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Para Deus

Para Deus1

Após alguns anos de vida de equipe, surge muitas vezes uma crise. De chofre ou gradualmente. Por quê? Variam os casos. E nem sempre as razões aparentes são as mais verdadeiras. Atribuir-se-á a crise a conflitos de temperamentos, a diversidade de cultura ou de educação, aos métodos ou à disciplina do Movimento. Se escavássemos em maior profundidade, verificaríamos tratar-se de um conflito de intenções. Por intenções, entendo o termo, o fim que se propõe o sujeito ao realizar um ato. Olhando de perto, veremos que, muitas vezes, os equipistas não comparecem à reunião mensal animados pela mesma intenção. Assim sendo, como esperar que essa disparidade de intenções não redunde em tensão e conflito? Por vezes, os casais entram para as equipes sem que lhes tenham dado a conhecer as reais finalidades do Movimento, tais como as define a primeira parte dos Estatutos3. Os que os convidaram, ou arrastaram, não lhes apresentaram a razão de ser exata das Equipes de Nossa Senhora, sob pretexto de não os desencorajar. Mas, deixemos de lado o assunto da entrada para o Movimento e voltemos às equipes em crise, para constatar que, seja em consequência de orientação precária logo de início, seja devido a uma mudança posterior de orientação, os equipistas não têm, todos, a mesma intenção. A intenção, na realidade, é o que menos aparece e, por isso, se lhe presta, em geral, pouca atenção. No entanto, é ela, nada mais, nada menos, que o essencial. Exemplifiquemos: dois homens visitam, com a mesma regularidade e o mesmo empenho e, dir-se-ia, com a mesma dedicação, suas velhas avós enfermas. No entanto, não fora pela polpuda herança em perspectiva, o primeiro de há muito teria esquecido a avó, ao passo que o outro é levado por autêntica afeição. Que diversidade de intenções, no fundo de cada coração, em certas equipes! Há quem compareça mais ou menos arrastado pelo cônjuge, para lhe ser agradável. Aquele casal, recém-chegado à cidade, está satisfeito por poder, assim, conhecer gente, fazer amigos. Outro decidiu-se “porque, afinal, uma ou outra coisa é preciso que se faça”. E frequente, também, o caso do

1 Editorial Padre Henri Caffarel. Carta Mensal, n XI/2 de Abril de 1963. 2 Guia das Equipes de

Nossa Senhora, p. 120, Anexo I.

casal que procura a equipe atraído pela esperança de ali encontrar certo arrimo para sua vida conjugal. E, talvez até, em certas cidades, seja de bom tom fazer parte das equipes. Há ainda os que nem sequer intenção têm: comparecem para não quebrar a rotina, para não desgostar os companheiros com sua retirada. Ora, a meu ver, nenhum desses motivos justifica a presença do casal numa equipe. Alguns não são maus, mas nenhum deles é o verdadeiro, aquele que satisfaz a razão de ser do Movimento. Não é de estranhar que um ou outro desses motivos acompanhe o verdadeiro, mas nenhum deles deveria ser o motivo determinante. A única intenção real, correspondente à finalidade das equipes, é a vontade de melhor conhecer a Deus, melhor amá-Lo, melhor servi-Lo. Vai-se às equipes para Deus e nelas se permanece para Deus. O motivo da entrada, o motivo da permanência, é religioso, isto é, relaciona-se com Deus. Isto posto, de que maneira podem os equipistas pretender aceitar os Estatutos – refiro-me à primeira parte – se tal não é o motivo que os anima? Bem sei que, com o correr

do tempo, os motivos vão perdendo o vigor primitivo, chegando mesmo a ser recobertos e afogados pelo joio dos motivos secundários ou falsos. Tanto assim que o casal, ou o indivíduo, tendo entrado para a equipe movido por intenção verdadeira, pode vir a encontrar-se nela sustentado unicamente por razão secundária ou não válida. Por isso, é preciso verificar com frequência, nas reuniões mensais, o fim para o qual está orientada a marcha de cada qual dos equipistas. Isto é missão do responsável, ou do Conselheiro Espiritual, a quem compete relembrar a razão de ser das equipes, principalmente na “reunião de balanço”, e antes da renovação anual do engajamento3, uma vez que é este, precisamente, um dos principais significados do engajamento. Depois, no decorrer do ano, voltem mais vezes à leitura, senão da primeira parte dos Estatutos na íntegra, ao menos de algumas das frases que definem os grandes eixos espirituais do Movimento. Como esperar que uma equipe onde haja dissemelhança de intenções – reflitam nas várias razões acima enumeradas – não venha a passar por crise grave? Tal equipe abriga forças – ou fraquezas – divergentes, opostas, incompatíveis. O menor acontecimento bastará para desencadear tensões, para fazer afrontarem-se seus membros, para precipitar, enfim, a crise latente, inevitável. De ordinário, atribuir-se-á a razões falsas esse estado de crise: temperamentos difíceis, faltas de caridade, divergência de gostos, quando, de fato, a causa real, a raiz do mal está na disparidade das intenções. E então, todo remédio será simplesmente paliativo, até mesmo os esforços de caridade fraterna, se não se cogitar em converter as próprias intenções, ou então em deixar a equipe. A lealdade exige que os membros de um Movimento nele ingressem e nele permaneçam unicamente no caso de suas intenções corresponderem de fato ao ideal proposto pelo Movimento. Fortes, santificantes, irradiantes haviam de ser as nossas equipes, se todos os seus membros nela entrassem e nelas se mantivessem exclusivamente PARA DEUS.

Henri Caffarel

Colaboração Maria Regina e Carlos Eduardo Eq. N. S. Mãe de Deus e Nossa Piracicaba-SP Prov. Sul I

3 Veja o significado do engajamento ou compromisso no Guia das Equipes de Nossa Senhora, página 55.

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