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Este livrinho inquietante

Acabo de ler, com interesse, as respostas de cerca de trezentos casais das Equipes de Nossa Senhora a um inquérito sobre a leitura do Evangelho. É evidente que não tenho a pretensão de lhes apresentar, em poucas linhas, os resultados completos. Creio, simplesmente, que devo comunicar-lhes algumas reflexões sobre certa reação que encontrei com frequência: “Quando pensamos mergulhar no Evangelho, confessam muitos casais em termos semelhantes, cedemos muitas vezes à tentação de fuga. É, sem dúvida, uma reação de defesa”. “No fundo, o Evangelho mete-nos um pouco de medo”, li em várias respostas. Entre os que leem com frequência o Evangelho, muitos, de uma forma ou de outra, concordam com o casal que escreve: “Quando nós, os casados, abrimos o Evangelho é sempre com a impressão de que nunca poderemos realizar o que ele nos pede. Cristo não suporta o meio-termo... Sentimo-nos desencorajados”. “Desencorajados”, “inquietos”, “esmagados” são termos que se repetem amiudadas vezes. É verdade que as exigências de Cristo vão terrivelmente longe: “Não julgueis que vim trazer paz à terra. Não vim trazer a paz, mas a espada” (Mt 10, 34). “Ninguém pode servir a dois senhores, porque, ou há de aborrecer um e amar o outro ou ser dedicado a um e desprezar o outro” (Mt 6, 24). “É mais fácil entrar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico no reino de Deus” (Mt 19, 24).

“Quem, depois de deitar a mão ao arado, olha para trás, não é apto para o Reino de Deus” (Lc 9, 62).

“Segue-me e deixa que os mortos sepultem os seus mortos” (Mt 8, 22).

“Se o teu olho direito é para ti ocasião de pecado, arranca-o e deita-o fora para longe de ti, porque melhor é para ti perder-se um só dos teus membros do que ser todo o teu corpo lançado na Geena” (Mt 5, 29).

“Então Jesus pôs-se a dizer para todos: Se alguém quer vir após Mim, renegue-se a si mesmo, tome a sua cruz todos os dias e siga-Me” (Lc 9, 23).

“Todo aquele dentre vós que não renunciar a todos os seus bens, não pode ser Meu discípulo” (Lc 14, 33).

“Quão estreita é a porta, e apertada a via que leva à vida! E são poucos os que dão com ela” (Mt 7, 14). Não terá Cristo falado só para desencorajar as almas de boa vontade? Certamente. Ele quer que ajustemos a nossa vida por este ideal apresentado em toda a sua incandescente pureza, mas quer também, e antes do mais, que confrontemos a nossa maneira de pensar e de viver com as suas exigências, para que possamos descobrir

tudo aquilo que em nós as recusa, as contradiz, a fim de, numa palavra, tomarmos consciência da nossa condição de pecadores. E não será isso que nos atormenta mais cruelmente? Temos uma necessidade tão grande de estar contentes conosco mesmos, de nos considerarmos “suficientes”; ora, se abrirmos o Evangelho, somos forçados a condenarmo-nos. Mas é precisamente a isso que Cristo nos quer obrigar, nós que não temos espontaneamente a atitude de publicano: “Meu Deus, tende piedade do pecador que eu sou!” (Lc. 18-13). Descobrir que somos pecadores e que não nos podemos salvar a nós próprios, por mais que o desejemos, e reconhecer, pois, que temos necessidade imperiosa de um salvador, eis o primeiro sentimento que Cristo quer despertar em todos os homens. Que aquele que se recusa a isso não pretenda encontrar-se entre os que seguem Cristo. O ideal evangélico é difícil de realizar, isso é bem verdade; mas se nós o aceitamos, se aderimos reconhecendo como estamos afastados, querendo muito sinceramente orientar a nossa vida de acordo com ele, então a graça do Senhor virá em nosso auxílio. Ela tem feito muitos outros milagres! “A Deus, nada é impossível!” Sendo assim, o desânimo não fica bem. Mas, evidentemente, quem não queira perder o amor e a estima por si próprio, não abra o Evangelho. É um livrinho terrivelmente inquietante. Quero dizer: que se apodera da nossa quietude e lhe torna a vida dura. Editorial Padre Henri Caffarel – Carta Mensal, março de 1964. Pe. Henri Caffarel

Colaboração: Ma. Regina e Carlos Eduardo Eq. N.S. Mãe de Deus e Nossa Piracicaba-SP

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