas para o cultivo em grande escala de outras frutas, além de abastecer o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), visando assim uma boa margem de lucro tanto para a corporativa
Agropecuária quanto para o produtor, que seria orientado pessoalmente por um engenheiro agrônomo. Em relação à pecuária, o principal subproduto na região é o leite e seus derivados. A Fleury & Pinto, única indústria de laticínios no município e referência no estado, busca o leite direto com o produtor e no próprio local executa a primeira parte de seu minucioso controle de qualidade, que envolve também
a lavagem dos caminhões antes do descarregamento e diversos testes químicos. Em 25 anos de existência da empresa ela mais que triplicou de tamanho, e está em vias de abrir uma sede em Brasília. Isso apenas reforça a hipótese de que a agropecuária em Jaraguá do Goiás é no fundo uma mina de ouro bruta. O sócio proprietário Arnaldo Fleury afirmou em entrevista que a situação dos agropecuaristas cadastrados é precária, e que a situação caótica das estradas e rodovias muitas vezes impede que os caminhões cheguem a eles para que possam vender seu produto. Além disso, quando o preço decresce no mercado, não há garantia estatal que forneça incentivo algum para os mesmos, levando cada vez mais ao abandono da agropecuária em troca de promessas de uma vida melhor na indústria têxtil – a menina dos olhos do município. E assim caminha a agropecuária em Jaraguá, a passos lentos e debilitados. A população civil não tem um histórico político atuante nas exigências à prefeitura, exceto pelo que ficou conhecida como a “PL do abacaxi”, quando o Sindicato, com apoio do Banco do Brasil e dos estudantes universitários da cidade, entrou na justiça para conseguir equipamentos melhores para o cultivo da fruta. A iniciativa rendeu a eles um caminhão climatizado para transporte de polpa com licitação, mas que acabou tendo seu uso inviabilizado por inadimplência da prefeitura. Assim, havendo verba, o que realmente resta à massa agropecuarista local é conseguir despertar interesse político da população e da administração, antes que a mesma seja engolfada pela consolidada indústria do jeans.
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Educação & Saúde
UM EXEMPLO NAS SALAS DE AULA Texto Fernanda Ferrarezi Karina Ferreira Fotografia Isabella Lima
A cidade é um dos pólos de capacitação do Plano Municipal de Educação do estado de Goiás. Ela se saiu melhor que a média estadual na Prova Brasil, por isso tem a responsabilidade de participar do planejamento de capacitação de 14 cidades da região a que pertence, o Vale do São Patrício A Prova Brasil e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) são avaliações desenvolvidas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC) com o objetivo de avaliar a qualidade do ensino brasileiro de forma padronizada nacionalmente. Os testes são realizados no 5º e 9º anos do ensino fundamental e os estudantes respondem questões de língua portuguesa, com foco em leitura, e matemática e na resolução de problemas, além de um questionário socioeconômico. Há ainda coleta de dados demográficos, perfil profissional e de condições de trabalho, voltado aos professores e diretores. O resultado atingido é medido pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), a partir do qual são definidas ações voltadas ao aprimoramento da qualidade da educação no país e a redução das desigualdades existentes.
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Metas Projetadas Munícipio Ano
Jaraguá
2007
4.4
2009
4.8
2011
5.2
2013
5.4
2015
5.7
2017
6.0
2019
6.2
2021
6.5
Ensino Básico IDEB Observado Ano
2005 2007 2009 2011 2013
Jaraguá
A realidade nas escolas
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Os grandes resultados na educação contrastam com a pequena cidade e o segredo para tanto sucesso pode ser muito simples: capacitação. Atualmente a Secretária de Educação de Jaraguá possui cerca de 310 professores distribuídos em 23 escolas, que atendem aproximadamente 4.721 alunos. No Brasil, a educação básica, que corresponde ao ciclo inicial da criança do jardim de infância ao quinto ano, é de responsabilidade municipal. Os números crescentes da educação básica são um reflexo do esforço coletivo, segundo a Secretária de Educação, Nara Núbia de Cabral Pina, há cinco anos no cargo. Para ela, o diferencial do ensino em Jaraguá é o “investimento em capacitação e interesse dos professores que estão em sala de aula”. A Secretaria vem promovendo nos últimos anos um processo de capacitação continuada envolvendo todos os profissionais da educação, incluindo estudos de textos quinzenais relacionados à educação e pedagogia. O respeito à realidade de cada escola, que permite a escolha de metodologias próprias, é um ponto positivo, ao lado da adoção de técnicas que estimulam também a prática. Além disso, os alunos realizam simulados regularmente e se acostumam gradualmente à cobrança do exame. Para esses profissionais da educação, o maior obstáculo ao aprendizado tem sido as próprias famílias, que se distanciam da escola e delegam a criação completa de seus filhos aos mestres. “Nós ainda temos pro-
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Coordenadoras pedagógicas no Palácio da Educação. Para Nara Núbia (E), o diferencial está na capacitação dos professores
Para Luciana Castro, coordenadora da Secretaria de Educação, participação da família na educação dos filhos é fundamental Revista Já 83
Ensino Básico blemas com pais que não assumem totalmente a vida escolar dos filhos e orientamos: vamos trabalhar independentemente se os pais ajudam ou não”, revela a coordenadora da Secretaria Municipal de Educação Luciana Castro. Apesar dos esforços para integrar as escolas as famílias, os pais só demonstram interesse em participar das festas escolares. Eventos educacionais e culturais raramente contam com a sua colaboração. Segundo Luciana Castro, também é preciso levar em consideração a realidade socioeconômica de cada família. “Muitos pais estão na correria, trabalhando. E há ainda uma geração de analfabetos que sabe a importância da educação, mas não
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como ajudar os seus filhos”. A falta de suporte e valorização do ensino em casa se reflete negativamente no resultado de alguns alunos, que os educadores não podem ajudar sozinhos. Os valores do Ideb revelam que em Jaraguá o índice do 9º ano é inferior ao do 5º ano. Um dos motivos apontados é que muitos alunos começam a trabalhar cedo para ajudar na renda familiar, normalmente no pólo de confecções, e perdem o foco nos estudos. Os que dividem o seu tempo entre a escola e o trabalho têm que lidar com o cansaço em decorrência da dupla jornada. “Tem gente que arrisca tudo ali, se não der certo tem que procurar outra coisa. E procurar serviço sem experiên-
Alunos de Jaraguá praticam simulados da Prova Brasil regularmente para se familiarizar com o exame
Ensino Básico cia e sem um estudo maior, segundo grau e depois disso um ensino superior é muito mais difícil”, explica Zilma Maria da Silva, mãe de alunos em Jaraguá.
Falha na formação
O interesse em capacitar os professores é inegável. A motivação por trás disso, entretanto, revela problemas mais profundos. O município conta com 5 cursos de ensino superior, por isso os jovens saem para municípios próximos para estudarem, e mesmo esses têm formado profissionais abaixo do nível esperado. “As faculdades precisavam melhorar o nível dos cursos, que tem muita teoria e pouca prática”, afirma Maria Lúcia Geremias Rosa Campos, Chefe do Departamento Pedagógico. Ela argumenta também que antes o professor saía do magistério pronto para enfrentar uma sala de aula, o que hoje não ocorre
com a maioria. Ela diz ainda que muito graduados são aprovados no concurso para professor pois têm a base teórica, mas desistem da sala de aula ao constatar que “a realidade é totalmente diferente. É preciso mudar a metodologia dos cursos para professores, porque está falho”, completa.
Desafios para o futuro
Apesar dos obstáculos, a perspectiva é animadora. Jaraguá tem superado expectativas ano após ano na educação. O comprometimento entre os professores e o trabalho da Secretaria de Educação são exemplos para o resto do país. “Nós acreditamos que a educação é a grande transformação do ser humano. Fazemos isso por amor, sabendo que os professores ganham muito pouco. Mas quando fazemos com amor o resultado é muito melhor”, compartilha Nara Núbia.
O Palácio da Educação é responsável por cerca de 310 professores distribuídos em 23 escolas, atendendo aproximadamente 4.721 alunos
Mães de alunos aprovam a Educação no município, mas reclamam do alto nível de evasão
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Ensino Superior
ENSINO SUPERIOR EM EXPANSÃO Texto Maria Flores Marina Torres Fotografia Marina Torres Raphael Felice
Em 2015, cerca de 300 estudantes ingressaram em cursos superiores em Jaraguá. A cidade conta com duas instituições de ensino: a Universidades Estadual de Goiás (UEG), que oferece os cursos de Pedagogia e Ciências Contábeis, e a Faculdade
Gestor Osmar e equipe administrativa da UEG Revista Já 86
Oferta no Ensino Superior aumenta. Ainda assim, muitos jovens saem da cidade a procura de outros cursos particular Facer, com as graduações em Administração e Engenharia Civil. Apesar da ascensão das instituições possibilitar a formação superior para os jovens do município, a oferta de cursos ainda não atende a demanda dos alunos que saem do Ensino
Ensino Superior Médio em Jaraguá ou nas regiões vizinhas. Deparados com esse cenário, as instituições têm tentado expandir sua estrutura e carta dos cursos. Na UEG, a Diretoria do Campus Jaraguá conseguiu a autorização para instaurar o curso de Design de Moda, após sete anos de processos legais junto à Reitoria e ao MEC. Para o Diretor Osmar Domingos de Barros, o curso atende uma demanda urgente da cidade, que é um dos maiores pólos de confecção do Brasil e não tinha nenhuma formação associada à atividade econômica: “Esse curso de design de moda era uma coisa que faltava aqui”, relata. Quarenta estudantes integram a turma de Design de Moda. A Universidade tem um quadro de professores contratados para a nova graduação e está em processo para construir laboratórios específicos, como o de corte e costura. Enquanto a obra é concluída, a Prefeitura Municipal de Jaraguá disponibiliza salas para aulas práticas no Centro Tecnológico Municipal de Jaraguá (CETEMJ), equipado com máquinas e instrumentos de assistência no ramo das confecções.
Marcos Terra Iacolevo, diretor da Faculdade Facer Unidade Jaraguá
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Ensino Superior Em fevereiro deste ano, a Facer iniciou obras para ampliar a estrutura de seu campus. O novo bloco vai abrigar mais salas, e também laboratórios específicos para as turmas de Engenharia Civil. A expansão física vem a tempo da abertura de novos cursos: a Diretoria aguarda a autorização do MEC para iniciar as turmas de Engenharia de Produção e Arquitetura e Urbanismo. A meta é inaugurar as novas salas e laboratórios até o segundo semestre de 2015. Ainda assim, muitos estudantes tem que procurar instituições em outras cidades, onde há mais opções de formação: “A maioria dos estudantes formados no Ensino Médio de Jaraguá saem da cidade em busca de outros cursos”, declara a Secretária de Educação, Luciana Castro. Por isso, o município
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fornece transporte público para os graduandos que decidem estudar em regiões vizinhas. As cidades mais procuradas são Anápolis e Goianésia, principalmente pela variedade de faculdades, cursos e vagas no mercado de trabalho. Com a criação do Sistema de Seleção Unificada pela prova do ENEM, muitos estudantes de Jaraguá têm tido a oportunidade de explorar Universidades em outros estados. Luciana Castro aponta que os jovens têm interesse em cursar o Ensino Superior em Universidades Federais, e, por isso, a adesão ao ENEM está aumentando nas escolas da cidade: “Hoje, a chance de ser aprovado através do ENEM para uma universidade boa é muito grande, e isso motiva nossos jovens a estudarem para a prova”.
Ensino Superior Oradora do curso de Pedagogia da UEG faz discurso na formatura da classe
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Coluna social
Como
Jaraguá você? Se parece com
Nossos fotógrafos saíram pelas ruas da cidade tentando encontrar respostas inusitadas para essa pergunta. Confira os resultados!
Revista Já 90
Coluna social Agatha Gonzaga Para o João do Triângulo, Jaraguá é um local de passagem e se parece com ele por acolhê-lo. Ele veio de viagem de São Paulo e decidiu parar alguns anos na cidade
Caroline Zampiron Edivaldo Alves Dias afirma que se parece com a cidade porque, assim como ele, os jovens da cidade começam a trabalhar cedo
Emília Felix Sussuarana do Cerrado, como foi apelidada, afirma que o que tem em comum com Jaraguá é a ligação com a natureza, já que a cidade preserva a vegetação natural, o cerrado Revista Já 91
Coluna social
Fernanda Vieira Amanda acredita que o que ela tem em comum com Jaraguá é a cultura da zona rural. Ela se identifica com as Cavalhadas, com o campo e com a natureza da cidade
Giovanna Silva Charles Raniel Santos de Oliveira diz que ele e Jaraguá se parecem porque ambos são do esporte e não param nunca
Helena Sarmento Após passar o dia aos empurrões, os irmãos se abraçam quando requisitados a tirar uma foto Revista Já 92
Coluna social
Isabella Lima Esse instrumentista se identifica com a cidade por perceber que, assim como ela, a cidade é aberta e amiga de todos, mas sem deixar de lado suas tradições
João Vitor Galvão Márcia, motorista de táxi, enxerga que ela e Jaraguá são calmas e por isso se parecem
Júlia Sá “Antes de eu chegar, em 81, não havia nenhuma mulher na banda.” Maestro José Nascimento, 84 anos Revista Já 93
Coluna social
Leonardo Carneiro Divino Espírito Santo, como ele se autodenomina, afirma que se parece com a cidade principalmente porque lá se comemora a Festa do Divino
Luisa Bretas Padre Cristiano mora em Jaraguá há 4 anos. Identifica-se com a cidade por meio da religiosidade e da generosidade das pessoas
Luisa Lopes Plínio, estagiário do Fórum de Jaraguá, brinca que Jaraguá e ele se parecem por serem bonitos Revista Já 94
Coluna social
Luiz Carlos Damasceno afirma que a tranquilidade é o que faz com que ele e Jaraguá se pareçam
Maciel Neves Luís Souza considera que Jaraguá e ele têm em comum o trabalho, pois enxerga na cidade muitas oportunidades de emprego. Para ele, serviço nunca faltou lá Revista Já 95
Coluna social
Marcelo Tobias Dona Ana Beatriz percebe que ela e Jaraguá se parecem por serem velhas, mas com muita história para contar. “Esquecida por quem mora perto, mas que despertou interesse de uns meninos de tão longe!”
Marcus Barbosa Para Alice Braga Alves, A Igreja Nossa S. da Conceição é o que mais parece com ela na cidade. Ir à missa ali sempre foi algo especia
Revista Já 96
Maria Flores Laura Maranha percebe que a tradição é a característica que ela e Jaraguá mais têm em comum e acredita que seja assim com a maioria dos moradores dali também
Maria Luíza Diniz Sr. Cândido Antônio da Silva, pipoqueiro há mais de 30 anos, afirma que a simplicidade é o que faz dele e Jaraguá parecidos
Revista Já 97
Marina Torres Maria Aparecida enxerga que Jaraguá se parece com ela pela tranquilidade. Também afirma que a Festa do Divino influencia a todos, porque traz caráter e a alegria
Milena Marra Para João Luíz, ele e a cidade se parecem em tudo: “Nasci e cresci aqui catando pepitas de ouro para comprar caderno e linhas de pipa. Era uma diversão, porque aqui não tinha televisão, não tinha rádio, não tinha nada”
Revista Já 98
Naiara Marques Dyenglês Cândido Castro não é morador de Jaraguá, mas se identifica com a cidade por ser um lugar festivo e alegre
Neila Almeida “Jaraguá me faz feliz, aqui eu me divirto todo dia”, Rafael Souza, 17, participa da festa das cavalhadas desde os dez anos
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Rafael Felice Nelmar Boris Vilhena nasceu em Tocantins e se mudou para Goiás há três anos. Passou por algumas cidades antes de chegar em Jaraguá e afirma que a cidade se parece com ele por ser ser muito calma. “Estou aqui em Jaraguá só há 3 meses e sem dúvidas é o meu lugar preferido em Goiás”
Thayssa Victoria Vilmar Ribeiro de Camargo afirma que Jaraguá e ele se parecem em tudo, principalmente pela tradição . “Não sairia daqui de maneira alguma” Revista Já 100
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