PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Faculdade de Comunicação e Artes Núcleo Universitário São Gabriel
NUANCES DO VIDEOCLIPE CONTEMPORÂNEO
Aluno
Telefone
Alexandra Pereira da Silva
(31) 8615-6252
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Bernardo Augusto Faria Corgozinho
(31) 9674-3120
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Eric Samuel Abreu e Silva
(31) 9814-1634
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Felipe Moreira Resende
(31) 8898-6057
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Othon de Saboia
(31) 9882-1333
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Vinícius Brandão Gois
(31) 8422-7419
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Belo Horizonte 2009
Alexandra Pereira da Silva Bernardo Augusto Faria Corgozinho Eric Samuel Abreu e Silva Felipe Moreira Resende Othon de Saboia Vinícius Brandão Gois
NUANCES DO VIDEOCLIPE CONTEMPORÂNEO
Projeto experimental apresentado ao curso de Comunicação Social – Gestão de Comunicação Integrada da unidade São Gabriel da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Comunicação Social.
Orientador: Eduardo Antônio de Jesus
Belo Horizonte 2009
AGRADECIMENTOS
Ao nosso orientador, professor e ídolo Eduardo de Jesus, que tornou possível a realização dessa pesquisa. Com ele aprendemos que podemos passar anos construindo uma verdade e levar segundos para destruí-la. Cada orientação foi um momento especial. Além de adquirir conhecimento, conquistamos mais que isso. Ganhamos um amigo! Ao grupo que se uniu e acreditou nessa construção. Juntos arriscamos, sorrimos, corremos contra o tempo. Perdemos noites de sono, mas nunca o ímpeto de concluir essa pesquisa. À perseverança de todos aqueles que acreditaram e que de alguma forma contribuíram para esta construção. Ao eterno Rei do Pop e especialmente aos nossos pais, pelo amor e suporte incondicional.
“O grosso da produção do videoclipe é lixo industrial, banalidade em forma e conteúdo, empacotada para o consumo rápido. Mas é assim com o cinema, com a música popular, com a impressa e com a televisão como um todo: o videoclipe não pode senão integrar-se à estratégia da indústria cultural.” Arlindo Machado
RESUMO
O trabalho tem por objetivo discutir como o videoclipe vem sofrendo transformações em seu formato estético e de consumo na atualidade. Como este formato audiovisual híbrido, mutante e nitidamente mercadológico, está se adaptando, sofrendo e sendo modificado diante do contexto das novas mídias e do mercado em rede. Interessa-nos saber como o videoclipe é consumido hoje, se tornando uma ferramenta que influencia na consolidação imagética e conceitual do artista dentro da indústria fonográfica, possibilitando a diversidade de manifestações simbólicas que se reproduzem e recriam dentro do universo da cultura pop. E a partir deste cenário será feito um experimento.
Palavras-chave: Videoclipe. Linguagem Audiovisual. Indústria Fonográfica.
ABSTRACT
This work aims to discuss how the music video has surfer changes in its format, aesthetic and consumption today. We want to understand how this hybrid audiovisual object, mutant and clearly merchandising, is adapting, suffering and being modified on the context of new media on the internet marketing. We are interested in how the video is consumed today, becoming a tool to influence the consolidation of imagery and conceptual artist in the music industry, allowing the diversity of symbolic events that reproduce and recreate a persona in the universe of pop culture. Going through our conclusions we will produce an experiment to test our object.
Key-words: Music Video. Visual Language. Music Industry.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................................................................09 2 DEVANEIOS AUDIOVISUAIS DA MÚSICA POP: DOS BEATLES AO YOUTUBE!............................15 2.1 Concepção de um novo formato...................................................................................................22
2.1.1 Origens e absorções audiovisuais...............................................................................................29 2.2 Linguagem Difusa........................................................................................................................35
2.2.1 Construção midiática da imagem..............................................................................................39 2.3 Indústria fonográfica e a música Pop...........................................................................................41
2.3.1 A imagem da música..................................................................................................................46 2.4 Futuro da Música..........................................................................................................................50 3 “INTERNET KILLED THE VIDEO STAR"...........................................................................................54 3.1 Novas possibilidades.....................................................................................................................57 3.2 Do Napster ao iTunes...................................................................................................................61 3.3 Paradigmas de uma nova Indústria Cultural................................................................................66 3.4 Funções pós-massivas na Música.................................................................................................71
3.4.1 “O futuro nunca esteve tão perto, tão aberto e tão musical”.....................................................76 3.4.1.1 “Tudo está no seu devido lugar”.............................................................................................85 3.4.1.2 Possibilidades audiovisuais off e online...............................................................................87 4 LINGUAGEM EM [DES]CONSTRUÇÃO.................................................................................................91 4.1 Conexão com a mídia....................................................................................................................98 4.2 Ouvir imagens e ver sons: um modelo de mídia expandida.......................................................101 4.3 Metodologia para análise.............................................................................................................112
4.3.1 Análises......................................................................................................................................115 4.3.1.1
I’ve Seen Enough - Cold War Kids......................................................................................115
4.3.1.2 Neon Bible - Arcade Fire........................................................................................................119 4.4 Experimento................................................................................................................................121 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................................................125 REFERÊNCIAS.............................................................................................................................................128
1.
INTRODUÇÃO
Fluido, efêmero, mutante, desconexo, harmônico... Híbrido. Vídeo, do latim eu vejo, e segundo o dicionário Aurélio, na televisão, é o que transmite e reproduz imagem, ou uma obra audiovisual, de natureza artística, documental, publicitária, etc., registrada em videoteipe + clipe, que pode ser uma peça de metal ou outro material, que agrupa folhas ou outros objetos, ou simplesmente VIDEOCLIPE. O objeto empírico de estudo desta pesquisa pode ser enquadrado dentro de diversas e distintas denominações, ou em nenhuma delas. Mas de uma coisa temos certeza, ele é um “objeto” extremamente híbrido. Capaz de agrupar – como os clipes de metal – os mais variados aspectos artísticos e trazer características que fazem com que o videoclipe e seu formato se renovem continuamente, alimentados por diversas fontes produzidas pela cultura pop. Muitos falam de sua linguagem, com elementos distintos, câmeras com ângulos complexos ou pouco comuns, montagem frenética, saturação de cores, uso exagerado de recursos visuais e/ou sem nenhuma narrativa. Mas tomemos como exemplo alguns videoclipes, do já consagrado cineasta Michel Gondry1, que graças a seus trabalhos, deu prosseguimento a uma investigação experimental do formato clipe mostrando que ele pode ir muito além e não se restringir somente a divulgação de uma canção ou de um artista. Desta forma o videoclipe passa a ser parte de um sistema que acopla o artista a criação de uma imagem. Alguns artistas já criam as músicas pensando em suas características visuais, dando vida a um conjunto de padrões audiovisuais que compõem a esfera de um trabalho inteiro, como a divulgação de um álbum. No videoclipe da música Let Forever Be do The Chemical Brothers, Gondry aproveitou a base eletrônica da canção e suas batidas sincopadas e criou um vídeo no qual as imagens em demasia parecem ser o reflexo de um caleidoscópio, que vai criando imagens como se fossem reflexos, gerando planos que sugerem uma sequência das imagens do videoclipe. Simulando a vida real da personagem, as imagens são granuladas, capturadas de um equipamento de vídeo, e para fazer a transição para um mundo surreal que sugere um sonho, são usadas imagens em alta definição capturadas em película. Tudo isso misturado com efeitos de transições, dançarinas sincronizadas e a ausência da banda “real”. Mas será mesmo que existe uma linguagem padronizada e específica do videoclipe? Todos estes conceitos acerca de sua linguagem acabaram virando uma espécie de clichê ao se fazer uma abordagem do formato ou do gênero, e que na prática não se atrela 1 Consagrado e premiado artista francês que alcançou o sucesso dirigindo videoclipes, tendo como destaque os trabalhos de artistas como: Björk, The White Stripes, Beck, The Chemical Brothers, Daft Punk, entre outros. O diretor fez o caminho inverso, começou dirigindo videoclipes e depois de se destacar, foi para o cinema, dirigindo filmes como: “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças”, “Sonhando Acordado” e o mais recente “Tokyo”.
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somente à estes elementos acima citados.
Figura 1 - Dançarinas no videoclipe de Let Forever Be do The Chemical Brothers dirigido por Michel Gondry.
É possível ver esta não-padronização e inexistência de uma linguagem fechada nos videoclipes do mesmo diretor em questão, como em Protection para a também dupla eletrônica Massive Attack. Ele não utiliza de imagens em demasia ou cortes frenéticos (on the beat), mas para a ocasião criou um vídeo em plano sequência, em um único take, ele viaja com a câmera por um cenário singelo, mostrando a vida de pessoas em um prédio. Apesar da suposta simplicidade das imagens e procedimentos audiovisuais, a produção é extremamente complexa. Uma das marcas do diretor é exatamente criar no expectador dúvidas sobre como suas produções foram produzidas, sempre com efeitos ou cenários que são um verdadeiro espetáculo de ilusionismo. Em Protecttion, uma única câmera percorre o cenário, que foi montado horizontalmente, e os personagens que parecem estar em posição vertical (em pé), na verdade estão deitados. A dupla de DJs Robert Del Naja e Grant Marshall, participam do videoclipe, mas somente quem os conhece consegue identificá-los em meio a tantos personagens. Já a mulher que dá voz a canção, a cantora Tracey Thorn da banda Everything but the Girl, assume a posição de protagonista no videoclipe, aparecendo e reaparecendo em lugares diferentes no cenário, aumentando ainda mais a curiosidade sobre sua produção. 10
Já no videoclipe para a música Everlong da banda Foo Fighters, Gondry consegue contar uma pequena narrativa no pouco tempo que o formato lhe proporciona. Um casal que dialoga através dos sonhos. Ou então no videoclipe Come Into My World, da estrela pop australiana Kylie Minogue, onde também em um plano sequência, mas desta vez utilizando efeitos de sobreposição de imagens, que geram cinco cantoras ao mesmo tempo, o diretor tira todo o glamour que está vinculado à imagem da cantora, já que o videoclipe mostra ela andando por uma rua de Paris, num dia comum fazendo compras, sem muita maquiagem ou roupas esplendorosas. Assim, podemos apontar que não existe uma forma adequada, ou um padrão para se fazer um videoclipe. Uma afirmação que pode parecer banal, uma vez que é bastante evidente que o videoclipe sempre sofreu transformações em seu formato estético e de consumo, adaptando-se tanto ao contexto social e político quanto ao cenário mercadológico e tecnológico, ao qual está inserido. No entanto, uma investigação mais detalhada e elaborada sobre esse formato audiovisual revela uma trajetória e um futuro ainda mais híbrido. Mais do que um "simples" formato de curta duração, o videoclipe torna-se uma fundamental ferramenta publicitária, capaz de divulgar um produto (cantores, bandas e suas músicas), através de uma estética de imagens. Muito mais do que isso, o videoclipe é capaz de criar novas realidades de consumo das músicas, no qual as mensagens transmitidas ultrapassam os códigos semióticos que observamos apenas através das letras das canções, divulgando tendências, comportamentos e produtos. Além disso, ainda se insere na lógica do sistema audiovisual contemporâneo, no qual contamina e é contaminado por outros formatos, suportes e gêneros, em alguns momentos assumindo uma postura radicalmente experimental. Estas novas formas de produção audiovisual acabaram atraindo artistas de novos eixos. Nos anos 80, por exemplo, foram as bandas mais experimentais que criaram novas possibilidades de se trabalhar o videoclipe, atraindo cineastas e videoartistas que dariam uma nova cara e assim revigorando o formato. Abrindo espaço na televisão, para o grande público ter acesso, a um tipo de produção artística que normalmente não circulava naquele meio, já que estava mais restrita aos festivais de vídeo e mostras de videoarte. Basta ver o importante acervo de bandas como The Residents, New Order, Sonic Youth, Depeche Mode, R.E.M., entre outros, nos deixaram, inclusive em museus como o MoMA de Nova York. No primeiro capítulo aponta-se como o gênero videoclipe teve suas origens, de forma difusa, absorvendo aspectos do cinema experimental, dos musicais de Hollywood, da TV e da publicidade. Mas logo depois o gênero começou a fazer o caminho contrário, influenciando a própria publicidade, a TV e até o cinema, estabelecendo-se assim no contexto de hibridações típicas do audiovisual contemporâneo. É possível ver os espectros do videoclipe em filmes como 11
“Corra, Lola, Corra” (1998) do diretor Tom Tykwer; “Amores Brutos” (2000) do diretor Alejandro González Iñárritu; “Clube da luta” (1999) dirigido por David Fincher, que, aliás, fez diversos videoclipes, como Express Yourself e Vogue da Madonna, Freedom '90 de George Michael, Love Is Strong dos Rolling Stones, entre outros; vemos estas influencias até mesmo em produções brasileiras como o polêmico “Cidade de Deus” (2002) de Fernando Meirelles. Isso porque vemos na linearidade destas produções aspectos que nos chamam a atenção para o tipo de “padrões” ou “linguagem” que são em grande parte, já especificas do videoclipe, criando assim este trânsito entre formatos audiovisuais. Um dos embriões do videoclipe foram os vídeos promocionais, gravados em película, produzidos pelos Beatles nos fins dos anos 60, quando a banda parou de fazer shows, mas precisava de alguma forma saciar os seus fãs que tinham necessidade de vê-los se apresentando. Após uma temporada de apresentações em estúdios de TV, nos Estados Unidos, Inglaterra e Japão, o quarteto viu no vídeo uma possibilidade revolucionária. Seria possível gravar de forma acessível uma apresentação e enviá-la para vários programas em vários locais do mundo, sem depender da tão disputada presença física da banda. Além das músicas, os Fab Four deixavam gravadas nas fitas, saudações e brincadeirinhas para seus fãs. Os vídeos promocionais dos Beatles já possuíam uma linguagem que viria a ser associada diretamente ao conceito padrão dado ao videoclipe, imagens coladas, sobrepostas e montadas de forma rítmica e não-linear2. Mas a pesquisa nos levou a perceber que esse padrão é expandido e ampliado a novas possibilidades, e dos Beatles ao YouTube, muitos fenômenos ampliaram as possibilidades estéticas e formas de consumo do videoclipe. Outra marca na história do videoclipe foi quando nos anos 80, surge a MTV3 e a partir disto, a popularização do gênero. Seria o videoclipe Thriller, de Michael Jackson, apenas uma ferramenta publicitária? Um produto criado com o intuito meramente promocional? Podemos dizer que nossa jornada inicia-se aqui, com a solidificação do formato videoclipe. No final da década de 70 e início dos anos 80, quando Michael Jackson, Madonna, U2, New Order, entre outros artistas, foram os responsáveis pela solidificação do formato, o surgimento de um diferente tipo de experimentação audiovisual. Tratam-se de artistas mais ousados que utilizaram o formato televisivo também para reinventar o audiovisual. Além disso, a solidificação e reinvenção do formato permitiram o nascimento de uma conceituação sobre a linguagem videoclíptica. Surge então um novo caminho e um novo olhar sobre as perspectivas da música pop e da 2
In: Anthology [DVD Box]. Inglaterra: Apple. 2003. MTV – Music Televison, emissora americana lançada em primeiro de agosto de 1981. Com uma programação voltada quase que totalmente por transmitir videoclipes, foi responsável por criar uma nova maneira de se consumir música inaugurando um novo fenômeno cultural. 3
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indústria fonográfica. Se na década de 60 os jovens cresceram e viveram em uma catarse do movimento e comportamentos hippies, nos anos 70, começaram a entrar em êxtase pela busca de grandes shows de bandas como, Pink Floyd, Genesis e Yes, e o estouro das discotecas. Nas décadas seguintes o que se viu, foram jovens que pareciam aficionados ao assistir a videoclipes na programação da TV, principalmente nas emissoras MTV e VH1, um hábito fomentado pelas gerações de 80 e 90. O telespectador, geralmente jovem ou adolescente, esperava ver seu artista preferido representado imageticamente de uma forma alternativa aos shows, numa telinha onde os canais de música montavam sua programação, muitas vezes baseada em uma demanda do mercado. Em alguns programas, era possível uma democrática votação para hierarquizar os tops da parada. No Brasil, que ainda não tinha a MTV, a grande sensação era aguardar a estréia das mega produções videoclípticas no programa dominical Fantástico da Rede Globo. Esses hábitos definharam, apesar de manterem alguns resquícios e saudosismos em certos programas da televisão, como ainda ocorre com o Fantástico e alguns rankings de canais especializados. Aquela geração de telespectadores se tornou, também, uma geração de usuários da rede, que buscam assistir as tais representações artísticas, de forma livre e independente, através da internet, juntamente com a geração da primeira década do novo milênio, que especialmente já cresceram com as novas ferramentas digitais. Segundo Arlindo Machado "já se foi o tempo em que o videoclipe era uma peça promocional produzida por estratégias de marketing para promover o artista e vender seus shows" (MACHADO, 2003, p.173). Tal afirmação é calcada em uma volúvel trajetória do videoclipe. Trajetória bem peculiar, diga-se de passagem. Um formato que inicialmente era tratado como produto promocional, uma mera ilustração das músicas através de imagens, hoje é visto como uma forma audiovisual plena, uma síntese do audiovisual e uma das expressões culturais que nos últimos anos parece ter sintetizado as mudanças pelas quais passou a produção audiovisual contemporânea, sendo assim relevante para pensarmos o papel da imagem em movimento no contexto atual. Constatações essas, que serão discutidas ao longo da pesquisa "Nuances do Videoclipe Contemporâneo" na qual se discute os processos e posições que o objeto sofreu e alcançou desde sua origem. Focamos nosso objeto no contexto da contemporaneidade, pois observamos o fato do videoclipe ser um “produto audiovisual” de amplo consumo no mundo virtual. A pesquisa buscou definir conceitos que dessem base a essa idéia de “produto, consumo e mundo virtual”. O formato audiovisual híbrido que se tornou o videoclipe abre espaço para estudos sobre as linguagens audiovisuais e seus desdobramentos, tal como a história que levou um vídeo 13
promocional (promo video), inicialmente usado apenas para divulgação de músicas, a se tornar uma peça artística particular, com amplas possibilidades de construção. As nuances observadas no amplo cenário de possibilidades imagéticas, consumo de ideais, símbolos e comportamentos presentes no mundo das novas tecnologias vão contribuir para alterações na produção, distribuição, consumo, recepção e assimilação do videoclipe no contexto das mídias digitais. No segundo capítulo, provocam-se discussões que aludem a uma reavaliação do papel estrutural do videoclipe, uma vez que o avanço tecnológico proporciona liberdade de produção, emissão e recepção de materiais audiovisuais. Na era do YouTube, câmeras digitais fotográficas e celulares equipados com câmeras de vídeo e gravador de áudio, o indivíduo pode produzir, mesmo que de forma amadora, seus materiais audiovisuais e compartilhá-los, assim como, o fã passa a ser criado de conteúdo para o seu ídolo, se envolvendo diretamente no “semblante midiático” – termo criado por Andrew Goodwin, que juntamente com Arlindo Machado e Thiago Soares, formaram o pilar, por onde nos apoiamos para vivificar e dar suporte a esta pesquisa. A preocupação com padrões estéticos não é tão importante, mas sim a participação no processo de criação e distribuição desses conteúdos audiovisuais para todos os públicos. Em 2007, aconteceu um fato curioso na MTV Brasil, quando a emissora decretou o “fim” do videoclipe, o até então diretor de programação, Zico Goes, declarou que "o videoclipe não é tão televisivo quanto já foi. Apostar em clipe na TV é um atraso” 4. Equivocado, ele defendia que o videoclipe não fazia mais parte de um ineditismo dentro da emissora, pois as pessoas tinham acesso aos materiais através da internet. Poderíamos dizer então que a era do videoclipe estaria próxima do fim? Não exatamente. Para situar o objeto de estudo em sua atual condição, discutimos no terceiro capítulo, como o videoclipe migra e se adapta facilmente a outros suportes em uma velocidade de variação tão rápida quanto à inovação dos meios tecnológicos. Antes veiculado apenas na TV, agora é possível e, cada vez mais comum, assisti-lo no PC. E não podemos nos esquecer dos aparelhos celulares e MP4. Contudo, mais importante do que a constatação da mutante trajetória do videoclipe e da visualização do formato em horizontes futuros, e ainda mais híbridos, é constatar o importante legado que este formato audiovisual deixa: sua linguagem difusa. Além disso, fica a certeza de que teve um papel fundamental no desenvolvimento das produções audiovisuais e na cultura pósmoderna. Uma linguagem que passa por uma reformulação e traz influências dos usuários que agora tem total liberdade de expressar sua cultura, intenção e criatividade. 4
Fonte: <http://www.ufscar.br/rua/site/?p=681>
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CAPÍTULO I:
DEVANEIOS
AUDIOVISUAIS DA MÚSICA
DOS
POP:
BEATLES AO YOUTUBE!
De cima para baixo: A Hard Day’s Night (1964) dos The Beatles, dirigido por Richard Lester; Thriller (1983) de Michael Jackson, dirigido por John Landis; Material Girl (1984) de Madonna, dirigido por Mary Lambert; Heart-Shaped Box (1993) do Nirvana, dirigido por Anton Corbijn; All is Full of Love (1999) de Björk, dirigido por Chris Cunningham; e Single Ladies (Put a Ring on It) (2008) de Beyoncé, dirigido por Jake Nava.
"O vídeo destruiu a estrela do rádio. Na minha mente e no meu carro, não conseguimos rebobinar, nós fomos longe demais. Imagens chegaram e partiram seu coração Coloque a culpa no videocassete."1 The Buggles
1 Tradução livre do trecho: "Video killed the radio star. In my mind and in my car, we can't rewind we've gone to far. Pictures came and broke your heart, put the blame on VCR". DOWNES, Geoffrey; HORN, Trevor. In: The Buggles. The Age of Plastic. Inglaterra: Island, 1980. Faixa 2. 16
Figura 1 - Foto de divulgação do videoclipe Trhiller. (Foto: Stephan Vaughn).
Michael Jackson já era um ícone da cultura pop e da música popular massiva em dois de dezembro de 1983. Seu álbum anterior “Off the Wall”, de 1979, já tinha alcançado grande sucesso e o garoto prodígio, revelado ao mundo no grupo de irmãos The Jackson 5 vinha mostrando que o mundo pop estava crescendo em ambições e pronto pra conceber uma nova forma de consumo da música popular massiva. “Thriller”, álbum posterior, lançado em 1982 já tinha alcançado o topo das paradas em todo o mundo e batido vários recordes2, frutos de uma produção impecável, que misturava toda a energia da Black music com uma sonoridade abrangente, com a renomada produção de Quincy Jones3. Os seus arranjos misturavam funk, hard rock, um pouco de soul e baladas românticas, que juntas formavam uma sonoridade nova. Sonoridade, que transcendeu as 2 Thriller aparece no livro do Guinness World Records, como o álbum que permaneceu por mais tempo em primeiro lugar de vendas, somando 37 semanas; o Home Video do videoclipe Thillher, também foi o mais vendido da historia, mais de um milhão de cópias. (Book of the Guinness World Records – 2006). 3 Quincy Delight Jones, Jr. 1933. Renomado multi-artista: executivo, produtor, compositor, arranjador, etc, trabalhou com diversos artistas americanos como, Miles Davis, Frank Sinatra, Count Basie, Lesley Gore, Peggy Lee, Ray Charles, Paul Simon e Aretha Franklin. Produziu os álbuns de maior sucesso de Michael Jackson, Off the Wall (1979), Thriller (1982), Bad (1987) e ainda produziu o single beneficente "We Are the World” (música escrita por Michael Jackson e Lionel Richie). 17
fronteiras da música pop e uniu sua música popular ao som de ícones do rock, como a do guitarrista Eddie Van Halen da banda Van Halen e o ex-beatle Paul McCartney. Isso levou o álbum ao mais alto nível da música pop. Mas acima de tudo o álbum teve o uso de estratégias de marketing intensas e massivas, nunca antes vistas na indústria fonográfica. Michael Jackson agradou a muitos, na verdade milhões, uma multidão que fez deste o álbum mais vendido de todos os tempos, cerca de 40 milhões na época e 25 anos depois, reinando absoluto no trono do pop, chega à marca de 104 milhões de cópias vendidas pelo mundo; uma construção genialmente feita para agradar a todos os tipos de consumidores e apreciadores de música, do rock ao hip hop, do soul a new wave, do mainstream ao underground. A história foi se escrevendo e Jackson se tornou o primeiro negro a ter um videoclipe – termo criado para sintetizar um formato audiovisual difuso e híbrido, referindo-se à técnica midiática de recortar imagens e fazer colagens em forma de narrativa em vídeo – exibido pela emissora norte-americana MTV, que com pouco mais de dois anos, ainda guardava certo conservadorismo e preconceito sobre o tipo de música que o seu público integralmente branco deveria ver em sua programação. Para a emissora, um negro que estava ligado ao cenário rhythm and blues4 não seria uma boa influência para os seus jovens espectadores. Beat it quebrou as barreiras raciais dentro da emissora, além de tirar o estereótipo da MTV, de ser uma emissora exclusivamente "rockeira"5. A emissora americana estava muito enganada, pois os videoclipes de Beat it (1983), dirigido por Bob Giraldi e Billie Jean (1983), dirigido por Steve Barron, foram impactantes, além de terem sido indiscutivelmente inovadores para a época. Os videoclipes de Jackson traziam um novo olhar e uma nova maneira de construção e montagem, suas narrativas aproximaram o videoclipe do cinema, curtas-metragens que em algum momento virava um musical, mas um musical que contemplava atrair o espectador a consumir o produto fonográfico a que o vídeo estava vinculado. Não bastasse este impacto de imagens e sensações, Jackson, trouxe aos olhos dos expectadores um estilo único, suas roupas e sua maneira de cantar e dançar seduziu e causou grande furor na audiência de canais que transmitiam os videoclipes, marcando assim uma época de diversas mudanças no cenário cultural e na maneira de se consumir música.
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Termo usado para designar a música negra norte-americana abrangendo o pop, fortemente influenciado pelo hip hop, funk, e soul. 5 Fonte: <http://www.mtv.com/music/artist/jackson_michael/artist.jhtml> 18
Em meados dos anos 80, os videoclipes ainda não tinham uma grande escala de produções, mas a indústria fonográfica logo percebeu o quanto aquele formato genuinamente televisivo era promissor e ajudaria a alavancar as estratégias de consumo musical. Mas naquela noite de dois de dezembro de 1983, o mundo viria pela primeira vez algo ainda mais inovador. Com toda pompa, em uma sala de exibição cinematográfica em Los Angeles – Hollywood, com a presença de vários artistas do mundo da música e do cinema, o videoclipe da música Thriller teve sua grande world premier, dignas de uma superprodução hollywoodiana; o videoclipe teve sua préestréia em uma sala de cinema, antes mesmo de ser exibido em alguma emissora de televisão ou até mesmo do lançamento do compacto da música – single, como é chamada a “música de trabalho” recente de um artista que é lançado separadamente ao álbum. Com as novas mídias as maneiras de comercializar este formato se dissiparam e muitos artistas usam a internet como meio de disponibilizar digitalmente os singles, gratuitamente ou cobrando um baixo valor. O videoclipe foi uma superprodução, como também foi uma experiência pioneira para a época, exorbitante, fora de todos os padrões que já tinham sido estipulados. Para a direção, foi chamado o cineasta John Landis6 – consagrado produtor e cineasta americano, com destaque para a direção de "Os Irmãos Cara de pau" (1980) e “Um Lobisomem Americano em Londres" (1981), com Michael Jackson, Landis além de Thriller, dirigiu também o videoclipe de Black or White (1991) – foi chamado pra produzir a película com pouco mais de 10 minutos, uma mega produção que custou cerca de 600 mil dólares, envolvendo coreógrafo e maquiador premiados. A narrativa do videoclipe Thriller foi baseada em um filme de terror de Landis, "Um Lobisomem Americano em Londres” (1981). E a história do videoclipe contém todos os clichês dos filmes de terror, mas é exatamente esta sátira com certo tipo de humor, que construiu a sua narrativa, uma nova forma nunca antes vista, para “simplesmente” divulgar uma música – aliás, Jackson usou da ironia e do sarcasmo de si próprio para alcançar seus objetivos. Como não ficar pasmado com o aspirante a rei do pop, transformando tudo em que toca em ouro, no videoclipe da música Billie Jean? Sempre megalomaníaco, irreverente e inovador, Jackson criou um ambiente cinematográfico em Thriller. Um curta-metragem, pois mostra ali todos os elementos típicos da 6
Nesta época era muito comum a participação de cineastas na produção de videoclipes. Posteriormente Martin Scorsese produziu para Michael Jackson uma espécie de videoclipe/curta-metragem para a canção Bad (1987). Outros cineastas que também passaram pelo videoclipe: Gus Van Saint, Ridley Scott, Spike Lee, David Linch, Brian de Palma, etc. 19
linguagem cinematográfica mais tradicional e contêm uma narrativa com início, meio e fim, pontos de viradas, suspense e terror, os planos, a produção, o set de filmagem, tudo nele remete ao cinema. O videoclipe começa com um aviso: "Devido a convicções pessoais, este vídeo não influencia crença no ocultismo", isso porque Jackson era da religião Testemunha de Jeová na época. A história começa mostrando um casal, vivido pelo cantor e pela atriz Ola Ray (que na época era modelo e foi capa da revista Playboy), passeando em uma noite de lua cheia, quando a gasolina do carro acaba e o astro ao tentar revelar um segredo a namorada, se transforma em um lobisomem. Mas isso era apenas a cena de um “filme” dentro do vídeo, a narrativa começa mesmo, com o casal, agora sentado no cinema assistindo à cena aterrorizante; e somente neste ponto, ao saírem do cinema, que começamos a ouvir os primeiros e inconfundíveis acordes da música. Isso, após quatro minutos e dez segundos, tempo suficientes para todo o fluxo de um videoclipe, mas Thriller não é um videoclipe comum. Durante a caminhada por uma rua sombria, zumbis e monstros moribundos são despertados por versos macabros, declamados por Vincent Price, grande estrela dos filmes clássicos de terror. A música por si só já traz batidas fortes e contagiantes, mas não contente Jackson leva o espectador ao delírio quando no ponto culminante do vídeo, começa a fazer uma coreografia que impressiona, junto a um grupo de dançarinos, um balé de monstros sincronizados com toques de dança de rua, breakdance como é o clássico passo de dança criado pelo “rei do pop” e virou uma de suas marcas, o moonwalk. Quem assina a coreografia é o próprio Jackson junto com o premiado Michael Peters (vencedor do Tony em 1982 pelo musical Dreamgirls), que já tinha coreografado anteriormente o videoclipe da música Beat It. A música pop cresceu, expandiu e se tornou um gigante, nos termos da indústria fonográfica, mas até hoje, nenhum outro videoclipe teve tamanha repercussão. Segundo o jornalista Alexandre Santos7, o videoclipe Thriller em sua estréia no Brasil, anunciado com toda pompa pelo apresentador Cid Moreira, no tradicional programa dominical Fantástico, da Rede Globo, teve uma repercussão e sucesso tão grandes que na semana seguinte, a pedido dos telespectadores o programa teve que reprisar o videoclipe. Na época de sua estréia, a MTV exibia o videoclipe a cada 40 minutos em sua programação. No ano seguinte, em 1984, a emissora, como forma de enaltecer os melhores videoclipes do ano, criou a premiação “MTV Video Music 7 Fonte: <http://freakshowbusiness.com/2008/11/12/os-melhores-videoclipes-de-todos-os-tempos-1-thrillermichael-jackson/>
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Awards”, concorrendo em várias das principais categorias o videoclipe de Thriller era sem sombra de dúvidas o favorito da noite, porém o videoclipe ganhou apenas dois prêmios técnicos, o de “Melhor Performance Geral num Videoclipe” e o de “Melhor Coreografia”, o terceiro e principal prêmio que recebeu na noite, foi o de “Melhor Videoclipe Segundo Escolha da Audiência”; o videoclipe ainda venceu dois Grammy Awards como "Melhor Vídeo" (1984) e "Melhor Vídeo de um Álbum" (1985). A primeira superprodução videoclíptica foi assim: com uma forte influência do cinema; dirigido por um cineasta e teve a sua estréia nas telas de uma tradicional sala de exibição cinematográfica. Além disso, este vídeo foi um marco para fortalecer e dar uma impulsão na produção de videoclipes. Foi o primogênito de um mercado que estava apenas começando e hoje é o espelho de uma geração, um formato midiático que, de alguma forma, parece sintetizar todas as transformações culturais que vivenciamos nestes últimos 30 anos. Ajudou a desenvolver e entender como o fortalecimento, a inovação e a construção da imagem do artista através de meios audiovisuais e através destes conceitos dissonantes que envolvem o consumidor de tal forma, que o faz seguir seus ídolos ardorosamente, como se fossem um Deus. Em dois de dezembro de 1983, o videoclipe já existia como um formato consistente e condizente. Michael Jackson e seus produtores não foram os responsáveis e os criadores do formato videoclipe. Mas eles deixaram sua marca e mostraram ali, que o “music video” (termo em inglês usado para designar videoclipe) não era apenas um espaço para divulgar e aumentar massivamente as vendas dos álbuns, mas que também era possível conciliar estratégias de marketing com outros atributos artísticos admiráveis, criativos e que dialogavam com outras artes e expressões, como: cinema, teatro, videoarte, etc. O álbum Thriller e seus vídeos traçaram um novo caminho e um novo olhar sobre as perspectivas da música pop e da indústria fonográfica. O videoclipe da música homônima, além de um fenômeno que marcou toda uma geração, foi um marco importante para impulsionar outros artistas a produzirem mais videoclipes. Ele quebrou barreiras e nos fez refletir sua indiscutível importância do videoclipe para a produção audiovisual de um modo geral e de como esse formato tem a capacidade de ser tão difuso e hibrido. Sendo um videoclipe que traz características e referências, como as dos musicais, com uma estrutura de curta-metragem, inspirado em um filme de terror e acima de tudo, se tornou um fenômeno pop.
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Figura 2 - Acima a capa original (fotos Dick Zimmerman) do platinado álbum de 1982 e ao lado a capa da versão comemorativa dos 25 anos, lançada em 2008 (foto: Stephan Vaughn).
2.1
Concepção de um novo formato
Andrew Goodwin defende que o videoclipe deve ser contextualizado como um produto da indústria fonográfica, que está associado estruturalmente à música pop. Para entender a sua estrutura, temos que buscar conexões, na tentativa de articular as relações entre som e imagem, juntamente com outros elementos da música, como letra, arranjos, ritmização, etc. (1992, p.03); Já Arlindo Machado define de maneira mais precisa sobre a construção da estética do videoclipe, como sendo um formato enxuto e concentrado, de curta duração, de custos relativamente modestos se comparados com os de um filme ou de um programa de televisão e com um amplo potencial de distribuição (2001, p.173). Para Thiago Soares “o videoclipe sintetiza várias características do mundo contemporâneo, como a fragmentação imagética, a despreocupação com a narrativa e ‘o fascínio de uma superficialidade hiper-real’” (2004, p.07). Mas, mais do que isto, o videoclipe é um formato audiovisual que possibilita sensações, já que imbrica som e imagem, possibilitando expressar visualmente o conceito de uma canção aliada à imagem do artista, provocando assim uma relação sinérgica. Esses sentimentos que operam em áreas diferentes da sensibilidade humana acabam por criar uma nova maneira de expressão. Tudo isso afirma a importância da relação entre som e imagem. Se primeiramente o áudio no cinema era 22
feito com a apresentação de músicas e orquestras, em 1926, o áudio é incorporado à película inaugurando um novo período na historia do desenvolvimento da indústria cinematográfica. A relação do cinema com o rock se iniciou com os musicais criados para divulgação de artistas, com os filmes produzidos para Elvis Presley, Chuck Berry, Little Richard, etc. O videoclipe, então, desafia os termos do debate sobre o "texto realista clássico", derivado dos estudos em cinema a partir de duas vertentes. Primeiro, a música em si conclui com êxito a resolução através da repetição, mais do que pelo desenvolvimento linear. Segundo, as letras das canções, frequentemente operam sem qualquer desenvolvimento temporal – e se a historia for contada em palavras do inicio ao fim, o método do contar é certamente inteiramente diferente do encontrado no cinema ou na TV. (GOODWIN, 1992, p.84, tradução nossa)8.
O hibridismo presente nos códigos do videoclipe existe devido ao seu variado leque de referências vindas de diversos meios como cinema, teatro e videoarte, entre outros, e possibilita uma diversidade de estilos e técnicas audiovisuais de múltiplas referências simbólicas, que propiciam novas percepções e inovações na produção audiovisual. Talvez o videoclipe possa ser visto como uma metáfora, já que sua linguagem vai além de uma simples definição, seu formato difuso e facetado torna sua investigação algo complexo. Uma possível definição não deve ficar presa somente a aspectos como planos, edição, estética ou a relação entre letra e canção. É preciso ampliar os horizontes investigativos para interpretar seus signos, aspectos cognitivos, sensoriais e também mercadológicos e comerciais. Sua especificidade vai depender de alguns fatores, ligados aos interesses dos artistas/realizadores, gravadoras e o posicionamento do artista ou banda no mercado, ou seja, como este artista associa e transmite sua imagem ao consumidor. Também devemos levar em consideração alguns grupos de artistas que usam dos meios audiovisuais para causar uma total transgressão do que já foi feito ou sempre buscam inovar, fazendo do videoclipe um espaço de experimentalismo, como explica Arlindo Machado. Naturalmente, atitudes transgressivas e inovadoras dentro do clipe estão em geral associadas à música de bandas que também adotam uma postura independente ou desconfiada em relação aos ditames das indústrias fonográfica e televisual (Lou Reed e 8
Music video clips thus defy the terms of the debate about the “classic realist text” derived from film studies on two counts. First, the music itself achieves resolutions through repetition, rather than linear development. Second, the song lyrics often operate without any temporal development – and even where a story is told in the words from beginning to end, the method of storytelling is certainly entirely different from that found in television or cinema.
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o Velvet Underground, R.E.M., Garbage, Radiohead, Joy Division/ New Order), ou que abertamente incorporam distorções, ruídos dissonantes e sonoridades pouco suportáveis a ouvidos tradicionais (Sonic Youth, Rage Against the Machinee, no Brasil, Arnaldo Antunes). Na verdade, sempre acaba acontecendo uma atração natural entre videastas e músicos que buscam um trabalho menos esclerosado e que se dispõem a colocar entre parênteses os esquemas adquiridos à custa do hábito, da repetição ou da imposição do mercado. O videoclipe mais interessante é, portanto, aquele que nasce de uma sensibilidade renovada e de uma decisão crítica nos planos musicais e audiovisual ao mesmo tempo. Essas atitudes criativas são hoje mais facilmente encontradas em produções de caráter independente, realizadas à margem dos esquemas mercadológicos predominantes. (MACHADO, 2001, p.178).
Podemos visualizar isto claramente nos videoclipes produzidos, a relação do artista com o contexto audiovisual e mercadológico, que delimitam e cooptam com o meio em que estão inseridos. Aqueles que se posicionam distintamente no mercado, que se configuram como elos de consumo do universo pop, o mainstream, determinado por uma estratégia de consumo de amplo alcance, usual e que seja familiar às massas. Musicalmente, o mainstream é um segmento de fácil assimilação e segue um padrão já consagrado pelo grande público e frequentemente tem sua imagem relacionada aos meios de comunicação de massa, ou seja, TV, rádio, revista, internet, etc. Do lado oposto, temos o underground, determinado por seguir uma estratégia de consumo segmentado, fugindo dos padrões comerciais, dos modismos e normas midiáticas de sucesso já constatadas. Distingue-se por seguir uma linha mais distante dos meios de comunicação de massa, alcançando o público através de guetos e meios alternativos e não estando ligados a grandes sistemas de divulgação e estratégias de consumo, além de se distanciarem na formatação musical, criando composições estruturalmente distintas da sonoridade que o grande público está acostumado a ouvir e pedir nos diários programas de rádio e TV que ranqueiam os “mais pedidos”. A música pop se divide e se configura basicamente nestes dois pólos distintos de consumo, portanto existem oscilações dentre esses domínios de mercado, que convergem entre si. Esta vertente mercadológica musical, que se configura quase como se fosse uma entidade, historicamente nasce no pós Segunda Guerra, com o estouro do rock and roll e assim se desenhou juntamente com o aparecimento das inovações eletrônicas que facilitaram e estimularam o consumo musical (como o rádio portátil, televisão, etc.) e as primeiras linhas de uma nova indústria cultural e de consumo musical. Apesar das diferenças de posicionamento de mercado e de postura frente ao público, hoje estes conceitos – de artistas que oscilam entre mainstream e underground – se misturam muito e a música pop expandiu e se tornou pós-massiva, como iremos 24
abordar no próximo capítulo. A facilidade de acesso a qualquer tipo de música, em qualquer lugar do mundo, graças às mídias digitais, praticamente eliminou as restrições contidas antes, como de espaço e mercado. Há não muito tempo atrás, ainda nos anos 90, era difícil ter acesso a produtos dos artistas underground. Nesta época, os artistas que quisessem alcançar um grande público tinham que assinar contratos com grandes gravadoras e isto gerava certo desgaste entre artistas e o seu público, já que os “seguidores” do artista quando independentes não aceitavam a nova condição de verem seus ídolos associados ao mundo comercial mais configurado. Jorge Cardoso e Jeder Janotti exemplificam isso: A banda norte-americana Metallica, adotou uma postura artística e política condizente com a estratégia do underground. Roupas, composições, declarações à imprensa e o próprio selo de distribuição dos álbuns, o Vertigo, faziam da banda uma das mais representativas do gênero musical Heavy Metal. Contudo, quando a banda assinou com uma major (grandes gravadoras do mercado fonográfico) e passou a empregar estratégias de consumo menos associadas ao underground o antigo público repudiou a produção afirmando que o Metallica havia se tornado uma “banda comercial”. (2006, p.10) .
Hoje a produção musical está bem mais dissolvida entre esses dois pólos. As bandas não precisam mais estar ligadas a grandes gravadoras para terem um amplo espaço dentro do mercado musical. Adorno e Horkheimer mostram em seu estudo fundador, em torno do que os autores chamaram de “Indústria Cultural”, que, “os valores orçamentários da indústria cultural nada têm a ver com os valores objetivos, com o sentido dos produtos” (1985, p.116). Podemos associar isto à banda Metallica, que se viu em uma situação de conflito, já que o a gravadora com a qual a estava associada, tinha artistas que não condiziam ao som produzido pela banda. Mesmo assim, a contratação da banda por uma grande gravadora não fez com que mudassem o seu gênero musical, ou por ser julgada comercial, já que tomadas devidas proporções, todo artista é comercial, já que depende da venda de seus produtos para gerar lucros. Mas em outro momento Adorno e Horkheimer dizem que: “Inevitavelmente, cada manifestação da indústria cultural reproduz as pessoas tais como as modelou a indústria em seu todo.” (1985, p.119). No caso do Metallica, isso implica que a audiência, ao subjugar a banda por estar em uma grande gravadora, que detém uma imagem de “indústria mercenária”, faz com que os músicos sejam vistos como tal. Graças à internet, às redes midiáticas, aos formatos de gravação e à circulação musical e toda movimentação sócio-técnica ao seu redor, hoje a música tomou alcances bem mais amplos, 25
e as bandas conseguem se manter cada vez mais independentes das grandes gravadoras. Exemplo disto é a banda britânica Arctic Monkeys, que viu o sucesso chegar através da internet, mais precisamente, através do perfil da banda no até então maior site de redes sociais do mundo, o MySpace9. A banda, que virou sensação britânica e rapidamente já era umas das mais ouvidas no mundo, passou do anonimato do underground ao estrelato do mainstream, sem ao menos ter um álbum no mercado. Somente após um tempo de insistentes contatos frustrados para assinar contrato, o Arctic Monkeys lançou seu primeiro álbum, “Whatever People Say I Am, That's What I'm Not” (2006). Um grande sucesso que em seu processo de divulgação e comercialização não precisou de nenhuma grande gravadora para ser lançado. A banda preferiu assinar com a independente Domino Records e focar suas ações no universo da internet. No Brasil, temos também diversos exemplos de artistas que transgrediram as barreiras da música popular massiva sem muitos esforços de produtoras e/ou gravadoras. Através da gravadora “Trama”, que fomenta a cena musical independente no Brasil, a banda paulistana “Cansei de ser Sexy” – internacionalmente conhecida como CSS – se tornou o grupo brasileiro de maior exportação, não alcançou somente os “inferninhos” indie10 e alternativos brasileiros, mas dominou os “toca discos” dos DJs mais badalados do circuito alternativo britânico e se espalhando pela Europa e Estados Unidos. A banda liderada pela cômica e irreverente vocalista Lovefoxxx, faz uma paródia do movimento indie, – isso fica explicitamente claro em seus videoclipes – emplacando hits nas rádios mais alternativas e fazendo parte do line up11 dos principais e maiores festivais de música do mundo, como o Glastonbury na Inglaterra e o Coachella nos Estados Unidos. Mais recentemente, a jovem de 16 anos, Mallu Magalhães, que conquistou o país com suas músicas doces e ingênuas, surgiu para provar essa fenomenalidade – de colocar músicas sem muitas pretensões na internet e virar um hit. Com uma sonoridade pop/folk a cantora repetiu a façanha do Arctic Monkeys de tocar em rádios e cair no gosto popular, sem ao menos ter um álbum lançado e tendo sua música distribuída pelo MySpace. Quando lançou um álbum, a cantora também optou por assinar contrato com uma gravadora independente.
9 Serviço de rede social que utiliza a Internet para comunicação online através de uma rede interativa de fotos, blogs, música e perfis de usuário. Em 2009 o site foi ultrapassado pelo FaceBook, hoje rede social com maior números de usuários no mundo, com mais de 300 milhões de usuários. 10 Termo usado para definir música independente em inglês. Estilo musical que caracteriza bandas que não são lançadas por grandes gravadoras e que sejam consideradas bandas alternativas. 11 Lista de atrações de artistas e bandas que compõem um evento ou festival. 26
O mercado atrelado ao underground e mainstream apresenta aparentemente posicionamentos muito distintos diante da mídia, mas com o estreitamento da fronteira entre esses conceitos, os artistas ficam inseridos no mesmo ciclo comercial, apenas se diferenciando e rompendo um paralelo no que dizem respeito à produção musical e audiovisual, uns não têm uma preocupação em fazer sonoridades e/ou letras que se distanciem do padrão criado para associar um determinado gênero, outros já buscam e tem a capacidade de fazer com que sejam vistos como artistas portadores de uma capacidade enorme de se renovarem. Este é o caso da cantora islandesa Björk, que tem seu nome associado à ousadia e a inovação graças as suas composições inovadoras e experimentais e à imagem que cria através de seus videoclipes, além de outras obras midiáticas e sua constante parceria com artistas que se destacam no meio audiovisual e das artes plásticas. Andrew Goodwin, explica que a “aparência” de um artista ou entidade se formata a partir de um conjunto de produtos da indústria do entretenimento e que orbitam sobre este artista, fazendo parte de várias peças de divulgação (CD, DVD, cartazes, banners, panfletos, sites e, é claro, os videoclipes), apontando para lógicas específicas e obedecendo a um projeto expressivo concreto, mais a frente este conceito em torno da construção da imagem do artista, será desenvolvido mais profundamente. Devemos levar agora em conta a Music Television para além das críticas e contextualizações anteriores: isto é, se o videoclipe envolve alguma relação do “semblante” à mercadoria em si, podemos esperar que a música (o objeto de valorização) será colocada em imagem. Assim, será importante dialogar com a música em si e sua relação com os videoclipes promocionais. Esse trabalho envolve a atividade essencial de teorizar a relação entre som e imagem que, por seu turno, leva-me a sugerir uma grande variedade de maneiras em que podemos montar uma análise musicológica da imagem visual. [...] As imagens são elementos fundamentais na produção de significado musical antes da intervenção das imagens de vídeo, devido à circulação das representações visuais do Pop na imprensa musical, em anúncios publicitários, e em performances ao vivo. (GOODWIN, 1992, p.50, tradução nossa)12.
12 Is now required to take this account of music television beyond the preceding critiques and contextualizations: that is to say, if music video involves some relation of “semblance” to the commodity itself, we can expect that the music (the object of valorization) will be imaged. Therefore, it will be important to engage with the music itself and its relation to promotional video clips. That work involves the essential business of theorizing the relation between sound and vision, which in its turn leads me to suggest a wide variety of ways in which we can mount a musicological analysis of visual imagery. I argued in the previous chapters that visuals are key element in the production of musical meaning before the intervention of video imagery, because of the circulation of visual representations of pop in the music press, in advertisements, and in live performance. 27
Figura 3 - Imagem do videoclipe Where is the Line (2005), de Björk, dirigido pela artista plástica islandesa Gabriela Fridriksdottir. O vídeo foi parte integrante da instalação Versations Tetralogia, exibida na Bienal de Veneza em 2005.
Os videoclipes de Björk nos levam a refletir sobre o papel dessa peça audiovisual na contemporaneidade e sobre seu formato dinâmico e facetado, não saturado e constantemente reinventado. A videografia da cantora é marcante, tornando seus videoclipes tão aguardados quanto seus álbuns. No mundo fantástico de sonhos pueris e com traços surrealistas, criado pelo diretor francês Michel Gondry em Human Behaviour (1993); da garota que parece perdida em um set de filmagem de um tradicional musical dos anos 50 em It's oh so Quiet (1996), dirigido pelo americano Spike Jonze; na forma de um robô andrógeno, falando de amor, no delicado All is Full of Love (1999) dirigido pelo inglês Chris Cunningham; ou ainda na incursão no universo paralelo, eletro cibernético e neon de Possibly Maybe (1996) com a direção do francês Stéphane Sednaoui. A constante preocupação da artista em conectar suas canções ao universo audiovisual de maneira criativa e experimental faz com que ela conte com o auxilio de um grupo de colaboradores diferenciados vindos das artes plásticas e do cinema experimental. O universo pop se move através da construção destas imagens e conceitos, isto fica mais fácil de ser visualizado em artistas que circundam o cenário mainstream, no qual a carreira dos artistas está ligada, entre outros fatores, também a exposição de sua vida pessoal. Um exemplo 28
desta construção é o da cantora americana Britney Spears que em diversos momentos transpõe e renova sua imagem, de garotinha de família comportada a uma mulher perversa e promíscua e por fim de mulher problema e mãe de família. Ironicamente ela brinca com tudo isto em seus videoclipes; como em Piece of me (2007) dirigido pelo diretor Wayne Isham em que ironiza o seu dia-a-dia como popstar e, em alguns momentos é perseguida por paparazzis; e no videoclipe para a música If u Seek Amy (2009) do diretor Jake Nava, que mostra a cantora em meio a uma casa aparentemente cheia de orgias, mas mantendo uma família feliz e que se enquadrada nos arquétipos americanos de conduta. No entanto, fica claro o quanto o videoclipe se firma como um dos principais artefatos de consolidação da imagem de um artista e pontua a diferença de posicionamento das duas cantoras: Björk, mais preocupada artisticamente em apresentar para o público apenas suas músicas e elementos audiovisuais e Britney, usando de seu estrelato para, cada vez mais, ter sua vida pessoal e pública associadas a sua música.
2.1.1
Origens e absorções audiovisuais
Para entender como o videoclipe chegou a se tornar um meio capaz de definir caminhos para os artistas dentro da indústria fonográfica, temos que voltar um pouco na história. Vejamos como era o consumo e como se deu a construção do formato no momento em que chamamos de era “pré-MTV”, ou seja, como os artistas estavam usando o audiovisual como suporte de consumo musical, antes mesmo do estouro das produções videoclípticas a partir do surgimento da MTV em 1981, nos Estados Unidos. Historicamente, não existe ao certo um ponto de partida, uma produção audiovisual que firmasse o início deste tipo de produção. Mas os videoclipes desta era “pré-MTV”, apresentavam características longínquas das que conhecemos hoje, seguiam uma linha mais performática do artista, acompanhando a obra musical, ou vídeos que faziam uma sequência, contando literalmente uma pequena narrativa da música, utilizado primordialmente como um dispositivo destinado a promover a venda das gravações musicais. Existem divergências e não há um ponto cronológico que podemos apontar como o primeiro videoclipe. Isso seria arbitrário e subjetivo, mas algumas obras apresentam um formato próximo do que viria a ser o videoclipe. 29
O videoclipe absorveu características de várias fontes audiovisuais, como no cinema feito pelas vanguardas russas que contem características muito usadas no videoclipe, que além disso, criaram alguns aspectos experimentais muito importantes para o desenvolvimento do cinema. O “Homem com uma Câmera” (1929), de Dziga Vertov, além de um marco na história do cinema, usou várias técnicas até então pouco vistas, congelando as imagens, colocado-as em câmera lenta ou acelerando, tudo para expressar as possibilidades infinitas da filmagem, apresentando sequências de imagens facetadas e não lineares, planos curtos e cortes frenéticos. Estas características do cinema de Vertov têm uma grande semelhança em como as imagens viriam a ser utilizadas pelos futuros produtores de videoclipe. Outro cineasta soviético, Sergei Eisenstein, teve uma experiência de grande importância para entendermos a construção do formato videoclipe. Em parceria com seu assistente Grigori Alexandrov e de seu fotógrafo Eduard Tissé produziu em 1929, na França, um clipe musical intitulado de "Romance Sentimental", para a cantora Marie Gri. Interessante que Eisenstein supostamente negava a autoria deste vídeo, dando-a para seu assistente Alexandrov, por ser uma obra que contém certas vulgaridades e clichês, tendo sido feito para levantar algum dinheiro para o cineasta recém-chegado à França. O vídeo com cerca de 20 minutos, mostra imagens de um piano branco num campo de trigo suavemente agitado pelo vento, cisnes nadando num lago, etc. Esta obra foi também a primeira experimentação de Eisenstein com o uso de áudio. "Romance Sentimental" consiste inteiramente nessa cantoria, intercalada de imagens de cisnes, estátuas, nuvens, árvores, ondas do mar, estrelas falsas, luzes, fogos. E aqui começa o interesse desse filme rejeitado e desconhecido, do qual se envergonhava o próprio Eisenstein. Ele é, em todos os sentidos, e pioneiramente, um "clip" musical, o patriarca da estética do videoclipe. (NETO, 2004)13.
Com o surgimento de Hollywood, a indústria cinematográfica passou a ser fundamentalmente voltada para a ideia de transmitir um espetáculo e de proporcionar entretenimento. O gênero de filmes musicais tinha esta característica de ser algo espetacular, fantasioso, com atuação e performances. Talvez esse seja o ponto inicial para a relação entre música e imagem. Os musicais se formaram inspirados na linguagem do teatro e das óperas, levando ao cinema, novas possibilidades de se explorar a relação entre som e imagem. Nos seus
13 “O "clip" musical de Serguei Eisenstein”. Folha de São Paulo. 2004. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/ult682u101.shtml> Acesso em: 18 de maio de 2009.
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anos de ouro, foram produzidos vários filmes que se tornaram clássicos do gênero musical, como “O Mágico de Oz” (1939), dirigido por Victor Fleming, destacando-se por ser a primeira experiência cinematográfica em cores, “Cantando na Chuva” (1952), dirigido por Gene Kelly e Stanley Donen e a “A Noviça Rebelde” (1965), dirigido por Robert Wise. O “rei do rock”, Elvis Presley, foi um dos grandes nomes deste gênero e estrelou vários musicais, além de ter sido um dos grandes responsáveis junto aos seus empresários em trazer a música para o cinema. O musical Love Me Tender (1956) foi o primeiro filme lançado pelo astro e um de seus maiores sucessos. As características peculiares criadas pelos musicais, de ser um espetáculo musical, com coreografias e performances grandiosas, são um prelúdio do formato que o videoclipe se tornou.
Figura 4 - A garota Dorothy na terra fantástica de OZ, em cena do filme “O Mágico de Oz.” de Victor Fleming. Graças ao advento da tecnologia sonora surgiu um novo gênero cinematográfico tipicamente norte-americano: o Musical. Paradoxalmente à intenção original de sua criação, o som foi utilizado por este novo gênero como um recurso que afastava os filmes da realidade – o que acontecia, por exemplo, quando os personagens começavam a cantar e dançar, interrompendo o desenvolvimento convencional da narrativa. Esse afastamento da realidade, proposto pelo musical, trouxe para o cinema de entretenimento uma maior liberdade e flexibilidade criativa, acarretando inúmeras descobertas e contribuições para a linguagem cinematográfica. (SOUZA, 2005, p.7).
Nos musicais, os longos planos e sequências contemplavam mais o ritmo do filme e não da música, tratavam de delimitar o gênero cinematográfico. O grande sucesso, “Ao mestre com 31
carinho” (1967), dirigido por James Clavell, contém uma narrativa relativamente tradicional. O filme narra à história do professor Mark Thackeray, que aceita dar aulas numa escola secundária de Londres para adolescentes que estão sem rumo na vida. O professor consegue cativar os alunos, que lhe fazem uma homenagem em uma sequência musical do filme com a música To Sir with Love, interpretada pela cantora escocesa Lulu (que participa do filme) obteve grande sucesso na época. O filme insere uma sequência que parece muito com um videoclipe, na prática um videoclipe dentro do filme, com uma proposta de linguagem muito próxima da que conhecemos hoje, com efeitos visuais diversos, como fotos sobrepostas às imagens, fusões e planos curtos. Atualmente temos exemplos de musicais que se apoiam mais na música do que nas características cinematográficas, como “Dançando no Escuro” (2000), do diretor Lars Von Trier. Neste filme, o diretor dinamarquês ironiza o gênero musical. Suas sequências musicais possuem uma relação de edição que segue os atributos das canções construídas em cima de ruídos e sons que estão inseridos no próprio filme, compostas pela cantora Björk, que também interpreta a personagem protagonista, Selma Jezkova. O filme apresentar um método antagônico ao que conhecemos sobre musicais, rompendo com as facetas venturosas dos filmes desse gênero, encarnando um verdadeiro drama cruel e satirizando a felicidade “falsa” típica dos musicais. Trier trouxe um novo olhar sobre o gênero, mas ainda se aproveitou para inserir belíssimas sequências musicais no longa, as cenas foram filmadas por cem câmeras que gravaram simultaneamente, deixando o material com exagero de cortes e planos. A vida cotidiana é mostrada de uma forma que remete ao formato documental e nas sequências musicais tudo é alterado, tanto nos planos e cortes quanto na atuação. O musical “Moulin Rouge” (2001) dirigido por Baz Luhrmann, que além de aproximar o universo pop do cinema (com canções de David Bowie, Madonna, e da banda Nirvana, nas vozes dos atores Nicole Kidman, Ewan McGregor e John Leguizamo), transformou suas sequências musicais em um formato tipicamente videoclíptico, construindo a edição a partir das estruturas musicais. Um musical contemporâneo com cara de videoclipe, mas ligando-se ao gênero tradicional de Hollywood. A origem dos vídeos promocionais da banda inglesa The Beatles está diretamente atrelada ao cinema musical. Um gênero cinematográfico que tinha em sua estrutura o uso de músicas, cantadas e coreografadas como forma de narrativa. O mockumentary14 “A hard day’s night” (1964),
14
Um documentário falso, com apelo ao riso. 32
dos Beatles, com seus números musicais adicionados à trama, seriam os primeiros passos para o videoclipe. Mas é fato que os Beatles foram uma das bandas pioneiras a misturar cinema e música. Com este filme começaram a desenhar esta nova forma imagética de consumo musical, que na verdade surgiu de uma necessidade da presença da banda em programas de televisão, que devido à grande demanda, começaram a substituir as apresentações ao vivo por gravações. “A hard day’s night” (1964) e “Help” (1965) foram filmes feitos para a TV pelo realizador Richard Lester. No lugar de um cineasta, a banda contratou um criador de comerciais de televisão para viabilizar o filme, dando um aspecto diferente ao material final. O filme, “A hard day’s night”, serviu também de base para Nam June Paik – que com o grupo neo-dadaísta, Fluxus, deu origem a videoarte, aproximando ainda mais a música das obras em vídeos que estavam sendo feitos – em seu trabalho chamando Beatles Eletroniques. Através de vídeos sintetizadores, Paik distorce eletronicamente e manipula cenas do filme. As influências de Paik sobre o vídeo, televisão e arte contemporânea, ainda ficam mais fortes em Global Groove (1973). O vídeo começa com a seguinte narração: “Este é um lampejo da videopaisagem do futuro, quando você será capaz de sintonizar qualquer emissora de TV na Terra e os guias de TV serão tão grossos quanto a lista telefônica de Manhattan.” (Tradução nossa)15, um prelúdio irônico do futuro, híbrido, fluido, e descontínuo, com uma explosão de batidas, misturadas com várias camadas de cores e sons, Paik nos leva a refletir sobre o papel das imagens eletrônicas, do futuro promissor e caótico que só estava começando. Paik era um visionário que queria pulverizar e desenvolver na cultura pop um vínculo entre arte contemporânea e experimental para que a população de massa tivesse acesso a meios nunca antes vistos em grande escala de distribuição e exibição. O videoclipe é a versão popular, às vezes também diluída, embora nem sempre, da videoarte que artistas como Paik, Etra, Emshwiller, Beck Seawright e tantos outros construíram a partir dos meados dos anos 60. Talvez até seja errado dizer que o videoclipe executa uma “versão” da videoarte, mesmo que massificada, pois em muitos casos são os próprios videoartistas que estão fazendo clipes. John Sanborn, por exemplo, prestigiado autor de Music Word Fire (1981), Act III (1983) e Luminare (1985), é hoje um dos mais criativos realizadores de videoclipes, autor, entre outros, de Heartbeat, com músicas do King Crimson, em que os recursos da informática são utilizados com uma sensibilidade finíssima. E o próprio Paik, no seu programa Goog Morning, Mr. Orwell, levado ao ar ao mesmo tempo em Paris e Nova York no réveillon de 1984,
15
This is a glimpse of a video landscape of tomorrow when you will be able to switch on any TV station on the earth and TV guides will be as fat as the Manhattan telephone book. 33
mostrou uma coleção bastante inspirada em videoclipes, em que se destacou principalmente o Excellent Birds, com música de Laurie Anderson e cenários sintéticos convivendo com figuras distorcidas. Há quem diga, a respeito dessa adesão dos artistas do vídeo à produções de clipes, foi a transformação da videoarte em television art, ou seja, a conversão de uma arte de elite em arte de massa. (MACHADO, 1988, p.171).
Nos anos 70, já é possível observar produções audiovisuais mais intensas dos artistas musicais. Um deles é vídeo Bohemian Rhapsody (1975) da banda inglesa Queen. Aplicado a sua construção estrutural, dinâmica e não linear, atrelado a abrangência de distribuição que o vídeo apresentou e por exibir com eficiência as qualidades da música, como os vocais com efeitos de ecos representados pela repetição do rosto dos músicos fazendo os vocais, Bohemian Rhapsody pode ser historicamente considerado como o primeiro videoclipe. Este vídeo é um importante marco para a construção e entendimento do formato, uma produção que foi bem sucedida às condições primordiais que lhe foram propostas de divulgar comercialmente a banda. E que podemos correlacionar este impacto do vídeo da banda Queen com o surgimento do formato videoclipe. Através dos anos isso foi se modificando, o videoclipe sofreu diversas transformações e encontrou um modelo que se encaixasse nos moldes do suporte que ele estava vinculado, a TV; um modelo curto (com duração média de três minutos e meio), rápido e de fácil entendimento. Estas transformações e experimentações foram apenas uma linha norteadora para o que ainda estava para ser definido no universo de criações com imagens, utilizando a música como base.
Figura 5 – O rosto do vocalista Fred Mercury distorcido no videoclipe para a música Bohemian Rhapsody, que marca a era “pré-MTV”.
34
2.2
Linguagem Difusa
A historia da arte não é simplesmente a historia das idéias estéticas [...] mas também e sobretudo dos meios que nos permitem dar expressão a essas idéias. (MACHADO, 2001, p.11).
Embora não exista um ponto de consenso sobre a criação do formato videoclipe, nota- se que de forma geral o desenvolvimento de padrões e técnicas produzidas principalmente no cinema foi determinante para surgimento deste formato. Pode-se apontar que a partir de um determinado período o áudio passou a ser tão importante quanto às imagens para as produções cinematográficas. A partir da introdução do cinema sonoro os estúdios começaram a notar que o aspecto técnico do áudio era de extrema importância. É difícil determinar em que ponto o áudio passou a ser referência para a fomentação estética do cinema. Nos primórdios o cinema se apresentou como um formato de apelo visual sem dar importância ou incorporar elementos sonoros na sua linguagem. Se notarmos as obras dos irmãos Lumière veremos que pouca importância é atribuída a outros aspectos da linguagem cinematográfica que não sejam os visuais. Entretanto a partir do desenvolvimento da própria linguagem cinematográfica as sessões passaram a ter acompanhamentos e arranjos musicais. O uso de partituras e a criação de trilhas musicais passaram a ser de extrema importância para a linguagem cinematográfica. “A imagem tampouco é a totalidade dessa linguagem. Desde quando o cinema é sonoro, deve contar com a trilha sonora, na qual não intervém apenas pela palavra, mas também ruídos e música.” (AUMONT, 2002, p.192). As vanguardas russas das décadas de 20 e 30, entre outras, introduziram uma nova concepção cinematográfica onde a montagem das sequências de imagens muitas vezes se apoiava no ritmo da trilha sonora e vice-versa. Nos momentos em que os cortes entre as imagens se apresentam de forma mais frenética a trilha sonora acompanha, ampliando a sensação de dinamismo proposta pela montagem. É importante notar que a trilha sonora passa efetivamente a fazer parte da linguagem do filme e em diversos momentos amplifica as sensações causadas pelas imagens. Esse fator é de extrema importância no desenvolvimento da linguagem cinematográfica. É extremamente difícil discutir o formato videoclipe como linguagem, especialmente pela sua origem difusa como já vimos. Até mesmo a linguagem cinematográfica apresenta impasses 35
quanto ao estudo de suas regras. Para muitos o cinema não poderia ser considerado uma linguagem já que não apresentava uma gramática fechada, e, portanto não tinha uma rigidez para se definir como linguagem. Como Robert Bataille no livro “A Estética do Filme”, de Jacques Aumont escreve que “A gramática cinematográfica estuda as regras que presidem a arte de transmitir corretamente idéias por uma sucessão de imagens animadas, formando um filme” (2002, p.167). Esta definição não leva em consideração a elaboração do som para a constituição da linguagem, o que hoje se constata ser de extrema importância para a construção da peça cinematográfica. Muitos autores na época do surgimento do cinema sonoro ainda não consideravam o áudio como um aspecto relevante no que se caracterizava como linguagem cinematográfica, como observa Aumont: O nascimento da estética do cinema na época em que ele era mudo não deixa de ter consequências para as concepções mais comumente admitidas da expressão fílmica. O cinema permanece, antes de mais nada, uma arte da imagem e tudo o que não é ela (palavra, escrita, ruídos, musica) deve aceitar sua função prioritária. Os filmes mudos mais “cinematográficos”, de acordo com esses critérios, eram os que prescindiam totalmente da linguagem dos letreiros, como por exemplo, “A ultima gargalhada”, de F.W Marnau (1924). Os personagens deviam falar o mínimo possível, o que limitava a escolha dos temas e das situações para os filmes narrativos, mas colocava muito menos problemas para os “documentários de vanguarda”. Às vezes, atribuiu-se a etiqueta de “cinema puro” a esses filmes sem subtítulos, para marcar bem sua originalidade. O surgimento do cinema falado abalou muito essa soberania sem partilha da imagem. Mas, no plano estético, o recém-chegado foi, por muito tempo, sentido como um intruso que era preciso domesticar, tanto pelos cineastas, Charlie Chaplin, S.M Eisenstein e muitos outros, quanto pelos críticos. (AUMONT, 2002, p.162).
O conceito de gramática cinematográfica já apresenta diversos dilemas e é potencializado ainda mais se for então levado em conta um formato como o videoclipe. Esta análise se torna ainda mais intricada, justamente pela volatilidade do formato. Vale ressaltar que foi justamente a evolução técnica dos meios de comunicação audiovisuais que fomentou a constituição do videoclipe como uma importante ferramenta de mercado e modalidade audiovisual. Logo após as décadas de 20 e 30 surgiram os musicais hollywoodianos que reinaram absolutos por um determinado período e influenciaram gerações a vir. Inicialmente os musicais tinham características que se apoiavam mais na linguagem cinematográfica clássica do que nas sequências musicais. Como vimos anteriormente, os longos planos e sequências mais contemplavam o ritmo do filme do que o da música e tentava conduzir e definir o gênero 36
cinematográfico. A apropriação de linguagens é uma das características não só do videoclipe, mas de quase toda a produção audiovisual contemporânea. São inúmeros exemplos de como o videoclipe surgiu ao misturar aspectos de diferentes formatos. Se por um lado diversos clipes apresentam enredos e uma linguagem mais padronizada, se apoiando no cinema clássico, outros são altamente líricos e experimentais, dando espaço para a criação visual. Não podemos deixar de inferir que a fomentação visual iniciada pela vanguarda russa foi imprescindível para o surgimento do formato do videoclipe, assim como o apelo dinâmico que o surgimento e a propagação da televisão tiveram. Para Couchot, o plano macro e o plano micro da arte da televisão relacionam-se não apenas no contexto da imagem e som em movimento transmitido ao vivo a longas distancias, mas também no contexto do circuito midiático, ou seja, no contexto dos canais de televisão, da grade de programação, dos horários, da espreita do publico, da mediação da audiência, entre outras possibilidades existentes no plano da sua mediação simbólica. (MELLO, 2004, p.61).
Se em alguns momentos a linguagem utilizada nos musicais hollywoodianos clássicos difere bastante da utilizada nos formatos de videoclipe, em outros essa linguagem foi apropriada e amplamente utilizada em diversos exemplos, como o clipe "It's, Oh, so quiet" da cantora Björk. Este videoclipe, dirigido por Spike Jonze, apresenta características genuínas de um musical. Nos versos da canção, a cantora que quase surrara as palavras “É, oh, tão quieto/ É, oh, tão calmo/ Você está sozinho/ E em paz até que...”16, até passar para a explosão do refrão. O videoclipe passa exatamente esta ideia de transição da vida “real” para a vida “falsa” dos musicais. Hora durante as estrofes, Björk caminha pela rua normamente, hora cantando o refrão, ela dança como uma bailarina em um espetáculo musical. Mas apesar disso, em diversos casos o videoclipe se apresenta de uma forma mais dinâmica e não linear que esta muito mais ligada às vanguardas russas das décadas de 20 e 30 do cinema. Foi nesse período que o cinema introduziu a quebra de linearidade e a liberdade de planos. O cinema passou por um período de experimentação onde a sensação gerada pelas imagens e sons era mais determinante do que o enredo ou a linearidade dos cortes entre as cenas. O videoclipe se apresenta como um formato que quebra paradigmas já estabelecidos e 16
Tradução nossa: It's, oh, so quiet/ It's, oh, so still/ You're all alone/ And so peaceful until... 37
possui uma alta volatilidade. Quando analisamos o clipe Thriller, por exemplo, nota-se uma mistura entre cinema clássico e os musicais hollywoodianos. No clipe existe um enredo claro que em determinado momento sede para as performances e coreografias dos dançarinos e do próprio Michael Jackson. Novamente o clipe retorna ao enredo, mesclando o amparo clássico do cinema com uma apresentação musical e performática extremamente inovadora. O clipe apresenta a linguagem clássica do cinema em coreografias dos musicais e em um formato amplamente televisivo.
Figura 6 - Outro exemplo de apropriação de linguagem. (acima) "Viagem à Lua" (1902) de Georges Méliès, que serviu de inspiração para o videoclipe (abaixo) Tonight, Tonight (1996) da banda Smashing Pumpkins de Jonathan Dayton & Valerie Faris
Foi com o surgimento e ampla difusão da televisão que indícios do formato videoclipe passaram a tomar cara e propriamente aparecer. As evoluções técnicas sempre andam de mãos dadas com a gênese de novas formas de expressão, e foi a TV uma das principais responsáveis pela fomentação do formato videoclipe. Era necessário um formato dinâmico e atraente, principalmente para a juventude, para a divulgação e introdução dos artistas das grandes gravadoras. Nos anos 50 diversos programas de auditório realizavam a promoção de artistas como Elvis Presley, Jerry Lee Lewis, entre outros. Estes programas de auditório eram extremamente populares e já buscavam novas estéticas com apelos inovadores para agradarem o 38
seu publico majoritariamente jovem. Apesar disso, não foram os programas de auditório que introduziram o formato do videoclipe. Foi somente na década de 70 que o termo videoclipe passou a ser utilizado (em inglês com o termo music video). O videoclipe surgiu como um meio de promoção e divulgação de um artista ou banda. A proposta inicial do videoclipe consistiu em vender um pacote completo de imagem e som do artista, ou seja, nada mais era que uma ferramenta de mercado, uma forma de promover a imagem do artista. Hoje o videoclipe tem uma definição além de mercadológica, se é que podemos dizer que o videoclipe possui uma definição. Suas construções narrativas são bem distintas daquelas apresentadas na década de 70, muitas vezes não obedecem a uma linearidade narrativa e às vezes nem há uma narrativa. Nem sempre o que é transmitido na letra das músicas é o que apresenta o videoclipe. Segundo o pesquisador Andrew Goodwin o videoclipe é um produto da indústria fonográfica que se estrutura na música e na imagem, e é legitimado pela música pop. Ao realizar uma busca na internet em uma página como o Google, por exemplo, sobre surgimento da música pop, o site vai direcionar sua pesquisa para alguns videoclipes da década de 70, além de vários textos relacionados à MTV. Pode ser que haja outros assuntos pautados, mas é importante observar que MTV, videoclipe e música pop são fenômenos diretamente ligados.
2.2.1
Construção midiática da imagem
O videoclipe, em sua essência, é um produto capaz de gerar o que Andrew Goodwin chama de Semblante Midiático. Isso significa que um artista e/ou banda possuem algumas peculiaridades como, por exemplo, a aparência. Essa aparência se formata a partir de um conjunto de produtos da indústria do entretenimento apontando para lógicas específicas e obedecendo a um projeto expressivo concreto. O videoclipe materializa um artista no sentido de que, este semblante ao qual Andrew Goodwin se refere, é uma construção midiática composta por uma série de fatores conectados com o campo das mídias e que criam um senso de personalidade. O videoclipe é um dos objetos que agregam o semblante de um artista, juntamente a anúncios publicitários, folders, making of, fotografias de divulgação, shows, imagens e vídeos na 39
internet, entrevistas em publicações, etc. Compreende-se, assim, que os constituintes do semblante de um artista, agem como “promotores” no campo do reconhecimento e do consumo dos produtos de um determinado músico. Neste sentido, compreende-se que a produção de um videoclipe faz parte de estratégias de mercado. Além de ser um produto capaz de circular em canais ou programas de televisão, e também na internet e nos celulares, o videoclipe possui um curto prazo de validade. No entanto, isso não faz com que ele perca seu caráter promocional, consolidado ainda nas embalagens de vendas em lojas e em vídeos promocionais, agregando valor ao produto a ser distribuído. Para Goodwin, é preciso considerar o artista como um produto articulado. Há diversas formas da música pop (discos, fitas, CDs) que, por sua vez, parecem ter seu sentido notadamente de insuficiência para satisfazer o público, cujos suplementos de sentido são oferecidos na forma de textos auxiliares – performances ao vivo, entrevistas na mídia, fotografias de divulgação, pôsteres, camisetas e assim por diante. (GOODWIN, 1992, p.45)
É preciso compreender que o Semblante Midiático evidencia no produto aspectos que conferem distinção aos seus autores. Sabe-se que, se tratando de videoclipe, há todo um universo de escolhas, que envolvem desde a escolha da direção e da produção do clipe, já que este produto tem como um de seus objetivos criar "marcas" imagéticas e respeitar ou subverter ordens plásticas contidas na canção. Desta forma, o videoclipe torna-se um objeto que se projeta em direção a seu público específico tendo sua retórica articulada às expectativas deste mesmo público. Estratégias de produção, construção estética e textual do clipe atrelada às essas expectativas direcionam o produto videoclipe para um circuito de distribuição audiovisual no qual os mesmos são transformados em produtos comercializáveis, dispostos em lojas musicais e nos mais diversos formatos, seja CDs, DVDs, etc. Como exemplo disso tem-se Thriller, que foi comentado anteriormente no início deste capítulo. No Brasil, temos como exemplo a cantora Marisa Monte, que teve seus videoclipes comercializados em uma série de álbuns, seja em VHS ou DVD. Vídeos intitulados “Mais”, “Barulhinho Bom” e “Memórias, Crônicas e Declarações de Amor” foram alguns deles. Os VHS/DVDs que traziam os mesmos nomes dos referidos álbuns que continham as canções que viraram clipes. A partir de estratégias de mercado e decisões tomadas pelas produtoras e gravadoras, o videoclipe não tem como finalidade apenas ilustrar ou cartografar uma embalagem ou promover 40
um álbum. O fato de possuir uma imagética particular, capaz de estabelecer conexão com determinado gênero musical, constitui ao videoclipe uma star-text. Andrew Goodwin define o termo star-text como um padrão de mensagens e imagens que é associado a fatores culturais, para identificação e celebração dos criadores, e econômicos, para ligar às estrelas aos seus produtos. A música pop passa, portanto, a ser um veículo de promoção e acesso a outros produtos, serviços e corporações. É neste contexto que o videoclipe se insere “como um dos objetos que produzem uma embalagem visual do pop.” (GOODWIN, 1992, p.49). Thiago Soares também aponta algumas características acerca do Semblante Midiático do artista: Códigos culturais já associados, elementos visuais, codificações de figurinos, direção de arte ou cenários enunciados ao longo da trajetória, bem como dados biográficos, imagens que circulam na imprensa, capas de álbuns e uma série de imagens associadas constituem uma espécie de mapeamento prévio que serve como diálogo com o gênero musical com o qual um artista está associado.” (2005, p.11).
Pode-se compreender essa narrativa, composta por um horizonte de expectativas que o público vai ter com relação a esse artista, como seu Semblante Midiático. Para Goodwin, entender e identificar a narrativa de um determinado artista “é uma das chaves para compreender a produção de sentido musical antes da intervenção de uma imagética videográfica” (GOODWIN, 1992, p.50). Dessa forma, é possível dizer que o videoclipe já se incorporou, principalmente se levarmos em consideração o ponto de vista de seus diversos suportes de divulgação (VHS, CD, DVD, VCD, CD-ROM, internet e etc), na rota do consumo da música. Basta observar uma série de produtos associados a artistas e que ganham as prateleiras de lojas de consumo musical. Esta materialização do videoclipe num objeto de consumo é mais uma evidência de como as regras de ordem econômica e mercadológica que são inseridas em consonância aos gêneros musicais: tais quais os álbuns fonográficos, estes produtos originados, sejam eles discos, CDs, DVDs ou qualquer outro, detêm uma imagética particular de capa, contracapa e encarte que não só estabelece uma relação de semelhança com o suporte do álbum, mas revela aproximações no conjunto de imagens de um determinado artista no esteio da música pop.
2.3
Indústria fonográfica e a música Pop 41
“Here come old flat top He come groovin' up slowly He got joo joo eyeballs He want holy rollers He got hair down to his knees Got to be a joker He just do what he please He wear no shoeshine He got toe jam football He got monkey finger He shoot Coca Cola He say I know you, you know me One thing I can tell you is You got to be free Come together, right now Over me”17
Tudo começa com o som pulsante do baixo de Paul. E então vem o cuspe. O cuspe. O que o som de um cuspe no microfone representa para a música pop? E a insinuação sexual de John Lennon no refrão? Como algo em total desarmonia com o que se conhece de música pop, se torna uma música pop? Talvez, para a maior banda de rock de todos os tempos, experimentar não fosse uma tarefa tão árdua. Come Together tem uma configuração plástica singular, com sua base sonora composta predominantemente por uma linha de baixo e um chiado humano no microfone. Os vocais surgem contando uma série de ações e características de um certo homem e a música encerra com um simples solo de guitarra. Comparada a outras obras de Lennon e McCartney como Yesterday e I wanna hold your hand, a sonoridade da canção da epígrafe causa estranheza. A diferença sonora se aplicou também a diferenças imagéticas na banda. Isto fica claro, ao comparar a capa de dois álbuns anteriores da banda, como “Rubber Soul” (1965), e seu sucessor, “Revolver” (1966).
17
Tradução nossa: Aqui vem o velho mais chato/ Ele vem gingando lentamente/ Ele tem olhos mágicos/ Ele quer cilindros santos/ Ele tem cabelos até seu joelho/ Tem que ser um cômico,/ ele simplesmente faz o que lhe agrada/ Ele não usa nenhuma graxa no sapato/ Ele tem futebol nos dedos/ Ele tem dedo de macaco/ Ele atira em garrafa de coca cola/ Ele diz eu o conheço, você me conhece/ Uma coisa que eu posso dizer pra você/ é que você tem que ser livre/ Venha junto/ Agora mesmo/ Em cima de mim. 42
Figura 7 - Capa dos álbuns: “Rubber Soul” (1965) e “Revolver” (1966) dos Beatles.
O cenário da música pop de 1969, ano em que Come Together foi lançada no álbum “Abbey Road”, era de grande efervescência e muitas bandas de rock tiveram êxito comercial e de críticas em suas variedades de sonoridades exploradas. Além dos Beatles, Led Zeppelin, Frank Zappa, The Stooges e Pink Floyd lançavam seus discos, cada um com expressões e criações musicais inéditas, provindas de experimentações de seus criadores. Em meio a essas experimentações, os Beatles foram peça importante na consolidação do que se tornou a música pop. O quarteto de Liverpool não só criou uma discografia de inspirações difusas e ecléticas, como ajudou a definir tanto para os músicos da época quanto para os atuais, o mosaico do que seria a música pop. Acerca da experimentação musical realizada pelos Beatles, Janotti avalia a importância do álbum “Sgt Peppers’ Lonely Hearts Club Band” (1967) para a indústria fonográfica e a música pop como um todo.
Sg. Peppers é um exemplo da mutação por que passou o rock. Ao invés de faixas rápidas ou temas românticos agrupados em números de, no máximo, 3 minutos. O LP dos Beatles apresentava uma série de canções que exigiam do ouvinte uma audição mais apurada. A partir de então, a denominação música pop ficou ligada aos traços das músicas produzidas na década de cinquenta e início dos anos sessenta, que eram faixas curtas e letras ligadas ao mundo adolescente. Vale lembrar que um outro aspecto que permeia a idéia de música pop é a tensão entre o sistema de produção/distribuição das grandes companhias musicais e sua contrapartida, o consumo segmentado, que acaba sendo uma espécie de espaço e colecionadores, o conflito constante entre o rock ou a 43
MPB, com suas estratégias criativas calcadas na "autenticidade", e a música pop, com suas fórmulas prontas e adequadas aos ditames do mercado cultural. (CARDOSO FILHO; JANOTTI JUNIOR, 2003, p.40).
Para os autores Jorge Cardoso Filho e Jeder Janotti Júnior, a música pop, ou música popular massiva, é, mais do que uma forma de generalização musical trata-se de, “um repertório mundialmente e intimamente ligado à produção, à circulação e ao consumo das músicas conectadas à indústria fonográfica” (CARDOSO FILHO; JANOTTI JUNIOR., 2006, p.2). Considerando então a definição acima, os já citados Beatles, e bandas como Pink Floyd, Led Zeppelin, Joy Division, R.E.M. e Radiohead fizeram e fazem música pop tanto quanto Madonna, Michael Jackson, Britney Spears e Justin Timberlake. Porém, as diferenças conceituais, estilísticas e intencionais destes músicos são gritantes. O que faz de todos eles pertencentes ao universo da música pop é a inserção de suas obras em estratégias desenvolvidas pela indústria fonográfica para o seu consumo. Sendo o pop uma característica de padronização musical, não obrigatoriamente em relação a arranjo e construção melódica e lírica, mas no que se refere ao seu consumo massivo. Jeder Janotti Júnior e Jorge Cardoso Filho definem abaixo como a música popular massiva se relaciona com os artefatos midiáticos: Hoje, pode-se perceber que tocadores de MP3 como o Ipod6 e o armazenamento da música nos computadores pessoais já permite questionar a idéia de uma biblioteca musical em sentido tradicional. Assim é possível notar que a noção de canção popular massiva está diretamente ligada aos encontros entre a cultura popular e os artefatos midiáticos. (2006, p.4).
A música se torna um produto de alcance popular a partir das suas relações com os meios de consumo e distribuição. Podemos consumir música de várias maneiras, somadas à história da cultura popular, através de atuações presenciais ou mediadas. Uma apresentação ao vivo guarda os primórdios da audição pública de uma canção, e a formatação de uma música em mp3 permite sua audição em larga escala e distribuição imediata através da internet e aparelhos com tecnologia de Bluetooth e infravermelhos, por exemplo. O pop não existe sem a mídia. A relação entre os dois é primordial e intrínseca na origem do termo. Essa dependência surge com as primeiras radiolas que tornaram possível uma reprodução de fonogramas, os primeiros meios de armazenação da música como agente 44
sensibilizador da audição. Para o sociólogo Simon Frith (1996), é esse diálogo com a indústria (logo, com as mídias) que marcou o surgimento do Pop como um estágio da evolução da música na história. Com muitas alternativas de distribuição acumuladas pelo mercado atual, o cenário da indústria fonográfica se tornou extremamente fluído. A geração da internet abalou a hegemonia mercadológica das grandes gravadoras. O sistema clássico de catalogar artistas numa disputa de mercado foi utilizado durante muitos anos e recentemente essa máxima caiu por terra diante das possibilidades tecnológicas. Os artistas considerados pop trilhavam um caminho de sucesso quase pré-definido desde o pioneirismo de Elvis e do fenômeno da beatlemania, em que a imagem dos “astros” da música se tornou material vendável, com pôsteres, cortes de cabelo, posturas e filmes. O artista se tornava propriedade de uma empresa, que lhe daria o suporte para essa caminhada de shows, materiais de divulgação, álbuns e singles para o rádio. O desenvolvimento da internet chegou mudando o rumo dessa história. As plataformas se desenvolveram, como explicaremos no segundo capítulo, e a independência artística deixou de ser privilégio do underground. As massas se dividem em multidões independentes e sucessos regionais pouco divulgados na tradicional mídia de massa, consomem CDs, DVDs e shows com mega estruturas, como é o caso da banda Calypso no Brasil, que iremos comentar no próximo capítulo. Apesar dessa aparente independência das mídias tradicionais, a construção e assimilação dos ícones pop ainda seguem estruturas parecidas com as tradicionais, orientadas principalmente por uma cultura televisiva que explodia para as massas nos anos 80. A histeria e o fanatismo ainda prevalecem nos dias de hoje, dentro do consumo de identidades criado pelo Semblante Midiático. Músicos que são ícones e recorde de vendas têm um papel quase mítico na cultura pop. Sua função na sociedade vai além da sensibilização artística causada por sua obra, o artista representa uma identidade em si mesmo. É como se a cultura pop criasse personagens únicos que se destacam do todo sem deixar de ser do todo, representando papéis comuns ao imaginário geral, ou de um grupo específico. Há o bom moço como era Frank Sinatra, o rebelde Kurt Cobain, o pacifista John Lennon, o polêmico Liam Gallagher. Características pessoais que são somadas ao emaranhado de referências carregadas por um artista da cultura pop. Como uma aura fotogênica, trabalhada para que ocorra o casamento entre a arte musical e a indústria. Uma das maneiras de realizar essa junção, abençoada pela assinatura visual desse indivíduo mitificado pela sociedade, é no videoclipe. Andrew Goodwin, afirma, “Mais do que em outras áreas da cultura 45
popular, a música pop e o rock, estão explicitamente envolvidos no consumo de um alter-ego ao invés da valorização pessoal do artista/músico” (GOODWIN, 1992, p.109). Desde que a música se tornou pop, a necessidade de reprodução das obras cresceu, a imagem do artista tomou uma importância inédita. Não que a aparência das divas do cinema dentro do chamado star system dos primórdios do cinema hollywoodiano, por exemplo, não fizessem parte de seu Semblante Midiático, mas a concepção da imagem como complemento da expressão artística, e por que não mercadológica, contribuiu para que diversos movimentos atrelados à música pop surgissem.
2.3.1
A imagem da música
Ainda nos anos 60, uma das primeiras e mais importantes bandas underground da história, o Velvet Underground, era financiada pelo artista plástico Andy Warhol. A banda ia na contramão do que era considerado pop na época, o Flower Power estava em alta e a Califórnia bombava com os cabeludos da paz contra-cultural, enquanto o Velvet vivia em Nova York, usando roupas pretas e cantando sobre homossexualidade e uso de heroína. A banda foi pioneira no uso de projeções de vídeo no palco e na busca de uma identidade marginal, caracterizada nas letras de Lou Reed. Warhol influenciou na estética experimentalista da banda, tanto musical quanto imageticamente. Por exemplo, a clássica capa da banana do primeiro álbum, “The Velvet Underground and Nico”. A parceria formada pelo Velvet Underground e por Andy Warhol foi talvez à primeira ligação entre música e artes plásticas. A pop art alcançava espaços inusitados dentro da expressão artística integrada que se tornou o movimento de Andy Warhol, seguido por celebridades que se reuniam na Factory, um estúdio, ateliê, casa de shows, que ele mantinha na Nova York do fim dos anos 60. O casamento da banda de Reed com uma arte extremamente imagética se deu como a prova de uma diferenciação entre os meios de construção do Semblante Midiático. A pop art desarticulou o status inalcançável das artes plásticas, trazendo elementos simples e populares para a esfera artística de exposições. No caso do Velvet, a pop art influenciou a embalagem do seu produto de divulgação, deixando de lado a clássica opção por uma foto da banda sendo apresentada no seu disco de estréia, para representá-la com o simples desenho de uma banana. 46
Figura 8 - Capa do álbum “The Velvet Undergrouynd & Nico”.
A singularidade da música do Velvet aliada às criações de Warhol fermentou uma sinergia entre som e imagem. A pop art procurava o que era esquecido pela arte moderna, abordando objetos da vida cotidiana. A abordagem habitual de Warhol eram os objetos simbólicos do consumo de massa, representando o ostracismo, a impessoalidade e a superficialidade do que é exaltado pela sociedade do consumo. A capa de “The Velvet Underground and Nico” talvez pudesse sintetizar o som do Velvet Underground: algo que foi único e subestimado. A conhecida logomarca da boca com a língua para fora, da banda Rolling Stones, também é obra de Warhol. As artes psicodélicas dos anos 60 tiveram influência de destaque na música pop. A capa do álbum “Sgt. Peppers' Lonely Hearts Club Band”, dos Beatles invoca a estética psicodélica assim como suas músicas. A fase inicial do Pink Floyd, quando liderado por Syd Barret, é considerada um dos marcos do rock psicodélico, fosse pelas capas, pelas músicas ou pelas performances ao vivo da banda, que envolviam experimentações com artes plásticas. Vale ressaltar que o Pink Floyd, ainda na era da “pré-MTV” (usamos este termo para referência às produções de vídeo de 47
músicas anteriores à MTV) gravou um filme/show, dirigido por Adrian Maben, no anfiteatro das ruínas de Pompéia, na Itália, sem platéia. Esta apresentação evidenciava como a banda, tendo sua liderança criativa em Roger Waters e David Gilmour, modificava um pouco aquela estética psicodélica para enveredar-se pelo rock progressivo.
Figura 9 - A banda Pink Floyd em uma performance no homevideo “Live at Pompeii”.
No início da década de 70 houve a popularização de um gênero do rock que se destacava menos por sua música do que por sua estética visual. O Glam Rock se caracterizava pelas performances exageradas, trajes e maquiagens extravagantes e a explosão da androginia, comportamento que se desdobrava pela vida social, principalmente entre os mais jovens, na convergência do início da produção e divulgação das roupas unissex no mundo da moda. Podem ser citadas com destaque, bandas como Secos & Molhados no Brasil, T. Rex, e David Bowie nos Estados Unidos. A fase Glam Rock de Bowie é destacada pelo conceitual álbum “The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars”, de 1972. O álbum conta a história de um andrógino alienígena de Marte, que vem a Terra para salvar o planeta da destruição. O extraterrestre Ziggy, incorporado por Bowie nas apresentações, acaba formando uma banda de rock, Spider from Mars, e leva uma vida de exageros que culmina no suicídio. A figura de Ziggy evidencia uma faceta do Semblante Midiático de Bowie, e demonstra bem a criação do alter-ego 48
como estratégia de angariar fãs e poder fazer nascer e morrer personagens que atenderão ao universo pop do momento, deixando a pessoalidade do artista intacta aos assédios da indústria.
Figura 10 - Imagem do personagem Ziggy Stardust (1972), criado por David Bowie.
Bandas como Led Zeppelin, Deep Purple e o Black Sabbath, que surgiram na virada dos anos 60 para os 70, são constantemente relacionadas como pioneiras do Heavy Metal. Com sonoridade pesada e agressiva, vocais gritados e virtuosismos de seus músicos, o Metal se dividiu em uma série de subgêneros, mantendo uma estética ímpar. Os músicos tradicionalmente se vestem de preto e mantêm cabelos longos, enquanto as temáticas mais comuns abusam de climas soturnos. No meio da década de 1970, o movimento punk-rock toma força. Mais do que uma derivação do rock, o punk se caracteriza como um movimento de revolta social. Financiada pelo empresário Malcom McLaren, a banda inglesa Sex Pistols tinha seus figurinos produzidos milimetricamente pela estilista Vivienne Westwood com o intuito de chocar. A banda apareceu na TV britânica causando estranhamento com seus cabelos arrepiados e roupas rasgadas. Era o indício da atitude da indústria fonográfica diante dos artistas que causavam algum reboliço na mídia. Apesar deste caso de uma banda projetada, outras bandas surgiram e mantinham atitudes engajadas de protesto social, como The Clash. A postura de revolta foi assimilada pelo mercado 49
no caso dos Sex Pistols. E todos os estilos e posturas, derivados dos primeiros artistas pop da história, foram transformados em embalagem para a propagação e vendagem dos mesmos. A variação de estilos acontece como uma febre que coloca em pauta certa postura que será esgotada até os últimos fôlegos, para depois ser substituída pelo novo foco da estação. Criam-se então os “hits de verão”, e os one hit wonder, artistas de sucesso com uma música só. A indústria fonográfica aceita, no universo pop, a efemeridade como movimentadora do círculo de astros que estão em alta nas paradas musicais. Para a indústria fonográfica, tem-se no videoclipe, uma ferramenta que reúne a distribuição de um single e a afirmação imagética do artista num pacote único. Esse pacote surgiu com um poder tão grande de representação que passou a dominar espaços específicos dentro da mídia, até criar uma rede televisiva que levava os “music videos” no próprio nome, como a MTV. As tecnologias avançaram com relação ao vídeo e a indústria fonográfica novamente acompanhou as mudanças para manter o pop vivo, num processo de evolução que culmina com o primeiro videoclipe veiculado na MTV. Vídeo Killed the Radio Star, da banda The Buggles (1979), anuncia que o vídeo matou o astro do rádio, mantendo o ciclo que, como já constatamos, não parou por ai. Novas mortes viriam com a internet, assim como em ambos os casos, novos frutos.
2.4
Futuro da Música
Os fones de ouvido são objetos simples, porém de muita utilidade e importância para o dia-a-dia das pessoas. Seja no ônibus, no metrô, na sala de aula, estádios de futebol ou mesmo em casa, não importa os fones de ouvido estão por toda a parte basta parar e observar. E o que importa se eles estão por toda parte? Não é simplesmente pelo fato das pessoas com vontade de ouvir música, há um fenômeno social muito importante relacionado ao fato de as pessoas estarem todo o tempo e em qualquer lugar com fones nos ouvidos. Antes de discutir tal fenômeno, vale falar da Sony music a empresa que lançou os revolucionários Walkmans. Revolucionários sim, porque depois de sua chegada em 1979, as formas de consumir música começaram a mudar, os consumidores começaram a mudar e os dispositivos também começaram 50
a mudar, ou seja, a ficarem tecnologicamente evoluídos. Para contextualizar vale lembrar que o Walkman original foi criado pela Sony Music em 1979 no Japão e levava o nome de Soundabout no exterior. Foi criado pelo coordenador do setor de áudio da Sony Nobutoshi Kihara para um dos sócios da empresa, Akio Morita, que queria escutar ópera durante seu trabalho desgastante. Depois outros modelos de walkman foram surgindo, outras formas portáteis de ouvir música apareceram até os revolucionários MP3, MP4 etc. A capacidade proporcionada pelos MP3, MP4, iPods e celulares de ouvir música em qualquer lugar e a qualquer hora ampliou o tempo dedicado ao entretenimento, e com isso mudaram as formas e a intensidade do consumo tanto da indústria fonográfica quanto do audiovisual. A evolução tecnológica é um fenômeno social e comportamental em nossas vidas com tamanha transparência que faz com que simplesmente transformemos nossos hábitos. Há alguns anos atrás quando não se conhecia uma palavra ou não se sabia ao certo a sua grafia recorria-se ao dicionário e tiravam-se as nossas dúvidas. Hoje não, nada disso acontece, mesmo porque temos o Google, ou qualquer outro site de busca em que basta digitar a palavra, mesmo sem saber se ela está certa ou errada, para que imediatamente o site corrija a palavra e aponte tudo o que tem na rede a respeito dela. O “dicionário do futuro” é formado por um hipertexto que abre a cada palavra um diferente mosaico de sinônimos, significados e usos para a palavra pesquisada. É como se a internet, trazendo novas possibilidades, tornasse o usuário da rede mais inteligente com as ferramentas ao seu dispor. Essas novas possibilidades estão acessíveis no telefone celular e no computador, acessando a Internet, a própria TV através dos seus canais abertos ou pagos, caixas automáticos de banco, telas de plasma ou LCD, cada vez mais presentes nos aeroportos e shoppings e até nos elevadores. Cada vez mais máquinas são exploradas, dentro do avião com TVs interativas, nos metrôs, nas ruas de grandes cidades e no painel dos carros bem equipados, onde as telas de GPS estão se tornando cada vez mais comuns. Entretenimento e interatividade são as possibilidades da era digital. Pode-se assistir a programação de emissoras de televisão pela internet, ler livros, assistir filmes, fazer compras, viajar e tudo isso através de um único aparelho. Você, por exemplo, o que você vai fazer depois de ler este texto, ou mesmo durante esta leitura? Usar a internet? Ver TV? Atender o celular? Ligar o som? Carregar músicas no seu iPod? Buscar uma palavra que você não conhece no Google? Jogar videogame com seu filho? Parece simples e comum que muitos têm a mesma 51
atitude que você, mas certamente fazendo coisas diferentes, ou compartilhando atenções distintas. Acontece que essa explosão de avanços tecnológicos, de mudança de hábitos e também de novas possibilidades ocasionou grandes mudanças em outros campos como, por exemplo, na indústria fonográfica. No texto “O futuro da música depois da morte do CD” de Sérgio Amadeu e Irineu Franco mostra bem na introdução números comprovando o déficit do mercado fonográfico devido à digitalização da música. No texto também deixa bem nítido que os artistas tiveram que se adequar às mudanças e às transformações tecnológicas. Claro que a Napsterização, fenômeno que causa muitos questionamentos para gravadoras e artistas, reina nas novas possibilidades de fazer download, e isso faz com que a indústria fonográfica e os artistas mais ainda pensem estratégias de não perder dinheiro e de divulgar os trabalhos. [...] o surgimento de comunidades de relacionamento relacionadas à música, como o MySpace, o Last.fm e o YouTube, principalmente no âmbito da chamada web 2.0, tem servido como rota alternativa para alguns artistas chegarem diretamente a seus fãs, aumentando também a interatividade entre o artista e o público. Um caso bastante ilustrativo é o da banda inglesa Arctic Monkeys, surgida em 2004, que usou ativamente a distribuição livre de músicas pela internet e sua popularidade na rede MySpace como formas de divulgação para seus shows, ganhando, posteriormente, um reconhecimento em escala mundial após assinar com uma gravadora independente, a Domino Records, em 2005. (2009, p. 21)
Nas redes sociais, o intenso fluxo de informações através dos inúmeros canais existentes desencadeia diversos processos de interação e colaboração entre os usuários. Sendo assim, a rede se consolida como um local propício para o desenvolvimento de estratégias de distribuição e práticas de consumo específicas, em meio à ampla possibilidade de escolha dos usuários. Desta forma, a conexão interativa e a reconfiguração constante das redes sociais são um terreno fértil para práticas de apropriação, utilização e distribuição de produtos culturais. Noções como autor e propriedade intelectual inseridas na rede são desestabilizadas por práticas culturais possibilitadas pela apropriação tecnológica. O que potencializa a Web 2.0 é a escrita coletiva online e o processo de tagging18, que demonstram que a abertura para o trabalho colaborativo oferece uma dinâmica alternativa ao 18
Tag – é uma palavra-chave (relevante) ou termo associado a uma informação (ex: uma imagem, um artigo, um vídeo) que o descreve e permite uma classificação da informação baseada em palavras-chaves. Funcionando como 52
modelo de produção, indexação e controle por equipes e autoridades (PRIMO, 2005, p.11). A partir dos recursos oferecidos pela Web 2.0, potencializa-se a livre criação e a organização de informações compartilhadas através de associações mentais. Nestes casos, o que menos importa é a formação especializada de membros individuais. A credibilidade e relevância dos materiais publicados são reconhecidas a partir da constante dinâmica de construção e atualização coletiva. Por essa razão a indústria fonográfica tenta adequar-se às novas formas de consumo e de produção musical. Existem várias alternativas de distribuição musical seja ela na internet ou através da própria pirataria e isso faz com que a indústria fonográfica pense em alternativas e enfrente as dificuldades que ainda estão por vir.
uma "base de dados", o tag realiza a ligação do assunto procurado ao site, permitindo ao pesquisador visualizar o produto da busca – Os tags são escolhidos pelo autor/criador. O tagging está interligado à Web 2.0, por permitir encurtar o tempo de busca no site. 53
CAPÍTULO II:
“INTERNET KILLED THE
VIDEO STAR"
De cima para baixo: Capa do álbum In Rainbows (2007) da banda Radiohead; logomarca do programa de troca de arquivos Napster; Banda Arctic Monkeys no show Live At the Apollo; logomarca do site de vídeo YouTube; Entrada do site da promoção da banba R.E.M., para a criação do videoclipe para a música Super Natural Super Serious; Logomarca do site de relacionamentos MySpace.
Dizem que João Cabral de Melo Neto não gostava de música. Mas, se vivo estivesse, talvez até o poeta exclamaria: alguma coisa anda fora da velha ordem musical! São bandas que fazem sucesso graças a downloads na internet, sem terem lançado um único CD. São blogs antecipando tendências musicais antes das revistas especializadas. São versões sucessivas de videoclipes feitos por fãs. São redes sociais tais como Last.fm e SoulSeek, que criam comunidades a partir da troca de arquivos sonoros pela internet. Sem falar nos estúdios caseiros, nos podcastings, no crescimento exponencial de gravadoras independentes e de vendas de música por unidade por meio da rede, além dos números decrescentes de venda de CDs. Tudo isso, em conjunto, chamando-nos a atenção para a revolução que a cibercultura introduziu no circuito de produção, circulação e consumo musical em pouco mais de uma década. Simone Pereira de Sá 55
Foram apresentadas no primeiro capítulo todas as condições mercadológicas e de necessidades específicas, tais como experimentações de artistas musicais com elementos audiovisuais e uma série de intervenções culturais que colaboraram para a formatação do que conhecemos hoje como videoclipe. O caso de Thriller, de Michael Jackson, evidencia as proporções comerciais e audiovisuais que o videoclipe seria capaz de tomar. O clipe de John Landis, como já falado no primeiro capítulo, teve sua estréia com a pompa de um aguardado filme de Hollywood, além de conter fortes elementos de linguagem cinematográfica em sua construção, fato novo para época. Vimos, dessa maneira, os possíveis caminhos que montam e explicam a trajetória deste formato audiovisual, como ele se desenvolveu e se estabeleceu como uma importante ferramenta para divulgar e estabelecer uma identidade imagética ao artista. Neste capítulo, é apresentado como se deu o desenvolvimento da indústria fonográfica, seu encolhimento diante do surgimento das novas mídias. Como foi e está sendo a migração da música e das ferramentas que envolvem a criação do Semblante Midiático para as plataformas digitais. Mas aqui é discutido principalmente como foi a reação e recepção da indústria fonográfica e dos artistas, uns anunciando guerra contra a rede e exigindo a proteção de seus direitos autorais, já outros inventaram e reinventaram maneiras de estabelecer um novo e paralelo mercado fonográfico. Apenas um ambiente com as possibilidades das novas mídias poderia propiciar o aparecimento de um projeto como a banda virtual Gorillaz. A banda de trip rock é um projeto paralelo do vocalista do Blur, Damon Albarn. O grupo é composto por personagens animados e teve destaque graças aos seus videoclipes, que apresentavam a “natureza” digital dos músicos. As apresentações ao vivo são feitas com imensos telões em que são projetados vídeos de personagens/músicos e as músicas são executadas por DJs. O primeiro álbum da banda, Gorillaz (2001), vendeu cerca de sete milhões de cópias em todo o mundo. Além do áudio das músicas, o CD continha um aplicativo de CD-ROM que permitia ver vídeos animados dos integrantes. Formas não convencionais como o Gorillaz, para uma sociedade que está mais dissolvida e individual, demonstra o que só a indústria cultural pós-massiva configura e pode produzir.
56
Figura 1 - A banda virtual Gorillaz, criada pelo cartunista Jamie Hewlett.
2.2
Novas possibilidades
A análise da sociedade contemporânea, condicionada pelas tecnologias digitais e pela popularização da Internet, sugere que a comunicação foi ampliada com o surgimento de um novo ambiente, o “ciberespaço”, no qual se desenvolveu uma própria cultura, no caso a “cibercultura”. O filósofo francês Pierre Levy, define os termos da seguinte maneira:
O ciberespaço (que também chamarei de “rede”) é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço. (1999, p.17).
O crescimento do ciberespaço e da cibercultura, como sugere Levy, ocorre devido à massa de jovens ansiosos a experimentar as formas de comunicação permitida pelas novas mídias e ao próprio desenvolvimento tecnológico, que expande continuamente o horizonte dessas novas possibilidades. Isso levou a invasão do “ciber” nas mais diferentes esferas, sejam culturais, tecnológicas, ou sociais, como exemplifica André Lemos:
Hoje em dia, vemos o prefixo ‘ciber’ em tudo: cyberpunk, cibersexo, ciberespaço, cibermoda, ciber-raves, cibercidades, ciberarte, etc. Cada expressão forma, com suas particularidades, semelhanças e diferenças, o conjunto da cibercultura. As tribos cyberpunks, as comunidades virtuais das redes de informática (muds, chats, fóruns, BBSs, sites e newsgroups), o hedonismo e o presenteísmo das raves (festas tecno57
eletrônicas), os fanáticos por jogos eletrônicos, o ativismo rizomático e polítioanarquista dos militantes eletrônicos (hackers, crackers, cypherpunks...) entre outros, mostram como o mundo da vida está em simbiose ativa com o mundo da técnica. (2004, p.89).
As possibilidades inéditas de conhecimento e interação possibilitadas pela Internet, ao se mostrarem cada vez mais abrangentes, fermentam o frisson dos usuários, e se aplicam a diversos hábitos da socialização do ser humano, como as relações pessoais, estudos, informação e o entretenimento, seja através de filmes, jogos ou da música. A música tem a capacidade de interar e aproximar as pessoas. Como meio instaurador de sociabilidade, a música é mais do que simplesmente algo a ser ouvido. Ela é comentada, conversada, tocada, criticada ou apreciada por um indivíduo ou por grupos, sejam audiências amplas ou menores. A música sensibiliza, seja com emoção, seja como plataforma de manifestação social, seja como produto de entretenimento. Independente do papel que a música, ou os músicos procuram desempenhar, ela irá sempre ter potencial socialibilizante. Através da música pessoas se juntam para cantar, conversar, tocar, beber, e estabelecer uma série de comportamentos que caracterizam uma geração ou um grupo, e que são mediadas pela estrutura tecnológica existente durante determinado período. A maneira como a música é consumida, ou escutada, foi, é e será modificada juntamente com o surgimento dos novos meios de comunicação. Se em décadas atrás as pessoas se encontravam para ir a shows, gravavam fitas cassetes para ouvir no carro, com o tempo elas passaram a comprar CDs da banda favorita, e hoje indicam links no MySpace de novas bandas, fazem crítica sobre o novo álbum da banda americana Wilco em seus blogs pessoais e seguem o Twitter da cantora inglesa Lily Allen, para saberem minuto a minuto, o que ela está fazendo. Além de sua descentralização, ao longo dos anos os suportes musicais sofreram grandes transformações. Somente após a instauração de formas de reprodutibilidade que teve início o advento dos primeiros suportes que visavam comercializar a música como produto, como o disco de vinil, que foi lançado quase concomitantemente no pós-guerra por gravadoras rivais. “Na versão Long-Play (LP), de doze polegadas e 33 1/3rpm pela Columbia, em 1948; e na versão de sete polegadas, com um grande furo no meio, que tocava em 45rpm, lançado pela concorrente RCA Victor, em 1949” (SÁ, 2009, p.58). O LP permitia que o artista colocasse junto um produto musical de longa duração, criando assim a definição de álbum, um conjunto de faixas lançadas conjuntamente. Os álbuns podem apresentar um tema comum, caracterizando dessa maneira o que é chamado de álbum conceitual. Como exemplos clássicos de álbuns conceituais, destacamos 58
os notáveis Dark Side of the Moon, Animals e The Wall do Pink Floyd, e mais recentemente (2002), Songs for the Deaf, da banda Queens of the Sonte Age. A música passou por uma trajetória de individualização do seu consumo, que teve início em julho de 1979, com o surgimento do Walkman. Pioneiro no conceito de portabilidade musical – ou seja, o aparelho permitia escutar suas músicas preferidas em qualquer lugar, sem incomodar as outras pessoas e sem ser incomodado. Considerado o avô do iPod, o produto utilizava-se de fitas cassete para armazenar as músicas. O conceito inovador de música individualizada fez com que o aparelho obtivesse um sucesso gigantesco, colocando ainda mais afluência no já concorrido mercado da indústria musical. A partir disso, as empresas começaram a desenvolver aparelhos similares para reforçar e capitalizar através da individualização do consumo de música. A portabilidade de aparelhos de som contribuiu bastante para o consumo cada vez mais particularizado da música. A invenção do Walkman da Sony, em 1979, foi um marco nesse sentido, devido à grande novidade que ele representou para a época. Com o Walkman, as pessoas podiam ir a qualquer lugar ou fazer qualquer coisa sendo acompanhadas por música. Os primeiros modelos desse aparelho, inclusive, vinham com duas entradas para fones de ouvido, para que fosse possível escutar canções com outras pessoas. Isso demonstra como foi gradual a adaptação à idéia de uso e consumo individualizado da música, já que esse detalhe do aparelho foi descartado pela Sony pouco tempo depois. (MILES, 2005, apud CARVALHO; RIOS, 2009, p.83).
Apesar de receber algumas atualizações tecnológicas de pouca expressão, como o reprodutor de efeitos sonoros MegaBass, a impermeabilidade do aparelho, o rádio, o controle de volume nos fones de ouvido, a proteção antichoque e a capacidade de gravação, somente em 1984 que o mercado de tocadores portáteis passou por uma nova revolução, com o lançamento do Discman. Diferentemente do Walkman, o Discman não utilizava mais as fitas K7 para armazenar suas músicas. Na época, uma nova tecnologia surgia: o Compact Disc, ou CD, como é popularmente conhecido. O modelo analógico, então, dá lugar a um processo de digitalização da música. Pela primeira vez, músicas eram armazenadas não como sulcos em plásticos (LP’s) ou como padrões de magnetismo (fitas K7), mas sim como dígitos binários. O surgimento do CD prometeu maior capacidade, durabilidade e clareza sonora, sem chiados, fazendo os discos de vinil e o K7 serem considerados obsoletos. Assim como ocorreu com o Walkman, o Discman também fez sucesso e com o passar dos anos versões cada vez mais refinadas dos tocadores pessoais foram desenvolvidas, passando ainda pelo surgimento do MiniDisc, que não fez o mesmo sucesso de seu antecessor. O Compact Disc não só representou um avanço no campo tecnológico como instalou a música no digital. Durante a década de 1990 o CD foi o formato
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padrão dominante, e, a partir do processo de digitalização que iniciou, culminou no surgimento do formato que mudaria para sempre a o mercado e o consumo da música: o MP31.
Figura 2 - Evolução dos suportes musicais: os velhos e quase extintos discos de vinil, a fita cassete, o primeiro suporte portátil de música, o Walkman da Sony, o CD (Compact Disc) e o iPod da Apple, que suporta vários formatos compactos de música, entre eles o MP3.
O MP3 é um formato de compressão digital de arquivos de áudio que se destaca pela pouca perda de qualidade e grande economia de espaço em um disco rígido. O formato foi criado com o intuito de transferir com facilidade os arquivos pela rede. O que causou a grande popularidade do formato e seu impacto no consumo de música através das redes digitais é seu tamanho, que é doze vezes menor que os arquivos normais de música, o que facilita o envio destes arquivos entre os usuários. A mudança causada pelo Walkman, de individualizar a audição e consumo da música, culminou em um estado de interação mundial através do ciberespaço. Assistimos a importantes modificações nos modos de escuta de música. O álbum em seu formato físico (LP, CD), deixa de ser o único ou principal formato nos lançamentos comerciais, com a presença de sites de distribuição de música – sejam eles comerciais ou de compartilhamento gratuito – oferecendo o download por faixa, segundo a crescente demanda de novas tribos de consumidores de música digital. A audição de música em ambiente digital permite que cada usuário faça seu próprio setlist, que se comunique com pessoas que tenham gostos em comum, enfim, que interaja em rede. E apesar de andar na rua com um fone de ouvido impedir as pessoas de se socializarem com aqueles próximos, os aparatos digitais atrelados à tecnologia wireless criaram uma mudança nas relações sociais e locais, com a invasão e a evolução do “ciber”. André Lemos destaca: Hoje, as tecnologias sem fio estão transformando as relações entre pessoas, espaços urbanos, criando novas formas de mobilidade. As cibercidades passam a ser “unwired cities” (Towsend, 2003). Estas entram na era da computação ubíqua, intrusiva (“pervasive computing”) a partit de dispositivos e redes como os celulares 3G, GPS, palms, etiquetas RFID, e as redes Wi-Fi, Wi-Max, bluetoth. Estas metrópoles estão se tornando cidades “desplugadas”, um ambiente generalizado de conexão, envolvendo o usuário em plena mobilidade, interligando máquinas, pessoas e objetos urbanos. (2007, p.123).
1
MPEG 1 layer 3: Formato compacto e digital de música mais usado e popular na internet e aparelhos portáteis. 60
Na sociedade atual estamos conectados a todo o momento. Seja através de celular, ou notebooks, se não interagimos com aqueles ao nosso lado, nos conectamos a informações providas por usuários de todo o planeta. Assim nos mantemos interligados em qualquer hora e lugar com o que está acontecendo dentro da estratosfera cibercultural.
2.3
Do Napster ao iTunes
É bem provável que Shawn Fanning não tivesse a intenção de revolucionar as formas de distribuição musical quando criou o Napster, em 1999. Com apenas 19 anos, o então estudante universitário teve a idéia de criar um programa de computador em que os usuários pudessem compartilhar seus arquivos através de uma rede P2P, peer to peer2. O Napster foi o primeiro programa a utilizar esse tipo de rede e se destacou por inaugurar a distribuição – ou compartilhamento – de música em formato MP3 gratuita através da internet. A idéia de Fanning de trocar arquivos de músicas com amigos tomou proporção global. A popularização do Napster foi rápida e em pouco tempo milhões de usuários estavam usando a plataforma de compartilhamento em todo o mundo – segundo matéria no site da edição brasileira da revista Rolling Stone o programa chegou a ter 50 milhões de usuários no seu auge3. Mas provavelmente Fanning não fazia ideia de que sua criação iria mudar a indústria fonográfica de maneira definitiva. Com sua rápida popularização que atingia em cheio os lucros das gravadoras, o Napster logo se tornou alvo de inúmeros processos judiciais. Organizações como a RIAA (Recording Industry Association of America, a Associação da Indústria das Gravadoras da América) e o site Artists Against Piracy atacaram e processaram o Napster. Porém, o caso mais controverso foram os protestos iniciados pela banda americana Metallica. Os integrantes da banda de heavy metal descobriram que uma versão demo de uma de suas músicas estava sendo tocada em rádios devido ao seu compartilhamento através do Napster. Além dos processos que a banda abriu contra o Napster por quebra de direitos dos artistas, o Metallica envolveu três universidades norte-americanas nas ações por não bloquearem o acesso ao 2
Peer-to-Peer (do inglês: par-a-par), entre pares, é uma arquitetura de sistemas distribuídos caracterizada pela descentralização das funções na rede, onde cada nodo realiza tanto funções de servidor quanto de cliente. Fonte: Wikipedia: <http://pt.wikipedia.org/wiki/P2P> 3 Fonte: <http://www.rollingstone.com.br/secoes/novas/noticias/2274/> 61
programa em seus campi. A banda entrou em acordo com as universidades que bloquearam o acesso, impedindo que os alunos usuários do software sofressem processos por violação dos direitos autorais. Durante o período dos processos judiciais ocorreram manifestações notórias das duas partes defendendo suas causas. Na premiação da MTV americana Video Music Awards de 2000, o baterista do Metallica, Lars Ulrich participou de uma encenação que ironizava os argumentos de compartilhamento utilizado pelos defensores do Napster. Na mesma noite, o jovem criador do programa de compartilhamento de arquivos, Shawn Fanning, apresentou um dos prêmios trajado uma camisa do Metallica com os dizeres “Eu peguei esta camisa emprestada de um amigo. Talvez, se eu gostar, eu comprarei uma pra mim”4, enaltecendo mais uma vez os ideais e argumentos utilizados pelo Napster nas disputas legais.
Figura 3 - O jovem criador do Napster, Shawn Fanning, na capa da revista Times. Sua "ingênua" invenção mudou para sempre o mundo da música. Ao lado (à esquerda), usando a camisa da banda Metallica na premiação da MTV americana Video Music Awards em 2000.
Em março de 2001 o Napster não resistiu aos inúmeros processos e fechou seus servidores. Se em um primeiro momento pareceu uma vitória da indústria fonográfica, o que se viu foi o surgimento de inúmeras novas ferramentas e iniciativas para prosseguir com o modelo de distribuição digital de arquivos inaugurados pelo programa de Shawn Fanning. O Napster deixou seu legado para seus outros irmãos P2P: Kazaa, eMule, Audiogalaxy, entre outros. A indústria fonográfica, encabeçada pelo modelo de negócio centralizado nas grandes gravadoras, busca continuamente alternativas para conter a distribuição digital gratuita da música. 4
Tradução nossa: I borrowed this shirt from a friend. Maybe, if I like it, I'll buy one of my own. 62
Enquanto uns insistem em um modelo antiquado para uma sociedade fundamentada pelas possibilidades instantâneas da internet, outros com olhar perspicaz criaram novas formas de comercialização ou distribuição. Esses outros conseguiram superar a crise que abatia sobre as gravadoras a partir dos anos 2000 com a ascensão da internet e da pirataria. Em matéria para o jornal El Pais, David Alandete destacou números significativos da queda de lucro das gravadoras: Os números da Associação Americana da Indústria Fonográfica (RIAA, na sigla em inglês) são realmente dramáticos. No ano passado, as vendas de álbuns completos em formato de CD caíram 25%, com 384 milhões de discos vendidos. Em 1998, uma década antes, eram vendidos 847 milhões de álbuns em formato de CD. São os estragos da pirataria, que custa à indústria quase € 9 bilhões (cerca de R$ 24 bi) por ano e que nos EUA causou a perda de 71 mil empregos, segundo a organização privada Institute for Policy Innovation. (2009)5.
O fechamento do Napster não colaborou para diminuir ou coagir o número de downloads gratuitos de música feitos na internet. O controle sobre a distribuição das obras produzidas, como deseja o Metallica e as grandes gravadoras, está centralizado nas decadentes vendas de CDs, DVDs, outros materiais e de música através de downloads pagos, firmando um novo sistema de consumo musical. Em meio a tantas transformações, plataformas virtuais começaram a ser usadas como uma forma e suporte para divulgação de trabalhos artísticos. É o caso do site de relacionamento MySpace, que permite ao usuários divulgar espontaneamente o seu trabalho através de um perfil criado, onde é possível disponibilizar músicas que podem ser escutadas e baixadas através de um tocador de MP3, inserido no layout da página. E foi assim que foram reveladas bandas independentes de sucesso como a britânica Arctic Monkeys, e no Brasil a cantora folk Mallu Magalhães – que comentamos no primeiro capítulo – e a banda mato-grossense Vanguart. O destaque desses artistas evidencia como o modelo de comunicação pós-massiva faz sentido se atrelado a novas mídias. André Lemos explica que as novas mídias, de função pós-massiva (que veremos mais profundamente neste capítulo) não agem por hits, mas por nichos, aumentando a oferta de muitos produtos para diversos públicos (2007). Cada usuário escolhe o que consumir, mesmo ainda havendo alguma imposição de modelo cultural pregado por veículos de comunicação, hoje há opções para aqueles que repudiam esses modelos. A digitalização da música proporcionou diversas mudanças nos meios de produção, gravação e distribuição da música. O meio digital vem atraindo cada vez mais os consumidores,
5
Fonte: <http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/elpais/2009/08/30/ult581u3456.jhtm> 63
que passam a ser fundamentais na divulgação dos artistas e suas músicas, fato esse que coloca em xeque o papel das gravadoras no mercado fonográfico como principais mediadoras da música. Durante cerca de quatro décadas, os métodos econômicos que orientavam a indústria fonográfica pouco alteraram, mudando apenas as formas tecnológicas de produção e gravação. Em um passado não muito distante, as gravadoras eram responsáveis por controlar todas as etapas na carreira de um músico e/ou banda. As gravadoras coordenam essas ações, como agendamento de shows até a venda e distribuição de CDs, DVDs ou qualquer outro produto relacionado ao artista. No entanto, essa relação de monopólio, de soberania sobre a música e o músico, que outrora fora responsável pelo sucesso das gravadoras e o “boom” da indústria musical deu lugar a novas relações. Uma nova relação entre música e consumidor surgia. A popularização da música através da internet deu início a uma nova era na música. Um processo de livre distribuição e consumo, possibilitado com o surgimento do Napster e, posteriormente com seus sucessores, passa a ameaçar a hegemonia e o monopólio das gravadoras. Surge uma nova relação entre autor e sociedade, uma nova forma de consumir, distribuir e produzir música, tudo isso no meio digital. O CD Player, ou Discman, deu lugar ao MP3 Players e ao iPod. Até mesmo os celulares vêm ganhando funções de tocadores móveis de música. E enquanto o número de consumidores de CDs tem diminuído a cada ano, em sua contrapartida temos o reaquecimento das vendas de vinil6, formato querido pelos fãs de música, mas que se enquadra mais precisamente como um item de colecionador do que como a principal fonte de onde os consumidores ouviram os álbuns. De fato, a maior fonte para se ouvir música é a internet. A compra de qualquer material de um músico tem acontece somente por fãs ávidos, que tem gosto em manter sua coleção de determinado artista. Claramente, os downloads de música de usuários da internet e a pirataria também são fatores preponderantes ao atual cenário de queda de vendas de CDs. O surgimento e a popularização dos arquivos em MP3 permitiram aos usuários consumir e escolher as músicas individualmente, fora daquele “pacote fechado” de canções que encontramos no álbum. E para comercializar as faixas em formato digital, a Apple criou o iTunes7, rede de vendas de música online, para impulsionar as vendas dos seus já populares iPods. No ano de 2007, o lucro com as vendas de músicas através da loja online da Apple chegou a US$ 570 6
Fonte: <http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2008/06/06/a_volta_do_vinil_na_era_do_mp3_venda_de_lps_tocadiscos_crescem-546686630.asp> 7 Reprodutor de áudio e vídeo, desenvolvido pela Apple, para reproduzir e organizar música digital, arquivos de vídeo e para a compra de arquivos de mídia digital no formato gestão de gestor de direitos digitais FairPlay. Fonte: Wikipédia. 64
milhões8. O novo negócio da Apple se tornou uma das principais alternativas para a indústria fonográfica reaver seu lucro. O que se pode ver é que são os próprios consumidores os responsáveis pelos novos métodos de consumo, baseados na liberdade de escolha que o catálogo da internet disponibiliza. Como os artistas se aproximaram dos processos de produção musical com a redução dos gastos para tal, o mercado passou a oferecer uma nova gama de variados estilos musicais. Isso mudou a forma de consumo de música, com seguidores interessados em ouvir novos trabalhos disponibilizados na internet de maneira cada vez mais frenética, ultrapassando ao que era oferecido pela indústria formal. Acerca disso, Lucina Reitenbach Viana comenta: Diversos fatores atuaram de forma concomitante neste momento, ocasionando a dispersão dos ouvintes e desencadeando na transformação do que hoje entendemos por consumo da música. Dentre eles podemos elencar desde a quebra das pontocom, evoluções tecnológicas e a esmagadora adoção da internet, e obviamente, a pirataria que encontrou ambiente aqui propício para se desenvolver. Entretanto, esses fatores em si não ocasionaram nem juntos nem sozinhos a destruição de um mercado fortemente estabelecido. Opta-se aqui por tratá-los como fatores que alteraram o comportamento de consumo do setor, que por sua vez sim, estraçalharam a indústria fonográfica. (2009, p.7).
Redes sociais como Orkut, YouTube e MySpace exercem papéis de extrema importância na integração de usuários e compartilhamento de arquivos, músicas e videoclipes. Nesta mesma linha, só que na forma de Web Radio, temos o Last.fm9, que permite que usuários arquivem o histórico das músicas que escutam, permitindo que outros tenham acesso às tais, criando automaticamente uma rádio pautada pelo gosto de um usuário escolhido, reunindo suas músicas e bandas preferidas. Através dessa combinação, da preferência de cada usuário, o Last.fm é capaz de sugerir outras bandas e músicas de acordo com o perfil e preferência de cada utilizador, permitindo assim que se amplie o conhecimento discográfico deste usuário, apresentando-o ainda a novas obras, até então desconhecidas. Ainda acerca das funções das ferramentas da internet, Levy divaga: Os sites remetem uns aos outros, sua estrutura hipertextual gerencia uma interpenetração das mensagens, um mergulho recíproco dos espaços virtuais. É, portanto, a questão dos limites da obra ou de seu contexto que, após as vanguardas do século XX, é recolocada de outra forma, e com uma intensidade particular, pela ciberarte. (1999, p.140)
8
Fonte: <http://tubaraoesquilo.pt/cultura/loja-do-itunes-da-lucro-bruto-de-570-milhoes-de-dolares/> É uma rede social que tem como foco a música, onde no perfil do usuário é traçado detalhadamente seu gosto musical a partir das canções que são ouvidas, assim criando uma rede de compatibilidade musical. Funciona também como uma rádio online. 65 9
Através desses exemplos podemos ver que a conexão entre artista e consumidor é cada vez mais estreita, sendo os usuários os maiores responsáveis pela divulgação do trabalho de um determinado artista. Por outro lado, as gravadoras perdem o posto de único canal emissor. Fato é que apesar de manter toda sua importância adquirida ao longo da história da indústria musical, as gravadoras ainda não encontraram um caminho que seja dinâmico, para atender o artista e o consumidor, no atual cenário de distribuição descontrolada. Inerte perante a sociedade do consumo conectada em rede, as gravadoras perderam espaço para àqueles que outrora foram seus consumidores e, hoje, assumem a função de promoverem a música no ciberespaço através de uma rede de integração ilimitada. As majors ainda faturam lucros exorbitantes, mas já há muito perderam o monopólio do controle das obras e da identificação que mantinham com o meio.
3.1
Paradigmas de uma nova Indústria Cultural
Figura 4 - Festa tecnobrega no estado do Pará e toda sua "aparelhagem".
Como vimos no tópico anterior à revolução digital trouxe inúmeras novidades como a realidade daqueles que certamente lideram as vendas de música, os downloads pela internet e o mercado ilegal de distribuição de CDs e DVDs. Isso se deve ao acelerado processo de 66
digitalização e distribuição da produção musical. Houve um tempo em que ouvíamos música apenas em rádios, vieram os LPs, depois passamos a ter como suporte musical a fita cassete, o CD. Hoje milhares de pessoas passaram a acessar sites como Kazaa, eMule, etc. para baixar todo e qualquer tipo de musica que se pode imaginar. Alguns fenômenos musicais começam a ganhar espaço e visibilidade, mostrando que o sucesso é o que está na boca do povo, por exemplo, temas de novelas, músicas cujo vídeo faz sucesso na internet e nesse caso mais específico podemos citar a cantora Stephany, campeã de acessos no site YouTube e outras bandas como o “Calcinha preta” que não estão todos os dias nos meios de veiculação de massa como a televisão, mas suas canções são muito conhecidas devidos as facilidades de distribuição de músicas e vídeos, muito em questão da internet, de nichos e estratégias alternativas de veiculação e comercialização musical. Calypsoooooooooooooooooooo! É com esse grito que uma das maiores bandas do chamado tecnobrega paraense arrasta milhares de pessoas para seus shows. A Banda Calypso foi formada em Belém, no Estado do Pará, em 1999, pela cantora Joelma Mendes e pelo guitarrista e produtor Chimbinha. A divulgação do trabalho da banda a princípio se restringiu às regiões Norte e Nordeste do Brasil. Hoje a banda desfruta de grande sucesso em todo o país e começa a firmar sua carreira no exterior com turnês para os Estados Unidos e por países europeus. O tecnobrega é um gênero musical muito popular no Pará, suas características predominantes são as festas das aparelhagens com DJs, produtores caseiros e vendas alternativas de CDs através de vendedores ambulantes, os “camelôs”, para uma difusão rápida das músicas de acordo com o artista. O gênero mistura ritmos como Carimbó e Síria, além da forte presença de guitarras, sintetizadores e batidas eletrônicas. Os artistas adeptos do tecnobrega sofrem um preconceito considerável perante a sociedade e a crítica especializada, entretanto, se pesquisarmos a trajetória da Banda Calypso vamos perceber que eles tornaram-se os maiores vendedores de discos dos anos 2000, combatendo a pirataria que afeta a indústria fonográfica. Um destaque interessante foi a participação da Banda em um programa de televisão. Depois de retornarem de uma turnê fora do Brasil eles foram convidados para se apresentarem pela primeira vez no programa “Domingão do Faustão” da Rede Globo. Neste mesmo dia eles receberam discos de ouro, platina e diamante pela venda do álbum Banda “Calypso Volume 6”, e Diamante triplo pelo DVD “Calypso na Amazônia”, com um detalhe: esse álbum havia sido lançado a pouco mais de quinze 15 dias antes a participação da dupla no programa da Rede Globo. Não restava nenhuma dúvida de que ali estava um dos grandes fenômenos de consumo na música brasileira. 67
Esse breve histórico da Banda Calypso e o gênero tecnobrega são para sintetizar a influência da mídia na divulgação e destaque de artistas e fenômenos musicais, ou seja, a banda alcançou o sucesso perante a massa mesmo antes de ser destaque na televisão, ou rádios do eixo central-sul brasileiro. O processo digital, e nesse caso referem-se às facilidades de distribuição e reprodução de conteúdo através dos CDs, DVDs e MP3, proporcionou que artistas produzissem conteúdo e distribuíssem com maior rapidez e praticidade. O que vemos ser apresentado nos programas televisivos como, por exemplo, os da Rede Globo, Fantástico e Domingão do Faustão, e do SBT, Domingo Legal entre outros, os destaques nos cadernos de cultura dos jornais e os hits das rádios nem sempre representam o que realmente esta sendo consumido em massa nas bancas dos camelôs ou o que é sucesso de bilheteria em grandes shows. Se chegarmos a um shopping e nos dirigirmos a uma loja que vendam CDs e pedirmos os últimos lançamentos do Lambadão ou do tecnobrega, o vendedor vai imediatamente mostrar um leque de opções das bandas que mais vendem e com preços bem acessíveis, assim como nas bancas de vendedores ambulantes que irão deslanchar uma lista sem fim do verdadeiro hit-parade do Brasil. Em texto publicado na revista “Sexta-feira”, Hermano Vianna, fala que o tecnobrega paraense, o forró amazonense e o lambadão mato-grossense são novos mercados de consumo cultural que proliferam à margem da indústria cultural oficial, cada vez mais minoritária. São produtos que vendem porque tem a tecnologia como aliada, segundo os relatos de Hermano Viana o público valoriza as festas cujas aparelhagens são mais inovadoras, apresentam mais evoluções, e quanto mais inovações a banda apresenta mais as pessoas que estão nos shows vão ao delírio e mais pessoas e fã-clubes se arrastam para os shows. O Brasil vai ter que se acostumar com essa “inclusão” forçada, de baixo para cima, feita assim aos trancos e barrancos. Enquanto isso centro parece não conseguir deixar de lado esta nostalgia perversa de um país que “perdemos”, quando os pobres e seus costumes “bregas” eram invisíveis, a não ser num ou noutro livro de Gilberto Freyre (e Jorge Amado, é claro), ou num ou noutro filme de Glauber Rocha, ou numa noitada no Zicartola. (VIANNA, 2006. p.34).
Essa indústria cultural se contrapõe aquela discutida pela Escola de Frankfurt, em especial por Theodor Adorno, que em seu estudo sobre a indústria cultural diz que a mídia é como parte integral da formação das sociedades modernas. As alternativas para divulgação e formação de identidades culturais se ampliaram num sentido que independe da mídia institucionalizada. Há uma vertente paralela, crescendo no ciberespaço que é capaz de construir, assim como nos grandes meios massivos, uma correlação de público e artista, na identificação do semblante 68
midiático desse artista, com ações e reações muitas vezes mediadas sem interferências “industriais”. Segundo Adorno, na indústria Cultural, tudo se torna negócio. Enquanto negócios, seus fins comerciais são realizados por meio de sistemática e programada exploração de bens considerados culturais. Um exemplo disso é o cinema que, segundo ele, antes era um mecanismo de lazer, uma arte, que agora se tornou um meio eficaz de manipulação. Portanto, alguns fenômenos musicais sobreviveram sem dependência do conceito massificado da Indústria. Os artistas desta região não são tão dependentes de uma divulgação midiática nem de aprovação crítica dos formadores de opinião tradicionais. Suas músicas estão na boca do povo, os fãs elaboram coreografias e nos camelódromos são sucessos de vendagem, além de superlotarem seus shows. A nossa indústria cultural desenvolve produções a partir das identificações do consumidor e suas necessidades, que aparentemente divergem de um padrão que antes era facilmente identificado pelos hábitos de consumo. Quando Adorno indica que os meios de comunicação não passam de um negócio, ele diz exatamente que tudo está condicionado à economia. E quando fizemos uma breve apresentação dos ritmos do Norte e Nordeste do Brasil estamos mostrando que a indústria cultural discutida por Adorno e a indústria cultural que experimentamos hoje, possuem a mesma essência, algumas características distintas, entretanto, com a mesma base. O que mudou muito nesse intervalo de tempo foi à maneira como a indústria cultural se multiplicou em diferentes alternativas de produção e distribuição, dinamizando as noções de cultura de massa. Para Adorno a indústria cultural cria condições cada vez mais favoráveis para a implantação do seu comércio fraudulento, no qual os consumidores são continuamente enganados em relação ao que lhes é comprometido, mas não cumprido. Ele afirma que a indústria cultural cria necessidades ao consumidor, desejos, a indústria cultural organiza-se para que ele compreenda sua condição de mero consumidor, ou seja, ele é apenas um objeto manipulado pelo mercado, pelo comércio. John Thompson no livro “A mídia e a Modernidade” faz uma discussão em sua introdução sobre o que foi publicado pelos estudiosos da escola de Frankfurt: Duvido que alguma coisa se possa ainda resgatar hoje dos escritos mais antigos dos teóricos da Escola de Frankfurt, com Horkheimer, Adorno e Marcuse, sua crítica do que eles chamavam a indústria da cultura era muito negativa e se baseava em conceitos questionáveis sobre sociedades modernas e suas tendências de desenvolvimento. (1998, p.8).
69
Thompson afirma que as relações entre os indivíduos são alteradas pela informação e conteúdo simbólicos trazidos pela mídia. Criam-se novas formas de ação e interação no mundo social, novos tipos de relações sociais e do indivíduo com os outros e consigo mesmo. Para ele os aspectos técnicos dos meios de comunicação são importantes, mas não devem obscurecer o fato de que o desenvolvimento desses meios é uma re-elaboração do caráter simbólico da vida social, uma reorganização da maneira pela qual a informação e o conteúdo simbólico são produzidos e intercambiados no mundo social, e uma reestruturação dos meios pelos quais se relacionam. Segundo Thompson a análise da indústria cultural feita por Horkheimer e Adorno representa umas das tentativas mais corajosas já realizadas por teóricos sociais e políticos para a compreensão da natureza e das consequências da comunicação de massa nas sociedades modernas, ela é, em última instância, imperfeita. Thompson julga a teoria de Adorno e Horkheimer sobre a sociedade moderna limitada, primeiro porque eles dizem que a indústria cultural provoca o declínio do indivíduo. Em seu livro Ideologia e cultura moderna ele fala que do mesmo modo como teriam projetado uma imagem consensual generalizada das sociedades modernas, Adorno e Horkheimer também teriam forjado uma concepção fortemente integrada do indivíduo moderno. Ele diz ainda que os criadores do conceito de indústria cultural teriam exagerado o caráter integrado e unificador das sociedades modernas. Para Adorno o que passou a reger a sociedade foi a lei de mercado, e com isso, quem conseguisse acompanhar esse ritmo e essa ideologia de vida, talvez conseguisse sobreviver; aquele que não acompanhasse esse ritmo ficaria a mercê dos dias e do tempo, isto é, seria jogado à margem da sociedade. Mas se prestarmos atenção em fenômenos como o Lambadão matogrossense, o forró amazonense, o tecnobrega paraense e o próprio funk carioca vamos notar que ainda pode-se resgatar o que foi dito por Adorno e outros da Escola de Frankfurt, porém sob um prisma “não unificado” como aponta Thompson em sua crítica aos teóricos. A indústria cultural tende a uma limitação da opinião pública. Os valores passam a ser regidos por ela. Até mesmo a felicidade do individuo é influenciada e condicionada por essa cultura. Por isso consideramos os ritmos como o tecnobrega, Lambadão e forró amazonense como fenômenos musicais que sobreviveram sem a dependência do conceito massificado que parecia pairar sobre qualquer produto cultural de alta vendagem. Os artistas dessa região do Brasil não são presos a um modelo de consumo e divulgação midiática, nem da aprovação crítica dos formadores de opinião tradicionais. Suas músicas estão na boca do povo, os fãs elaboram coreografias e nos camelódromos são sucessos de vendagem, além de superlotarem seus shows. Essa parte da indústria cultural desenvolve produções a partir das identificações do consumidor e 70
suas necessidades, que aparentemente divergem de um padrão que antes era facilmente identificado pelos hábitos de consumo. Constituir e descobrir as mediações unificando as diferenças é um traço fundamental da cultura industrializada. Assim como a produção fonográfica é um produto da indústria cultural a publicidade também é, e ambos trabalham com a massa. O surgimento da indústria cultural tomou proporções inimagináveis como, por exemplo, elementos de dominação, alienação e banalização. Essa manipulação tem sido determinante nas atitudes da grande maioria da população, mas perdeu seu caráter definitivo e especifico. Uma característica importante da indústria fonográfica é a como ela se transforma com o passar dos anos, mas permanece com a mesma essência, ou seja, independente do contexto histórico os padrões que a indústria fonográfica impõe. Apesar de os videoclipes da Banda Calypso não serem veiculados na TV, em canais como a MTV e outros canais com programação voltada para o videoclipe, de modo geral a banda Calypso atinge uma grande massa através dos programas através das vendas recordes de DVDs, assumindo assim uma função pós-massiva.
3.2
Funções pós-massivas na Música
Fenômenos como a banda Calypso estouram nas paradas através de uma comunicação apenas massiva? Vemos nos últimos anos, uma variável presente nas teorias que abordavam a indústria cultural, graças as novas possibilidades mercadológicas e tecnológicas atuais. As funções massivas continuam a exercer seu papel dentro da nossa sociedade, temos a televisão, o rádio, os grandes jornais e toda a clássica rede de comunicação oficial, funcionando a pleno vapor, diariamente. Mas analisaremos também como ocorreu à evolução que trouxe o pós ao mundo contemporâneo, buscamos entender como as vias de mão única, cuja emissão de mensagens dependia de uma ideologia de corporação para ocorrer, deixaram de ser o meio exclusivo de se distribuir informações e conceitos nos dias de hoje. As chamadas mídias de massas são fontes que distribuem informação e conteúdo para um número imenso de pessoas. Um dos melhores exemplos de mídia massiva é a televisão. No Brasil 94,2% (pesquisa realizada pelo IBGE em 2007) dos lares possuem um aparelho de TV. A “caixa mágica” televisiva foi o primeiro meio a levar a janela do mundo para dentro dos redutos
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privados, de forma imagética. A televisão compõe, junto ao rádio, uma estrutura de dispositivos de comunicação tipicamente massiva. A Teoria Matemática da Comunicação, desenvolvida pelo matemático Claude Shannon foi uma das primeiras tentativas de compreensão do processo de comunicação. Como podemos exemplificar na figura 5.
Figura 5 - Diagrama da Teoria Matemática de Shannon.
Com esse diagrama (Figura 5), ele propôs um modelo técnico de comunicação, que acabou se tornando o pontapé inicial para diversos estudos na área da Comunicação Social. O modelo desenvolvido por Shannon leva em consideração uma comunicação que acontece em mão única, portanto podemos considerar que este modelo não abrange todos os aspectos da comunicação. O modelo de Shannon já era incompleto se repararmos que ele não dava conta de diversos fatores como, por exemplo, a subjetividade da recepção. Insuficiência também apontada por Alex Primo: Apesar de seu cunho mecanicista e de sua origem no estudo da telefonia (nos laboratórios da Bell Telephone Company, ainda na década de 40), o modelo transmissionista de Shannon e Weaver é ainda hoje muito influente. A cadeia emissormensagem-canal-receptor, que poderia parecer suficente para a pesquisa de problemas técnicos na transmissão telefônica (ou mesmo para a persuasão publicitária), se mostra deficiente ao ser transposta para o contexto mais amplo da comunicação humana. De acordo com o modelo, emissor é o agente criativo que molda a mensagem que deverá afetar o outro pólo (em uma posição hierarquicamente inferior): o receptor. (2005, p.3)
A linha reta diagramada por Shannon serve para uma comunicação telefônica e apenas apresentou uma idéia do que seria a comunicação de massa. Uma entidade emissora de informações, representada por uma empresa, por exemplo, transmitindo através de um canal as suas mensagens. Esse processo, nada matemático, ocorre de forma muito mais tridimensional do que os limites da linha podem apontar.
72
Nesse aspecto, o modelo do processo de comunicação se tornou ainda mais complexo com a introdução das mídias digitais. Alem de fornecer uma maneira rápida de resposta ao receptor, o sistema digital criou um verdadeiro boom de informações. Podemos dizer que a sociedade de uma forma geral está mudando os modelos de interação e produção a partir da inserção das mídias digitais. Não basta a tecnologia existir para as mudanças sociais acontecerem. Um bom exemplo é a própria internet que, apesar de existir a exatos 40 anos, demorou a se abrir ao mundo comercial, e ainda dependeu de uma grande mudança dos conceitos sociais e da própria estrutura física da sociedade, para de fato introduzir e explorar as potencialidades dos meios de comunicação digital. Foi preciso muito investimento e um crescimento acelerado da indústria da informática para tornar bens de consumo como o microcomputador ou o celular, itens quase indispensáveis na sociedade atual. As influencias desse processo vão desde o preço dos microcomputadores até a instalação de fibras-ópticas na infraestrutura de um determinado país. Essas alterações tecnológicas dos dispositivos de comunicação descentralizaram a produção e a divulgação de conteúdo. Agora tudo que se deseja comunicar fica mais fácil na web, inclusive os objetos musicais e suas variadas formas de execução e consumo na sociedade. A internet trouxe uma praticidade maleável para a universalidade da música. Os produtos musicais transitam no ciberespaço criando possibilidades indistintas de distribuição de conteúdos. Muitos ouvidos reunidos se tornam olhos e corpo em uma totalidade de experiências simultâneas quando uma música surge fácil (com uma simples busca) na tela do computador. É como uma revolução cultural, a globalização nos meios de comunicação em massa que se desdobra nos adventos tecnológicos dos últimos anos. Vemos a quebra de barreiras, fronteiras e tempos no imediatismo da internet quando testemunhamos o mundo que existe ligado na rede. Em nítido contraste com a difusão da telefonia celular, os primeiros tempos da difusão da Internet foram marcados por um enorme susto. Era impossível não perceber seu ineditismo e seu grande poder de subversão não somente das expectativas em relação às formas de telecomunicações antes existentes, mas também em relação à circulação do capital, do conhecimento, da informação e de tudo mais que pudesse ser convertido em bits e bytes. (NICOLACI-DA-COSTA, 2006, p.25).
O que difere a internet dos modelos de comunicação de massa tradicionais é justamente o fato de que a produção é realizada, também, pelos usuários da rede. A criação e a distribuição se tornaram mais acessíveis no meio digital, o que possibilitou a transformação dos “meros” receptores em novos produtores. Esses usuários distribuem as informações entre si, conectados de acordo com o modelo rizomático, não sendo necessário que o conteúdo passe por um canal 73
único ou central. A diferença estrutural entre o modelo massivo e o modelo rizomático (web) pode ser notada no diagrama abaixo de Paul Baran (1964).
Figura 6 - Diagrama de Paul Baran (1964). Da esquerda para direita: rede centralizada, para rede menos centralizada e para rede distributiva (rizomática).
O mundo virtual possui esse caráter distributivo na sua essência. Nessa rede, o fenômeno da comunicação em massa pode alcançar níveis diferentes do convencional diâmetro das frequências de rádio e dos sinais de satélite ou cabos de TV. Tudo monitorado e sustentado, graças à interação do usuário no partilhar de informações da web. Como fica uma massa quando jogada em uma rede cheia de falhas e espaços vazios? Ela provavelmente se despedaça, ou muda sua forma criando alguns frisos e relevos. Ela deixa de exercer uma função massiva, ela se torna pós-massiva. Segundo André Lemos, “as mídias pósmassivas vão criar processos mais comunicativos” do que as mídias de massa, pois possibilitam uma troca bidirecional de mensagens e informações. “Diferentemente dos meios de massa, os meios de função pós-massiva permitem a personalização, a publicação e a disseminação de informação de forma não controlada por empresas ou por concessões de Estado” (LEMOS, 2007, p.125). Apesar da relevância digital para sua gênese o termo pós-massivo está relacionado à funcionalidade do processo comunicacional e não ao dispositivo. Pois percebemos um trânsito entre funções pós-massivas e massivas em ambientes tanto analógicos quanto digitais. Em Lemos uma boa exemplificação disso: “um grande portal na internet ou um grande site de busca ou jornalístico tenta desempenhar funções massivas, enquanto que mídias analógicas, como fanzines e flyers, buscam desempenhar funções pós-massivas” (2007, p.126). Vemos nesse exemplo como 74
a música já desempenha há muito tempo uma ambição pós-massiva, pois fanzines e flyers habitavam o universo musical, com divulgação de shows e pequenas revistas de conteúdo especifico de uma banda, muito antes dos sites e blogs on-line começarem a circular. Este processo de “digitalização” também acarretou mudanças críticas para a distribuição e produção musical. Hoje, milhares de músicos espalhados pelo mundo gravam álbuns inteiros no interior dos seus home-studios, a um custo baixíssimo, podendo divulgar seu trabalho, através da internet, para o mundo todo. Isso desestabilizou a indústria fonográfica, que desde a criação do Napster, vem tentando acompanhar esta verdadeira revolução digital. A música atende ao apelo necessário para a sensibilização das massas, pois cria uma comunhão entre grupos de admiradores de certo estilo musical, como, por exemplo, os metaleiros (fãs de heavy metal) ou forrozeiros (fãs de forro). Esses “estilos” são frutos da criação imagética dos artistas, através do processo de criação do Semblante Midiático, como vimos no primeiro capítulo. O metaleiro se identifica com certos preceitos icônicos que vão desde o modo de se vestir e se comportar até os significantes mais profundos por trás das letras e melodias que caracterizam o grupo. Assim, com a comunicação de massa, mediada principalmente por programas de rádio e pela televisão, os grupos formados a partir dessa identificação de gostos musicais, tinham os lugares físicos como única opção de se reunirem. Os shows de heavy metal e as festas em que tocam forró, ou bares temáticos e praças especificas em que se encontram pessoas do mesmo estilo. Hoje, com a função pós-massiva, essa característica de unificação social carregada pela música, ganhou espaços virtuais para se consolidar. A música, nesse aspecto, desempenha sua função pós-massiva dentro do novo meio em que é possível essa identificação quase tribal, como explica André Lemos: Podemos dizer que a dinâmica social atual do ciberespaço nada mais é que esse desejo de conexão se realizando de forma planetária. Ele é a transformação do PC (Personal Computer), o computador individual, desconectado, austero, feito para um indivíduo racional e objetivo, em um CC (Computador Coletivo), os computadores em rede. Assim, a conjunção de uma tecnologia retribalizante (o ciberespaço) com a socialidade contemporânea vai produzir a cibercultura. (2004, p.71).
A música está jogada na web com todos os seus feitios e formatos imagéticos, icônicos e míticos da expressão artística e mercadológica. Nesse cenário ela assume uma forma rápida e fácil de massificar, e é dentro desse multiverso de possibilidades da música na internet que foi parar o videoclipe. Basta voltar um pouco no tempo, na época em que apenas era possível de ser ver estas obras, na MTV, ou no programa Fantástico, quando apenas o víamos o formato, 75
antigamente declarado como genuinamente televisivo, tomou novas formas e possibilidades no cenário ciberespacial. “Por que esperar o horário de exibição do clipe num programa da MTV, por exemplo, se ele está acessível no YouTube?” (SOARES, 2009, p.11). Vemos um fenômeno de superexposição na Internet, em sites de relacionamento e outros com possibilidades de divulgação musical e imagética, como o MySpace, aonde qualquer pessoa pode obter seus 15 minutos (ou segundos) de fama. Os artistas que já trabalhavam antes com a TV se viram obrigados a pensar em conteúdos para a web com o intuito de dinamizar o acesso aos seus produtos. Assim várias alternativas criativas, como o citado caso do Radiohead, salpicaram a rede de novidades culturais. O videoclipe está incluído nesse meio, e ganhou a possibilidade de independência da programação televisiva, podendo ser assistido a qualquer momento, dependendo da vontade do usuário. O YouTube, com sua hegemonia de conteúdo lançado e distribuído facilmente, se torna o guru do vídeo, onde arquivos audiovisuais, raros ou não, dividem a atenção diante de milhões de usuários. Pode-se assistir ali reunidos, a qualquer momento, os bons e velhos ingleses dos Rolling Stones em 1974 se travestindo de marinheiros para fazer o vídeo da música It's Only Rock 'N Roll (But I Like It), ou a dupla de franceses andróides, Daft Punk, que requebram ao som de batidas eletrônicas ultra-sintetizadas do século XXI em seus videoclipes. Esse cenário em que o videoclipe se encontra, a sua transformação, função e assimilação, são as questões lançadas nessa pesquisa. O comportamento dos ingredientes dessa massa mutável pela era atual de identidades difusas será o exemplário dessa situação, nova e imediata como seus meios e tão mais perto do início do que do fim. Fica o questionamento se o videoclipe, vindo de um meio de divulgação essencialmente massivo, é hoje uma representação pós-massiva ou não.
3.2.1
“O futuro nunca esteve tão perto, tão aberto e tão musical”
Quem baixa música não é pirata, é divulgador! (Música para Baixar – MPB)10
Na última década, a música se tornou um bem amplamente acessível, muito em virtude das facilidades de distribuição, compartilhamento e suporte dos arquivos em mp3, através da 10
Movimento Música para Baixar - MPB: <musicaparabaixar.org.br> 76
internet. Hoje em dia, qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, consegue com facilidade, pesquisar, baixar arquivos (MP3, WMV, WAV e outros formatos compactos de áudio e vídeo) e ouvir músicas e ver vídeos de artistas e bandas de quaisquer partes do planeta. O usuário consegue sem ter o menor esforço ou conhecimento avançado compartilhar os arquivos livremente pela rede mundial de computadores. Com isso, programas de compartilhamento de arquivos, como o Napster, Morpheus e o Kazaa, foram colocados como grandes responsáveis pela crise que vem pairando sobre a indústria fonográfica desde os anos 2000. Vilões ou não, o que vemos, é uma intensa e inesgotável briga da indústria fonográfica contra as plataformas P2P e seus criadores e a pirataria, sem muito impacto e resoluções. A indústria fonográfica parece encurralada e não consegue reaver os bilhões que veem perdendo a cada ano. Curiosamente, no ano de 1999, quando o Napster começava a funcionar, a indústria fonográfica registrou o último período de ascensão nas vendas mundiais de discos (BANDEIRA, p.9), após este período, o que vimos foi uma perpendicular queda, que em 2003 chegou a uma diminuição de 7,6% em seu faturamento anual. Os dados do IFTP (International Federation of the Phonographic Industry), motram que ente o período dos anos de 2000 a 2003, ouve um rombo negativo de 23% no consumo de materiais como CDs e DVDs, o que corresponde a aproximadamente nove bilhões de dólares. Mesmo assim, pesquisas apontam que esta queda significante não tem relação direta com o surgimento das plataformas P2P, como mostra Messias G. Bandeira. Em maio de 2002, a empresa americana de análise de tecnologia e Internet Jupiter Media Metrix13 pôde demonstrar que a troca de arquivos de música pela Internet estimula o consumo de discos entre os usuários dos sistemas P2P. De acordo com uma pesquisa realizada pela empresa, 34% dos entrevistados aumentaram seus gastos com discos após o uso de serviços como Kazaa e Morpheus, enquanto que 51% mantiveram seus gastos, contra 15% que afirmaram ter reduzido as compras de discos. (2005, p.11).
Mas de um lado, o que vemos é a indústria sofrendo com as transformações ocorridas acerca das mediações por meio da internet e não conseguindo acompanhar com ênfase as transformações que o mercado fonográfico vem sofrendo e, contudo, as demandas do consumidor, que buscam novas maneiras de se comercializar música. Por outro lado, os altos preços cobrados pela indústria fonográfica, por produtos como CDs, DVDs e outras peças que fazem parte do Semblante Midiático, faz com que os consumidores busquem novas maneiras de adquirir tais produtos e ai que entra um forte esquema que está por trás da pirataria. Até hoje não existem ao certo políticas, regulamentações ou atitudes precisas que enfatizem de forma concreta os crimes de pirataria on-line. E ainda são muito tímidas as ações contra os internautas que, de 77
algum modo, estão violando os direitos autorais sobre as músicas, pois com o imensurável número de usuários espalhados pelo mundo virtual fica impossível mapear e autuar todas as pessoas que fazem algum tipo de download ilegal na rede. Segundo a IFPI, 95% dos downloads de música são ilegais11. E jogue a primeira pedra quem nunca fez um download “ilegal” na rede! Com isso, a indústria fonográfica jogou toda a responsabilidade da crise da indústria em cima dos milhares de downloads feitos ilegalmente pela internet. Mas afinal, baixar música é crime? O quadro abaixo, da IFPI, demonstra como foi o desempenho das vendas de gravações do ano de 2008. As vendas físicas, representam os formatos de áudio em, singles, LPs, cassetes, CDs, DVD Áudio, SACD, MiniDisc, e vídeo, nos formatos de DVD, VHS e VCD; as vendas digitais, representam as vendas de áudio e vídeo, via online e por celular; e os direitos autorais, representam o valor arrecadado pelo uso das canções em rádio e TV e nas performances públicas, como, danceterias, bares, restaurantes, hotéis e alguns usos na internet. TABELA 1 Vendas de gravações musicais em 2008 (US$ em milhões) Físico
Digital
Direitos autorais
Total
EUA
3,138.7
1,783.3
54.8
4,976.8
Europa
5,808.8
750.8
576.2
7,308.8
Ásia
3,600.9
1,063.6
108.1
4,772.7
América Latina
430.3
62.6
25.7
518.6
Total
13,829.3
3,783.8
802.0
18,415.2
Fonte: IFPI
TABELA 2 Vendas de gravações musicais em 2007/2008 (percentual de mudança) Físico
Digital
Direitos autorais
Total
EUA
-31.2%
+16.5%
+133.3%
-18.6%
Europa
-11.3%
+36.1%
+11.3%
-6.3%
Ásia
-4.9%
+26.1%
+14.6%
+1.0%
América Latina
-10.3%
+46.6%
+16.7%
-4.7%
Total
-15.4%
+24.1%
+16.2%
-8.3%
Fonte: IFPI
11
Disponível em: <www.ifpi.org/content/section_resources/dmr2009.html> 78
O segundo quadro mostra a evolução de vendas de produtos musicais entre o ano de 2007 e de 2008, e nos aponta como vem caindo relativamente às vendas dos produtos físicos, enquanto os produtos digitais apresentam um considerável crescimento, e as perspectivas apontam para um aumento ainda maior. Mas mesmo com o crescimento, a indústria vem perdendo consideravelmente alguns bilhões. Desde o surgimento do disco gravado, nada havia impactado tanto o mercado fonográfico quanto o formato mp3. A indústria fonográfica ainda não absorveu de forma efetiva a potencialidade desse formato e o acusa de ser o grande vilão do encolhimento do mercado mundial de discos, especificamente o latino americano, algo que ocorre simultaneamente às novas possibilidades das tecnologias digitais. Por outro lado, na medida em que novos grupos sociais se apropriam destas tecnologias, outros modelos de produção sonora, como o brega pop (ou techno brega) do Norte do Brasil ou o funk carioca vêem a tona, trazendo discussões sobre apropriação tecnológica e inclusão digital dentro da indústria cultural brasileira. Conceitos como autoria, direito autoral e outros tem de ser repensados à luz destes novos modelos, onde a preocupação com o mercado fonográfico convencional é praticamente nula. (PAIVA, 2008).
É certo que a indústria fonográfica está sofrendo as conseqüências da falta de interligações com os meios digitais, e o que vemos, é o desenvolvimento acelerado de uma linha tecnológica de suporte e criação musical cada vez mais acessível ao usuário. Mas ainda são poucas as manifestações e discussões articuladas entre as gravadoras que detém grande parte do mercado musical, para se alinharem e darem a acessibilidade que o consumidor procura. Isso acabou obrigando as pessoas a procurarem melhores caminhos para compartilharem as músicas. O professor Felipe Ribeiro diz que: “O novo método de consumo de produções artísticas na forma de música está sendo estabelecido pelos próprios consumidores, na medida em que é possível obter uma determinada liberdade de escolha, tarefa antes impossível diante das regras da indústria da música” (2008)12. E Diante desta realidade, podemos considerar que se depender da indústria fonográfica, ela irá continuar afundando ainda mais, caso continue insistindo em pregar uma política saudosista em torno de um modelo de negócio que não traz mais resultados satisfatórios. O que vemos na prática, são ações sem muito efeito, da parte das gravadoras, sobre os usuários que fazem downloads, ao invés de intermediar e buscar soluções. Fora da indústria, observamos um grande número de artista que vêem lutando para garantir o sustento sem ter que depender de um sistema de mercado, que não satisfaz ou condiz com as metas de comercialização de música. Gilles Lipovetsky, em seu artigo, “Sedução, publicidade e pósmodernidade”, coloca o mercado como uma constante variável.
12
Disponível em: <www.ufscar.br/rua/site/?p=596> 79
Com a morte do discurso de autoridade, a afirmação de um parâmetro tornou-se um jogo em que sedução, publicidade e marketing desempenham papéis fundamentais, mas em constante movimento. Ou seja, nada é inatacável ou perene. A posteridade é como o horizonte, uma linha que se afasta à medida que o indivíduo se aproxima. Se existe, permanece um mistério. Não se pode estipular os critérios de acesso a ela. Como a moda, tudo é passageiro. (2000, p.8).
Estas premissas podem sugerir pensamentos em torno das ações da indústria fonográfica e se suas mudanças realmente condizem com o que o consumidor procura. Curiosamente, o site de economia “WalletPop”, fez um apanhado de regras para quem quer seguir na carreira musical e obter sucesso, o colunista Ariston Anderson escreveu o artigo, onde da dicas de como aproveitar as ferramentas e maximizar suas potencialidades tendo como base de criação as novas e acessíveis mídias digitais e a rede como um grande campo de divulgação. A indústria da música em geral tem sido lenta para se adaptar às ferramentas da nova mídia. Enquanto gravadoras e editoras ainda estão brigando para manter o controle de suas propriedades, existe um mundo novo onde uma elite da nova mídia está trabalhando para encontrar ferramentas para possibilitar aos músicos a construção de uma ponta entre a nova e a velha mídia. Seja oferecendo música de graça na rede, trabalhando para construir uma comunidade online, ou simplesmente começando um dialogo, os que procuram respostas estão rapidamente substituindo os antigos jogadores. (ANDERSON, 2009, tradução nossa)13.
No mundo todo, é possível listar artistas que vem criando meios que discutam e reflitam sobre o cenário atual da indústria cultura, na música, principalmente sobre as questões que remetem ao combate da injustiça na distribuição dos lucros da venda e do licenciamento de música através dos meios digitais. Foi com esta idéia que um grupo de artistas britânicos de renome, como integrantes das bandas Pink Floyd, Radiohead, Blur, os cantores Robbie Williams e Annie Lennox, dentre outros, criaram o Featured Artists Coalition14, uma espécie de sindicato, que busca nesta era digital, proteger e trazer para os artistas mais direitos sobre suas obras, fazendo uma pressão no mercado fonográfico para combater e deliberar diretrizes para uma nova era da música. No Brasil, um grande exemplo é o movimento MPB, Música para Baixar. Trata-se de um grupo de artistas – dentre eles, os já consagrados Zélia Duncan, Léo Jaime e André Abujamra e novas revelações como, Macaco Bong e Teatro Mágico – que estão buscando uma nova maneira 13 The music industry in general has been slow in playing catch up to the tools of new media. While record labels and publishers are still fighting to maintain ownership of their properties, there's a whole new world of new media elite who are working to find tools to empower musicians and to build a bridge between the new media and the old media. Whether it's putting music online for free, working to build an online community, or simply starting a dialogue, the folks seeking out answers are quickly replacing the stagnant ways of old media. Disponível em: <www.walletpop.com/blog/2009/07/25/so-you-wanna-be-a-rockstar-here-are-the-new-rules> 14 <www.featuredartistscoalition.com> 80
para estabelecer um sistema de discussão sobre distribuição, compartilhamento, direitos autorais, sem que o público virtual seja “lesado” e culpado de qualquer crise financeira se tornando um parceiro para divulgar os artistas independentes. Eles defendem também, os interesses dos usuários, apoiando os internautas que baixam músicas na rede, acreditando que esta troca de arquivos, sirva também como forma de divulgar e promover sua arte. Os bons “frutos” desta nova era musical, já podem ser colhidos. São exemplos fortes de esquemas de marketing que através da internet trouxeram grandes resultados para os artistas. Pague quanto você quiser! Este foi o slogan de uma das estratégias mais bem sucedidas da indústria fonográfica na nova era virtual, usada pela banda inglesa Radiohead para comercializar o álbum “In Rainbows”, lançando em outubro de 2007. O álbum foi comercializado digitalmente – por um período de três meses – onde o usuário comprava e “pagava quanto quisesse”, estipulando o preço que achasse ser justo para adquirir o pacote que incluía as 10 músicas do álbum em formato digital. A banda inglesa, de som experimental e que sempre esteve ligada as tecnologias e novas tendências musicais, deram um passo a frente. A estratégia, que inicialmente parecia ser um tiro no escuro, obteve resultados exorbitantes. Diante desta estratégia a banda recebeu muitas críticas e criou um grande alvoroço sobre a estratégia de sucesso. O editor de entretenimento do portal UOL, Marcelo Negromonte (2007), colocou no site uma resenha do álbum, onde falava sobre esta nova relação entre usuário versus banda, “Se você não pagar nada, você diz à banda que o novo álbum dela não vale nenhum dinheiro. É legítimo. Mas agora a decisão é sua; não há mais gravadora contra a qual se opor, não há mais loja da qual reclamar: é você e a banda. E aí?”15. No próprio site que a banda criou para ser feito o download do álbum, o usuário que escolhesse por não pagar nada pelo produto, quando clicava no link para o download via a frase “It’s up to you” (você que sabe), ou seja, a banda queria mesmo estreitar este caminho subjetivo da relação do fã com o produto da banda.
15
Disponível em: <musica.uol.com.br/ultnot/2007/10/10/ult89u8111.jhtm> 81
Figura 7 - Página de download do álbum In Rainbows, a imagem mostra um usuário que optou por baixar gratuitamente o álbum.
Desde o surgimento das plataformas de compartilhamento de arquivos pela rede em 1999, poucas medidas foram tomadas para regularizar as formas de comercialização de música. Em termos históricos, são pouco menos de 10 anos que separam o lançamento de “In Rainbows” e o surgimento das plataformas P2P, mas se levarmos em consideração a velocidade com que as transformações tecnológicas vêm acontecendo, já era hora das gravadoras, pensarem em soluções e discutirem o futuro da música. Mas o que vemos hoje são os próprios artistas criando soluções para tampar as lacunas que a indústria fonográfica não preencheu, já que com as facilidades de criação musical de divulgação e disponibilização dos arquivos musicais, em plataformas e redes sociais, como o MySpace, Last.fm, FaceBook, etc, é possível criar uma relação sistêmica com os meios digitais, que dignificam o trabalho dos artistas, sem ter a necessidade de correr atrás de contratos com gravadoras e ficarem presos a moldes de um sistema “feudal” de negócio. Mas a grande maioria dos artistas ainda tem de se firmar a estes moldes implantados por grandes gravadoras, porque, ainda dependem destas empresas para fabricar, desenvolver, distribuir e promover gravações de áudio e vídeo. As grandes gravadoras possuem uma estrutura altamente hierarquizada, verticalmente estabelecida. As companhias são configuradas em diversos setores, onde a departamentalização sugere a noção de fordismo sob o ponto de vista da cadeia de produção industrial de discos. Isto implica uma ressignificação da própria idéia de produção musical, através de uma visão essencialmente empresarial da música, onde a noção de que a obra não passa de um produto a ser formatado, embalado, comunicado e comercializado é recorrente. Assim, a histórica relação mercado X arte parece atingir o limite das imbricações no campo da música popular. Numa breve análise mercadológica, o desenvolvimento de um determinado segmento musical pode ter relação com a prática econômica historicamente estabelecida da exploração de recursos à exaustão, levando ao esgotamento de recursos pela não-renovação. Contudo, a idéia do pós-fordismo — a superação das formas tradicionais de organização da produção industrial — parece adequar-se bem às grandes companhias de discos através da especialização flexível e do marketing agressivo. (BANDEIRA, 2005, p.7). 82
O caso de “In Rainbows” suscitou muitas discussões ao redor do que já poderia ter sido feito em prol dos artistas e o grande vilão que é a internet, juntamente com os milhões de downloads feitos “ilegalmente” pelos usuários. Não existem valores concretos sobre o lucro que a banda teve sobre as vendas digitais do álbum, o que se sabe, foi que a maioria dos downloads feitos no site foram gratuitos, mesmo assim o valor arrecadado em apenas três meses de venda pela internet, superou o valor de toda a venda do álbum anterior do Radiohead, "Hail to the Thief", de 2003, segundo matéria publicada no portal da Folha Online (2008)16. Muitos críticos e especialistas achavam que após comercializar o álbum digitalmente, a banda não iria conseguir muitos lucros com as vendas do formato de “In Rainbows” em CD – que chegou às lojas em janeiro de 2008 – mas a estratégia não só deu certo, como também fez as vendas do produto físico, saltarem direto para o primeiro lugar de álbuns mais vendidos na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. Se não bastassem os downloads e as vendas dos CDs, o “In Rainbows” voltou às paradas, teve a façanha de ter o álbum no formato de vinil mais vendido nos Estados Unidos em 200817. Mostrando que mesmo que em queda, o público ainda busca por versões tangíveis dos produtos. No mundo artístico, as opiniões ficaram divididas, e até hoje pipocam discussões no meio. Alguns acreditam que por mais que este seja um processo inovador de comercialização, não é porque deu certo com o Radiohead, que irá ser lucrativo para todas as bandas. Kim Gordon, da banda americana Sonic Youth, considerou ótima a idéia da banda, mas teme que este novo processo não ajude as bandas que não vedem tanto quanto o Radiohead. "Parecia algo muito direcionado para a comunidade, mas não levaram em conta seus colegas de trabalho, que não vendem tantos discos como eles. Deixaram outras bandas em má situação por não oferecerem a sua música pelo preço que as pessoas quiserem pagar” 18. Outro cantor, Trent Reznor, vocalista da banda Nine Inch Nails, pareceu preocupado com a idéia lançada pelo Radiohead, e disse no blog de sua banda, “Não se enganem com o truque do ‘In Rainbows’ do Radiohead. Isto funciona uma vez para uma banda somente – e vocês não são o Radiohead.” (Tradução nossa) 19. Apesar das críticas de Trent Reznor, em março de 2008 a banda Nine Inch Nails, lançou o álbum Ghosts I-IV para download a US$ 5 e apenas dois meses depois, lançaram o álbum “The Slip”, com download
16
Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u456603.shtml> Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u488994.shtml> 18 Disponível em: <www.muzplay.net/news/5808/baixista-do-sonic-youth-critica-atitude-do-radiohead> 19 Don't be misled by Radiohead's In Rainbows stunt. That works one time for one band once - and you are not Radiohead. 17
83
gratuito no site da banda20. Em matéria divulgada pela Folha Online (2009), Robert Smith, vocalista da banda The Cure, diz que “Você não pode dar às pessoas o direito de decidir quanto vale o que você faz. A não ser que você pense que seu trabalho não vale nada” 21. Mas para a grande maioria, a aceitação foi grande, afinal, o Radiohead, foi a primeira grande banda a dar grandes passos para uma nova maneira de comercializar música e se relacionar com o usuário. E é ele, o usuário, nesta nova relação, quem vai dar a cartada final e decidir quanto vale aquilo que esta ouvindo, além de abrir uma discussão que por muito vem sendo prorrogada ou ignorada pela indústria fonográfica, de como regulamentar e viabilizar o download de músicas pela internet, sem que o artista seja lesado. Mas fato é, que se “In Rainbows” não tivesse sido um sucesso de vendas e critica, não teria levantado tanta discussão ao redor de sua real importância para a estratosfera musical e comercial. No Brasil também há casos de artistas que usufruíram o poder da internet e da tecnologia para chegarem facilmente em todos os cantos do país. É o caso da banda pernambucana Mombojó, que em 2004 comercializou o álbum Nadadenovo, em bancas de jornal, foram 20 mil copias que foram vendidas através da revista Revista OutraCoisa. A banda também disponibilizou em seu site o álbum para download gratuito, o que acabou divulgando muito a banda e abrindo as portas para fazer shows por todo o país e que também lhe rendeu a assinatura com a gravadora Trama. No site da banda22, ainda é possível baixar o álbuns e outros lançamentos da banda. Recentemente, a banda mostrou uma inovadora estratégia, onde lançou a nova música em um jogo virtual. A MOMBOJÓ participou de uma “caça ao tesouro”, dentro da olimpíada (Olimpíada de Jogos Digitais e Educação), na qual os jogadores deveriam percorrer sites e serviços da internet para descobrir pistas sobre um instrumento musical supostamente desaparecido. Tratava-se de um ARG, jogo de realidade alternativa, que culminou com o download gratuito da música “Casa Caiada”. 23
E ainda existem bons exemplos no país de música independentemente de qualidade com grande escala de divulgação. A banda de folk rock mato-grossense Vanguart ficou conhecida no cenário de bandas independentes utilizando também o site de relacionamento MySpace para divulgar suas músicas. O Vanguart também teve o videoclipe produzido de maneira independente para a música Cachaça, dirigido por Otávio Pacheco e Paulinho Caruso. A produção do 20
Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u398977.shtml> Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u509682.shtml> 22 Disponível em: <mombojo.wordpress.com> 23 Retirado do site oficial da banda: <http://mombojo.wordpress.com/2009/08/31/mombojo-lanca-musica-ineditaem-jogo-virtual/> 84 21
videoclipe contou com o apoio do Instituto Cultural Espaço Cubo, iniciativa que investe na produção cultural independente de Cuiabá.
3.2.1.1 “Tudo está no seu devido lugar” 24
Mas o caminho que o Radiohead foi trilhando através de sua carreira, nos leva a refletir sobre suas atitudes mercadológicas. A banda tem um longo histórico de discussões com sua exgravadora a EMI25 - foram contratados da empresa até o álbum “Hail to the Thief” de 2003, após este período e ainda durante as gravações de “In Rainbows”, romperam com a gravadora – por terem um grande lucro sobre o produto produzido pela banda. Isso resultou, em abrir ainda mais a discussão sobre gravadora x artista. A distribuição de música pela internet se torna algo essencial nos dias de hoje, cada dia mais os usuários procuram utilizar destes meios e estão dispostos a pagar, mas sem o apóio e viabilização das gravadoras, que se mantêm com um forte padrão capitalista de sugar o máximo do artista sem perder nenhum lucro. Do outro lado, os artistas se vêem em meio a uma guerra, sem poder confrontar com quem lhe dá suporte, mas alguns, ainda assim lutam para alcançar o público com idéias acessíveis, criativas e inovadoras. Entre microbits, texturas sonoras e toda uma atmosfera milimetricamente pensada para causar sensações de fascínio no ouvinte, o Radiohead lançou o álbum “OK Computer” em 1997 e desde então, vem colocando em cheque as mudanças cibernéticas que a humanidade supostamente iria passar nos próximos anos. Com este álbum, ganham notoriedade mundial, mas a banda se mostrou estafada de ter que depender de uma indústria exploradora e que impõem certo “narcisismo” sobre seus proletariados. Depois do imenso sucesso que colocou a banda em lugar de destaque mundial, eles se lançaram em um longo hiato musical. E só voltaram à cena mundial no ano de 2000 com o lançamento de “Kid A”. “Kid A” foi outro marco na carreira do Radiohead, o quarto álbum de estúdio da banda, surgiu em meio a rumores de que a banda podia chegar ao fim, muito em decorrência da relação desgastante entre os membros da banda que surgiu durante a divulgação do álbum anterior, “Ok Computer”, e o bloqueio criativo que o vocalista Thom Yorke vinha passado. As pressões sobre a 24
Everything in It’s Right Place: GREENWOOD, Colin; GREENWOOD, Jonny; O'BRIEN, Ed; SELWAY, Phil; YORKE, Thom. In: Radiohead. Kid A. Inglaterra: Capitol, 2000. Faixa 1. 25 EMI é a sigla de Electric and Musical Industries Ltd; é uma gravadora localizada na Inglaterra, mais precisamente em Londres e que mantém operações em 25 países; a EMI Group é uma das quatro maiores gravadoras do mundo. Fonte: <pt.wikipedia.org/wiki/EMI> 85
banda e a expectativa do público e crítica faziam com que o “Kid A” fosse um dos álbuns mais aguardados do ano. Mas o público não teve que esperar muito, em meio ao mais novo burburinho e mania da cibercultura contemporânea, o Napster, surgiam meses antes do lançamento oficial, todas as 10 canções que compunham o álbum estavam disponíveis na plataforma, inteirinho, para quem quisesse ouvir. Pouco se sabe sobre o vazamento do álbum na plataforma P2P, até porque na época ainda era bem raro, as músicas pararem na internet, antes mesmo de serem lançadas, e logo vieram especulações de que isso teria sido uma ação proposital da banda para divulgar o álbum, mas gravadora e banda negaram. Quando o álbum foi finalmente lançado, o Radiohead conseguiu um grande feito, chegou pela primeira vez ao topo das paradas da Billboard26. Quando as faixas do último álbum da banda “Kid A” surgiram no Napster, três meses antes do lançamento do CD, a gravadora se mostrou confusa. Obviamente, tinha sido alguém de dentro da empresa que teria vazado. Talvez fosse um funcionário magoado, a procura de vingança. Talvez tenha sido alguém que pensasse que a exposição no Napster, seria a mesma da exposição em rádio e, portanto, irá promover a banda. Não importa, a música estava agora no Napster e sendo fortemente compartilhada. Kid A rapidamente se tornou o álbum mais baixado na plataforma. (MENTA, 2000, tradução nossa)27
O mais curioso não foi uma banda de relevância mundial, chegar aos topos das paradas de vendas dos EUA, mas a forma com que isto teria acontecido. “Kid A” é um álbum muito experimental, com uma sonoridade estranha e nada comum aos produtos musicais que normalmente estão no topo das paradas, bem diferente dos trabalhos anteriores da banda, e trazia uma grande carga de sons minimalistas e despretensiosos para arrebatar a grande massa popular, alias, nenhumas das músicas apresentam aspectos e estruturas comuns para serem tocadas em rádios FM. O Radiohead, conseguiu este feito, sem ao menos lançar singles, ou videoclipes, ou seja, o único meio de divulgação que a banda teve, foi através da internet e do seu vazamento no Napster. Mesmo com toda a contradição mercadológica, algumas canções como, Optimistic e Idioteque tocaram nas rádios. Proposital ou não, o Radiohead sempre teve relações muito fortes com as possibilidades das novas mídias e vem nos mostrando o quanto criatividade e inovação 26 Disponível em: <www.billboard.com/search/?keyword=radiohead+kid+A&x=0&y=0#/album/radiohead/kida/446322> 27 When tracks from the bands latest album "Kid A" showed up on Napster three months before the CDs release, their record company was in a tizzy. Someone on the inside obviously leaked this out. Maybe it was an embittered employee looking for revenge. Maybe it was some misguided person who thinks exposure on Napster is the same as exposure on radio and thus will promote the band. It didn't matter, the music was now on Napster and being traded heavily. Kid A quickly became the most downloaded album on the embattled service. Disponível em: <www.mp3newswire.net/stories/2000/radiohead.html>
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vinculadas a estratégias de marketing podem garantir o sustendo dos artistas no meio digital, sem mesmo a ajuda de uma gravadora.
3.2.1.2 Possibilidades audiovisuais off e online
O videoclipe, desde o seu surgimento, se mostrou um grande aliado dentro das estratégias de divulgação musical. Os telespectadores finalmente podiam associar a música que eles ouviam a uma imagem composta pelo artista ali na tela. O gênero genuinamente televisivo, fragmentado e custos relativamente baixos, se tornou uma das mais importantes ferramentas de aproximação entre artistas e consumidor. Hoje estou peças quase que publicitárias, tramitam pelo ciberespaço e constroem o Semblante Midiático do artista, junto de outras ferramentas digitais, como, blogs, podcasts e videocasts, serviços de recebimento de SMS e vários outros benefícios e facilidades que o mundo digital nos trás como forma de estreitar os relacionamentos. Além de experimentações em estratégias de distribuição musical, existem muitos artistas usando diversos suportes para divulgação de seus trabalhos. O uso do audiovisual como estratégia de divulgação de artistas, vem se tornando algo bem comum, principalmente entre bandas independentes ou que são de gravadoras que mantém uma postura menos exploratória sobre os artistas. É o caso da banda mineira Pato Fu, que sempre buscou inovar em sua sonoridade e lançou independentemente o álbum “Toda Cura Para Todo Mal” (2005), paralelo ao lançamento do álbum, a banda lançou um DVD de mesmo nome, trazendo videoclipes de todas as 13 faixas do disco, com vários diretores diferentes, entre eles, os premiados Hugo Prata, Jarbas Agnelli, Conrado Almada e Roberto Berliner. Recentemente a banda colocou no ar, um site que trás conteúdo oficial da banda, onde o usuário pode fazer download gratuitamente dos conteúdos exclusivos e ainda tem a opção de comprar a versão em DVD que esta disponível em um preço abaixo dos valores de mercado. Outro bom exemplo é a já citada banda Arctic Monkeys, que para divulgar o lançamento do DVD – “Live At the Apollo”, exibiu simultaneamente nas salas de cinema de várias cidades no mundo como, Londres, Madrid, Barcelona, Bruxelas e Luxemburgo, etc. o pré-lançamento, promovido pelo site de redes social de cinéfilos MovieMobz28. No Brasil, o show foi exibidos em dezenas de salas de cinema, parceiras do site, com todas as
28 Rede social dedicada aos cinéfilos, onde através do conceito de mobilização, o usuário pode fechar salas de cinema para assistir a filmes que estão fora de cartaz ou que normalmente não são exibidos nas salas. 87
sessões lotadas. Firmando uma estratégia ainda pouco usada, mas que obteve grande sucesso e ainda se vinculando a um site de redes sociais, gerando grande interesse no mundo todo.
Figura 8 - Cartaz do show do Arctic Monkeys exibido nos cinemas.
Mais recentemente, no dia 30 de junho de 2009, a banda inglesa, fez algo inovador também usando a rede. Para mostrar aos fãs as músicas do novo CD, "Humbug", que chegou as lojas em agosto, a banda, transmitiu um show, ao vivo, em seu site oficial, para mostrar as novas músicas em um show ao vivo.
Figura 9 - Site do Arctic Monkeys com a transmissão do show online para mostrar novas músicas do álbum Humbug. 88
As novas plataformas da era tecnológica estreitaram a relação entre artistas e fãs, fazendo com que os artistas criem estratégias de fidelização. A bem pouco tempo atrás a única maneira de trazer o fã pra próximo do artista em suas estratégias de divulgação, era de fazer concursos onde eles poderiam produzir um videoclipe, como por exemplo, o próprio Radiohead, que lançou um concurso online para criarem o videoclipe para a música Reckoner do álbum “In Rainbows” o escolhido foi à animação feita pelo francês Clement Picon, entre outras experiências com fãs. Como da cantora Björk, que fez um concurso para escolher um videoclipe produzido por fãs, para a música Innocence (2007), a competição foi vencida por uma dupla de fãs franceses, Fred & Annabell. A experiência deu tão certo, que a cantora trabalhou com outros fãs que ficaram na disputa final da competição, o videoclipe da música The Dull Flame of Desire, com a participação do cantor americano Antony Hegarty, foi dirigido por Christph Jantos, Masahiro Mogari e Marçal Cuberta. Outra grande experiência é a da banda americana R.E.M., que para a divulgação da música Supernatural Superserious, fixou um portal com um vídeo interativo, onde o usuário escolhe como ouvir a versão da música. São carregados vários vídeos sincopados, 12 telas que são carregadas e quando clicadas seguem sincronizados com a música.
Figura 10 - Site criado para divulgar a música Supernatural Superserious.
Todas estas experiências se correlacionam como produtos que criam sobre o artista, o que Andrew Goodwin chamou de Semblante Midiático. Uma série de prática comunicacionais, onde 89
o artista tem de se colocar como um produto, e buscar cada vez mais aumentar suas potencialidades para não perder o consumidor. Contundo, o videoclipe, ao longo dos anos continua sendo uma das principais ferramentas de divulgação musical e não perdeu seu espaço com a chegada de novas mídias. Hoje a TV pode não ser o seu principal suporte, mas com o uso da internet, os artistas continuam através deles, passando suas ideologias, conceitos ou indagações, que juntas formam a sua imagem. O gênero tipicamente televisivo rompeu suas barreiras e com a ajuda da internet o videoclipe ganhou outros espaços e plataformas. Artistas não dependem mais da televisão para divulgar os seus videoclipes. Eles circulam livremente por sites como YouTube e Vimeo. Muitas vezes eles nem chegam a ter sua estréia ou serem exibidos em emissoras do gênero, mas estará disponível para ser visto a qualquer momento em algum site ou plataforma de vídeo na internet. A mudança de plataforma que tornou o videoclipe pós-massivo, além de potencializar a distribuição do objeto nos meios de comunicação, também causou mudanças estruturais (ou desestruturais) na linguagem do formato.
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GCAPÍTULO III:
LINGUAGEM EM
[DES] CONSTRUÇÃO
De cima para baixo: A excêntrica banda The Residents; videoclipe A-Punk (2008) do Vampire Weekend, dirigido por Garth Jennings e Nick Goldsmith; Porks and Beans (2008) do Weezer, dirigido por Mathew Cullen; Show da turnê 360° da banda U2 transmitido pelo YouTube; Neon Bible (2007) do Arcade Fire, dirigido por Vincent Morisset; e I've Seen Enough (2009) do Cold War Kids, dirigido por Vern Moen.
Des.cons.tru.ção: verbo transitivo direto 1 destruir ou desfazer (algo) transitivo direto 2 desfazer para reconstruir (o que está construído, estruturado), freq. fugindo a alguns princípios estabelecidos pela tradição Ex.: Drummond desconstrói a Canção do Exílio de Gonçalves Dias no poema Um sabiá na palmeira longe Definição do dicionário Houaiss
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A desconstrução serve nomeadamente para descobrir partes do objeto que estão dissimuladas e que interditam certas condutas. E isso se aplica, principalmente ao videoclipe, objeto de estudo empírico em questão. Mais do que a junção de imagem em movimento, música, letra e sistema de distribuição musical o videoclipe representa uma nova forma de linguagem audiovisual. Uma linguagem híbrida, mutante, efêmera e complexa, que permite que seja (des)construída uma situação na qual todos os referentes sugeridos de um mundo real e os de um mundo sígnico e fragmentado vão, aos poucos, embaralhando-se e mergulhando um no outro. Um enunciado cultural complexo, coerente, ou não, e heterogêneo, produzido em um contexto que leva em conta a subjetividade, o consumo, as condições sociais de produção e a realidade histórica nas quais os sujeitos produtores (artistas, diretores e gravadoras) e consumidores (telespectadores) estão inseridos. Segundo Arlindo Machado: O videoclipe trata-se, antes de tudo, de uma aparência de relato, a sugestão pura e simples de um universo fictício possível mas nunca efetivado. É como se o videoclipe contasse uma história, à maneira do cinema: lá estão personagens, cenários e fragmentos de uma possível ação; a história está sempre a ponto de constituir-se, mas nunca chega a tornar-se apreensível, não se torna jamais articulada numa sequencia de acontecimentos coerentes. (1993, p.161).
É nítido que o videoclipe é um objeto audiovisual interessante e ao mesmo tempo complexo. Talvez o formato seja mesmo um grande “elogio da desarmonia”, como o título do livro do pesquisador Thiago Soares, no qual estuda profundamente o objeto. O videoclipe é constituído por uma linguagem fluida, geradoras de idéia, que ocupa um espaço nas esferas midiáticas como um objeto notoriamente desarmônico. O fato de ter linguagem difusa agrega ao videoclipe algumas noções presentes na sociedade contemporânea. É o resultado de uma desarticulação na integração das idéias ou partes constitutivas do objeto. Uma desarmonia que se caracteriza pela apresentação de desvios, irregularidades e desnivelamentos visuais, em partes ou no objeto como um todo. Ao longo de nossa pesquisa nos referimos ao videoclipe ora como formato, ora como gênero e isso se deve às próprias características que esse fenômeno audiovisual possui. Percebemos que essas características agregam conceitos conflituosos. A linguagem videoclíptica, por exemplo, é um ponto de conflito, ou seja, cada autor que trata do assunto fala de uma linguagem distinta, mas não falam de uma linguagem única e universal, por esse motivo percebemos que o videoclipe é uma ferramenta audiovisual geradora de ideias e experimentações, já que sua linguagem está em constante mutação e sendo contaminada pelos circuitos de produção audiovisual que atrelam o cinema, a televisão, a videoarte etc. 93
Essa característica configurada por uma linguagem difusa do videoclipe se deve ao contexto sociocultural, midiático, tecnológico e mercadológico em que está inserido. Nesse contexto, a indústria fonográfica também está em constante transformação e exige que seus suportes acompanhem as transformações tecnológicas. Alguns estudiosos já tentaram detectar especificidades da linguagem do videoclipe, elencando uma série de carascteristicas técnicas que apareciam na estrutura deste audiovisual. Oscar Landi, J. Wyver, Perter Werbel, Arlindo Machado e Juan Anselmo Leguizamón estão entre os nomes que se preocupam com a normatização dos elementos visuais constitutivos do videoclipe, deixando um legado para que se entenda de que forma signos usualmente televisivos interagem, por exemplo, com formatos oriundos do cinema. (SOARES, 2007, p.6).
Como já foi dito no primeiro capítulo não há um ponto de consenso sobre o formato videoclipe, não há uma linguagem única formada, não podemos afirmar que essa ou aquela é a linguagem correta, então dizemos que é uma linguagem em desconstrução, no sentido de rearticulação da linguagem, ou seja, nenhuma especificidade ou particularidade que o formato apresenta. Segundo Thiago Soares quando falamos de videoclipe, estamos tratando de um conjunto de fenômenos de criação nos meios de comunicação de massa angariados na idéia de hibridismo. Ele ainda completa, que “como gênero televisual pós-moderno que é, o videoclipe agrega conceitos que regem a teoria do cinema, abordagem da própria natureza televisiva, ecos da retórica publicitária e dos sistemas de consumo da música popular massiva” (2007, p.2). Traçamos em nosso primeiro capítulo os pontos de ligação da construção do videoclipe. Apontamos aspectos que nos ajudam entender a formatação de seu gênero, que foi consolidada a partir de uma necessidade comercial. Os primeiros passos foram dados pela banda Beatles – o público queria ter acesso à banda – que não podia levar seus shows a todos os lugares que o demandavam, e acabaram criando longas-metragens que traziam performances. Passando ainda pelo surgimento da MTV e da trajetória de Michael Jackson, ícone da cultura pop e da música popular massiva. Até chegar ao que conhecemos hoje, um formato audiovisual pleno. No início da pesquisa, já era notório que o problema a que nos propomos a responder era mostrar de que forma a produção videoclíptica contemporânea vem sofrendo transformações em seu formato e como estas transformações atuam na construção da imagem do artista. Pegando como sustentação, as transformações comunicacionais que surgiram a partir das novas plataformas digitais e se a função do nosso objeto de estudo como forma de divulgação ainda é válida em um ambiente onde hoje os próprios usuários são os principais criadores de conteúdo.
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Apontamos que tudo na indústria cultural se torna negócio, portanto os artistas ou a bandas têm que agir como uma empresa para se sustentar na mídia. A banda americana Kiss, que faz uma mistura de hard rock e Glam Metal1, ao longo dos anos, construiu um verdadeiro império através do Semblante Midiático que criou. A banda que surgiu nos anos 70, desde a sua criação pensou em como seria sua postura estética e, inspirados em artistas como Alice Cooper e a banda New York Dolls, foi criado um espectro sombrio, assustador, mas que ao mesmo tempo parecia ser apenas uma brincadeira com o público. Além de um figurino carregado de apetrechos, os músicos se apresentavam com o rosto maquiado e a pintura de cada integrante trazia um pouco da personalidade de cada um dos personagens que eles assumiam nas apresentações. No primeiro capítulo, mostramos como algumas bandas e artistas, já nos anos 60 apresentavam preocupação em criar um conceito por trás do que faziam. Este é o caso do cantor David Bowie, quando encarnou o andrógeno personagem Ziggy Stardust. Mas o Kiss foi além, muito antes da internet a banda já tinha percebido que investir em outros produtos trás grandes lucros e hoje já conta com aproximadamente 3000 produtos licenciados. Basta vermos o quanto à banda é vangloriada no Brasil, um país que ainda consome muito os datados hard rock e heavy metal. Os novos e antigos fãs sempre colaboraram para que a banda continuasse com seu legado, comprando de tudo, principalmente camisetas com estampas, chaveiros e souvenir para todos os gostos, como revista em quadrinhos, games, caixões personalizados a preservativos e agora estão nos chocolates M&M’s.
Figura 1 - A banda americana Kiss estampando os chocolates M&M's.
1
Bandas ou artistas do estilo heavy metal, que se caracterizam de forma peculiar a outras bandas, abusando de roupas extravagantes de couro, acessórios, cabelos longos e desgrenhados e pinturas ou maquiagens no rosto. 95
Todas essas estratégias de mercado, preocupações estéticas, construção da imagem do artista, também são conhecidas como Semblante Midiático. E esse conceito fica ainda mais intenso com o lançamento do videoclipe da música Thriller, de Michael Jackson, digno de uma mega produção que custou cerca de 600 mil dólares, envolvendo coreógrafo e maquiador premiados. A obra pode ser considerada pioneira no sentido da utilização do videoclipe como uma excelente estratégia de consumo musical. Além disso, a produção de Quincy Jones também contribuiu para a concepção de um novo formato, reafirmando ainda mais o videoclipe como uma ferramenta fundamental e em crescente destaque no meio audiovisual. No entanto, o videoclipe não é apenas uma ferramenta de promoção de um determinado artista. Muito menos um objeto utilizado apenas como produto comercial. Trata-se de um formato pleno, com linguagem difusa. Ao longo de todo o primeiro capítulo discutimos o conceito de Semblante Midiático atrelado às diversas vertentes presentes no mundo do videoclipe, sejam elas a indústria fonográfica, sua linguagem difusa, a evolução do formato, etc. Mais do que isso, foi possível traçar o caminho percorrido do videoclipe e sua constante mutação até os dias atuais: do lançamento de Thriller ao surgimento da web 2.0, e dos percursos deste formato em plataformas como o YouTube, MySpace, Vimeo, etc. E o futuro da música está no presente em plataformas cada vez mais individualizadas e que permite uma total escolha de caminhos e o que se consumir através do usuário (celulares, iPod, Last.FM, etc). A frase pode parecer um tanto quanto contraditória, incoerente ou, até mesmo, redundante, mas com a velocidade das transformações tecnológicas, certamente num futuro próximo novos recursos vão criar outras maneiras de se divulgar os conteúdos. A verdade é que o cenário atual aponta para uma nova forma de se consumir música. Com o passar dos dias, o futuro das gravadoras e distribuidoras está cada vez mais obscuro e incerto. Vivemos num mundo permeado pela tecnologia e a tendência é que a cultura desenvolvida em torno dos agenciamentos sócio-técnicos esteja cada vez mais presente na vida cotidiana. Como constatamos no segundo capítulo, a música tem capacidade de integrar e aproximar as pessoas. Ela também exerce o seu papel social. A música é mais do que simplesmente algo a ser ouvido. A música tem a capacidade de sensibilizar, seja com emoção, seja como plataforma de manifestação social, seja como produto de entretenimento. Independente do papel que a música, ou os músicos, procuram desempenhar, ela irá sempre ter potencial sociabilizante. Ainda no segundo capítulo podemos acompanhar toda a trajetória da música em seus diversos e formatos. A música passou por uma trajetória de individualização do seu consumo. O 96
pioneiro: Walkman. Contudo, os LPs e a fita cassete, modelo analógico, deu lugar ao mundo digital. Entra em cena o CD, formato padrão que dominou a década de 90 até o aparecimento do, hoje cada vez mais popular, MP3. Posteriormente ao MP3, uma revolução ainda maior se inicia e se instaura cada vez mais frenética nos dias atuais: o compartilhamento de arquivos através de uma rede P2P. Traduzindo: surge o Napster, um software que possibilitou o surgimento de vários outros softwares, como por exemplo, Kazaa, Shareaza, Torrent, Emule, entre outros. O advento dessas novas tecnologias, novos programas, colocou em xeque a existência das produtoras. Resultado: uma guerra travada duramente até os dias de hoje, combatendo programas de compartilhamento e pirataria. No meio de toda essa metamorfose no mundo da música e da indústria fonográfica, o que de mais importante e interessante merece ser destacado é o futuro e os rumos do videoclipe e sua linguagem, inseridos dentro desse novo contexto. É possível afirmar que o videoclipe possui uma determinada linguagem? Quais os rumos que indústria fonográfica no contexto das novas mídias? Em relação ao primeiro questionamento não podemos afirmar. Já a segunda questão está ligada diretamente a meios de interesse econômico. Não sabemos ao certo o futuro do videoclipe devido ao advento da tecnologia e o surgimento desenfreado de programas, softwares, formatos etc. Como se não bastasse, o fato de o videoclipe estar diretamente ligado a todo esse mosaico sócio-cultural e tecno-social dificulta ainda mais qualquer tipo de previsão acerca de seu futuro. Sendo assim, qualquer tipo de previsão feita nos dias atuais seria caracterizada como, no mínimo, leviana. Por outro lado, fica a constatação de uma ferramenta volúvel, abrangente e, por que não, completa, por se tratar de um objeto capaz de integrar diversas e especificidades.
4.1
Conexão com a mídia
Desde que passou a habitar tanto as emissoras de televisão musical (MTV, VH1, etc) quanto as plataformas de compartilhamento de vídeos na internet (YouTube, Yahoo! Vídeos, entre outros) os videoclipes tornaram-se objetos amorfos, adaptáveis e moduláveis aos meios que circulam, fonte interessante de reconhecimento de como o massivo e o pós-massivo devem ser vistos não como instâncias distintas e distantes, mas sim a partir de uma lógica de um mútuo agendamento. (SOARES, 2009, pag.08).
É relevante pensar no videoclipe como produto dos meios massivos e pós-massivos, como relatamos nos capítulos anteriores a música está disponível na web com efeitos e formatos 97
imagéticos, icônicos e míticos da expressão artística e mercadológica, ou seja, na internet ela assume uma forma rápida e fácil de massificar. Dentro desse universo de possibilidades da música na internet o videoclipe ganhou mais e outras formas de visibilidade de acesso, deixando de ser um formato genuinamente televisivo, passando a ser um fenômeno de divulgação musical e imagética assumindo as possibilidades criativas da rede. O formato tomou novas formas na internet, ganhou uma visibilidade muito grande nos sites de relacionamento e de divulgação, como o MySpace e YouTube, no qual qualquer pessoa ou grupo pode divulgar suas músicas e vídeo; ampliando as formas de divulgação para além da comunicação de massa. Se para Andrew Goodwin “o videoclipe deve ser contextualizado como um produto da indústria fonográfica, que está associado estruturalmente à música pop” (1992, p.11), agora na internet amplia-se muito mais. É no videoclipe que aquele ícone de aura estelar, que ronda de sonhos o artista musical, irá se apresentar tomando forma, cor e postura. O Semblante Midiático do artista na era digital se torna mais abrangente em termos de reprodução de identidades construídas e fixadas na memória do público, agora com poder maior de seleção. Essa edificação do “símbolo artístico” no universo pop é calcada estruturalmente através de um conjunto de estratégias mercadológicas entre elas o videoclipe, grandes medidores de audiência e popularidade mesmo na pluralidade da internet. Para Thiago Soares hoje, os videoclipes podem mais ser enquadrados como objetos eminentemente massivos ou pós-massivos. Mas ele identifica que as trajetórias dos videoclipes na cultura midiática deixam não só marcas discursivas nos produtos, ou seja, passam a ser um objeto de características mais digitais (pós-massivo) por ter um espaço mais abrangente nos canais da internet. O que identifico, ao observar as inúmeras trajetórias dos videoclipes na cultura midiática, é que a circulação não só deixa marcas discursivas nos produtos, como estas marcas condicionam e orientam a produção e os endereçamentos de leituras dos fruidores. É esta a questão central que permeia este artigo e que funciona como hipótese da identificação de que os videoclipes, hoje, não podem ser mais enquadrados como objetos eminentemente televisivos (massivos) ou digitais (pós-massivos). (SOARES, 2009, p.3).
Soares e Goodwin dialogam entre si, se referindo a um mesmo processo que vai colocar o videoclipe no centro de uma evolução relacional (à tecnologia) sofrida pela indústria musical, especialmente no âmbito popular. Desse centro não emana toda a força das alterações dessa indústria, mas o videoclipe resiste a elas, se apropriando e criando aprimoramentos em suas funções da gênese, crescendo junto dela Os Beatles estão no YouTube mas quando produziram 98
seus vídeos nem vislumbravam tal lugar para que eles pudessem habitar. Um novo fã de Beatles terá um novo conceito por ter tido a oportunidade de vê-los ali diante de uma pesquisa numa página online. É possível perceber que o Semblante Midiático explicado por Goodwin tem desdobramentos pós-massivos a partir do momento que artistas possuem endereços virtuais, avatares, páginas de fãs, publicações de órgãos de imprensa online e todo o resto de evolução de flyers digitais e e-mails virais com novidades de última hora. O Semblante Midiático já pode surgir sem depender da grande mídia, ou de qualquer mídia convencional. Até os anônimos possuem semblantes nos dias atuais, é só verificar os pré-modulados e bem elaborados perfis de redes sociais como MySpace, Orkut, FaceBook, etc., que permitem que o usuário formule imageticamente, textualmente e conceitualmente sua identidade. O artista é mais um nesse novo nicho, mas que possui a capacidade de buscar inovações no modo de relacionar com o público, e muitas dessas inovações se dão através dos videoclipes. Durante o trabalho já citamos alguns exemplos disso como a cantora Björk e a banda Radiohead e mais a frente analisaremos como algumas banda têm se utilizado de novas experiências midiáticas relacionadas ao videoclipe para a construção do seu Semblante Midiático em um processo pós-massivo, e que assume um pós-midiática. Apesar da abrangência aos meios pós-massivos que se impõem sobre nosso objeto, não podemos deixar de destacar a relevância da televisão e o espaço que ela ainda ocupa na cultura, a TV é um instrumento de grande alcance popular. Ela alcança um número bastante relevante de telespectadores e possui grande poder de divulgação, mas, ela vem perdendo um pouco essa hegemonia suprema de divulgação desde a popularização do YouTube. Talvez isso seja porque o canal YouTube se apresenta de forma mais “interativa” já que cada um assiste o que deseja, na ordem que deseja, posta comentários, etc. Ou seja, de uma maneira sutil afasta da televisão o principal público do videoclipe. Talvez a estratégia de não desformatar o videoclipe, uma vez que Thiago Soares falou: O videoclipe é hibrido como sempre. Um exemplo disso é a Editora Abril, ela investiu no canal FIZ TV por ter compreendido que a hibridação, nesse momento, se faz necessária, se não para angariar lucros imediatos ao menos para conhecer a transformação e produzir de modo satisfatório a fim de garantir a durabilidade da MTV enquanto emissora mas também para testa novos formatos e ver seus funcionamento. Essa é uma forma inteligente de atuar, embora não seja pioneira, já que outros canais vêm fazendo isso no exterior como, por exemplo, canais HBO Brasil, ESPN Brasil, Bravo Brasil, Eurochannel, Country Music Television e MTV Brasil.
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O canal FIZ TV procura hibridizar internet e televisão com a distribuição livre, cujo controle é dado pelo próprio espectador - nesse caso, usuário. A comunidade de usuários do FIZ TV, que é destinado a universitários, pequenos produtores e consumidores, definem colaborativamente os rumos do canal, interferindo diretamente na sua grade horária através de votações feitas através do site oficial. Mas existe também uma equipe Editorial, que gere o conteúdo exibido e principalmente o organiza em blocos. O canal possui vários programas temáticos como FIZ em casa, FIZ Caca, FIZ Curta, Fiz anima, FIZ doc e FIZ notícia.
Figura 2 - Plataforma do canal Fiz TV na internet.
O funcionamento é simples: o realizador envia seu vídeo para o canal para que seja publicado no site da internet. Então ele é colocado à disposição para ser votado pelos visitantes, que pelo maior número de registros em cada categoria definem os vídeos que serão exibidos na programação da TV a cabo, no canal 20 da TVA. Assim, se o evento de família, de amigos, o casamento for um sucesso e a sua rede de amigos for eficiente, é possível que esse casamento venha a ser submetido ao grande público. Muitos desses eventos são encontrados na internet, pessoas publicam seus vídeos e são vistos mais de 2 milhões de vezes. O sucesso do YouTube não foi algo previsto, mas ele não existiria se não fosse a rede, que não existiria se não essa
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conexão tão forte existente com a mídia. Tudo que é de grande audiência na TV poder ser visto milhões de vezes na internet, através do YouTube.
4.2
Ouvir imagens e ver sons: um modelo de mídia expandida
Como ressaltado durante esta pesquisa, o videoclipe nasceu originalmente devido a uma necessidade do mercado musical, para atrair os fãs a consumir os produtos da indústria fonográfica, e aproximar este público aos artistas que eles não teriam acesso, para além das apresentações ao vivo. Um formato (videoclipe) que em seu contexto inaugural era altamente e exclusivamente televisivo2 de curta duração e seus baixos custos de produção o tornaram em um amplo espaço que de experimentações audiovisuais. Mostrou-se também que isso acabou gerando uma grande popularização do formato em meados dos anos 80, principalmente, a partir do surgimento da MTV em 1981, o formato passou a ter mais destaque, motivados principalmente por grandes produções. Durante o decorrer da década de 1980 e grande parte da de 1990, o videoclipe se manteve como um formato exclusivamente televisivo. No Brasil, era comum que em lançamentos de videoclipes dos superstars, como os da cantora Madonna ou da banda irlandesa U2, a Rede Globo garantisse exclusividade dos direitos de exibição para que nas noites de domingo tivessem sua pomposa estreia no programa Fantástico, ou ainda no programa Clip Clip, da mesma emissora. Isso mostrava como a produção do videoclipe tinha o poder de atrair a audiência, especificadamente na mídia de massa, incluindo o público que não tivesse grande interesse por novidades do mundo da música pop, mas que mesmo assim, queriam ver os espetaculosos efeitos visuais e artísticos que os videoclipes destes artistas comumente apresentam. Aliás, até nos dias de hoje vemos estreias no programa dominical, porém, muitas vezes os videoclipes já se encontram a disposição na internet. A história do videoclipe no Brasil teve início em 1975, no Fantástico, da Rede Globo, com o clipe da música América do Sul, interpretado por Ney Matogrosso e dirigido por Nilton Travesso. Até 1981, somente este programa exibia e produzia videoclipes, na 2
Algumas poucas exceções foram parar no cinema e outros espaços, como é o caso do pioneiro videoclipe Thriller (1983), de Michael Jackson; os primeiros videoclipes da banda americana The Residents estão no acerto permanente do Museu de Arte Moderna de Nova York; Wanderlust (2008) da cantora Björk, dirigido por Isaiah Saxon e Sean Hellfritsch, também teve sua estreia nos cinema e o videoclipe da música Where is the Line (2005), da mesma cantora, foi feito a partir de um trabalho da artista plástica Gabriela Fridriksdottir a ser exibido na Bienal de Veneza em 2005. 101
maioria de grandes artistas da época e de músicas relacionadas a novelas. Os passos seguintes foram dados a partir de 1981, época em que algumas produtoras independentes passaram a produzir vídeos musicais procurando se diferenciar do “Padrão Globo”, mas sem se distanciar muito dele. Ainda naquele ano, no dia 1º de agosto, nascia a MTV norte-americana, cujos clipes também eram passados no Fantástico e serviam de modelos para os produtores independentes. Ainda nos anos 1980, diversos programas de videoclipes começaram a surgir em canais da TV aberta. Enquanto a Gazeta exibia o Clip Trip, a TV Cultura apresentava o Som Pop, a Globo possuía o Clip Clip e a Bandeirantes o Super Special. A grande mudança, no entanto, veio com o nascimento da MTV Brasil, em 20 de outubro de 1990. “Os videoclipes da MTV passaram a ditar o que era sucesso entre os jovens. Até os anos 80, o sucesso vinha das músicas das novelas. Já na década de 90 e hoje, se tornou possível fazer sucesso a partir de outro meio que não a Rede Globo, que é a MTV”, diz o pesquisador Guilherme Bryan, da ECA-USP. De fato, há bandas – como Skank, Nação Zumbi, Planet Hemp, Pato Fu, CPM 22, Detonautas Roque Clube – cujas histórias se confundem com a do videoclipe no Brasil e, mais especificamente, com a MTV. (CUNHA, 2009)3.
A própria MTV Brasil, até cerca de 10 anos atrás, se valia de programas que exibiam diariamente somente videoclipes, alguns traziam materiais exclusivos, como era o programa “Top 10 Estados Unidos”, que semanalmente mostrava os dez videoclipes mais pedidos pelos americanos, sendo a maioria ainda inédita na programação brasileira. Assumindo uma nova experiência audiovisual, no início dos anos 90, a banda americana The Residents, que desde os anos 70 vem sendo reconhecida por ser a uma das principais e percussoras bandas que inovaram em formas de realizar música juntamente com conceitos visuais. Talvez tenha sido uma das primeiras bandas a lançar material audiovisual em CD-ROM, antiprevendo o futuro da música. Lançado em 1991, a mais nova sensação multimídia intitulada de “Freak Show”, que trazia animações de Jim Ludtke. Os usuários eram transportados para um novo tipo de experiência, onde um mix de jogo, música e vídeo delineavam os percursos imagéticos propostos pela banda, um certo tipo de mostra de arte digital, ou uma visita virtual para um show de horrores.
3 CUNHA, Paulo. O Videoclipe não morreu. Revista da Cultura, <http://www2.livrariacultura.com.br/culturanews/rc27/index2.asp?page=materia2>
Ed.
27.
2009 102
Figura 3 - A banda The Residents (a esq.) com seu bizarro visual e ao lado a capa do CD-ROM.
A banda sempre manteve aspectos extravagantes e obscuros em sua imagem e os seus integrantes nunca revelaram a sua verdadeira identidade. Sugerindo assim vários boatos acerca de suas reais identidades. Eles talvez representem artisticamente um seguimento musical que pouco se vê na indústria, uma banda que vai muito além de comercializar um produto, estipular conceitos ou servirem de influência. O trabalho expõe uma complexibilidade artística que traça juntamente com o conjunto de suas obras um novo modelo que integram música e imagem. Porém observando os videoclipes do The Residents, podemos afirmar que a banda se envolve integralmente em criar materiais audiovisuais que solidifiquem e reforcem certo pretencionismo em desenvolver uma obra que seja vista como uma vanguarda pop. Os Residents transcenderam a barreira da música pop, elevando o seu trabalho a outro nível artístico, junto com isto trouxeram também inovações, como os materiais multimídias. Talvez seja neste ponto que o videoclipe tenha se transportado definitivamente para outras mídias, configurando um intermediário entre a mídia de massa e a pós-massiva. Deve-se levar em consideração que no inicio dos anos 90 ainda era pouco comum o uso doméstico de computadores, um mercado que ainda estava almejando se estabelecer. Redefinindo o espaço do videoclipe, que a partir disso não pertencia somente a TV. Apesar de ser um formato que coloque o usuário em “interatividade” com o material de um artista, o CD-ROM não teve grande sucesso. Mas alguns artistas ainda tiveram também a experiência de lançar trabalhos neste formato. Peter Gabriel lançou o “Xplora1” em 1993, um compilado de bastidores, fotos e entrevistas que o usuário vai explorando pelo CD-ROM, posteriormente o cantor lançou o também interativo “Eve”. O canto Prince também se 103
aventurou, lançando o “Prince Interactive” em 1994, o material continha músicas, vídeos e games. Já David Bowie, lançou o álbum interativo “Jump” também em 1994, material que compilava um pouco de sua carreira. Os anos 2000 chegaram e, a nova década junto a virada do milênio, vimos a sociedade cada vez mais envolvida por tecnologias, juntamente com a popularização e a evolução das possibilidades de interação em rede e interfaces online nos proporcionam. Além de formatos de vídeo com melhor qualidade ocupando menor espaço em disco, diminuição de custos de conexão, houve a criação da principal ferramenta a revolucionar a forma de se assistir conteúdo em vídeo na internet, o YouTube. Como mencionado anteriormente, a música já estava presente no ciberespaço bem antes do lançamento do Napster em 1999, com a criação dos arquivos compactados MP3 para facilitar a sua distribuição via rede. E a partir destas transformações sócio-tecnológicas, entrou em cena um sistema que permitia a livre trocar e compartilhamento de arquivos em rede via P2P. Em 2005, o YouTube arrastou definitivamente o videoclipe e qualquer outro conteúdo audiovisual para a grande audiência da internet, seja verdadeiras raridades do cinema e da televisão ou um vídeo caseiro e amador, tornando a principal plataforma online de veiculação audiovisual. A plataforma quer cada vez mais se expandir e inovar, foi o caso da recente transmissão ao de um show ao vivo dos irlandeses do U2. A realização transmitiu na integra o show da banda no estado da Califórnia, nos Estados Unidos. Nos últimos dez anos, a indústria que tinha como base a veiculação e distribuição de obras musicais em rádios e na televisão, e da vendagem de matérias físicos, como CDs, DVDs, alguns materiais promocionais e suvenires, tiveram seus meios de fomentação parcialmente alocados para dispositivo que angariam tecnologias e sem necessariamente serem físico, ocupando assim um lugar no ciberespaço.
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Figura 4 - Imagem do show ao vivo, transmitido pelo canal da banda U2 no YouTube.
De natureza mutante e dinâmica, a internet tem sido um marco na mudança da distribuição, criação e suporte musical, que está em grande movimento e transformações. Ainda assim, não criaram nenhum tipo de padronização da distribuição, até porque é muito difícil controlar o que está acontecendo na rede. Mas talvez, o ideal seria que cada artista busca-se o seu eixo de trabalho, ou seja, aquilo que se caracterize com sua forma de trabalho e o seus respectivos públicos. A rede passou a ser o principal mediador de artistas e os usuários, venda de produtos exclusivos, chats, promoções, álbuns digitais, tudo dentro do ciberespaço. O que se tem a partir daí é uma cultura fermentada e situada quase inteiramente no ciberespaço. Quando o videoclipe passa a integrar outros meios, como a própria internet, celulares, aparelhos portáteis de áudio e vídeo, e passa a reunir todas as possibilidades das mídias tradicionais, além de suas funções pósmassivas já discutidas anteriormente, temos, como explicado por Arlindo Machado, a condição pós-midiática: Rosalind Krauss, em seu livro A Voyage on the North Sea: Art in the Age of the Post-Medium Condition (2000), observa que muitos artistas contemporâneos (mas ela está se referindo principalmente a Marcel Broodthaers) não se definem mais por mídias ou por campos artísticos específicos, ou seja, eles já não são mais artistas plásticos, fotógrafos, cineastas ou videoartistas simplesmente. Pelo contrário, trabalham com conceitos ou projetos que atravessam todas as especialidades, de modo que os meios utilizados variam de acordo com as exigências de cada projeto e são sempre múltiplos ou associados uns aos outros. É isso que Krauss chama de “condição pós-midiática”: as obras agora já não são mais media specific: elas são maiores que os meios, elas os atravessam e os ultrapassam. Em alguns casos, elas criam os seus próprios meios e suportes, como é o caso de alguns trabalhos da artista brasileira Regina Silveira, que utilizam a própria cidade de São Paulo como “tela” e nos quais, com um projetor montado sobre um caminhão, é possível “tatuar” a cidade com enigmáticas imagens em movimento. (2009, p.71). 105
O videoclipe está na condição pós-midiática já que transita entre várias plataformas. O formato está presente na TV, em museus, galerias, no YouTube e aparelhos móveis, por exemplo. Essa condição não está atrelada somente ao videoclipe, mas também aos seus idealizadores. Michel Gondry e Spike Jonze dirigem filmes e videoclipes, Chris Cunningham é artista plástico e videoartista, mas constantemente apresenta trabalhos com music videos. O diretor inglês começou a dirigir videoclipes para o DJ Aphex Twin. O sucesso e sinergia dos experimentos que envolviam a parcerias dos dois entre vídeo e música foram tão grandes que Cunningham fez o caminho inverso. Aphex começou a fazer trilhas a partir dos vídeos do diretor e a parceria rendeu trabalhos de importância experimental como o Flex (2000) e Rubber Johnny (2005).
Figura 5 - Vídeo instalação Flex dirigido por Chris Cunningham.
O trânsito entre mídias e formatos parece ser algo irreversível no cenário de produção audiovisual atual. Um criador audiovisual hoje não poderia se envolver com uma única linguagem, até mesmo porque nenhuma linguagem é única. O YouTube gerou uma série de experimentações do videoclipe através de usuários e produtores na plataforma. Assim como a troca de arquivos permitiu que bandas se divulgassem através da internet, o YouTube possibilita a divulgação dos videoclipes de diversos tipos, que vão dos já bem conhecidos artistas do mainstream e principalmente abrindo um livre espaço para os anônimos do underground mostrarem os seus trabalhos. Temos acesso tanto ao material divulgado nas mídias de massa, como a produções independentes, muitas vezes de custo mínimo. Com a
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reconfiguração do modo de exibição, o videoclipe deixou definitivamente de ser um formato genuinamente televisivo para explorar as interações pós-massivas possíveis no ciberespaço. Assistir a vídeos no YouTube se transformou em um comportamento comum entre usuários da internet. Isso ficou em evidência quando a MTV Brasil diminuiu sua programação de videoclipes no ano de 2006, já que a emissora perdia audiência para a internet, onde o formato se adaptou absolutamente. Um fato importante de se ressaltar é que a produção videoclíptica, apesar de não perder o foco na divulgação pela TV, já atribui um valor ainda mais relevante à distribuição digital via internet. Se antes os clipes eram postados por usuários que gravaram um vídeo na televisão e o transferiam para um computador, hoje as bandas têm seus próprios canais oficiais no YouTube – ou outras plataformas de vídeo – para divulgação de seus music videos. A criação desses canais digitais permite também acesso a vídeos de “making of”, documentários, apresentações ao vivo ou entrevistas, enfim, materiais que dificilmente são exibidos em canais de televisão, ainda com o benefício de poder ser assistidos a qualquer momento. Temos como exemplo o videoclipe “Sutilmente” da banda Skank, dirigido por Conrado Almada. O videoclipe, feito em plano sequência, um grande desafio para a banda – cujos músicos ficaram cerca de cinco horas pendurados em posição horizontal a até sete metros de altura – e para o diretor. Mas os resultados do esforço e da grande produção foram reconhecidos, principalmente pelos fãs e pela crítica, recebendo o prêmio de “Melhor Videoclipe” na premiação da MTV Brasil, o Video Music Brasil 2009. O videoclipe foi lançado também no canal da banda no YouTube. Plataforma que além se ser o principal meio de divulgação do videoclipe, o disponibiliza em HD (Alta Definição). Este videoclipe fomentou rapidamente uma série de comentários dos usuários que assistiam ao vídeo. Almada comentou em uma palestra, que o diferencial do YouTube é esta possibilidade de interação instantânea e feedback, de saber quantos views (com mais de 2 milhões) o vídeo teve e os comentários feito pelos usuários. Através do uso de comentários, no canal da banda, os usuários criam uma espécie de bate-papo, onde geram discussões de todos os tipos, desde suposições de como o videoclipe teria sido feito, se foi utilizado chroma key4, se foi feito em plano sequência, ou então, se foi usado computação gráfica, outros ainda muitos desferem elogios e/ou críticas.
4 Técnica de efeito visual que consiste em colocar uma imagem sobre outra através do anulamento de uma cor padrão, como por exemplo, o verde ou o azul. Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Chroma_key> 107
Figura 6 - Alguns comentários deixados por usuários sobre o videoclipe "Sutilmente" no canal da banda Skank no YouTube.
A recepção e retorno via YouTube, foram um grande sucesso. Tanto que um mês após o lançamento e depois de tantas discussões e teses sobre as gravações, a produção colocou disponível, também no canal da banda Skank no YouTube um making of, mostrando todo o processo de produção e gravação do vídeo, desde a concepção da ideia até os momentos finais. Material, que por sinal, também teve um grande interesse e busca dos usuários e fãs. Desta maneira, novos estilos imagéticos, inclusive foram criados para que os videoclipes estivessem contextualizados com o meio em que são veiculados e a forma de assisti-los. Um exemplo que pode comprovar essa contextualização do formato para a internet é o videoclipe Apunk (2008) da banda nova-iorquina Vampire Weekend, realizado pela dupla de diretores Garth Jennings e Nick Goldsmith. Os diretores também dirigiram obras de grande importância, tanto por sua concepção visual e quanto a seus valores conceituais, além de apresentarem novas possibilidades audiovisuais e o uso diferenciado de manipulação da imagem com a utilização de poucos recursos, como no caso do Coffee & TV da banda inglesa Blur (1999) e o Imitation of life 108
(2001) para o R.E.M. No videoclipe de Imitation of life os diretores gravaram em plano aberto, com cercar de 20 segundos e partir deste único plano, transformaram as várias ações que aconteciam simultaneamente dentro do quadro em um videoclipe de três minutos e cinquenta e sete segundos. Alterando eletronicamente os espaços e tempos, utilizando zooms para aproximar cada ação, os diretores conseguiram transformar uma idéia simples em uma grande produção. Os mesmos diretores também dirigiram o videoclipe Jigsaw Falling Into Place (2007) da banda Radiohead, e as cenas apresentam um aspecto que mais parecem terem sido gravadas a partir de webcams em um ensaio da banda.
Figura 7 - Imagem do videoclipe Imitation of Life da banda R.E.M.
Mas em A-punk, o fundo branco e sem detalhes permite que o videoclipe seja visualizado em baixa resolução de imagem, sem prejudicar em nada a sua compreensão e as brincadeiras da banda. A música de curta duração e a edição na batida (on the beat), mas a banda dá sinais de não sincronia devido aos movimentos acelerados, não se torna inconveniente de assistir perante as intermináveis novidades e à fluidez que somos expostos e atraídos no ciberespaço.
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Figura 8 – Videoclipe A-punk da banda Vampire Weekend.
O videoclipe Here It Goes Again, dirigido pela coreógrafa Trish Sie, para a banda Ok Go! se tornou hit da internet por fenômeno do marketing viral, através do boca a boca, ou, melhor dizendo, do “e-mail a e-mail”, instigando as pessoas a assistir a dança sincronizada dos integrantes na banda em esteiras de uma academia. Mesmo aparentando ser um vídeo amador, que apesar da coreografia criativa, demonstra ter sido realizado com baixos custos, Here It Goes Again, videoclipe de uma banda independente de Chicago, gerou em 2006 um quadro no Fantástico, em que duas bandas teriam que imitar a performance do OK Go!. Não bastando isto, o programa ainda pediu que os telespectadores enviassem vídeos para o portal para serem exibidos. Uma consequência simples, mas que dificilmente aconteceria se não existissem os meios digitais para divulgar esse videoclipe pela internet. Outro exemplo de utilização de uma linguagem oriunda de experimentos de usuários que se tornaram notáveis em videoclipes é Porks and Beans, da banda Weezer, dirigido por Mathew Cullen. A obra se trata basicamente de uma sátira de vídeos caseiros. Para a realização do clipe foram convidados os usuários que criaram cada pequeno experimento, compondo uma coletânea de vídeos amadores que se tornaram populares na internet. Outro videoclipe que apresenta características semelhantes a A-punk é o recente Cornerstone (2009), do Arctic Monkeys. Realizado por Richard Ayoade, que já trabalhou com bandas como Yeah Yeah Yeahs, Kasabian e os próprios Vampire Weekend e Arctic Monkeys, o vídeo conta também com um fundo branco, aparentando ser uma característica comum às obras a serem visualizadas na internet. Mais uma vez, o fundo simples na cor branca propicia que o vídeo seja assistido em baixa definição de imagem. Tanto que o videoclipe está disponibilizado pelo canal do YouTube da própria gravadora da banda, Domino Records, e não possui opção de vídeo de maior qualidade. Não há nenhum corte durante sua extensão. A obra minimalista conta apenas 110
com o vocalista Alex Turner portando um aparelho de som com fones de ouvido antigos, segurando um microfone enquanto canta, fazendo uma singela atuação das ações ditas por ele ou ficando estático no momento do solo de guitarra. Apesar de não haver uma representação do que a letra da música transmite, a atuação de Turner permite concluir que ele é o personagem da música: um homem que pensa ver sua amada em vários lugares, sempre frustrado por seu engano. Quando canta: “Me diga onde é o seu esconderijo/ Eu temo que vou esquecer seu rosto/ E eu perguntei pra todo mundo/ Pois estou começando a achar que te imaginei o tempo todo” (tradução nossa)5 é possível ver a angústia no rosto do vocalista por não encontrar seu provável par.
Figura 9 - O vocalista Alex Turner no videoclipe da música Cornerstone da banda Arctic Monkeys.
Mas atualmente os videoclipes não giram só em torno das plataformas online, hoje é preciso pensar que os materiais audiovisuais irão ter uma grande circulação por diversas mídias portáteis. E não estamos falando daquelas empresas que disponibilizam uma série de videoclipes para serem baixados no celular e sim naqueles que são pensados para se adequar a tal plataforma. Algo que se enquadre, seja agradável e chamativo para se ver em uma pequena tela. Ou então, usando o celular como suporte de gravação, como são os casos dos videoclipes “Nada Original” do Pato Fu, dirigido por Giuliano Chiaradia e Rodolfo Nakakubo e “O Retorno de Saturno” da 5 Tell me where's your hiding place/ I'm worried I'll forget your face/ And I've asked everyone / I'm beginning to think I imagined you all along 111
banda Detonautas Roque Clube, dirigido por Giuliano Chiaradia, Rodolfo Nakakubo e Aldo Picini. Com as novas ferramentas de compartilhamento de vídeo online, o videoclipe se expandiu para a internet. Talvez ele não seja tão televisivo quanto outrora, mas a televisão ainda é um dos seus principais canais de propagação. A MTV brasileira voltou atrás em 2008 e recolocou os videoclipes em horários nobres. Porém a inserção do videoclipe no ciberespaço não inaugurou apenas uma mudança de estética ou de estilos de linguagem. No ambiente de funções pós-massivas, não só a interação entre expectadores é alterada. Novas experiências na produção do formato, que deixam a cargo dos próprios usuários a construção de seus music videos levam a um novo patamar das possibilidades de interatividade no ciberespaço. Todo este cenários, nos levou a refletir sobre as possíveis formas de metodologias de análise, que ajudassem a esclarecer os rumos, estéticas e signos, mas também, meios, formas e tecnologias atrelados a produções do videoclipe nas digitais.
4.3
Metodologia para análise
A metodologia utilizada na análise dos videoclipes será embasada na idéia do semblante midiático, definida por Andrew Goodwin e já explicada nos capítulos anteriores. Os videoclipes escolhidos pelo grupo apresentam características ligadas ao conceito das funções pós-massivas, já que figuram como experimentações só possíveis de se realizar com o suporte midiático da internet. Já a metodologia de Tiago Soares, serve para fazermos distinção entre uma percepção apenas narrativa do videoclipe para uma possibilidade desse objeto como um instrumento de representação de “identidades estelares”. A representação conceitual que imbrica na formação de uma imagem para o artista, está presente no videoclipe de uma maneira mais sutil do que os aspectos pragmáticos de uma narrativa, o que nos permite identificar um signo por trás de uma simples embalagem de ilustração para uma música. “Não se deve analisar o videoclipe de maneira formalista/isolacionista. Deve-se, sim, entender que o signo disposto no videoclipe representa, antes, uma dinâmica que perpassa os modos de produção, realização e consumo desse objeto” (SOARES, 2004, p.95). A análise de um videoclipe, segundo Thiago Soares, possui uma sistemática não sólida, variável e não isolacionista, na estruturação e caracterização dos elementos presentes no objeto em observação. O hibridismo 112
é a característica geral que acompanha esse formato audiovisual, e é ele que impossibilita uma rotulação exata por trás de um videoclipe. Soares buscou referencias em Vanoye e Goliot-Lété (2002) para entender a maneira com que se daria a tradução e interpretação de um videoclipe numa análise. O uso da semântica “que remete aos processos de sentido que o “leitor” fomenta ao que lê ou ouve” se somam à crítica e à percepção utilitária que o espectador desperta ao assistir um clipe. Para aprofundar essa análise a contextualização deve levar em conta, também, a relação do artista com a obra, o diretor por trás do videoclipe e toda simbologia presente naquele vídeo de curta duração que reflete um ponto de vista, seja ele artístico, mercadológico ou imbricado em ambas as situações. O videoclipe quando posto para a análise deve ser considerado um signo que representa de certa forma, uma percepção específica do mundo. Ele funciona como uma compilação, com base musical, de aspectos visuais que estão nas estruturas imagéticas da sociedade e principalmente aquelas que se repetem no universo da música pop. Thiago Soares destaca, na sua proposta de análise, algumas questões marcantes na percepção do videoclipe. É preciso entender como o artista é apresentado visualmente na obra, essa é uma característica relacionada à coreografia, à roupa, ao gesto e ao modo de se portar do artista naquelas conjunturas de imagens. Às vezes temos mesmo um cantor executando seu ofício, às vezes temos um cantor transformado em ator, interpretando um papel, ou até mesmo a ausência do artista na cena. É preciso, também, entender todo o entorno da produção do videoclipe se relacionando com o conceito por trás da construção da obra. O videoclipe se origina de um determinado conceito que implica nas ações escolhidas pelo diretor e toda a equipe que se empenhará naquele trabalho. Segundo Soares a direção de arte possui um papel importante na caracterização de um videoclipe, é nela que se dá a “articulação entre técnica e conceito, princípio e fim” (SOARES, 2004, p.98). O cenário em que se desenrola a canção, figurinos e toda a variação de elementos que compõem o ambiente construído para aquela encenação constroem um universo de formatação específica e única, presente nos videoclipes. Essas estetizações são parte de um significante real que, passadas pelo prisma videoclíptico, se tornam um signo em sintonia com o Semblante Midiático do artista. O tempo no videoclipe é outro fator relevante na sua percepção e análise. Tanto a velocidade com que se conta a história e o ritmo da narrativa, quanto o tempo em termos técnicos de edição e montagem, são fatores decisivos na construção dos videoclipes, assim como a sintonia rítmica em conjunto com as batidas e viradas da música. Esses aspectos de análise que resumimos acima abrangem conceitos relacionados à narrativa de um videoclipe tradicional (o formato televisivo), mas se torna ineficaz para entender 113
o papel desse objeto na construção da identidade do artista, que está acima de um único videoclipe, que pode representar uma das facetas dessa identidade, influenciada por todas as outras formas de concepção do artista frente ao público e ao mercado. Esse papel continua ocorrendo mesmo numa era de novas possibilidades em que a narrativa se tornou algo ainda mais hibrido e mutante. É nesse ponto que a nossa análise, juntamente com a idéia da interatividade no procedimento de criação e recepção do videoclipe contemporâneo, tende a uma compreensão mais simbólica da imagem do artista representada em videoclipes que circulam nas mídias digitais. “Primeiro, a criação de identidades e características dos pop stars, fornecem um ponto de identificação para o ouvinte-espectador... Em segundo lugar, a construção dessas identidades é central para a economia da indústria da música”. (GOODWIN, 1992, p.103, tradução nossa)6. A metodologia de análise, segundo Goodwin, deve ir além das idéias relacionadas à narrativa, pois ele enxerga o videoclipe como uma peça artística que formula uma construção imagética maior do que aquele vídeo de curta duração, e essa peça surte seu efeito de forma complementar e não isolada do semblante midiático. O videoclipe é uma ferramenta na qual o artista pode desenvolver os aspectos visuais que formam sua identidade própria e seu ponto de relacionamento com os fãs, que mantém uma lógica de troca e consumo. No meio digital há a possibilidade de uma fidelização do público com seu ídolo, pela participação do “ouvinteespectador” até na própria construção desse semblante, já que os videoclipes podem ser interativos. As identidades estelares a que Goodwin se refere são ícones estetizados no videoclipe de maneira participativa na contemporaneidade. "Depois de identificar o narrador da música pop com um papel crucial na construção ficcional, gostaria agora de documentar e delinear algumas das formas em que os textos-estrelas (star-texts) se relacionam com os videoclipes." (GOODWIN, 1992, p.98, tradução nossa)7. Assim, o que Goodwin chamou de “star-text”, será o foco de nossa análise, o texto-estrela (tradução nossa) é a assinatura do artista no videoclipe. E esse elemento, vai mais além do que a relação da música ou da letra com as imagens, ultrapassando o sentido da mensagem, da história contada ou do desempenho do artista em cena, se relacionando com formação da aura do astro da música pop. Essa aura é uma conceituação que depende de aspectos imagéticos para ocorrer (videoclipes, flyers, posters, etc.) e essa dependência se viu amplamente explorada, até por anônimos, no contexto da internet. Analisar um videoclipe, sob essa perspectiva, leva o foco da 6
First, the creation of character identities for pop stars provides a point of identification for the listener-spectator… Second, the construction of star identities is central to the economics of the music industry. 7 Having identified the narrator of the pop song as a crucial site of fictional construction, I now wish to document and delineate some of the ways in which star-texts intersect with video clips. 114
análise para o contador da história, mais do que para o personagem que ele representa na obra, e esse contador está cercado também de característica ficcionais e elementos imagéticos que formam sua identidade própria. Perceber as nuances do videoclipe contemporâneo nesse contexto e sobre esse prisma, será o nosso desafio de análise nos videoclipes do Cold War Kids e do Arcade Fire.
4.3.1
Análise
Algumas experiências mostram o potencial de interatividade e de diferentes modos de criação que podem ser atribuídos aos videoclipes nos meios digitais. Esta pesquisa pretende analisar duas obras para demonstrar essas possibilidades no formato. As obras são experimentos realizados para duas músicas: I’ve Seen Enough, da banda californiana Cold War Kids, e Neon Bible dos canadenses do Arcade Fire.
4.3.1.1 I’ve Seen Enough - Cold War Kids
A experimentação audiovisual proposta pelo Cold War Kids8 foi realizada por Sam Jones, responsável pela direção do documentário “I Am Trying to Break Your Heart”, que retrata o processo de gravação do álbum “Yankee Hotel Foxtrot”, da banda americana Wilco. Ao acessar o site do experimento e carregar os vídeos, os usuários podem escolher entre quatro opções de faixas para cada membro da banda. Cada faixa, caracterizada pelas cores vermelha, verde, azul e amarela traz os integrantes da banda executando a música com instrumentos diferentes. Ou seja, além da mudança visual atribuída a cada faixa, que tem sua respectiva cor projetada sobre cada integrante da banda, ainda há interferência na música, já que com a diferença instrumental e até na maneira de cantar do vocalista Nathan Willet, novos timbres e arranjos são apresentados. O usuário pode alternar entre cada faixa dos músicos durante a execução da música, podendo
8
O videoclipe pode ser acessado através do site: <http://www.coldwarkids.com/iveseenenough/> 115
inclusive silenciá-los para ouvir apenas os instrumentos que desejarem. Se o usuário achar que já viu o suficiente - I’ve Seen Enough em inglês - poderá desabilitar o som de toda a banda. É interessante observar que cada faixa, não representa apenas a música tocada randomicamente por diferentes instrumentos, mas sim um novo arranjo criado pelos músicos. As faixas vermelhas tocam a versão original da música, encontrada no segundo álbum da banda, Loyalty to Loyalty, de 2008. A faixa verde toca basicamente uma música eletro, com teclados emitindo uma sonoridade sintética, substituindo os instrumentos tradicionais de uma banda de rock. Na faixa azul, I’ve Seen Enough tem sua versão acústica, com xilofone, violão, baixo acústico e chocalho e pandeiro para percussão. Sob a iluminação amarelada, o Cold War Kids volta a portar os instrumentos tradicionais, porém a utilização de efeitos e distorções que compõem uma nova sonoridade. Nessa faixa se percebe o ritmo do baixo e da guitarra remetendo ao reagge e os efeitos de eco nos instrumentos e no vocal lembram o gênero pós-punk. A criação de uma experiência como essa não acontece simplesmente como uma obrigação contratual de uma banda com sua gravadora, em que um diretor contratado idealiza um videoclipe sem a participação criativa dos músicos. Aqui, além da parceria entre o diretor Sam Jones, que teve a concepção do formato e da troca simultânea dos vídeos, e da banda, que criou os quatro arranjos para a música que encaixam perfeitamente entre si, ainda há uma nova figura na configuração final do experimento, o usuário. O website com o videoclipe está disponível para o acesso, mas o usuário será o diretor da obra e o produtor musical decisivo, já que apenas no momento da execução que será definido o vídeo, a música e como eles se alternam. Cada usuário será criador de um “I’ve Seen Enough”, directed by Yourself (dirigido por você mesmo). Essa conclusão vai de encontro com o que Pierre Levy debate acerca da música na cibercultura, uma “colaboração entre (artistas) e participantes” (p. 136, 1999), e que possibilitam “a emergência de formas absolutamente imprevisíveis”. O próprio Levy conclui que a música tecno permite a criação contínua, já que é composta por material digital, livre para edição de cada usuário/criador. Essa característica da música tecno pode ser atribuída ao objeto de análise, principalmente na relação entre todos os seus criadores, como Levy dissertou. Finalmente, quando um músico oferece uma obra acabada à comunidade, ele ao mesmo tempo faz um acréscimo à reserva a partir da qual outros vão trabalhar. Cada um é, portante, ao mesmo tempo produtor de matéria prima, transformador, autor, intérprete, e ouvinte em um circuito instável e auto-organizado de criação cooperativa, e de apreciação concorrente. (LEVY, 1999, p.142).
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Este videoclipe interativo proporciona uma experiência só possível em uma mídia que acopla funções pós-massivas. Mesmo com os avanços tecnológicos introduzidos na televisão com a tecnologia da TV digital, o meio ainda não dispõe das facilidades de interação do acesso à página do videoclipe do Cold War Kids. Experiência divergente dos videoclipes tradicionais, “I’ve Seen Enough” não propõe nenhuma narrativa a ser analisada. Mesmo ao interpretar a “forma como o cantor se apresenta” referência como sugere Thiago Soares, surge um dilema: qual das quatro apresentações do vocalista Nathan Willet deve ser considerada? A resposta “todas” seria tão inconclusiva quanto analisar nenhuma. A forma variável e passiva ao gosto do usuário quando assiste/dirige o videoclipe faz com que a interpretação de um aspecto mais sólido, como a narrativa, se torne dispensável, e até mesmo inviável pela natureza fluida da experiência. Até o resultado musical é delimitado pelo espectador, levando a uma participação colaborativa na construção da obra, como um todo. Buscamos entender qual Semblante Midiático o videoclipe experimental em questão atribui à banda Cold War Kids. Estão presentes ali quatro diferentes resultados musicais que podem ser consideradas facetas distintas da criatividade musical da banda. A maneira como o videoclipe se estrutura permite que essas diferentes facetas possam dialogar entre si. As características da banda assumiram uma liquides que se traduz no experimento do qual surge o videoclipe. A inovação do Cold War Kids está na aceitação de diferentes realidades para seu produto artístico, o que lhe da uma proximidade maior do publico. Só é possível assistir aos integrantes da banda executando as músicas como numa apresentação ao vivo, sem encenações ou enredos, mas a simples possibilidade de variar os instrumentos e as combinações entre eles, e assistir essa execução da maneira desejada, já possibilita uma inovação maior no modo de utilização da imagem para ilustrar uma canção ou um conceito. Analisando a experiência através da metodologia de Andrew Goodwin, nota-se que o Cold War Kids cria sua definição conceitual através de sua música. A única diferença entre as faixas é a cor incidida sobre os músicos e seus instrumentos. Além de permitir aos usuários suas próprias combinações musicais, a banda constrói seu “star-text” mostrando no experimento sua capacidade criativa. Nesse aspecto, a figura de Sam Jones é de grande importância ao relacionar este videoclipe e outra obra do diretor, o documentário “I am Trying to Break Your Heart”. O documentário mostra os processos de gravação e criação do álbum Yankee Hotel Foxtrot, da banda Wilco. Após a gravação do álbum, a gravadora da banda, a Reprise, o devolveu, afirmando se tratar de um material totalmente anti-comercial. Na época o Wilco se recusou a regravar as músicas e rescindiu o contrato com a Reprise. O álbum foi lançado em 2002 e foi um dos álbuns mais 117
elogiados pela crítica musical nos anos 2000. Sam Jones pode acompanhar o caso de afirmação musical sobre exigências mercadológicas, e de alguma forma serviu de experiência na criação da experiência com o Cold War Kids, principalmente ao usar como principal aspecto da identidade conceitual da banda sua capacidade criativa. Os músicos criaram quatro interpretações diferentes da mesma canção, em que os instrumentos de cada arranjo se encaixam perfeitamente entre si em qualquer momento. O Cold War Kids constrói seu Semblante Midiático pela sua capacidade artística. A banda não limite sua obra a um gênero e mostra estar comprometida em fazer música sem restrição, proporcionando novas experiências aos seus seguidores. Além de sua versão experimental, pós-massiva, I’ve Seen Enough tem também sua versão videoclipe tradicional, para meios de comunicação massiva. Essa versão foi realizada pelo diretor Vern Moen. Sua estética monocromática apresenta vários registros da banda performando a música, com inserções da letra na tela. Os cortes rápidos remetem à estética estereotipada dos videoclipes, mas a insistência em mostrar a banda e os processos de produção e gravação realizados em estúdio reforça a preocupação com a criação musical que é percebida na versão pós-massiva do videoclipe. As duas versões recriam a banda de maneira diferente, já que, além de transitarem em meios diferentes, definem diferentes Semblantes Midiáticos ao Cold War Kids. Apenas a versão pós-massiva já garante uma variedade quase incalculável de Semblantes devido às variações sonoras permitidas na experimentação.
Figura 10 - Imagem do "videoclipe interativo" do Cold War Kids.
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Figura 11 - E o videoclipe "produto" da banda, para a mesma música.
4.3.1.2 Neon Bible - Arcade Fire
Já a banda canadense Arcade Fire, utilizou de variadas e avançadas ferramentas que proporcionam interatividade na internet, aproveitando as diversas possibilidade de se promover um álbum através da usabilidade e da interface criada. Em março de 2007 a banda colocou no ar um site9 que leva o usuário a vários caminhos criados para divulgação dos materiais e vídeos do álbum “Neon Bible”. Dentro do site, o usuário tem acesso ao videoclipe da música Black Mirror, que faz uma brincadeira com a letra da música, usando o reflexo como uma maneira de se navegar pela página. Há também o espaço “television”, no qual se pode ver uma espécie de propaganda fictícia, que parodia propagandas de venda de produtos religiosos para adquirir o “Neon Bible” no caso, entre outros materiais. E é no espaço “Be online B” que tem-se acesso ao produto de análise. Ao clicar sobre os olhos que aparecem na página, o usuário é redirecionado para outro site10: A palavra Neon Bible aparece em destaque ao acessar o site, ocupando grande parte da tela. Clicando sobre a palavra, vê-se o rosto do vocalista Win Butler, e até então, nada de diferente se nota em relação à imagem com o videoclipe convencional da banda. A diferença está nas possibilidades que o usuário pode fazer com as imagens, interagindo diretamente com as ações protagonizadas pelo vocalista, 9
Site do álbum “Neon Bible”: <www.neonbible.com>. Para ver o experimento do Arcade Fire, acesse o site: <www.beonlineb.com>.
10
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através de movimentos e cliques no mouse que determinam os gestos e efeitos. Com o movimento do cursor do mouse sobre os olhos do cantor, pode-se acompanhar a letra da música. Apesar do videoclipe não ter aproveitado amplamente as possibilidades que os meios digitais podem proporcionar, o diretor da obra, Vincent Morisset, conseguir transfigurar de forma diferenciada o formato “interativo” da que se tem na versão para meios massivos. Isso difere do videoclipe do Cold War Kids, que trabalhou com diretores diferentes. Já o videoclipe “oficial” da música é composto apenas por um quadro em close do vocalista Win Butler, com apenas uma variação de ângulo que surge deixando dois rostos do vocalista na tela. Esta versão ainda possui a imagem dos olhos de Butler que flutuam acima de sua cabeça. Essa mesma gravação é utilizada no videoclipe experimental, mas sem o close e com a inclusão das mãos e algumas interações com a interface que levam o “telespectador internauta” a participar do resultado visual do videoclipe. As ações possíveis são pré-programadas e acompanham a música, o que impossibilita uma liberdade plena de influência do público no resultado final, mas mesmo assim esse videoclipe demonstra um novo rumo na concepção da imagem do artista. Analisando este trabalho desenvolvido dentro do site, pode-se estabelecer um elo direto ao trabalho imagético desenvolvido pela banda, que sempre foi empregada pela forma com que os integrantes se vestem e se portam em seus shows: um espetáculo com viés teatral, que lembra um culto religioso. Este tema por sinal, circunscrita a imagem da banda. Nas duas possibilidades dos videoclipes, o vocalista Win Butler parece estar pregando um sermão ou fazendo uma oração. As expressões são caracterizadas por mostrar insegurança, tristeza e luto para algo que está para acontecer.
Figura 12 - Videoclipe "não interativo" de Neon Bible. 120
Além de ter esta aparência que sugere um culto obscuro, principalmente por parte do vocalista, a banda sempre está cercada de atributos aparentemente religiosos, basta perceber que as letras em grande parte sugerem temas bíblicos ou ligados a ocultismos. O álbum “Neon Bible” foi gravado em uma igreja comprada pela banda. A justificativa para tamanha excentricidade é de que o templo teria uma acústica perfeita para a realização das gravações. A formação da banda e os instrumentos por eles tocados nada lembram uma banda de rock comum, remetendo a grupos musicais que se apresentam em cultos, com muitos integrantes e o uso de instrumentos como xilofone, harpa, acordeão, violinos, etc.
4.
Experimento
Longe de ser uma massa amorfa, a Web articula uma multiplicidade aberta de pontos de vista, mas essa articulação é feita transversalmente, em rizoma, sem o ponto de vista de Deus, sem uma unificação sobrejacente. (LEVY, 1999, p. 160).
O experimento foi desenvolvido a partir das constatações de nossa pesquisa, que nos levaram a buscar uma representação prática que estivesse em contato com as idéias de função pós-massiva do formato. O videoclipe que desenvolvemos está presente num domínio pósmidiático, assim como aqueles analisados anteriormente. Essa analise apontou para uma importante relação entre o público e o resultado final do videoclipe como uma maneira de adaptação do nosso objeto de estudo aos novos meios, apontando para uma nova forma de se entender suas nuances e caminhos na contemporaneidade. Buscamos em Pierre Levy o embasamento teórico para realizar o experimento, utilizamos seus conceitos sobre a cibercultura e a interatividade da comunicação em rede, tratada como uma fonte de informações continua e fluída. O autor francês defende um ponto de vista dinâmico para as relações de criação, divulgação e recepção no campo digital. O formato do videoclipe, da música, da arte, e de uma série de outras representações se transformou nesse contexto, o que vem possibilitando uma nova concepção da criação, a partir da utilização de uma vasta gama de recursos. Essa nova estrutura que abrange amplas possibilidades de interação foi o ponto de partida para o desenvolvimento de uma concepção diferente para alguns videoclipes, como pudemos observar nos dois casos analisados anteriormente. 121
O videoclipe experimental que produzimos pretende apontar para esses novos caminhos que o audiovisual pode desbravar no universo da internet, levando em consideração a criação e recepção de peças audiovisuais no ambiente digital. O grupo se propôs a criar um videoclipe utilizando imagens do YouTube e introduzindo ao vídeo uma característica que já havia sido implantada no áudio: a utilização de samplers. Ou seja, o nosso videoclipe reutiliza imagens de diversos vídeos postados no YouTube, criando um mosaico de cenas recriadas com o propósito de instituir o Semblante Midiático do artista. Criamos esse semblante com imagens apropriadas, mas deslocadas de seus conceitos iniciais, trazendo para o nosso produto audiovisual uma característica própria. A partir daí constatamos que a criação de uma peça visual, não necessariamente terá que ser filmada. Usamos um mesmo processo que já vem sendo utilizado há muitos anos na música, pois além dos samplers, os artistas sempre usaram referencias, realizaram colagens e releituras de outros músicos. Nosso vídeo poderá ser montado a partir de outros vídeos, sendo reconstruído da forma que convir aos (re)criadores. As possibilidades são infinitas (devido ao enorme acervo de vídeos disponíveis na internet), barradas apenas por leis de propriedade intelectual e direitos autorais. “No tecno, cada autor do coletivo de criação extraí matéria sonora de um fluxo em circulação em uma vasta rede tecno-social. Essa matéria é misturada, arranjada, transformada, depois reinjetada na forma de uma peça “original” no fluxo de musica digital em circulação.” (LEVY, 1999, p.141). O experimento não utiliza exclusivamente vídeos do YouTube (também gravamos algumas imagens), mas a maior parte das cenas do videoclipe vem de vídeos retirados do portal, sem consentimento dos criadores originais, e que foram reconstruídos ao critério do grupo, porém com uma possibilidade interativa de montagem. O videoclipe possui nesse ponto outra característica da interatividade dos meios digitais, pois deixamos aberta a possibilidade do público intervir na combinação de imagens e cenas que irão compor o resultado final. Utilizando de uma ferramenta do próprio YouTube, onde o videoclipe foi postado, o público que irá assistir ao videoclipe poderá montá-lo e remontá-lo como quiser. O videoclipe está dividido em diferentes vídeos que compõem uma playlist, que pode ser organizada na ordem desejada pelo usuário da internet. O individuo irá assistir a um resultado influenciado por seu poder de decisão, trazendo para o Semblante Midiático do artista uma característica sua. Ocorre aqui uma via de comunicação em mão dupla, aonde o Semblante Midiático é construído de forma colaborativa, numa manifestação exclusiva da função pós-massiva de nosso objeto. Nesse caso, o receptor se torna coautor no processo de finalização do videoclipe. Ao criar a playlist no YouTube o usuário ainda pode utilizar uma ferramenta em que o próprio YouTube reorganiza a ordem dos vídeos de 122
forma randômica. Depois de organizar o playlist, o videoclipe poderá ser assistido na integra, com os diferentes fragmentos conectados, dando corpo a uma peça única. Além de decidir a ordem das imagens, ao montar esse playlist a música também sofrerá alterações de ordem, o que aumenta ainda mais a percepção da interatividade no nosso experimento.
Figura 13 - Perfil no Myspace da Banda Transglobi. Chamada: “Atenção! O primeiro videoclipe do TRANSGLOBi será montado a partir de vídeos postados no YouTube. mande para nós o link de algum vídeo que você postou e participe do nosso primeiro videoclipe.”
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Figura 14 - Ferramenta Randomize do YouTube
As barreiras para a formação da imagem do artista no imaginário popular se abrangem no nosso experimento, pois as pessoas poderão inclusive indicar outros vídeos da internet para compor o mosaico interativo que propomos criar. É possível interligar conceitos próprios do público com os conceitos do artista, passando a assinatura de editor de vídeo, ou diretor, ou apenas de colaborador para o individuo que navegar pelo nosso videoclipe experimental. O videoclipe experimental leva a assinatura da banda “TRANSGLOBi”11 e será distribuído com os mesmos recursos utilizados por outras bandas e artistas fonográficos na internet. Além de seu canal no YouTube, a banda possui um MySpace para divulgar a música e o videoclipe em questão. A distribuição não é centralizada, blogs ou paginas pessoais fazem parte da divulgação do videoclipe/artista. A possibilidade do usuário deixar um comentário na pagina do vídeo, demonstra o caráter descentralizador da comunicação na internet. Esse experimento propõe uma gama ilimitada de ações que apontam na direção de uma inovação na maneira de se produzir um videoclipe, pensado nos moldes de uma função pós-massiva. É um experimento voltado para a internet, embora exista uma versão “tradicional” do videoclipe direcionada para os meios de comunicação massivos, o que aponta para mudanças circunstanciais no videoclipe, em expansão desde sua gênese.
11
Para acessar o experimento desta iniciação cientifica acesse o perfil da banda no MySpace: <http://www.myspace.com/transglobi> ou no canal da banda no YouTube, onde pode montar o seu videoclipe: <http://www.youtube.com/transglobi1>. 124
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo central desta pesquisa visou discutir e analisar o videoclipe como ferramenta audiovisual e suas transformações, desde sua origem até os dias atuais. Por se tratar de um formato híbrido, mutante e mercadológico, fez-se necessário uma análise abrangente, levando-se em consideração, não só canção e artista, mas o formato estético, as práticas de consumo, os meios tecnológicos, o circuito midiático e a indústria fonográfica. Isso, sem esquecer o caráter comunicacional. A partir dessas vertentes, concluímos que o presente e o futuro do videoclipe são tão efêmeros, volúveis e, por que não dizer, peculiares como o próprio formato. Uma ferramenta que outrora poderia ser considerada “apenas” um curta-metragem para promover o artista e/ou banda, hoje se consolidou como um formato que influencia na consolidação imagética e conceitual do artista dentro do mercado, possibilitando a diversidade de manifestações simbólicas que se reproduzem e recriam dentro do universo da cultura pop. Mais do que isso, abrindo ainda possibilidades de experimentações radicais. Seria o videoclipe “imortal”? Constatamos que sim. Pelo menos é o que se vê ao longo de toda sua trajetória. Estamos falando de um formato que se adaptou plenamente a todas as mudanças ocorridas com o passar dos anos, sejam elas sócio-culturais, tecnológicas e/ou mercadológicas. Observamos que uma simples ferramenta utilizada para a promoção de uma banda tornou-se um forte objeto na consolidação do Semblante Midiático do artista. O motivo? Além de ser uma excelente ferramenta de publicidade, trata-se de um formato capaz de integrar cadeias sociais, mercadológicas, além, é claro, do som e performance dos artistas. Traduzindo: o videoclipe é capaz de legitimar ou negar determinadas performances musicais, sobretudo em função da necessidade de estar, ou não, atrelado à narrativa particular de um artista. Da mesma forma que serve como incremento de estratégias de mercado, sobretudo como embalagem, gerando matrizes de sociabilidade como valores, gostos e afetos que são incorporados ou expurgados em determinadas expressões musicais. No entanto, à exemplo do videoclipe, os meios tecnológicos mudaram, evoluíram. Novas mídias surgiram. Mais importante ainda: o jeito e a forma de consumir música também se modificou. Permanecer sentado em frente a uma televisão curtindo freneticamente a exibição de videoclipes é algo cada vez mais raro. Até mesmo a comercialização de CDs e DVDs em lojas físicas vem se tornando uma prática obsoleta.
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Essas características são reflexo de uma transformação cultural que se deu ao longo das décadas. Nos dias atuais o consumo da música não depende de uma situação onde artista ou banda se encontrem com seu público, como acontecia alguns anos atrás, antes do surgimento de todo aparato tecnológico e midiático existente hoje. É possível concluir que antigamente o consumidor era “refém” dos músicos, uma vez que dependia de um encontro, um show, por exemplo, com determinado artista para escutar suas músicas. Fato é que, com o advento da tecnologia, o cenário musical sofreu diversas mutações, assim como o próprio videoclipe. O VHS, a fita cassete, o CD, o MP3, enfim, tudo isso possibilitou aos consumidores de hoje um leque de opções em relação ao consumo de música. Hoje em dia, o consumidor escuta o que ele quer e quando quer. Ele próprio é capaz de determinar quando, como, onde e quantas vezes irá escutar as músicas de seu gosto. O que se vê hoje é um novo modelo de escuta e consumo musical, baseado em uma relação direta entre produtor e consumidor. Como é possível observar nas análises feitas até o presente momento, a interatividade e a possibilidade de uma criação conjunta do clipe ditam o atual cenário do videoclipe. Vivemos um momento em que banda, diretor e público são capazes de criarem um clipe conforme suas especificidades. Hoje em dia, aquele que consome ao mesmo tempo também pode ser aquele que produz. Já vimos o exemplo em I’ve Seen Enough, canção da banda Cold War Kids, que além de um videoclipe tradicional, ganhou um videoclipe interativo que proporciona uma experiência só possível em uma mídia que acopla funções pós-massivas. Até mesmo em nosso experimento, onde o usuário passa a ser diretamente o construtor da “obra”. Sendo assim, concluímos que atualmente o videoclipe é um formato pleno tornando-se uma ferramenta capaz de influenciar na consolidação imagética e conceitual do artista. Contudo, isso não quer dizer que trata-se de uma ferramenta consolidada no mercado da indústria fonográfica. Tão volúvel quanto o videoclipe, tem sido os meios digitais e tecnológicos. O que hoje é representado por sites como YouTube, Twitter, MySpace, Orkut, além de objetos como iPods, MP3 players, MP4, outrora fora representado pela fita cassete, CD, VHS e a própria TV. Enfim, isso certamente mostra, que num futuro muito próximo certamente novas ferramentas irão surgir, novos suportes, novos meios e, logicamente, novas formas de consumir. Isso pode se traduzir no fim de plataformas e suportes usados hoje em dia. Assim como um dia o ciclo do ICQ chegou ao seu final, o mesmo virá acontecer com Orkut e YouTube, por exemplo. Mas quando isso acontecer não quer dizer que será o fim do videoclipe. Pelo contrário. Para o “camaleão” do audiovisual o que irá mudar serão os modos de consumo, produção e distribuição. O videoclipe se mostra um forma expansivo, que se adapta a qualquer plataforma e suporte. 126
Tão pessoal e, ao mesmo tempo, tão coletivo. As formas de consumir música tendem a sofrer mutações ao longo dos anos. O mesmo acontece com o videoclipe. Através da interatividade e da aproximação entre público, diretor e banda, podemos dizer que, num futuro breve, será possível que um videoclipe, por si só, seja capaz de constituir o Semblante Midiático de um artista, levando-se em consideração as ferramentas atuais de interação e “produção” de um clipe, na qual o público cada vez mais assume o papel de diretor. Resultado: obras ainda mais peculiares, com suas próprias particularidades, caracterizadas a partir do gosto de seu criador e, ainda assim, compartilhadas através da rede. É o videoclipe cada vez mais híbrido, cada vez mais efêmero, cada vez mais mutante, mas cada vez menos comum.
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REFERÊNCIAS
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