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Sufoca-se

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Caça-Palavras ENS

Caça-Palavras ENS

“Sufoca-se...” 1

“Sufoca-se nas famílias cristãs! E, quanto mais cristãs, mais irrespirável é o ambiente!” Quantas vezes tenho ouvido estas palavras, vindas de pessoas que não creem ou que creem pouco. - A quem o dizeis!... Repliquei certa vez. Olharam para mim admirados, pois julgavam que me iam escandalizar. - Mais, não acrescentem: ”Quanto mais cristãos...” Tantas famílias, com efeito, julgam ser autenticamente cristãs, quando na realidade vivem apenas um cristianismo mutilado. A sua religião toda limita-se à prática das virtudes. Os próprios sacramentos nada mais são para eles do que um meio para o conseguir. Quanta energia despendida para adquirir e salvaguardar suas virtudes! São dedicados, imperturbavelmente dedicados. Mas, acima de tudo, é bem verdade, são tremendamente enfadonhos. E se é certo que ninguém deixa de admirá-los - pois há grandeza nessas vidas - ninguém, contado, tem vontade de os imitar. Em sua presença, vem irresistivelmente à minha mente a palavra de Peguy: “A moral foi inventada pelos fracos. A vida cristã foi inventada por Jesus Cristo”. Toda vida religiosa, com efeito, se não se tomar cuidado, sofre a lei da degradação. Dentro em pouco, da vida cristã só restará a moral. E a própria moral cristã não tarda em se degradar numa espécie de moral natural que só faz puritanos austeros e inflexíveis. Nessa atmosfera de moralismo, sufoca-se, literalmente. Mas o cristianismo não é primeiramente uma moral; não é o culto do deus Dever, esta divindade sem rosto, mas sim uma religião. Não uma religião qualquer, o simples serviço de um Deus distante, mas uma vida com Deus, uma comunidade de amor com Ele. “Estou à porta e bato. Se alguém ouve a minha voz e abre, entrarei em sua casa: cearei com ele e ele comigo”. Mais ainda, a vida cristã é comunhão. Pela fé - uma fé viva, bem entendido - o cristão entra em comunhão com o pensamento divino; participa, dizem os teólogos, no conhecimento que Deus tem de si mesmo. E, pela caridade, ama Deus com o próprio Coração de Deus, associa-se vitalmente ao ato pelo qual Deus se ama. Estamos longe do moralismo espartano de uns ou do burguesismo de outros. Mas estamos de tal modo “habituados” a todas estas fórmulas aprendidas no catecismo... que as grandes realidades que encerram não mais nos maravilham. No entanto, há cristãos que levam a sério estas realidades sobrenaturais e delas vivem. Sua fé é ardente aspiração de conhecer Deus e seus pensamentos. Esforçam-se por mantê-la viva e progressiva, já pela meditação

da Palavra divina, já pela atenção ao que Deus lhes quer dizer através dos eventos cotidianos. Jovem, disposta, penetra cada vez mais nas “inesgotáveis riquezas de Cristo”. Sua alegria revela-se nestas palavras de São João que bem traduzem o seu pensamento: “Quanto a nós, conhecemos o amor que Deus tem por nós, e acreditamos nele”. Esforçam-se por amar a Deus - todo amor é labor antes de ser posse. Este amor torna-se pouco a pouco a fonte de todos os seus atos, a razão de ser de sua vida. “Quem nos poderá separar do amor de Cristo, escrevia São Paulo: a tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo?... Em tudo isto somos mais que vencedores, graças Àquele que nos amou”. A moral destes cristãos - porquanto eles têm uma moral, mas não a dos “fracos” - é a irradiação da vida divina... “Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso”. São Paulo definiu-a nestas palavras: “Sede os imitadores do Pai, como filhos muito amados!” Em casa destes cristãos, não há o risco de sufocar. Não são prisioneiros de um moralismo, de um legalismo. São livres, livres da liberdade dos filhos de Deus. Ali respiramos o ar de alto-mar, o ar puro de Deus. Eles nos fazem aspirar a Deus.

Pe. Henri Caffarel

Colaboração: Ma. Regina e Carlos Eduardo Eq. N. S. Mãe de Deus e Nossa Piracicaba-SP

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