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“Vem e segue-me”

“Vem e segue-me”1

O ideal evangélico não é, unicamente e antes de mais nada, um todo doutrinal a ser adotado, mas Alguém a ser seguido. Seguir quer dizer aprender a pensar, a agir, a viver com Ele e como Ele. Esse Alguém não é homem de meias medidas nem de acomodações. É o homem de um único amor e o mesmo pede a seus discípulos: “Ninguém pode servir a dois senhores” (Mt 6, 24). Sabe ser paciente, “não apaga a mecha que ainda fumega” (Mt 12, 20), mas não transige em seu ideal; toma o que lhe dão, mas pede tudo: “Amarás o Senhor teu Deus de todo teu coração, de toda tua alma, com todas as tuas forças, de todo o teu espírito” (Lc 10, 27). Não reivindica apenas uma parte, mas o todo: o dom total da inteligência, do coração, da vontade e da vida. Um verdadeiro discípulo de Cristo é ufano de servir tal mestre cujo amor é tão exigente. E seria o primeiro a lhe pedir: “Sobretudo, Senhor, sede intransigente; não admitais que eu retome algo da minha oferta, que eu me entregue ao mais leve desvio; não tolereis que vos dê jamais menos do que tudo”. Se o Cristo pede tudo, é também o primeiro a dar tudo: “Não há maior amor do que dar a vida por aquele que se ama”. Entre Ele e seu discípulo a intimidade se estabelece no nível do dom total recíproco. Mas quem diz dom total diz ao mesmo tempo renúncia. De fato, o Evangelho está contido nessas duas proposições que são como o verso e o anverso da mesma realidade: dar tudo e renunciar a tudo; isto é, “seguir” o Cristo e “deixar” tudo o mais. São Pedro o compreendeu, ele que dizia ao Cristo: “Eis que deixamos tudo e vos seguimos” (Mc 10, 28). Realmente não se pode censurar o Cristo de nos querer enganar. Não é Ele o pregador que mascara as verdades excessivamente exigentes, hábil em fazer surgir sub-repticiamente depois. Diz claramente o que pensa e o que faz: “Não julgueis que vim trazer a paz sobre a terra; não vim trazer a paz, mas a espada. Porque vim opor o homem a seu pai, a filha a sua mãe...” (Mt 10, 34-36). Retoma a mesma exigência em termos não menos incisivos: “Se alguém vem a mim sem detestar seu pai, sua mãe, sua mulher, seus filhos, seus irmãos, suas irmãs, não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 25-33). Certamente detestar não significa “querer mal aos outros”, mas, eventualmente, afastá-los quando se apresentam como rivais de Deus, obstáculos no caminho da santidade – o que entretanto não impede de amá-los até o ponto de dar por eles sua própria vida! O Cristo nos oferece o exemplo desse ódio santo: um dia Pedro tenta afastá-lo do sacrifício da cruz. Cristo o repele com indignação: “Retira-te, Satã”. E quando o Cristo acrescenta “Quem

não renuncia a tudo”, certamente não quer nos convidar a não mais amar, mas faz-nos entender que não devemos ser escravos de nossos amores, seja o amor dos outros ou o amor de nós mesmos; que só há uma maneira de amar, para quem é seu discípulo: amar por amor dele. Convenhamos que Ele, nosso Mestre, não minimiza suas palavras! É preciso compreender bem seu pensamento. “Deixar”, “odiar”, “arrancar” são vocábulos a serem tomados no sentido forte, quero dizer, no sentido espiritual. Tais são as exigências que lhe vincularam desde há vinte séculos os seres generosos que não sabem doar-se a meio. “Reconduzindo sua barca para a terra e deixando tudo, eles o seguiram”, é dito de Pedro e André (Lc 5, 11). E São Paulo, alguns anos depois, podia escrever: “Todas as vantagens de que eu era favorecido, as tive por prejuízo, por amor do Cristo. Ainda mais, considero tudo por desvantajoso com relação ao preço supereminente que é o conhecimento e o amor do Cristo Jesus meu Senhor. Por Ele aceitei tudo perder, e tudo vejo como imundície, a fim de ganhar o Cristo” (Fl 3, 7-9). Eis o ideal evangélico. Qualquer que seja o estado de vida, ele se impõe. Aos casados como aos outros. Não se rebaixa a vida cristã ao nível das naturezas mesquinhas. Em seu amor e por meio dele, o homem e a mulher podem e devem atingir o dom total a Jesus Cristo. É para que eles realizem esse ideal que o Senhor fez do matrimônio um sacramento, isto é, uma realidade humana habitada e trabalhada pela caridade divina, a qual – como poderoso fermento –permite aos esposos realizarem o que parece impossível à natureza humana, mas é possível a Deus. Pe. Henri Caffarel

Colaboração Maria Regina e Carlos Eduardo Eq. N.S. Mãe de Deus e Nossa - Piracicaba-SP Prov. Sul I

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