EDIÇÃO ESPECIAL DEDICADA AOS JOGOS OLÍMPICOS DO RIO2016
O Ensino Magazine associa-se à comitiva portuguesa que vai participar, este mês, nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Fernando Pimenta e João Rodrigues, dois dos atletas nacionais, falam da sua participação nas olimpíadas. ICA H
É uma das maiores esperanças dos atletas olímpicos portugueses que vão estar no Rio de Janeiro. Fernando Pimenta quer, pelo menos, repetir o êxito de Londres, em 2012.
FERNANDO PIMENTA
Foi medalha de prata, em Londres, em 2012. A poucas semanas de iniciar a competição como se sente do ponto de vista físico e psicológico? Neste momento estamos na parte da preparação, a colocar intensidade, algum volume, de forma a fazer algumas melhorias. Estamos focados no grande objetivo da época que são os Jogos Olímpicos. Psicologicamente estou numa das minhas melhores fases, após ter conseguido duas medalhas de ouro nos campeonatos da Europa, na Rússia. O importante é uma boa preparação e uma vez no Rio de Janeiro conseguir um lugar nas finais de K1, K2 e K4. Nas finais partimos todos em igualdade de circunstâncias e os mais rápidos serão os que terão mais possibilidades de regressar com medalhas ao peito. Para os menos familiarizados com a modalidade, no K1 participa sozinho, enquanto nas outras especialidades vai com mais companheiros no caiaque… Exato. No K1 sou eu sozinho. No K2, sou eu com o João Ribeiro e o Emanuel Silva, o meu parceiro em Londres, e finalmente no K4 sou eu, o Emanuel Silva, o João Ribeiro e o David Fernandes. A distância a percorrer será a dos mil metros, que implica muita resistência e muita tática. A partida para o Brasil está marcada para 10 de agosto e dia 15 é a primeira prova de qualificação… Correto. As provas vão decorrer na Lagoa Rodrigo de Freitas. Dia 15 são as eliminatórias e as semi-finais de K1, depois as finais serão no dia 16. Nos dias seguintes teremos as eliminatórias e as finais do K2 e do K4, terminando a competição no dia 20. Disse que pretende chegar ao Rio no pico da forma. Como é delineada a preparação para que isso suceda? Quem faz essa estratégia é o meu treinador e faz muito bem, por isso, não gostaria de estar a meter-me nisso. Os resultados têm sido a prova da confiança que nele deposito para a planificação das minhas épocas desportivas, envolvendo os estágios, o plano de treinos e as competições. Quem são os principais adversários
II
AGOSTO 2016
nas provas em que vai participar? A canoagem internacional está, neste momento, a um nível muito alto. Qualquer embarcação ou atleta apurado para os Jogos tem grandes probabilidades de ser finalista ou de alcançar uma medalha. Recordo que nas últimas competições o pódio tem sido quase sempre diferente, o que revela a elevada competitividade da modalidade. Mas o vencer ou o conseguir um pódio depende de vários fatores. Depende de como se dormiu na noite anterior, depende do nível de ansiedade antes da competição, etc. Sente-se mais ansiedade antes de uns Jogos Olímpicos do que antes de uns europeus? Tenho sabido controlar bastante bem essa ansiedade, que é normal. Tento abstrair-me ao máximo e na prova é só aplicar aquilo que treinei nos meses anteriores e dar o meu melhor. Vai passar o seu aniversário no Brasil, a 13 de agosto. Já pensou que pode dar um presente a si próprio com uns dias de atraso? Seria uma prenda muito boa. Mas tenho de estar concentrado e tran-
quilo para chegar ao Rio de Janeiro na máxima força. Abdicou de muitas coisas para se dedicar à canoagem. Que privações sociais e alimentares é que um jovem de 26 anos tem que se submeter para ser um atleta de alta competição? O convívio com os amigos é sacrificado, nomeadamente jantaradas, festas, saídas à noite, etc. Há refeições em família em que é preciso estar mais retraído. Gosto muito de comer chocolate, mas sei que é um pecado que estou a cometer. Temos de dizer que «não» muitas vezes. Temos de pensar que no dia seguinte é preciso ir treinar de forma intensa. Eu diria que vivemos e pensamos cerca de 98 por cento na canoagem. Felizmente, as pessoas que nos rodeiam compreendem que os sacrifícios são em prol de uma boa causa. A sua descrição mais parece uma disciplina militar. É assim? É duro e psicologicamente desgastante, mas tem de ser mesmo assim. Temos de ser muito rigorosos, disciplinados e regrados. É um dos pontos mais importantes para qual-
quer atleta de alta competição. Há tempo para ter férias? Não faço férias com a minha família desde 2008, portanto, quando eu tinha 18 anos. Julho e agosto são meses, mesmo sem olimpíadas, muito intensos em termos de competição. A nossa época começa, por norma, em outubro e termina no final de agosto, quando praticamente toda a gente voltou ao trabalho. O treino hoje em dia, em qualquer desporto, é mais científico. Todos os parâmetros são tidos em conta para a melhoria da performance. Em que medida a tecnologia mudou a preparação no seu desporto? Nós temos alguns aparelhos para avaliar o desempenho no treino, a cadência que levamos, a distância que percorremos, etc. São fatores muito importantes para fazer uma leitura e comparar com treinos e competições, sempre com o intuito de melhorar de semana para semana, ou de ano para ano. Está neste momento a treinar na barragem da Aguieira. Como é o seu dia de treinos normal? O despertar é por volta das 7h30.
Tomo um pequeno-almoço reforçado. A preparação para o treino é as 9h30, onde preparamos o material, aquecemos e alongamos, meia hora antes do início do treino propriamente dito. O treino dura cerca de 1h30. Fazemos alongamentos ou bicicleta para recuperar do esforço despendido. Almoçamos e depois procuramos fazer uma sesta. Depois do lanche, por volta das 16h45 voltamos a ir treinar. Pode ser no ginásio, pode ser no rio, complementado com corrida, algo do género. Se possível uma massagem antes do jantar e o recolher não pode ser muito para lá das 22h. Ao fim de semana o caiaque e o atleta podem ficar a descansar? Não. Treina-se os sete dias da semana, normalmente o descanso é à quinta-feira à tarde e ao domingo à tarde, para conseguir recuperar dos treinos, mas nesses dias, na parte da manhã, não podemos prescindir dos treinos. É frustrante para si, que está numa modalidade menor, ver que só reparam nos atletas quando aterram no aeroporto com medalhas ao peito? Às vezes nem assim. Magoa ;
um pouco. Falo por mim e pelas modalidades em geral. Qualquer atleta gosta de ter o seu reconhecimento e que o seu resultado seja noticia e faça as pessoas orgulhosas. A modalidade rainha em Portugal é o futebol, mas por exemplo, na Hungria é a canoagem. Mas não penso nisso, penso é em cumprir os meus objetivos e cumprir os meus sonhos. Admite que por ter sido o único medalhado em Londres, a par com o Emanuel, que sobre si pesa alguma pressão? É normal que isso aconteça. Mas sinceramente não sinto qualquer tipo de pressão. Estou tranquilo. Pratico a modalidade que mais gosto e isso deixa-me muito feliz. Falou há pouco do futebol. O desporto rei é o eucalipto que seca tudo à volta? Isso depende da cultura desportiva de cada país e da repercussão que é dada na comunicação social. Hoje, as pessoas conseguem obter informações e interagir com um atleta de qualquer modalidade, especialmente graças às redes sociais. Sabem o que eles fazem, os resultados obtidos, até trocar mensagens com eles. Penso que é possível mudar as mentalidades e também,
por acréscimo, mudar a cultura desportiva. O plano olímpico em Espanha para Barcelona 92 fez desenvolver muito o desporto no país vizinho e hoje eles têm campeões em quase todas as modalidades, individuais e coletivas. Acha que faz falta uma política desportiva integrada em Portugal? Creio que precisamos de uma política desportiva em que haja apoio e incentivo, especialmente aos mais jovens. Existe a triste realidade de atletas juniores que quando entram para a faculdade, basicamente são obrigados a deixar a alta competição para tirar o seu curso. Noutros países a política é diferente. Em Espanha, há atletas de alta competição que têm possibilidade de entrar nos quadros da polícia, por exemplo. O facto de saberem que têm um futuro garantido é um incentivo que dá alento e segurança a deixar o desporto. Mas há mais, para os atletas portugueses que forem a um campeonato do Mundo ou da Europa não existe qualquer tipo de apoio. A única garantia de algo é se estes atletas conseguirem entrar num programa olímpico. Se não for alcançada a entrada para o projeto olímpico, muitos destes talentos são desperdiçados. Há coi-
João Rodrigues vai ser o porta-estandarte português na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2016. O velejador será o primeiro atleta nacional a atingir sete presenças nas Olimpíadas. Como recebeu a notícia que iria ser o porta-estandarte da missão portuguesa, no Rio, a 5 de agosto? Eu recebi a notícia, curiosamente, quando estava no Brasil, em estágio. O chefe de missão, José Garcia, telefonou-me a perguntar se via algum inconveniente em nomear-me como porta-estandarte. Como deve calcular, a minha resposta foi sim, é uma honra e um privilégio enorme aceitar. Qualquer atleta olímpico sonha com ganhar uma medalha e ser porta-estandarte do seu país. Faz parte do imaginário coletivo de qualquer atleta. Para além disso, estes Jogos são muito especiais para Portugal, porque é a primeira vez que se realizam os Jogos num país que fala a língua portuguesa e com quem mantemos relações históricas e culturais muito fortes. Estou certo que os brasileiros não vão ficar indiferentes à entrada da delegação portuguesa no estádio.
sas que têm de ser repensadas. A começar por seguir os exemplos de outros países. Não conseguiu conciliar estudos e o desporto, tendo abandonado o curso de fisioterapia na Universidade de Coimbra, em 2007. Pode contarnos como foi? Foi um ano e meio duro. Não consegui conciliar os estudos com o desporto. Mas não baixei os braços. Já tinha sido campeão da Europa de juniores. Acabei por abdicar dos estudos. Confesso que foi uma opção que custou muito a mim e à minha família. Felizmente consegui integrar o projeto olímpico e seguir com o meu percurso desportivo. A partir de então consegui ter uma bolsa mensal, atribuída pelo Comité Olímpico Português, que já dá algum apoio, mas é preciso ter a noção que é efémera. Depende dos resultados? Basta falharmos nos campeonatos da Europa ou do Mundo e o valor da bolsa diminui. No meu caso encontro-me no nível máximo, também por ter ganho nos europeus e nos mundiais. Mas caso não consiga um resultado de relevo nos Jogos Olímpicos, até aos próximos europeus, em 2017, não terei qualquer tipo de remuneração.
Portanto, um mau desempenho no Rio pode levar a que perca a remuneração mensal? Sim, um corte total ou parcial, Depende do resultado. Em Portugal as coisas funcionam assim. Apoiam quando há resultados. Pensa que é preciso desmistificar a ideia que existe que só os futebolistas é que são recompensados pelo seu esforço e merecem uma exposição mediática sem igual? Por exemplo, os atletas medalhados em campeonatos da Europa ou do Mundo na canoagem, auferem tanto como um futebolista da segunda liga. Custa um pouco ver esta realidade. Mas estou esperançado que a sociedade passe a dar mais valor às modalidades e não apenas quando conseguimos resultados. Precisamos de apoios e não de críticas. Mas as criticas não são exclusivas das modalidades, porque até a seleção de futebol portuguesa foi criticada quando empatou três vezes na fase de grupos e acabou por vencer a competição. Ate que idade se prolonga a carreira de um canoísta? Este é um desporto que tem uma boa longevidade. Alguns dos atletas que foram campeões olímpicos em 2012 tinham 36 e 37 anos.
Portanto, pode fazer mais uma década de competição. E pensa ficar ligado à modalidade? Gostava de ficar ligado à canoagem ou ao desporto nacional. Nuno Dias da Silva _ Direitos Reservados H A CARA DA NOTÍCIA Fernando Pimenta nasceu em Ponte de Lima, a 13 de agosto de 1989, é um velocista português na modalidade de canoagem. No seu palmarés coleciona 56 medalhas em competições internacionais, considerando campeonatos do mundo, europeus, taças do mundo e Jogos Olímpicos. Em termos nacionais tem perto de 200 medalhas, incluindo campeonatos nacionais e taças de Portugal. Foi vencedor da medalha de Prata em K2 1000m em Londres 2012, juntamente com Emanuel Silva. Recentemente, foi campeão da Europa de canoagem, na Rússia, em K1 1000m e K1 5000m. A 27 de maio de 2015, foi feito Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique. E a 13 de julho de 2016, foi feito Comendador da Ordem do Mérito.
topo do bolo. Vê com um prémio carreira? Acho que foi um ato de coragem do chefe de missão me ter delegado esta...missão. Ele escolheu critérios diferentes face ao passado. Se repararmos nos porta-estandartes portugueses das últimas olimpíadas eles tinham sempre duas características: ou era um atleta em que se depositavam grandes esperanças desportistas ou então um atleta que já tinha alcançado medalhas. Ora, eu não preencho nenhum destes requisitos. O «Diário de Notícias» chamou-lhe o «decano da vela nacional». Isto é uma forma simpática de o chamar velho ou veterano? Em 1992, em Barcelona, quando participei nos primeiros Jogos Olímpicos, a idade média dos velejadores andava nos 21, 22 ou 25 anos. Raramente aparecia gente com mais idade. Com o passar dos anos, apareceram velejadores com idade acima dos 30 anos. Ainda agora no Rio há um grande ;
É uma forma bonita de terminar a sua carreira? Não podia ser melhor. Ser porta-estandarte na última olimpíada é, de facto, a cereja no AGOSTO 2016
III
amigo, mexicano, que tem 37 anos e vai participar. E há outros mais, com hipóteses de atingir o pódio. No meu caso, sinto que estou quase a desbravar terreno virgem, velejar com 44 anos, com este nível tem sido um desafio extraordinário, mas já não é incomum.
A CARA DA NOTÍCIA João Rodrigues nasceu em Santa Cruz, na ilha da Madeira, a 2 de novembro de 1971. É um velejador português. Participou dos Jogos Olímpicos de Barcelona 1992, Atlanta 1996, Sydney 2000, Atenas 2004, Pequim 2008 e Londres 2012. A sua melhor colocação foi o 6º lugar em 2004. Em 2008, foi 2.º classificado no campeonato do mundo de Takpuna, na Nova Zelândia. Foi vencedor da Medalha Olímpica Nobre Guedes em 1995. Tem 120 internacionalizações e 50 medalhas obtidas.
Vou desafiá-lo, em poucas palavras, a classificar a sua participação nos seis Jogos Olímpicos anteriores. Comecemos por Barcelona 1992… Foram os jogos do deslumbramento. Em 1996, esteve em Atlanta… Os jogos do isolamento, porque a vela se disputava em Savannah, no litoral, longe do resto da comitiva. Prosseguimos, em 2000, em Sydney… Os jogos da sinfonia, porque velejar com a Ópera em fundo, foi a imagem de marca dessa competição. Em Atenas, em 2004, obteve o melhor resultado. Um 6.º posto… Foi revisitar a antiguidade no presente. Podiam ser os jogos da minha despedida, mas afinal foi uma falsa despedida. Arrumei a prancha durante ano e meio, período em que exerci engenharia. Pequim, em 2008… Os jogos da grandiosidade. Foi tudo em grande. Finalmente, em Londres, 2012. Não se pode deixar de falar do tempo britânico. Vivi quatro anos em Londres e ao fim de algum tempo também só queria era ver sol.
ais. Eu adorava que a minha participação ajudasse a motivar mais portugueses a praticar desporto e inserissem o desporto no seu dia a dia. No fundo, creio que fomentar o desporto à escala nacional é a missão mais nobre da delegação portuguesa nas Olimpíadas.
onde vivo, como não há inverno, pode ir-se ao mar todo o ano. No continente, pode não ser todo o ano, mas é praticamente todo o ano. Isto no contexto europeu não tem comparação.
Agora, no Rio, as regatas vão decorrer na Baia de Guanabara, uma dor de cabeça em termos de poluição. Está preocupado? Estive lá há um mês atrás e foi quando encontrei a água mais suja. Estava indiscritível. Em termos de competição é negativo, porque dificilmente fazemos uma regata sem ficar algo preso na prancha. Isso acontecer nos Jogos seria algo desagradável. Pode ser que o dinheiro que recentemente o Estado central injetou no Rio de Janeiro possa ter contribuído para os trabalhos de limpeza necessários, mas ainda o ano passado os barcos que faziam a remoção do lixo recolhiam uma média de sete toneladas de plástico por dia.
Colaborou com o governo regional da Madeira na promoção de diversas atividades, entre as quais o windsurf, como turismo de natureza. Faltaria generalizar isso em Portugal, um país de água, mar e marinheiros? Portugal tem um potencial marítimo inacreditável e dispõe de uma plataforma continental, provavelmente, a décima maior do mundo, o que é extraordinário para um país desta dimensão. O problema é que a maioria das pessoas não consegue perceber isto. Porque não existe cultura náutica. Temos muita cultura de outras coisas, nomeadamente futebol, mas falta em termos náuticos.
É um crítico da cultura instalada do futebol, em que tudo o resto é paisagem? É uma realidade com que temos de conviver. Não posso deixar de ficar contente com a reação massiva que o país teve à conquista do Euro 2016. É uma cultura que vem do século passado e que não se apaga e que vai manter-se por muito tempo. O melhor jogador do mundo de futebol nasceu na minha terra, a Madeira. Vai ser uma referência durante décadas para muitos jovens. Portanto, não podemos ignorar que o futebol domina. O que eu acho é que há mais desportos para além do futebol e que é pela sua prática e descoberta que se podem tirar mais valias para a sociedade, em geral.
Quando entra em competição e quais são os seus objetivos? Vou participar numa prova de prancha à vela, que decorre entre dia 8 e 14 de agosto, e que se desenrola durante uma semana, dividida por 12 regatas. Quanto aos meus objetivos, admito que sonhar entrar nos 10 primeiros não é de todo irrealista. Contudo, a minha expetativa não é tanto em termos de resultados pesso-
E como se enraíza e dinamiza essa cultura? Primeiro, levando as pessoas para o mar. Nadar pelo mar a dentro e perceber a real dimensão do nosso mar. E neste campo os desportos náuticos podem desempenhar um papel preponderante para criar massa crítica que não existe e assim criar uma cultura de mar. É preciso extrair do mar todo o potencial. Veja que aqui na Madeira,
A cultura futebolística é asfixiante? Somos nós, enquanto povo, que a criamos. O desporto atrai-me, especialmente, pela prática. Eu duvido que a esmagadora maioria das pessoas que vê jogos de futebol no final do dia vista os calções e a t-shirt e vá dar uns chutos na bola. Quem diz jogar futebol, diz fazer windsurf, vela, seja o que for. Infelizmente, os números dizem que são ainda poucos os por-
IV
AGOSTO 2016
tugueses que praticam desporto, de uma forma geral. Temos muitos desportistas de sofá. Não tenho a ambição de mudar a cabeça das pessoas e os seus hábitos e rotinas, mas seria muito importante que começássemos a praticar mais desporto. Sei que o seu lema de vida se inspira numa frase de Confúcio: «Escolhe um trabalho que ames e não terás de trabalhar um único dia da tua vida». O João Rodrigues é isto, puro prazer? Se não fosse, seria muito chato chegar aos 44 anos e perceber que tinha tido uma vida de sacrifício. Não teria conseguido prolongar a minha carreira por tanto tempo se não tivesse uma verdadeira paixão pelo que faço. Mas eu sou um perfecionista e gosto de fazer as coisas bem feitas e o que me fascinou foi entender que tinha um instrumento que me podia levar à perfeição na arte de velejar. Isto desde os 8 anos. A travessia Funchal-Selvagens foi uma das suas excentricidades, que por pouco não entrou para o Guiness. O que lhe falta fazer? Não tenho nada em mente. Essa travessia não estava planeada. Agarrei a oportunidade e correu bem. Da mesma forma que não tinha planeado ir sete vezes aos Jogos Olímpicos e aqui estou. Quer continuar ligado à modali-
dade? Costumo dizer que a partir do dia 15 de agosto vou começar a escrever um livro só com páginas em branco. Continuo a ter uma paixão pela vela e pelo windsurf, em geral, por isso, acredito que continuarei a velejar e, quem sabe, competir em provas mais adequadas à minha proveta idade. Uma competição mais suave, digamos assim… E pode regressar à engenharia? Terei de viver de alguma coisa. Tive propostas relacionadas com a vela, mas para fora da Madeira. Eu gostaria de continuar a viver na ilha, onde mantenho residência. Conseguiu contabilizar a carreira universitária e desportiva. Concluiu no Instituto Superior Técnico a licenciatura em Engenharia Mecânica. Sei que quando regressou de Barcelona meteu a televisão no armário durante três anos e agarrou-se aos livros. Valeu a pena o sacrifício? Uma das primeiras frases que ouvi de um professor de mecânica geral foi: «O Técnico exige total comprometimento». Portanto, não havia lugar para atletas de alta competição e outros. No primeiro e segundo ano de curso praticamente não velejei. Passei para o 3º ano com algumas cadeiras em atraso. Depois qualifiquei-me para Barcelona e tirei um ano sabático. Quando vim dos Jogos arrumei o televisor no armário, eliminando qualquer tipo de distrações, e empenhei-me a sério nos estudos. Meti na cabeça que queria tirar o curso e qualificar-me para Atlanta, em 1996. Consegui, porque terminei o curso em janeiro desse ano e qualifiquei-me para os Jogos dois meses depois. Foi o período mais bonito da minha vida. Pura magia. Porquê? Porque interiorizei que o desporto me dava ferramentas cruciais para a minha carreira académica. Nomeadamente, a capacidade de nunca desistir, de resiliência e acreditar sempre até ao fim, nunca baixando os braços. Tive momentos de desânimo, mas a “endurance” que o desporto (especialmente a vela, e as múltiplas variantes com que temos de lidar em treino e competição, estou a falar do equipamento, do vento, as marés, as correntes, as ondas, o percurso, etc.) me deu ajudou-me a superar as adversidades. Agradeço ao Técnico por me ter feito trabalhar o músculo do cérebro (risos). Vou frequentemente a Lisboa e costumo sentar-me na escadaria do pavilhão central do Técnico, a olhar para a Fonte Luminosa, a relembrar os anos que ali passei e que moldaram a minha vida. Nuno Dias da Silva _ Direitos Reservados H