A Enigmática História de Sebastiana de Melo Freire

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Capitulo I – A Vida de Sebastiana de Mello Freire Sebastiana de Mello Freire, carinhosamente tratada por Yayá, nasceu em 21 de janeiro de 1887 na cidade de Mogi das Cruzes, uma dentre os cinco filhos de Manoel de Almeida Mello Freire e Josephina Augusta de Almeida Mello. Até a perda dos pais, Yayá estudara em casa, sob os cuidados de Antônio de Barros Barreto, seu preceptor. A partir de então, foi interna no tradicional colégio Nossa Senhora de Sion, frequentado por filhas da elite paulista. Yayá recebeu educação esmerada. Falava francês, tocava piano, pintava, dominava regras de etiqueta, realizava trabalhos manuais. E, sobretudo, desenvolveu sua religiosidade, talvez um fator importante na manutenção de sua integridade emocional diante dos abalos produzidos pela perda dos familiares próximos.

O Sion parece ter sido um referencial básico na vida de Yayá. Suas amigas durante a idade adulta eram, na maioria, antigas colegas de escola. Mesmo depois de deixar o colégio, ela continuava ligada às freiras –especialmente a Mère Amedée, sua orientadora espiritual durante o período de estudante – obsequiando-as com favores e doações. A vida de Yayá não se resumiu a momentos de tristeza e desespero. Na verdade ela os superava levando uma vida alegre e rodeada pelos que a estimava. Yayá parece haver herdado o temperamento brincalhão do pai. Segundo o Dr. Augusto Trigueirinho, ela era uma mulher alegre que gostava de se divertir e, para isso, armava brincadeiras com amigas e gente próxima. Às vezes, servia a seus convidados pastéis recheados de algodão, divertindo-se em vêlos sem jeito por não poderem engolir a iguaria que, segundo fazia crer, ela mesma preparara. Até com os velhinhos aos quais distribuía mensalmente alimentos e auxílio financeiro, Yayá fazia brincadeiras. Seu alvo preferido era uma velhota, divertida, vaidosa e um pouco aloucada, a quem pessoalmente pintava os cabelos e ofertava ornamentos.

Yayá vivia na mansão da rua 7 de Abril, no centro de São Paulo, onde passava as horas cuidando de um sofisticado (para a época) estúdio de fotografia onde revelava inúmeras fotos de imagens de santos, seu tema preferido. Às vezes, passeava pelas ruas da pacata São Paulo do início do século XX em seu Chevrolet grande e negro. Ia a Mogi das Cruzes para os fins de semana com famílias amigas, ou ia à praia ou à fazenda em Guararema, onde fazia longos passeios a cavalo pela mata. Certo é que nunca seria encontrada fora de sua mansão da 7 de abril nos dias 19 de todo mês (dia consagrado a São José). Esse dia era sagrado: era o dia em que ela ficava nos jardins de sua casa, distribuindo alimentos e, infalivelmente, um conto de réis aos pobres que a tinham como protetora. Entre viagens de ida e vinda, Yayá de Mello Freire trazia sempre consigo algumas obras de arte e não escondia dos seus amigos mais íntimos o orgulho por um cartão que conservava sempre em local de honra. Fora-lhe dado por incentivadores dos movimentos artísticos de São Paulo em reconhecimento pelo que fez em favor das artes. Dona de um temperamento fechado e de uma personalidade forte, voluntariosa e exigente, Yayá centralizava a vida dos que a rodeavam. Em sua casa, ligados por parentesco ou amizade, habitavam muitas pessoas, todas, em diferentes medidas, dela dependentes.

Lá se criou Eliza de Mello Freire, sua prima e também sobrinha de Eliza Grant, educada no colégio Sion, onde mais tarde foi professora de Educação Física, que ficaria com Yayá até sua morte. Criou-se também Rosa Masullo, uma vizinha por ela batizada que se tornou sua companheira preferida, agraciada com privilégios não concedidos aos demais moradores, como, por exemplo, conhecer o segredo de seu cofre. Rosa, mãe do Dr. Augusto Trigueirinho, foi educada no colégio Santa Inês e seu talento para a pintura foi sempre incentivado por Yayá, que lhe solicitava quadros, com os quais presenteava as amigas.


Os que conheceram de perto apresentam Yayá como uma pessoa de hábitos simples e vida social restrita a um pequeno grupo de amigos, do qual não participavam nem mesmo os parentes residentes em Mogi. Embora desfrutando do bem estar propiciado por sua posição social, viajou para a Europa apenas uma vez, em 1914, acompanhada de Rosa Masullo, Eliza Grant e D. Hadjine, sua amiga desde os nove anos de idade. De sua vida afetiva pouco se sabe. Consta que teria recusado muitas propostas de casamento por considerar que os pretendentes estavam mais interessados em sua fortuna que nela própria. Mas dizem que, demonstrando certo espírito romântico, Yayá teria cultivado uma grande paixão oculta por Edu Chaves, rapaz de rica família paulista, que não se interessou por ela. Yayá teve sua trajetória marcada por tristes acontecimentos. Ainda muito pequena, aos 8 anos de idade, Yayá perdeu sua irmã Leonor, que morreu aos 13 anos, de tétano, ao se machucar com um espinho de laranjeira. Mas Yayá teve que conviver com outras perdas difíceis de serem compreendidas, principalmente para uma criança. Sua outra irmã, Benedita Georgina, a menina da pipoca, faleceu aos 3 anos de idade, asfixiada por um elo de um porta níquel feito de tricot de metal que estava em seu berço. Em 1899, seu pai e sua mãe ficaram doentes ao mesmo tempo e faleceram em apenas 2 dias sem um ficar sabendo da morte do outro. Órfãos, Yayá, com 12 anos e seu único irmão Manuel de Almeida Mello Freire Junior, com 17 anos, ficaram sob a tutela do senador Dr. Albuquerque Lins, amigo pessoal de seu pai. E por pedido de Yayá também foram cuidados por uma amiga e madrinha dela, Eliza Grant, descendente de uma família americana que chegara a Mogi das Cruzes após a Guerra da Secessão. Com a morte dos pais, Yayá e seu irmão, tornaram-se herdeiros dos bens familiares constituídos por um grande número de imóveis na Capital e em Mogi, valores e ações. Em 1905, quando Yayá tinha 18 anos foi surpreendida por um acontecimento que, anos mais tarde, faria parte também de seu destino, marcado pelo diagnostico de ―insanidade mental‖. No dia 21 de julho de 1905, seu irmão Manuel Junior que retornava de navio da Argentina com o amigo Alfredo Grant e tendo desaparecido no referido navio, concluiu se que, Manuel Junior havia se jogado ao mar. O médico de bordo, Dr. Francisco Benfica de Menezes, registrou um termo com as seguintes palavras: ―Declaro que, cerca de 1 hora da noite, fui chamado a prestar socorros a Nhô Manuel de Mello Freire, passageiro de 1ª classe, a bordo do‖ Orion ―, que anteriormente sofria das faculdades mentais. Ao chegar; encontrei-o presa de um acesso furioso, tornando-se necessário para conte-lo o auxilio do comissário, maquinista, chefe dos criados e pessoal de bordo. Decorridos quarenta minutos seguiu-se sono tranquilo, pelo que julguei desnecessários os meus serviços, recolhendo-me porém ao camarote próximo pronto a atender a qualquer eventualidade, pois confiava o enfermo a dois criados. Pelas três horas fui despertar e avisado de que novo acesso o acometia (…) Ao penetrar no camarote em que se achava, encontro-o deserto e aberta à vigia, sinal evidente de que o doente tinha se atirado ao mar. ―. Em 4 de setembro de 1961, aos 74 anos, Yayá falece às 14:55 de insuficiência cardíaca, após ter sido submetida a uma intervenção cirúrgica, onde foi levada 13 dias antes. Era portadora de um câncer uterino. Dona Yayá, que possui uma historia rica e envolvente, que era de uma família abastada e que sua herança fez grande diferença para o progresso da cidade, e mesmo assim não possui reconhecimento nenhum em Mogi das Cruzes.


Capitulo II – A Loucura e o Tratamento A Loucura No final de 1918, Yayá teve a primeira manifestação de desequilíbrio emocional. Achando que iria morrer, redigiu a lápis, e sem a presença do tabelião, um testamento evidentemente sem validade. Sua segunda providencia foi distribuir as joias que possuía entre as mulheres da casa; depois, elas foram recolhidas por sua afilhada Rosa Masullo, que as guardou à espera de que sua madrinha se restabelecesse para confirmar a doação.

Em janeiro de 1919 sobreveio uma nova crise. Yayá desconfiava de todos. Recusando alimentos, gritava que a queriam matar e que tentavam desonrá – la. Em seu desespero tentou suicídio, sendo então internada no Instituto Homem de Mello.

A notícia levada até o Curador Geral de Órfãos, provavelmente pelo antigo tutor de Yayá, Albuquerque Lins, resultou na nomeação de dois médicos para que procedessem ao exame de Sebastiana ―que se achava sofrendo das faculdades mentais a ponto de não poder gerir seus bens‖.

Por ocasião de seu internamento, Yayá tinha 32 anos. A partir daí, sua vida, já bastante marcada por acontecimentos trágicos, não mais foi conduzida por sua vontade.

Durante os 42 anos seguintes foi perdendo sua inteireza. Esquecida pela quase totalidade dos amigos, afastada os espaços e objetivos que constituíam seus referenciais afetivos, tornou-se, gradativamente, mais agressiva e, ao mesmo tempo, indefesa.

Os primeiros laudos sobre o estado mental de Yayá nos fornecem dados significativos para a avaliação da camisa de força tecida pela moralidade burguesa do inicio do século, no sentido de delimitar o papel feminino.

Aos olhos de hoje, as observações nela contidas parecem mais revelar os preconceitos da época e tentar comprovar a eficácia da ciência médica do que fornecer dados que possibilitassem orientar a cura.

Baseados no histórico de vida e em observações diretas do comportamento da paciente, os laudos interpretam opções, como a recusa ao casamento, como um indício da ―organização psíquica desarmônica, reveladora de uma predisposição latente para desarranjos mentais‖. Da mesma forma, atitudes próprias da ―galanteria feminina‖, talvez por muito tempo reprimidas por Yayá, ganharam classificação moral, uma vez que consideradas indicadoras de ―alterações dos sentimentos éticos‖, principalmente do ―pudor natural do sexo‖.

Durante os delírios de Yayá, afloraram desejos e fantasiosas culpas produzidos por exigências sociais e por uma educação dogmática e repressiva. Ela batia-se contra as paredes, feria-se com objetos e farpas, dizia impropérios, proclamava-se partidária dos aliados na Primeira Grande Guerra, repetia continuadamente ―eu sou católica apostólica romana‖, rasgava roupas, chorava, cantava, queixava-se de ser ameaçada de morte e de violações, pedia o filho que julgava amamentá-lo e embalá-lo. Com o passar dos anos, os delírios diminuíram em frequência e intensidade. Aos poucos, a psicose esquizofrênica – como tratado na linguagem médica moderna o mal que a afligia – evoluiu sem remissão.


Em 1952, atingira o período demência, sua fase crônica final. Yayá, embora ainda tendo algumas manifestações agressivas, estava abúlica, apática, quase inerte.

O Tratamento Após os exames médicos que determinaram sua interdição, oficializada em abril de 1919, com a publicação de um edital, Yayá esteve por cerca de um mês em uma casa alugada na rua Apa, nº21. Só então foi encaminhada ao Instituto Paulista, onde permaneceu por pouco mais de um ano. A pedido do curador Souza Queiroz, Yayá foi submetida à observação de uma nova junta médica. Depois da recusa, por motivos circunstanciais, de Franco da Rocha, Diogo de Faria e Alberto Seabra, a junta foi composta pelos doutores Deolindo Galvão, David Cavalheiro e Paula Lima. Chama a atenção à natureza dos quesitos respondidos. Além dos de costume, referentes ao estado da interdita, constam outros sobre as instalações que ocupava, a competência dos enfermeiros que a atendiam, as possibilidades de seu tratamento no Instituto Paulista e a conveniência de transferi-la para outro local.

O laudo apontou o depauperamento físico de Yayá e uma insuficiência hepatorenal, indicativa de um ―estado de intoxicação endógena‖, ressaltando a conveniência de exercícios moderados ao ar livre e de um regime dietético apropriado a toxemia por ela apresentada. Finalmente os especialistas ponderaram que, dado o seu grau de fortuna, a paciente poderia ter cuidados exclusivos, sendo conveniente sua transferência para outro lugar que, proporcionando-lhe as vantagens de um tratamento especial reclamado por seu estado físico, ―ofereça ou se adapte às condições exigidas por seu estado mental‖. Respondendo a quesitos complementares, os médicos pronunciaram–se contrários ao retorno da enferma para a sua antiga residência na rua Sete de Abril, uma vez que esta se achava em um ―centro de aglomeração urbana‖ e não oferecia, ―pela disposição de seus aposentos, a segurança indispensável a sua pessoa‖. Não aprovaram também sua transferência para o Juquery por ser ―aquele asilo para alienados indigentes e não ter cômodos especiais que sirvam a interdita‖. Causa estranheza a referência ao Juquery como um asilo exclusivo de indigentes. Sabe-se que lá também eram internadas pessoas de posse, a pagamento, às quais eram dispensadas tratamento e acomodações especiais. De qualquer modo, a condição financeira de Yayá permitia tratá-la sem afastá-la das pessoas mais próximas, um privilégio, então, ao alcance de poucos. O local adequado às necessidades de Yayá foi à chácara à rua Major Diogo nº 37, para onde ela foi transferida em meados dos anos 20.Seu primeiro médico assistente foi Deolindo Galvão, que considerou o local apropriado à cura da doente, então tratada pelo método francês non restaint, assim explicado por ele: ―A doente será vigiada sem o perceber. Ela terá a ilusão de que tem a liberdade, de que é senhora de seu nariz, mas de fato a vigilância será exercida prudentemente não se permitindo senão aquilo que eu julgar conveniente‖. A instalação de Yayá exigiu a adaptação do espaço, a contratação de pessoal especializado e a transferência das pessoas que com ela moravam na Sete de Abril. Para a Major Diogo nº 37, foram com Yayá gentes e coisas. Entre estas um piano, móveis e objetos de grande valor afetivo, pois datavam do tempo de seus pais.Com ela ficaram Elizinha, Eliza Grant, sua irmã Georgina Tavolaro e antigos empregados. Para cuidar dela chegou o enfermeiro João Garcia, que permaneceria na casa por mais de 30 anos, e uma auxiliar. Poucos amigos continuaram a visitá-la. A transferência de dona Yayá do Instituto Paulista para a casa da rua Major Diogo atendia a recomendação médica. As condições oferecidas pela casa salvo pequenas adaptações necessárias, eram ideais, segundo o parecer do médico assistente de Yayá. Ali seria possível praticar ―… a vigilância sobre a doente sem que ela o perceba, método esse curativo aplicável ao seu estado atual‖,


uma vez que ―… nos departamentos que lhe vão pertencer poderá ela habitar a sós com a enfermeira por mim escolhida, sem comunicação com as pessoas da casa salvo quando seu estado permitir e ela desejar…‖. Iniciou-se dessa forma, em meados de 1920, o longo período de reclusão domiciliar de Yayá. Ela não sairia de casa até 1961, ano em que faleceu.

As adaptações necessárias à manutenção do isolamento e segurança de dona Sebastiana na casa da Major Diogo, foram sendo sugeridas desde 1920.Em setembro daquele ano, o Dr. Juliano Moreira –diretor do Hospício Nacional de Alienados do Rio de Janeiro e, ao lado de Franco da Rocha, considerado o maior alienista – veio a São Paulo, com a finalidade especial de examinar a interdita. Moreira aprovou as instalações ocupadas pela enferma, porém recomendou modificações nas janelas, chegando a fazer um rascunho no qual indica as características do sistema adotado no hospício carioca. A idéia presente nessa sugestão, a mesma que norteou outras intervenções, foi bem traduzida por Juliano Moreira ao dizer que tratava-se de instalar uma casa de saúde só para dona Sebastiana. Na época, talvez mais do que hoje, as casa de saúde para alienados assemelhavam-se ás prisões. Eram espaços de isolamento, de manutenção do paciente em um ambiente neutro, sem estímulos, despersonalizados, livre de contatos perniciosos à psique e seguro. Seguro de modo a proteger sua integridade física, mas, sobretudo, para preservar os ―de fora‖ da desordem causada por aquela que não seguiam as regras do convívio social. Eram também espaços de vigilância, instrumento pelo qual o especialista observava, montava o quadro da ―loucura‖ e assim, segundo acreditava, corrigia comportamentos inadequados. Primitivo Sette, em um relatório sobre as atividades da curadoria em 1921, nos fornece alguns detalhes da construção desse ambiente asséptico – e, ao mesmo tempo, incentivador da perda da razão-a casa da Major Diogo.

Segundo ele, o comportamento agressivo da interdita obrigou a substituição de colchões por tapetes, de lençóis por toalhas de banho, de louças e talheres por vasilhames e colheres de alumínio, materiais mais resistentes ás suas investidas destruidoras. Além do desconforto advindo do uso de matérias tão grosseiros –especialmente para quem havia usufruído de todo o bem estar possível às pessoas de alta condição social- esses objetos significavam punição e rompimento, pois não estabeleciam elos com a vida passada, não estimulavam o aflorar de lembranças, exercício de memória necessário à manutenção da identidade e da saúde emocional. Contendo Yayá e os objetos, criou-se um espaço impessoal que nos é apresentado no mesmo relatório: ―… a enferma ocupa dois dormitórios espaçosos, ora um, ora outro, e às vezes, os dois ao mesmo tempo. Estes cômodos são rigorosamente asseados, têm as paredes esmaltadas até a altura das portas, para tornar possível a lavagem, às vezes necessária; e se comunicam diretamente com o banheiro e o W.C.‖ A descrição acima indica que a casa passara por pequenas adaptações: pintura e, talvez, abertura de passagem entre os dois quartos, um deles, aliás, bastante pequeno.

Embora o relatório não mencione, as janelas dos dois cômodos ocupados por Yayá, situados no canto formado pelas faces norte e leste do edifício, devem ter sido substituídas, nessa época, seguindo o modelo proposto por Juliano Moreira. E seria estranho se isso não acontecesse, uma vez que a segurança da enferma era uma das preocupações básicas dos que a cercavam. Como o estado de Yayá permanecia ―mais ou menos estacionário e está a pedir instalações mais amplas e confortáveis‖, o médico assistente da enferma, Dr. Ovídio Pires de Campos, sugeriu que se adaptasse a ―atual sala de vistas da casa, anexa a um dos quartos que ela ocupa presentemente, e que apresenta, além das vantagens de maior largueza a ser muito bem batido de sol, o que não acontece com um dos atuais quartos, que se afigura muito frio no inverno.‖

Dr. Ovídio sugeriu, também que se construísse ―uma sala de banho no terraço que circunda a casa, com fácil e direta comunicação com seus aposentos‖.


Sugeriu, ainda, modificações que visavam à segurança da interdita, como a substituição do antigo assoalho de seus aposentos por um piso de corticite e o levantamento do muro à volta da casa, de modo a pôr dona Sebastiana em ―condições de absoluta segurança e a salvo de olhares indiscretos e bisbilhoteiros.‖ O salão central dotado de três janelas e uma porta foi transformada em dormitório. Dali foram retirados o papel de parede, o assoalho, as portas e as janelas. Estas foram substituídas ―por caixilhos e vidraças resistentes, semelhantes às adotadas nos lugares destinados a doentes como a interdita e por venezianas de madeira.‖ Adotou-se, também, aí, o modelo de janelas proposto pelo alienista Juliano Moreira. No piso colocou-se corticite, ―piso bastante higiênico, impermeável e inteiriço‖, ―assentado sobre laje de cimento armado, amparada ao centro e ao longo do salão por uma parede pequena que se construiu‖. As paredes forma esmaltadas até a ―altura superior ao alcance da enferma‖, isto é, 2,30m, e o teto pintado.

Os outros dois cômodos ocupados por dona Sebastiana sofreram as mesmas reformas, e ao lado dos aposentos, ocupando a área do terraço, foi construído o quarto de banho, revestido de azulejos brancos, piso de cerâmica, banheira e chuveiro com aquecedor a gás. Outra obra de vulto realizada no prédio, visando a sua conservação e à melhoria das acomodações de dona Yayá, teve duração de quase um ano, iniciando-se em 1952. Nessa época era curador de dona Sebastiana o Dr. Luiz Antonio Figueiredo que, sensibilizado com o confinamento em que vivia a interdita, ―procurou um lenitivo para sua triste existência‖. As obras sugeridas pelo curador foram o fechamento do terraço contíguo aos aposentos de Yayá, que assim se tornariam um jardim de inverno, e a construção de um solário em rampa reentrante no jardim. Segundo o laudo do perito Roberto Guimarães Sobrinho, nelas deveriam ser utilizadas materiais especiais, com o vidro ―triplex‖, massa plástica lisa nas paredes internas e pisos moles, como os de cortiça revestida de material impermeável ou de borracha. Quando Yayá foi instalada na casa da Major Diogo, ela foi descrita pelo Dr. Juliano Moreira com ―uma moça de cor branca, magra de corpo, cabelos castanhos escuros.‖ Nove anos depois tornara-se exageradamente gorda. Só raramente saía a passear no jardim ou para sentar-se no alpendre. Passava a maior parte do tempo encerrada em seus aposentos, sem fazer nada ou desfazendo a trama de um tecido, o que tomava por fazer frivolitê. Olhava as demais dependências da casa através de uma abertura existente na porta de um de seus quartos. Por uma pequena janela, que comunicava seu segundo quarto com o de Eliza Grant, passava longo tempo observando as imagens de santos que estava dispostas em um aparador. Quase não falava. Sempre asseada e penteada, nos momentos de calma ―conversava‖ com as pessoas da casa e chamava Augusto, filho de Rosa Masullo, e o filho de uma amiga pelo nome de seu irmão e de outras crianças que conhecera.

Em seus aposentos, rigorosamente limpos, tudo era segurança. Móveis, apenas os absolutamente necessários. A cama e uma cadeira higiênica eram pregadas ao chão. O piso era liso, sem emendas. As janelas deixavam passar apenas ar e luz. A terapêutica era simples. Poucos remédios, banhos quentes, observação. Os cuidados, muitos. Neles esmeravam-se Eliza Grant e, após sua morte em 1944, Elizinha Freire. Permaneciam os antigos hábitos domésticos, como a preparação dos doces para o consumo anual da casa, e os trabalhos manuais das senhoras durante a tarde. Permaneciam também os rituais e, entre eles, o de se comemorar o aniversário de Yayá com um jantar especial para o qual eram convidados algumas pessoas. Por tradição servia-se peru, preparado com temperos especiais no fogão de barro do quintal. A homenageada nunca esteve presente à mesa. Pressentia-se Yayá. Nos antigos móveis e talheres, nos pratos de parede onde estavam retratados seus dois cãezinhos de estimação, Fideli e Blanchet, na reverência com que todos se referiam a ela.


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Capitulo III – As Lendas e o Inventario As Lendas A vida de Dona Yayá sempre foi marcada por muitos acontecimentos trágicos, e como sua família era muito conhecida muitas histórias foram surgindo ou sendo modificadas, e com isso foram surgindo lendas sobre Dona Yayá e sua família.

A Menina da Pipóca

Quem for ao Cemitério de São Salvador, em Mogi das Cruzes, no dia de Finados, verá quantas mães levam seus filhinhos para visitar e levar flores para a ―menina da pipóca‖ – ali sepultada em 1891. Naquele ano a criança morreu .Seus pais mandaram erirgir-lhe um rico túmulo de mármore, sobre o qual está a linda escultura de uma criancinha deitada e em suas mãos algumas flores , também de mármore. O fato é que o povo não viu flores nas mãozinhas da escultura, pois elas ficaram parecendo pipócas. E daí nasceu a lenda que desde então repete-se ano apos ano e que a todos os Finados leva o cemitério de Mogi um grande cortejo de mães, para rezar pelos seus filhos junto ao pequenino túmulo. E contam as mães que a criança morreu por castigo: Passava a procissão de São Benedito. Mas como os pais não queriam que a família homenageasse o santo preto, fecharam-se as janelas da casa. E para distrais a pequenina, que queria ver a procissão, deram-lhe pipóca. Mas foi só a criança botar uma na boca, engasgou-lhe e morreu!… Nos dias de Finados há verdadeira romaria ao túmulo da criancinha. E as mães olham as flores da escultura e, inexplicavelmente, veem as mãozinhas da menina cheias de pipóca. O Baile das Sexta – Feiras

À rua Senador Dantas, onde está hoje o novo edifício do Instituto Dona Placidina, havia um grande e velho sobrado, com várias janelas e alpendres de ferro batido. Era a residência ―na cidade‖ de ilustre e abonada família mogiana . Pois o sobrado de Dona Yayá- como era conhecida- deixou muitas histórias . Ainda há pouco uma senhora contou-nos uma delas: Quem passasse por ali noite alta, nas Sextas-feiras, veria um belíssimo espetáculo . Um baile dos mais ricos, com grande orquestra e inúmeros casais a rodopiar lindas valsas e afinadas mazurkas. Nos alpendres , senhoras e senhoritas de longos vestidos e cuidados penteados e gentis cavalheiros de smoking e de casaca. Até a madrugada, quando cessava a música e o baile tinha fim. Perguntei à minha informante quem eram os dançarinos de tão alegres noitadas. E ela , com a maior naturalidade :

– Almas do outro mundo- é claro ! …


Poder

Executivo seção I

Estado de São Paulo

Geraldo Alckmin - Governador

Palácio dos Bandeirantes • Av. Morumbi 4.500 • Morumbi • São Paulo • CEP 05650-000 • Tel. 2193-8000 Volume 128 • Número 46 • São Paulo, terça-feira, 13 de março de 2018

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eu leitor, prepare a mente/ Ao máximo de estatura/ Deixe-a viver uma história/ Deixe-a ver se a vida é dura/ Se transitamos tão fácil/ Da sanidade à loucura Assim começam os versos do cordel De Sebastiana a Dona Yayá, obra de Varneci Nasci­ mento lançada na semana de comemoração do Dia Inter­­na­ cional da Mulher. Com 28 pági­ nas, o cordel conta a história de Sebastiana de Mello Freire, a Dona Yayá, personagem de vida trágica e conturbada – e uma vanguardista entre as mulheres da sua época.

Representante da aristocracia paulista, Sebastiana de Mello Freire foi uma mulher fora do seu tempo, e agora ganha um cordel para completar sua biografia “A publicação sobre Sebas­ tiana de Mello Freire, que viveu reclusa na sua casa da Rua Major Diogo, representa um encontro esperado há muito entre a Uni­ versidade de São Paulo, guardiã de um dos principais acervos sobre o tema, e o universo dos cordelistas contemporâneos”, comenta o pro­ fessor Paulo Teixeira Iumatti, do Centro de Preservação Cultural (CPC), criado em 2002, como órgão da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP. A vida de Dona Yayá e a casa onde viveu, na Bela Vista, já foram tema de documentários, livros, inúmeras reportagens e até de bloco carnavalesco. “Mas Dona

Varneci Nascimento (cordelista, autor da obra)

FOTOS: PAULO CESAR DA SILVA

Vida trágica (e vanguardista) de Dona Yayá é contada em cordel M

Público ouviu atentamente os versos do cordel De Sebastiana a Dona Yayá

Yayá em cordel é inédito”, garante Iumatti, “reprodução fiel e, ao mesmo tempo, dife­ rente das demais”. (Sebastiana de Mello,/ Criança, receberá,/Ainda sentindo a aura/ Do período da sinhá/ O apelido carinhoso/ Que a chamava Yayá). Renomado – Varneci Nascimento é um cordelista renomado. Já ministrou várias palestras na USP. Autor de mais de 300 obras de cordel, 80 delas publicadas e 200 mil livretos vendidos. Baiano de Banzaê, cidade de 13 mil habitantes, tem formação em História. Filho de pai poeta e repentista, cresceu ouvindo cantigas de trabalho junto a uma família de 15 irmãos. Ele conta que já havia enfrentado muitos desafios na carreira, como trans­ formar em cordel obras famosas da litera­ tura brasileira, como Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, A Escrava Isaura (Bernardo Guimarães), O Massacre de Canudos (autoria própria), além de O Pequeno Polegar (Charles Perrault), mas confessa que ficou preocu­ pado quando recebeu a missão de contar a vida de Dona Yayá: “Iumatti me levou um livro de mais de 300 páginas, fartamente ilustrado, com textos de autores diversos, além de conter rica pesquisa da professo­ ra Marly Rodrigues, da Unicamp, sobre o tema. A partir daí mergulhei por completo na vida dessa mulher e fiquei fascinado desde as primeiras linhas”. Reclusa – Nascida em Mogi das Cru­ zes, em 21 de janeiro de 1887, Sebastiana de Mello Freire pertenceu à alta sociedade,

Xilogravura da artista plástica Marina Nabuco

representante de uma das mais importan­ tes famílias do interior paulista. Marcada pelo infortúnio, com a morte de seus pais e irmãos, herdou a fortuna da família, mas logo sucumbiu a uma doença mental que a impediu de administrar ou usufruir de seus bens. Ficou reclusa em sua residência no bairro paulistano do Bixiga, da juventude até seu falecimento aos 74 anos, em 1961. (Os íntimos a descreveram/ De uma forma bonita:/ “Mulher de hábitos tranquilos/ Vida social restrita/ Sem regalo ou exageros/ Nem mesmo onde ela habita”). Ineditismo – Sem filhos ou paren­ tes próximos, teve sua herança consi­ derada vacante e todos os seus bens foram transferidos para a Universidade de São Paulo. O patrimônio deixado incluia o casarão do Bixiga, hoje chama­ do Casa de Dona Yayá, sede do Centro de Preservação Cultural (CPC), da universi­

dade, sob a direção até pouco tempo de Mônica Junqueira de Camargo, arquiteta e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU). Na apresentação que faz do cordel, Mônica diz: “Trata-se de contribuição iné­ dita para a consolidação histórica dessa sofrida personagem, cuja casa é hoje um bem cultural referencial da cidade de São Paulo. Chama a atenção a sutileza do cor­ delista Varneci ao expor a complexidade do drama vivenciado por uma mulher aris­ tocrática, isolada do convívio social por 40 anos devido a distúrbios psicológicos”. O lançamento foi prestigiado por autores de cordel, professores universi­ tários, estudantes e profissionais do CPC, público que ouviu atentamente a leitura De Sebastiana a Dona Yayá, nas vozes do autor e de Cleusa Santo, cordelista nasci­ da em São Paulo. Segundo o professor Iumatti, o cordel originário das regiões norte e nordeste ganhou força na região sudeste (São Paulo e Rio de Janeiro) e centro-oeste (Brasília), a partir dos anos 1950 com as imigrações. “É arte brasileira e Yayá, uma grande refe­ rência”, diz Varneci. A obra recebeu ilustração em xilogra­ vura na primeira página de autoria da artis­ ta plástica Marina Nabuco, paulista, apai­ xonada pelo universo do cordel. “Quando recebi o convite fiquei muito feliz em poder participar da produção e, principlamente, pela oportunidade de conhecer a vida de Dona Yayá. Transpor a fotografia de Yayá para xilografia foi revelador, cheio de emo­ ção. O cordel é democrático, acessível às pessoas, de fácil circulação. Jovens, crian­ ças e idosos, todos podem ler”. Maria das Graças Leocádio Imprensa Oficial – Conteúdo Editorial

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Varneci Nascimento

DE

SEBASTIANA DONA YAYÁ

A


Autor Varneci Nascimento Ilustração Marina Nabuco Projeto gráfico Ana Beatriz Ferreira Martina Flores

Varneci Nascimento

DE SEBASTIANA A DONA YAYÁ Projeto

YAYÁ EM CORDEL

Revisão Aderaldo Luciano Produção Profa. Mônica Junqueira de Camargo (CPC-USP) Cibele Monteiro da Silva (CPC-USP) Gabriel Fernandes (CPC-USP) Colaboração Prof. Paulo Teixeira Iumatti (IEB-USP)

CPC - USP 2017


YAYÁ NA LITERATURA DE CORDEL

YAYÁ E O CPC

A história de Sebastiana de Mello Freire, interpretada sob a ótica da literatura de cordel, constitui uma síntese das mais interessantes da jornada de investigações e reflexões na área de patrimônio cultural que o CPC vem desenvolvendo, e do importante papel da extensão universitária na construção do conhecimento científico.

Este folheto representa um encontro há muito esperado entre a USP, que tem sob sua guarda um dos principais acervos de cordel do Brasil, e o universo dos cordelistas contemporâneos. No Nordeste, os vínculos entre a universidade e o cordel em projetos de extensão são bem mais antigos. Resultaram em iniciativas que encontraram, posteriormente, um terreno institucional favorável a partir da Constituição de 1988 e da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Hoje, as perspectivas que se abrem tanto com o registro do cordel e do repente como patrimônio imaterial pelo IPHAN quanto com projetos de digitalização e ampliação do acesso em diversas instituições tornam ainda mais promissora essa aproximação, em âmbito nacional. Que este folheto seja apenas o início de uma relação duradoura, destinada a favorecer a divulgação e o fortalecimento dessa importante linguagem estética.

Resultado de uma parceria entre o IEB e o CPC, a partir da sugestão do prof. Paulo Iumatti, a quem agradeço a brilhante ideia. A sutileza do cordelista Varneci ao expor a complexidade do drama vivenciado por uma mulher aristocrática, isolada do convívio social por quarenta anos, devido a distúrbios psicológicos, conseguiu relacionar de forma transdisciplinar conteúdos de diversas áreas do conhecimento: gênero, loucura, isolamento, espaço doméstico e hospitalar, arquitetura e cidade. Uma contribuição inédita para a consolidação histórica desta sofrida personagem, cuja casa é hoje um bem cultural referencial da cidade de São Paulo. Mônica Junqueira de Camargo

Paulo Teixeira Iumatti 2

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Meu leitor, prepare a mente Ao máximo de estatura, Deixe-a viver uma história, Deixe-a ver se a vida é dura, Se transitamos tão fácil Da sanidade à loucura.

DE SEBASTIANA A DONA YAYÁ

Mentes provectas, às vezes, Perdem as venerandas luzes De maneira inesperada, Feito queda de avestruzes, Como a nossa personagem Nascida em Mogi das Cruzes. Aos 21 de janeiro Nosso mundo a recebeu, No ano de oitenta e sete A família agradeceu, Foi no século XIX Que Augusta a concebeu. Manoel de Mello Freire Casado com Josephina Augusta de Almeida Mello, Conforme Deus determina, São eleitos genitores Daquela linda menina. 5


Sebastiana de Mello, Criança, receberá, Ainda sentindo a aura Do período da sinhá, O apelido carinhoso Que a chamava de Yayá.

Os Mello Freire moravam Num palacete imponente Na Rua Sete de Abril À família pertinente. Em dois andares vistosos Dignos de gente influente.

O pai, de Mogi das Cruzes, Homem de muito conceito, De uma família abastada, O requisito perfeito Para que, aos vinte e três anos, Forme-se, ele, em Direito.

Quando em mil e novecentos Começaram as agonias: Dezembro devastador Apagou as alegrias Com a morte do casal No período de dois dias.

Manoel, além de culto, Era alegre e brincalhão, Dono de outros atributos, Prestígio na região Em pouco tempo galgou Destacada posição.

Sebastiana contava Com os seus quatorze anos. Seu irmão Manoel Júnior Sentiu o peso dos danos Entrou na maioridade Frágil, órfão, sem ter planos.

Seguiu carreira modelo Das elites paulistanas, De bacharel a político, Mas foi queimando as pestanas, Que ascedeu à Assembleia Nas causas provincianas.

Aqueles jovens ficaram A mercê da triste sorte Padecendo desse estrago Perpetrado pela morte. Restou-lhes seguir a vida, Cuidando daquele corte. 6

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Foram levados ao seio Da estimada madrinha Que era dona Eliza Grant, Cuja ascendência tinha Raízes americanas, Pois era de lá que vinha.

Viu-se Yayá solitária Tendo no colo a tristeza. Os seus dezenove anos Não lhes pediam fraqueza, Porém o golpe da vida Foi de amargura e dureza.

Manoel, no testamento, Pareceu prever os fins Porque deixou um tutor Supondo coisas ruins. O político liberal Chamado Albuquerque Lins.

Enquanto seus pais viveram Ela teve um professor Antônio Barros Barreto, Bondoso preceptor, Sem eles vai ao colégio, Ambiente formador.

Herdaram vários imóveis Em São Paulo e região. Ele, estudando Direito Em nome da tradição. E ela buscando a paz Para o jovem coração.

Foi o Colégio Sion, Educandário escolhido, Para seguir os estudos. Como lhe foi prometido, O saber em sua vida Era um caminho florido.

Decorridos cinco anos Júnior desapareceu. Numa viagem marítima Foi dito que enlouqueceu Jogou-se no mar bravio E aos vinte e três faleceu.

Educação esmerada Recebeu por sua vez Aprendeu tocar piano Falar fluente o francês Pintar, dominar as regras Do velho e bom português. 8

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Fez das horas no colégio Sua maior referência: Mesmo depois de formada Encontrava com frequência As freiras, junto às amigas, Para lhes dar assistência.

Vezes servia pastéis Recheados de algodão Avistava os comensais Rejeitando a refeição Lembrava o jeito do pai Divertido e brincalhão.

Apesar dos seus abalos Era gentil, carinhosa. Com quem ela convivia, Dedicada e amorosa. Entrou com perseverança Na prática religiosa.

Dona Yayá se vestia Com requinte e elegância Conveniente à senhora De elevada importância. Passeava nos seus carros Gotejando exuberância.

Logo a dimensão de fé Tornou-se primordial, Diante daquelas perdas, Do desgaste emocional. Sublimou várias agruras Na vida espiritual.

Às vezes Dona Yayá Era bastante exigente, Centralizando o comando Atendendo prontamente A quem dependesse dela, Mas com olhar diferente.

Não deixou as intempéries Retraírem as emoções Cultivou as alegrias Patrocinou diversões, Armou várias brincadeiras Aos mais próximos corações.

Criou Eliza de Mello, Rosa Masullo, afilhada, A companhia constante Preferida e agraciada Com diversos privilégios Fartamente coroada. 10

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Distorciam a sua imagem Nas colunas de jornais: “Possui hábitos avançados Entre as rodas sociais! É protetora de artistas, Tem costumes fidalgais!”.

Como único passatempo Manteve na moradia Da Rua Sete de Abril, Com devida maestria Seu próprio laboratório, Amava Fotografia.

Os íntimos a descreveram De uma forma bonita: “Mulher de hábitos tranquilos, Vida social restrita, Sem regalo ou exageros, Nem mesmo onde ela habita”.

Entre o hobby e os passeios Fez da vida um poema, De vez em quando ia à praia Banhar-se sem ter problema Outras vezes, às fazendas De Mogi ou Guararema.

Todo dia dezenove, Dona Yayá elegeu O dia da caridade Pois sua fé a moveu (Devota de São José) Foi assim que ela viveu.

Sobre as razões afetivas Sabe-se bem pouco dela: Que rejeitou pretendentes, Que fugiu da esparrela De quem queria dinheiro Sem ser devotado a ela.

Somente por uma vez Se ausentou de nossa terra. Nessa viagem à Suíça Sua vida quase encerra Por ser no ano quatorze¹ Da Primeira Grande Guerra.

Conta-se que por um tempo Cultivou uma paixão Pelo rapaz Edu Chaves. Abalado o coração Por não ser correspondida. Encerrou logo a questão.

¹ 1914

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Foi dentro dos verdes anos Que a mulher de estrutura Começou a dar sinais De mudança de postura. No final do ano dezoito² A mente fica insegura.

Foi com seus trinta e dois anos Que Yayá perdeu a rédea Da vida, dos bens, de tudo. A loucura não faz média, Quem a tem fica fadado A naufragar na tragédia.

Dentro do seu coração Habitou um sentimento: A iminência da morte. Turvou-se seu pensamento, Mesmo sem tabelião Escreveu um testamento.

Porque sem a sanidade Some o sinal do sorriso, A vida perde a doçura, O fulcral do paraíso, O ostracismo completa A ausência do juízo.

Quando no ano vindouro³ Viu-se tudo piorar, Gritou, no mês de janeiro: “Eles querem me matar”. Transtornada mentalmente Não quis mais se alimentar.

Depois de exames médicos, Ela ficou internada No Instituto Paulista Porque foi interditada. E saiu pra Rua Apa Morar em casa alugada.

Desesperada, atentou Contra sua própria vida. Buscando encontrar respostas Foi internada em seguida. Albuquerque Lins nomeia A própria equipe escolhida.

Afastada dos espaços De sua delicadeza, Dos lugares afetivos, De amores, de certeza. Cresceu-lhe agressividade Por se sentir indefesa.

²1918; ³1919 14

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A psicose aportou Com sua tropa real, Yayá via o seu corpo No sofrimento total Enquanto a mente partia Para a viagem final.

Com a terapêutica simples Tratavam de sua doença: Banhos de sol, água quente, Mas a atenção propensa De Eliza Grant e Elisa Era a grande diferença.

Ela foi acompanhada Por bons especialistas. O que havia de moderno Foi incorporado às listas De tratamento, buscando, Para a saúde, conquistas.

Eliza Grant e Georgina Seguiram junto a amiga, Amparando-a nas dores Daquela triste fadiga. A amizade mais fina É, na vida, a forte liga.

Na Rua Major Diogo Comprou-se uma residência, As reformas foram feitas, Preparou-se a transferência, A fim de lhe proteger Dos perigos da demência.

Nove anos, depois disso, Sequelas em exagero, Chegou a obesidade, Diminuíram o tempero Do seu cardápio diário, Foi um grande desespero.

Yayá foi acomodada Num quarto de bom tamanho. Ali ficava à vontade Sem perceber nada estranho. Pensando no seu conforto Foi feito um quarto de banho.

O caso se complicava, Foi ficando mais confuso. Um jornalista criou Cenas para o fato escuso, Publicando suas letras No jornal O Parafuso. 16

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Benedito de Andrade, O seu medonho editor, Achincalhava esse fato Sem ter o mínimo pudor, Semeava suspeições, Sem prova ou qualquer valor.

As generosas mulheres, De bondosos corações, Anularam-se por ela, Mas sofreram acusações Sem pena d’O Parafuso, Chegado à difamações.

Mau caráter, sem escrúpulos Este sensacionalista, Querendo se promover Tornou-se especialista Em repassar aos leitores Sua visão derrotista.

Em torno da moradora Foram se criando histórias. Algumas se enraizaram, Transformaram-se em memórias. Há outras desagradáveis Por serem difamatórias.

O Parafuso, por anos, Cruelmente espalhará: “A mentira nesse caso, Por muito perdurará. Pois querem botar a mão Na riqueza de Yayá”.

Pelos quarenta e um anos Yayá ficou confinada, Suscitando vários mitos, Próprios de gente malvada. Na fértil imaginação, De todos ficou marcada.

As notícias levianas, Esse jornal publicava, Dizendo que toda equipe Somente lhe maltratava. Embora lhe desmentissem, A verdade não chegava.

Recebeu de suas amigas O carinho e a ternura. As quais administravam A casa e sua estrutura Até quando ela partiu Da mansão à sepultura. 18

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Dia quatro de setembro Do ano sessenta e um Dona Yayá faleceu Sem deixar herdeiro algum Para o patrimônio imenso, Na época, algo incomum.

O patrimônio de Yayá Foi alvo de confusões. Os interesses ilícitos, Em falsas alegações, Suscitou grande disputa Debates e discussões.

Seu coração tão sofrido Parou seu ciclo vital. No hospital São Camilo Bateu pela vez final. Foi essa a causa da morte Dessa mulher sem igual.

Por fim o seu patrimônio Considerou-se jacente. Foi destinado a USP Transformou-se em um presente Para a universidade Que o conduz competente.

Rua da Consolação, No pomposo cemitério, Dona Yayá sepultada, Cumprindo o rígido critério No qual Vida e Morte são Para nós grande mistério.

Hoje, no bairro Bixiga, Aquele que passar lá, Vê o resumo da vida Cujo maior alvará Foi lavrado em monumento: Casa de Dona Yayá. Aberta à visitação, Ao lazer e a cultura, Reflexão e saberes, Poética, literatura. Numa distinta homenagem Aos herdeiros da Loucura.

Aos setenta e quatro anos, Partiu em aura de glória. Libertou-se da prisão, Dos grilhões da trajetória O carro da lenda para Na estação da História. 20

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SOBRE O AUTOR Varneci Nascimento nasceu em Banzaê – BA em abril de 1978. É graduado em História e autor de quase 300 obras em cordel, tendo publicado mais de oitenta entre as quais destacamos O Massacre de Canudos (Editora Luzeiro), O Pequeno Polegar (Panda Books) e Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis (Nova Alexandria).

SOBRE A ARTISTA

Varneci Nascimento São Paulo, 11/07/2017 68 estrofes em sextilhas

Tipografia: Lato Papel: sulfite reciclado (miolo) e sulfite colorido (capa)

Marina Nabuco é artista plástica e ilustradora natural de São Paulo apaixonada pelo universo da literatura de cordel. Tendo ilustrado outras publicações, corta seus tacos de madeira inspirada nos grandes mestres da xilogravura, figuras centrais de sua pesquisa. É com muita honra que ilustra este folheto com texto de Varneci Nascimento para a Casa de Dona Yayá, homenageando este tão querido centro de cultura e contando a história de sua ilustre residente.


CPC USP O Centro de Preservação Cultural da Universidade de São Paulo (CPC USP), órgão da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária com a missão de refletir e promover ações sobre o patrimônio cultural da USP, tem sede na Casa de Dona Yayá, bem cultural tombado localizado no bairro do Bixiga, na região central de São Paulo. O imóvel, além de se constituir de documento da urbanização do bairro e da cidade, se configura como lugar de memória das questões de gênero e saúde mental no Brasil em função da trajetória de sua mais ilustre moradora: Sebastiana Mello Freire, a Dona Yayá. Em sua sede o CPC promove cursos, seminários, oficinas, exposições e outras ações de cultura e extensão com foco na temática do patrimônio cultural, bem como celebra e procura manter viva a memória de Dona Yayá.

Universidade de São Paulo Reitor Prof. Marco Antonio Zago Vice-Reitor Prof. Vahan Agopyan Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária Pró-Reitor Prof. Marcelo de Andrade Roméro Pró-Reitora Adjunta: Ana Cristina Limongi França Centro de Preservação Cultural Diretora Profa. Mônica Junqueira de Camargo Vice-Diretora Profa. Fernanda Fernandes da Silva


Realização

Apoio


Capitulo IV – A menina da pipoca

Lenda Mogiana: As comemorações em torno de São Benedito em Mogi das Cruzes, curiosamente ocorrem no mês de abril, mas não sabemos o real intuito das festividades nessa época do ano. O dia reconhecido pela Igreja Católica para as comemorações do santo ocorre em 5 de outubro. Mas quando citamos algo sobre São Benedito em Mogi das Cruzes, sempre haverá uma curiosidade ou questionamento referente o santo. Desde o Período Colonial São Benedito é cultuado em nossa cidade, várias histórias e lendas foram passadas entre gerações até nossos dias. Mas a partir de pesquisas este mito em torno do santo está sendo desconstruído, vejamos uma das histórias: O jornalista Isaac Greenberg em seu livro ―Folclore de Mogi das Cruzes‖, relata uma lenda em torno de São Bendito. O caso ocorreu no ano de 1879.

"Passava a procissão de São Benedito. Mas como os pais não queriam que a família homenageasse o santo preto, fecharam-se as janelas da casa. E para distrair a pequenina, que queria ver a procissão, deram-lhe pipoca. Mas foi só a criança botar uma na boca, engasgou-se e morreu!..."

A lenda da ―Menina da Pipoca‖ não ocorreu, o único fato verdadeiro esta na morte da pequena


criança ocorrido no dia 20 de junho de 1879. A causa do falecimento de Benedita Georgina filha do então senador mogiano Manuel de Almeida Mello Freire, irmãzinha da Sebastiana de Melo Freire não foi asfixia por ingestão de pipoca, mas por uma pequena porca metálica que se soltou do berço.

Esta lenda nasceu em um momento conturbado da história brasileira. O fim da escravidão iniciou grandes discussões a respeito da liberdade da população negra. Supomos que o fato que podemos apurar sobre a criação desta lenda, está pautado em São Benedito, um santo negro que puniu uma família que não o cultuou. Na mentalidade da população mogiana, criar tal fato fortaleceria a cultura negra na cidade, ao mesmo tempo demonstra a superioridade de um santo negro sobre uma família aristocrática com forte poder político e a favor da escravidão.

Sabemos que o reflexo desta lenda pendura até hoje. Durante o dia 2 de novembro (Finados) no Cemitério São Salvador, o túmulo da pequena menina é venerado por inúmeras mães que pagam promessas por eventuais problemas de saúde ocorridos com seus filhos. O ex-voto é pago em formato de velas, flores, doces e brinquedos. Mas um símbolo no túmulo fortalece a lenda. Há uma estatua da menina desfalecida, com pétalas de flores nas mãos, que muito se parece com as traiçoeiras pipocas.

O Inventario No 9º andar do Fórum da Comarca de São Paulo, na praça João Mendes, funciona a 3ª Vara da Família, exatamente por onde ocorreu, a partir do dia 15 de setembro de 1961, o inventário de Sebastiana de Mello Freire, iniciado com uma certidão de óbito registrada sob o número 13990, folhas 96, livro 25 do subdistrito de Perdizes.

Sexo feminino, cor branca, prendas domésticas, natural de Mogi das Cruzes, solteira, parecem ser características de muitas mulheres que faleceram nos últimos anos na Capital. Mas, com certeza, não bastarão para caracterizar realmente quem era Yayá naquele frio atestado assinado pelo médico Moacyr Tavolaro, dando como causa da morte um mal ainda mais comum: insuficiência cardíaca.


Na verdade, Yayá tinha uma história especial. Não só uma história especial, como também um patrimônio especial.

No seu levantamento de bens constava: Em São Paulo: 27 casas na rua do Hipódromo nos números : 1245, 1253, 1261, 1263, 1271, 1273, 1281, 1293, 1289, 1291, 1297, 1301, 1303, 1309, 1311, 1317, 1319, 1325, 1327, 1333, 1335, 1341, 1343, 1353, 1355, 1363 e 1365;

07 casas na rua Conselheiro Justino nos números: 572, 574, 584, 586, 590, 600 e 602;

08 casas na rua Piratininga nos números : 405, 413, 415, 417, 423, 425, 427 e 431;

06 casas na rua Visconde de Parnaíba nos números : 693, 1080, 1088, 1090, 1094 e 1100;

06 casas na rua Prudente de Moraes nos números : 173, 175, 183, 185, 193 e 197;

03 casas na rua Correa de Andrade nos números : 54, 58 e 62;

02 casas na rua Pirineus nos números : 117 e 119;

03 casas na rua Brigadeiro Galvão nos números: 09, 23 e 31;

01 casa na rua Martim Buchard no número 320;

01 casa na rua Campos Sales no número 265 ;

01 casa na Av. Brigadeiro Luiz Antônio no número 1477;

01 casa na rua Maria Antônia no número 199;

A casa que residia na rua Major Diogo número 353;

Metade do 8º ao 14º andares do edifício Veneza, na rua Bráulio Gomes no número 107(construído na área antes ocupada pela mansão da rua 7 de abril.

Em Mogi das Cruzes:

01 chácara de 36 alqueires onde está hoje o Centro Cívico ;


01 terreno da esquina das ruas Capitão Paulino Freire com a Cardoso Siqueira;

01 terreno entre os números 418 e 454 da rua Senador Dantas;

01 casa na rua Barão de Jaceguai no número 626

01 casa na rua Senador Dantas no número 120 ;

01 casa na rua Capitão Paulino Freire no número 114.

01 sítio de 87 alqueires em Biritiba Mirim.

02 casas na rua Cardoso Siqueira nos números : 191 e 195;

03 casas na rua Coronel Souza Franco nos números : 615, 603 e 641;

Em depósitos bancários havia, nessa ocasião, pouco mais de Cr$20 milhões (cerca de US$35 mil na época) na Caixa Econômica do Estado e, entre outros papéis, 12 obrigações de guerra de mil contos de réis cada. Com a necessidade de se legalizar as despesas de manutenção da residência e de todo o patrimônio, foi então apurado o total gasto nesse setor após a morte de Yayá: eram 35 mil cruzeiros na manutenção da residência e outros 71 mil cruzeiros no pagamento dos serviços, incluindo governanta, ajudante de enfermeira, lavanderia, copeira, cozinheira e jardineiro.

É bem verdade que Yayá de Mello freire era sozinha. pelo menos foi assim que decidiu a Justiça. Pretendentes, quando moça, ela os teve. E muitos. Mas nunca se casou. Preferia sempre a devoção à Igreja católica e não há quem saiba nem mesmo de algum namorado firme. Notícias e parentes pouco se sabe, além de um irmão que morreu misteriosamente numa viagem por mar à Europa. Soube-se de outro irmão natural, que certo dia teria aparecido em sua casa pedindo dinheiro para internar uma filha doente. Desse irmão também nunca mais se ouviu falar.

Sem parentes diretos, era de se esperar que surgissem pessoas interessadas em disputar parte da herança. A primeira foi Esther Pereira Garcia, que em 1961já era viúva e tinha 67 anos de idade. Morava na rua Cantagalo, no Tatuapé, e caracterizava-se como parente colateral de 4º grau de Yayá. Queria ser a beneficiária do grande patrimônio. Pouco depois, João Resce e sua mulher também se habilitaram no inventário.

Mas em 20 de dezembro de 1962 a habilitação de todos foi rejeitada. Nessa época, a avaliação do patrimônio de Yayá de Mello Freire, feita pelo Serviço de Engenharia da procuradoria Fiscal e sem contar os imóveis das ruas Bráulio Gomes, Mello Alves e Augusta, apurava um total de 113 milhões e 732 mil cruzeiros. Houve, a partir daí, algumas alterações no patrimônio, com a venda e aquisição de algumas propriedades. É certo que já não havia, nessa época, a fazenda Sertão, em Biritiba Mirim, que Yayá de Mello Freire dividia, sem sociedade, com o médico Deodato Wertheimer.

Em outubro de 1963, uma nova avaliação do patrimônio inventariado conduzia, ao longo de suas 167 folhas, aos seguintes totais: em São Paulo, Cr$661 milhões e, em Mogi das Cruzes, Cr$1629 bilhão, totalizando quase Cr$2,5 bilhões.

O processo do inventário, até a declaração de vacância da herança, caminhou com algumas


ações paralelas. Joaquim de Almeida Mello Freire, por exemplo, reivindicou indenização trabalhista por serviços de curatela até o falecimento. Outras pessoas tentaram habilitação como herdeiros, entretanto em 19 de junho de 1967, foi assinada a sentença dando pela improcedência dos pedidos.

Na mesma época, Elisa Mello Freire reivindicou o recebimento de cinco por cento do valor dos bens da herança sob o título de pagamento por serviços prestados a Yayá durante o período de 42 anos. O inventário ia assim caminhando pelo Fórum da Capital a passos lentos, obstado por ações paralelas, até que, em dezembro de 1968, o juiz Odyr José Pinto Porto determinou ―andamento preferencial‖, resultando, no dia 13 do mesmo mês, nas folhas 853 do processo, a sentença que declarava vacante a herança de Sebastiana de Mello Freire. O processo havia terminado, mais de sete anos após o seu falecimento, com total de 1087 páginas acondicionadas em seis volumes.

Da decisão final resultou o benefício à Universidade de São Paulo, à qual foram transferidos todos os bens de Yayá de Mello Freire.

Dona Yayá aos 23 anos. Sebastiana de Melo Freire (Mogi das Cruzes, 21 de janeiro de 1887 - São Paulo, 4 de setembro de 1961), mais conhecida como Dona Yayá, foi uma aristocrata brasileira, membro de uma das mais importantes famílias do interior paulista. Teve uma vida marcada por tragédias. Com a morte de seus pais e irmãos, herdou a fortuna da família, mas logo sucumbiu a uma doença mental que a impediu de administrar ou usufruir de seus bens, tendo sido mantida reclusa em sua residência no bairro paulistano do Bixiga, da juventude até seu falecimento aos 74 anos, quando se extingue a linhagem dos Melo Freire. Sem filhos ou parentes próximos, teve sua herança considerada vacante e todos os seus bens foram transferidos à Universidade de São Paulo.


Biografia

Filha de Josefina Augusta de Almeida Melo e Manuel de Almeida Melo Freire, empresário, fazendeiro, e político de relevo no estado de São Paulo, Yayá passa os primeiros anos de sua vida em Mogi das Cruzes. Uma série de tragédias marca desde cedo a sua vida. Uma de suas irmãs morre asfixiada aos três anos de idade.

Pouco tempo depois, outra irmã falece em consequência de uma infecção por tétano, aos treze anos. Em 1899, morre sua mãe e, dois anos depois, seu pai. Órfã, passa a ser tutorada, junto com Manuel de Almeida Melo Freire Júnior, agora, seu único irmão, por Albuquerque Lins, que futuramente exerceria o cargo de presidente do estado de São Paulo.

Já na capital paulista, Yayá frequenta o Colégio Sion, enquanto seu irmão ingressa na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Em 1905, nova tragédia: Manuel, desde cedo diagnosticado como portador de uma doença mental, atira-se ao mar durante uma viagem a bordo de um navio com destino a Buenos Aires.

Com sua morte, Yayá torna-se a única sobrevivente dos Melo Freire e herdeira de uma vasta fortuna. Pôde por pouco tempo usufruir de seus bens. Residiu em um palacete na Rua Sete de Abril, no centro de São Paulo, onde recebia seus amigos, promovia saraus e mantinha um estúdio completo de fotografia, um de seus principais interesses. Relata-se que rejeitava todos os seus pretendentes, por considerá-los interesseiros, e que teria mantido uma afeição não correspondida pelo aviador Edu Chaves.

Já em 1918, manifestam-se os primeiros sintomas de sua doença mental, ao que se segue uma tentativa de suicídio, no ano seguinte. Yayá é internada em um sanatório, interditada. Sua residência na Sete de Abril era considerada inadequada para isolá-la. Assim, em 1925, seus curadores adquirem um vasto casarão no bairro do Bixiga, à época convenientemente afastado do centro da cidade. Paralelamente, ocorriam disputas judiciais pelo direito da curatela e pela guarda dos bens da enferma, alimentando variadas acusações, escândalos e boatos, cobertos pela imprensa da época.

Embora contando com os recursos financeiros necessários ao seu tratamento, e mesmo submetida aos cuidados de alguns dos maiores especialistas do período, como Juliano Moreira e Franco da Rocha, pioneiros da psiquiatria brasileira, a doença de Yayá progride continuamente. Trata-se da enfermidade classificada pela psiquiatria moderna como psicose esquizofrênica.

Em seus acessos, "batia-se contra as paredes, feria-se com objetos e farpas, dizia impropérios, proclamava-se partidárias dos aliados na Primeira Grande Guerra, repetia continuadamente 'eu sou católica, apostólica romana', rasgava roupas, chorava, cantava, queixava-se de ser ameaçada de morte e de violações, pedia o filho que julgava ter tido, imaginava amamentá-lo e embalá-lo".

Yayá permaneceria isolada em seu casarão no Bixiga por 36 anos. O imóvel foi inteiro adaptado para o seu tratamento, da adaptação dos equipamentos dos banheiros à instalação de janelas inquebráveis, que só abriam do lado de fora. Além dela, ocupam o casarão sua amiga Eliza Grant, seu enfermeiro, uma prima e os criados. A última reforma ocorreu em 1952, quando se construiu o solário, onde a enferma ficava ao ar livre. Dona Yayá faleceu em 1961, no Hospital São Camilo.


Legado

Sem herdeiros, a fortuna de Dona Yayá foi considerada vacante, passando à propriedade da Universidade de São Paulo. O patrimônio deixado compreendia o casarão do Bixiga, hoje chamado Casa de Dona Yayá, sede do Centro de Preservação Cultural da universidade, 27 casas na rua do Hipódromo, 8 na rua Piratininga, 6 na Visconde do Parnaíba, um edifício na rua que leva o nome de sua família, Mello Alves, outro na rua Augusta, parte do edifício Veneza, uma chácara de 36 alqueires em Mogi das Cruzes, onde hoje se encontra o Centro Cívico da cidade, além de inúmeros outros imóveis, terrenos, contas bancárias, títulos e outros bens.


São Paulo, 4 de setembro de 1961

O patrimônio foi definitivamente incorporado à USP em 14 de janeiro de 1968. Na ocasião, o reitor da universidade, Hélio Lourenço de Oliveira, se comprometia a "prestar modesta

homenagem à memória da falecida, cujo sacrifício favoreceu a mocidade estudantil desprovida de recursos que demanda os diversos cursos universitários", acrescentando que


"A USP cuidará do patrimônio com a responsabilidade que lhe cabe e fará com que ele sirva aos estudantes tanto quanto não pôde servir à desditosa interdita".

Casa de Dona Yayá

De arquitetura eclética, a Casa de Dona Yayá foi a sede de uma das chácaras onde a elite paulistana do fim do século 19, moradora do núcleo urbano, passava momentos de lazer. A residência mostra duas formas de morar da época —o chalé, comum da época, e a casa assobradada, construída em torno do chalé. A casa serviu de clausura para Sebastiana de Mello Freire, a Dona Yayá, que dá o nome o imóvel. Única herdeira da fortuna do pai fazendeiro, ela foi interditada ao apresentar sinais de loucura e transferida para a chácara, onde viveu reclusa de 1919 a 1961. A casa exibe várias adaptações para o tratamento da moradora, o que também revela a forma de tratamento da loucura na época, que isolava o doente da vida social. A propriedade original foi parcelada aos poucos para venda ou desapropriada para obras, como a construção da Radial Leste. Após a morte de Dona Yayá, em 1961, o imóvel e a fortuna ficaram sem herdeiros e foram transferidos para a USP (Universidade de São Paulo). Hoje sedia o Centro de Preservação Cultural da universidade.

Funcionamento: sábado e domingo das 9 as 17hs Visita guiada: Não haverá. MÚSICA CORALUSP DONA YAYÁ: A MÚSICA DO BIXIGA E DE SÃO PAULO

O coral Dona Yayá canta clássicos do samba que retratam a cidade de São Paulo em composições de Geraldo Filme e Adoniran Barbosa, e de compositores atuais, como Eduardo Gudin, Kiko Dinucci e Celso Viáfora. O repertório do grupo, que ensaia desde 2004 na Casa de Dona Yayá, tem se dedicado a representar as manifestações e influências musicais presentes


na região do Bixiga, como a Escola de Samba Vai Vai e o bloco Ilú Obá de Min. Regência: Mauro Aulicino. CORALUSP TODO CANTO: MOSAICO Há peças que são unanimidade no que se refere ao repertório coral. No mundo todo, onde há coral a capella, as peças do período renascentista, especialmente as italianas e francesas, fazem parte do repertório. O grupo apresenta um programa variado, com músicas da Europa e das Américas, que vão da renascença aos dias de hoje, sacras e profanas, populares e eruditas, além de folclóricas e contemporâneas brasileiras. O repertório inclui peças de Debussy, Piazzolla, Brahms e Tom Jobim. Regência: Paula Christina Monteiro. EXPOSIÇÃO SESMARIA DE PASSARINHOS A exposição faz um recorte do trabalho desenvolvido pelo Grupo Ururay, coletivo formado por jovens pesquisadores e ativistas focados na identificação, preservação e valorização dos bens culturais da Zona Leste da cidade de São Paulo. Apresenta um levantamento fotográfico dos bens tombados ou em processo de tombamento presentes nessa região que, embora seja historicamente preterida em relação às áreas centrais da cidade na formulação e implantação de projetos e políticas públicas, abriga os mais variados grupos sociais, vindo de diversos locais do Brasil e do mundo. Realização: CPC– USP e Grupo Ururay.

YAYÁ, UM LUGAR DE MEMÓRIA

Este pequeno espaço expositivo busca apresentar aos visitantes a trajetória de Sebastiana de Mello Freire, a Dona Yayá. No início dos anos 1920, declarada incapaz de gerir a fortuna da qual era única herdeira após manifestar repetidos sinais de desequilíbrio mental, Dona Yayá passou a viver isolada na casa da Rua Major Diogo até sua morte, em 1961. A mostra apresentam um levantamento documental que conta parte do pouco que se sabe sobre esta personagem que hoje é parte da memória do bairro da Bela Vista. Realização: CPC– USP. Inscrição: no local c/ 30 min de antecedência. Sujeito à lotação.

Varanda da Casa de Dona Yayá -depois da restauração Crédito: Fotos: Candida Vuolo - Acervo do Centro de Preservação Cultural da USP


Fachada da casa de Dona Yayá (foto: Xinpaly)

Solário anexo à residência (foto: Vanessa Maeji)

Rua Major Diogo, nº 353. Rua Jardim Heloísa, s/n Número de pavimentos: um mais porão Ano de conclusão: anterior a 1881, tendo sofrido várias ampliações Uso atual: atualmente abriga o Centro de Preservação e Cultura da USP


Proteção: Z8 200-032/ Condephaat

Solarium da Casa de Dona Yayá - antes e depois da restauração Crédito: Fotos: Candida Vuolo - Acervo do Centro de Preservação Cultural da USP

Rua Major Diogo, nº 353. Rua Jardim Heloísa, s/n Número de pavimentos: um mais porão Ano de conclusão: anterior a 1881, tendo sofrido várias ampliações Uso atual: atualmente abriga o Centro de Preservação e Cultura da USP Proteção: Z8 200-032/ Condephaat


Rua Major Diogo, nº 353. Rua Jardim Heloísa, s/n Número de pavimentos: um mais porão Ano de conclusão: anterior a 1881, tendo sofrido várias ampliações Uso atual: atualmente abriga o Centro de Preservação e Cultura da USP Proteção: Z8 200-032/ Condephaat

Casa de Dona Yayá

Sebastiana de Mello Freire, conhecida como dona Yayá, morou neste casarão do Bexiga de 1921 a 1961. O imóvel acabou sendo um hospício privado da residente, em uma época que a psiquiatria não era muito avançada. Moradores antigos do bairro diziam que era possível ouvir os gritos de Yayá, mesmo depois de sua morte. Restaurada em 2003, a casa hoje é ocupada pelo Centro de Preservação Cultural da USP.

R. Mj. Diogo, 353, Bela Vista, região central, tel. 3106-3562. Seg. a sex.: 9h às 17h. GRÁTIS


Capitulo VII – Teoria da Conspiração “A ambição que dizimou toda uma família”

O canalha disfarçado de mocinho é Edu Chaves e o segundo criminoso é o Dr. Valadão. A dupla (ou Edu sozinho) devem cumprir todas os desafios de cada fase para conseguir atingir o objetivo da trama: Conseguir toda a fortuna da família Mello Freire.

Para conseguir ficar com todo o dinheiro da família Edu e seu amigo Dr. Valadão vão acabar com a família inteira, causando acidentes fatais e até mesmo assassinando com as próprias mãos, membro por membro da família.

Dr. Valadão, médico, corrupto, bandido, vagabundo e ladrão, enganou toda família Mello Freire do olho na fortuna desses.

A Fortuna do Bixiga é o alvo, de um ou dois patifes que se desenvolve em 6 fases com desafios diferentes.

Edu Chaves, o falso amante de Sebastiana, assassino covarde.


As Fases do crime: Mogi das Cruzes: O Assassinato da irmã criança;

Missão: Colocar um objeto ―perigoso‖ no berço da criança sem que ninguém perceba. (o objeto deve ser colocado em um lugar específico do berço) Conclusão da fase: A criança morre asfixiada ao engolir o objeto.

1. Mogi da Cruzes: Assassinato da irmã do meio

Missão: Pilotar até SP, ir até o consultório do Dr. Valadão e pegar uma seringa infectada com tétano, Voltar para Mogi e aplicar a seringa enquanto a irmã dorme, sem que ela acorde (a agulha dele ser aplicada no lugar indicado). Conclusão da fase: A irmã se infecta e morre de tétano.


3. Buenos Aires: Assassinato do irmão Missão: Sair para passear de barco com o irmão e Dr. Valadão. Convence-lo à beber uísque e colocar entorpecentes em sua bebida. Derrubá-lo ao mar, limpar todas as impressões digitais e voltar à terra firme.

Conclusão da fase: O irmão morre afogado parecendo ter sido suicídio. Pai de Sebastiana

Manuel de Almeida Melo Freire (Mogi das Cruzes, 3 de Abril de 1834 — São Paulo, 1901) foi um fazendeiro, empresário e político paulista. Formou-se pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em 1857. Foi eleito por três vezes deputado para a Assembleia Provincial de São Paulo (hoje Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) da 14ª a 16ª legislaturas (1862/1863, 1864/1865 e 1866/1867).

Publicou em 1888 a obra "Henriqueida", com poesias humorísticas e satíricas.

Em 1891 um dos constituintes do Senado do Congresso Legislativo do Estado de São Paulo.


Como empresário, foi diretor da Companhia Mercantil paulista em 1892. Foi pai de Sebastiana Melo Freire, a Dona Yayá.

4. Bexiga: Assassinato do Pai e da Mãe Missão: Eles tem uma viagem marcada para o Rio de Janeiro. Ir à casa deles, cortar os cabos do freio sem ser notados (tem que saber qual é o cabo certo). Conclusão da fase: Pais morrem num acidente de carro. 5. Bexiga: Casamento e envenenamento. Edu Chaves promete casar-se com Yayá e, com a ajuda do Dr. Valadão, começa à dopá-la com alucinógenos. Dr. Valadão a diagnostica como esquizofrênica e, juntos, constroem um hospício domiciliar para a moça. Missão: Fazê-la assinar uma procuração de plenos poderes, para isso a combinação certa de entorpecentes deve ser utilizada. Final da Fase: Ela assina a procuração. 6. Fase final: O Cheque Mate Missão: Assassinar Yayá Yayá tenta fugir e Edu Chaves promete cuidar dela e mantê-la e leva-la de volta à casa no bexiga. Ele deve montar o cenário e os objetos necessários para que o assassinato pareça um suicídio por enforcamento. Final da Fase: Yayá morre e acredita-se que foi suicídio. Final do Jogo: Edu Kiko e Dr. Valadão, sem deixar nenhuma suspeita, ficam com todo o dinheiro da família Mello Freire e fogem para Paris. Sinopse: Edu Kiko é um aviador de 27 anos que vive em Mogi das Cruzes no começo do século XIX. Ambicioso por poder e fortuna é um profissional bem sucedido, mas isso não lhe é suficiente. Conhece Sebastiana de Melo Freire, filha de Manoel de Almeida Mello Freire, empresário, fazendeiro e político paulista, Senador e que se apresenta como a presa para o crime perfeito (mas crimes perfeitos não deixam rastros).


A Mogi de Yayá Reprodução

Tinha cerca de 15 mil habitantes a Mogi das Cruzes de 1877 em que nasceu Sebastiana de Mello Freire. No total, eram cerca de 20 ruas. E foi em um casarão construído na primeira metade do século passado que nasceu Yayá. O casanovamente ao Rio Tietê. Ou seja: a chácara rão ocupava o terreno onde hoje está o Instituto ocupava toda a área hoje dominada pelos campi Dona Placidina na Rua Senador Dantas, que das duas universidades de Mogi e pelos prédientão se chamava Rua Oriente. Era a maior consos da Prefeitura, Câmara, Casa da Lavoura, trução de toda a rua, dominada em sua quase INSS, Casa do Advogado, Fórum, Corpo de totalidade por moradias térreas de uma única Bombeiros, Delegacia Seccional e Justiça do porta ladeada por duas janelas. Quase todas as Trabalho. Ainda sobra espaço para o Depósito casas tinham beirais. A dos pais de Yayá, entreMunicipal. tanto, tinha muito mais do que isso. Yayá tinha A Chácara da Yayá era, na sua maior pareiras e beiras. te, uma várzea alagadiça. O espaço habitável Assobradado, o casarão de muitas janelas era estava onde hoje estão os prédios do INSS, um ponto de referência da cidade. De reuniões Prefeitura e Justiça do Trabalho. A l i havia um sociais e de encontros políticos que o seu pai, casarão térreo, de amplas portas, janelas e vaadvogado formado em São Paulo e que se inirandas, à direita do qual se encontrava uma ciou na política como vereador em Mogi, lideracapela. Até meados da década de 1910 essa va com o respeito que então se tributava aos propriedade esteve cuidada e habitada. Yayá proprietários de terras. De muitas terras. dava preferência a ela quando viajava para [ As propriedades herdadas por Manuel de Mogi. Com a sua interdição, entretanto, a proAlmeida Mello Freire e que foram transferidas priedade acabou abandonada. à Yayá, sua única herdeira com a morte dos ouAinda assim resistiu por muito tempo. O caA capela da Chácara da Yayá, destruída por um incêndio na década de tros filhos, incluíam dezenas de casas em Mogi sarão térreo, de amplas portas, janelas e va1960. Ficava entre os atuais prédios do INSS e da Justiça do Trabalho, no das Cruzes e em São Paulo e vastas áreas agrírandas fez a festa por muitos anos, das crianCentro Cívico (Foto: Acervo Benedito Alves) colas na região de Mogi. As terras agrícolas inças da primeira metade deste século. Elas incluíam áreas no atual bairro da Penha, na Capivadiam o espaço para brincar. A falta de matal; a Fazenda do Guaió, em Suzano; terras ao Sul do território de Mogi (Serra do Itapety); um nutenção, entretanto, foi destruindo-o pouco a pouco. E, na década de 1950, já havia apenas sítio de 87 alqueires em Biritiba Mirim e a Chácara da Yayá, de 36 alqueires, em Mogi das ruínas. Cruzes. A capela resistiu por mais tempo. Ficou de pé até meados de 1960, quando um incêndio, por A Chácara da Yayá sempre foi um dos locais prediletos da infância da rica herdeira. Não é certo iniciado a partir de alguns mendigos que a utilizavam como abrigo, destruiu o que restava. difícil recompor sua área, ainda hoje: ia da ponte sobre o Rio Tietê, na atual Avenida dos EstuNos anos 70, já de posse da Universidade de São Paulo, a Chácara da Yayá foi desapropriada dantes, seguia pela Rua Olegário Paiva até a Avenida Narciso Yague Guimarães, de onde e a Prefeitura de Mogi cuidou de destruir o pouco que restava, na cidade, da milionária que foi atingia o atual Shopping Center. Daí, traçando-se uma linha reta na direção norte, chegava a protagonista principal da mais lendária saga da história de Mogi das Cruzes.

CARTA A UM A:

Coisas de estudantes Arquivo

Meu caro Bila \ i O encontro que tivemos há alguns •dias em minha câs"a - eu, você, Euclides Ferreira Jr. e João José de jSiqueira - não pode ser chamado de |um reencontro. Afinal, reencontro só seria se todos não nos víssemos há imuito tempo. Não é o caso. Mas o !mote de darmos um depoimento à T V |Diário sobre o movimento estudantil •em Mogi das Cruzes após o golpe de • 1964, serviu pelo menos para Irelembrarmos aquele março de 1968. |E desarquivar um jurássico projetor ;de slides que pudesse mostrar-nos algumas fotos. Depois que vocês se fo!ram, eu fiquei a buscar na memória alguns detalhes daquele período, j Retrocedi um tempo antes dele e 'cheguei ao início da década de 1960 quando nós dois, então adolescentes, ]conhecemo-nos no Instituto de Educação Dr. Washington Luís e nos envolvemos com o Grêmio Estudantil Ubaldo Pereira e o Clube de História |Prof. Jair Rocha Batalha. Foi por xonta do Grêmio que, numa.semana, •liderados pelo então diretor Epaphras Gonçalves Ennes (com dois 'ns', não esqueça), fomos nós dois acompanhar uma delegação esportiva para uma competição em Ribeirão Preto. Eta viagenzinha difícil aquela, lembrase? De trem, em um vagão dormitório sarcófago. Não sei seja lhe disse: mas não dormi a viagem toda na certeza de que algum fumante cuidaria de botar fogo no vagão. Sobrevivemos. Prova disso foi o março de 1968 que recordamos há alguns dias. Quando vocês partiram, lembrei-me da manhã em que fomos - você, Euclides Ferreira Jr., João Siqueira, Lúcio de Melo e eu - à Delegacia Seccional de Polícia atender a uma 'intimação expedida pela Secretaria da Segurança Pública. Efetivamente, não tínhamos a menor idéia do que estava para acontecer. Era abril de 1968. Freqüentávamos, então, o primeiro ou o segundo ano da Faculdade de Direito Braz Cubas e dividíamos a direção do Diretório Acadêmico I de Setembro. Havíamos vencido as eleições no final do ano anterior com o PIRA - Partido Independente de Renovação Acadêmica e Euclides assumiu a presidência sucedendo Eduardo Malta Moreira, o primeiro presidente que o D A teve e hoje secretário de Assuntos Jurídicos da Prefeitura de Mogi.

0 advogado Odilon Benedito Ferreira Affonso Wà - é também professor universitário e procurador jurídico da Prefeitura de Biritiba Mirim. Casado com a cirurgia dentista Maria Aparecida Nogueira Affonso, é pai da veterinária Maria Sílvia e da médica Maria Cláudia.

As eleições foram concorridas. Editamos um jornal de campanha e combinamos, certa noite, que a Banda Santa Cecília abriria um comício em frente a faculdade, na Rua Francisco Franco. O comício seria no intervalo das aulas. Os candidatos, desceriam a rua com a banda atrás. Subiriam num palanque instalado bem em frente a faculdade e ali discursariam. O palanque era uma carreta sobre rodas que fora emprestada pelo

então secretário de Obras da Prefeitura, Milton Rabelo dos Santos. Só que Milton não poderia ceder uma camioneta para levar o palanque do depósito da Prefeitura, na Rua Otto Unger, até a Francisco Franco. Lúcio de Melo, que então trabalhava com a família Abbondanza na revenda de automóveis Simca, emprestou de Cachito Abbondanza um jipe Toyota e se dispôs ao transporte. Na esquina das ruas Flaviano de Melo e

o

Tenente Manoel Alves o comboio se desgarrou. Jipe para um lado, carreta sobre um poste. O palanque ficou pronto em cima da hora. No meio do comício, os candidatos da outra chapa lançaram o desafio de usar o mesmo palanque. Todos concordaram e as eleições terminaram em paz. Os que fizeram uma campanha de tanto movimento, precisavam fazer o mesmo no início de sua gestão. E se decidiu, então, por duas ações de recepção aos calouros no início do ano letivo. A primeira foi um show de música popular brasileira no teatro da faculdade. Era época dos festivais da Record e se reuniu, ali, gente como o Zimbo Trio e a cantora Neide Alexandre. Tenho até hoje o voto de congratulações com o qual a Câmara Municipal, por obra de um vereador também acadêmico de Direito (Sylvio da Silva Pires) resolveu nos homenagear. A segunda foi uma peruada, sábado pela manhã, pelas ruas da cidade. Seria uma passeata irreverente de calouros e veteranos. Ocorre que, nas vésperas da peruada, marcada para o sábado, 30 de março, o estudante Edson Luís de Lima Souto foi morto (28.3.) no restaurante Calabouço, núcleo de universitários cariocas. Todo o movimento estudantil brasileiro levantou bandeiras em protesto e nós, em Mogi, ficamos sem saber o que fazer: manter a peruada ou cancelá-la? Decidiu-se mantê-la e transformá-

Ia numa manifestação de repúdio à violência no Rio. Assim foi feito: ao manifesto lançado pelos estudantes * de BStçjt© juntou-se uma emocionada carta aberta escrita por um jovem estudante de jornalismo da E C A , que residia em Mogi: era Floral Rodrigues Roza, hoje um dos mais respeitados consultores em Comunicação no País. Pois a intimação que nos foi enviada pela polícia, em abril, dizia respeito a essa peruada. Era uma sindicância para apurar um possível crime contra a segurança nacional. Fomos lá, com o advogado Cássio de Souza e saímos, algumas horas depois. Nunca tivemos acesso aos autos dessa sindicância. Anos depois, abertos os arquivos do Departamento de Ordem Polícia e Social, o temido Dops, encomendei uma pesquisa para saber se a sindicância constava dos guardados do regime militar. Não havia nada. Houve quem, na época, garantisse que a sindicância pretendia apenas intimidar o movimento estudantil da cidade, que começava a criar bases e poderia ter alguma participação nas eleições marcadas para o final de 1968. Pois é meu caro. Faz 36 anos que isso aconteceu. Todos nos formamos e seguimos nosso caminho. Construímos carreiras profissionais - Euclides no Ministério Público; você, João e o saudoso Lúcio na Advocacia e eu na Imprensa - e constituímos família. Alguns já são avós; eu e você continuamos invictos nesse predicado. E preservamos amizades que me são muito caras. Não poderia terminar esta carta sem lembrar uma passagem que ainda me cobro não ter testemunhado, mas que me contaram com tantos detalhes que não tenho por que duvidar: prontos para uma viagem ao Caribe, você, Cidinha, Maria Sílvia e Maria Cláudia esperavam em sua casa apenas o motorista que os levaria ao Aeroporto de Guarulhos. Tão logo o motorista chegou, uma escorregadela o lançou direto à piscina. Foi assim mesmo? Com ferro-de-passar você cuidou de secar dólares e passaportes que estavam no bolso? Grande abraço em todos

Os vitrais da Catedral de Santana. Doados por algumas das mais antigas famílias da cidade, bem que merecem maior cuidado. Uma restauração lhes cairia bem.

O portal do Cemitério de São Salvador. Por quais motivos a Prefeitura da cidade ainda não providenciou sua substituição, dando-lhe o aspecto que merece?

Chico


Edu se aproxima de Sebastiana, também conhecida como dona Yayá, uma moça a frente de seu tempo, e, em pouco tempo a conquista. No entanto, Yayá tem uma família grande o que o impede de conquistar a herança do velho Manoel toda para sí. Edu tem planos maiores que um bom casamento e, juntamente com seu amigo Valadão, um médico reconhecidamente corrupto, inicia sua saga pela fortuna do Bexiga. Edu Chaves aviador canalha e Valadão médico imundo e corrupto tem como objetivo acabar com a família Mello Freire, sem deixar rastros e vão utilizar-se de todos os artifícios mais sórdidos para atingi-los.

Sinopse Geral

Dona Yayá na década de 1910. Autor desconhecido

No dia 4 de setembro de 1961 morria no Hospital São Camilo a única moradora do casarão situado à rua Major Diogo, 353. A senhora de 74 anos havia permanecido confinada em sua casa desde 1925, e dela só saíra para morrer, pois fora condenada a viver reclusa para sempre em seu cárcere particular por conta da doença mental que a acometera aos 32 anos de idade. Era uma das mulheres mais ricas de seu tempo, mas por pouco tempo pôde gozar de sua imensa fortuna. Sua riqueza, sua felicidade e sua juventude foram perdidas junto com a sua lucidez, e penou durante mais de 40 anos como uma morta-viva, cercada do maior luxo sem poder usufruí-lo. Enquanto que todos os seus entes mais queridos morreram tragicamente, ela viveu tragicamente, alheia ao mundo que a cercava e principalmente, a si mesma, e quando finalmente a morte pôs um fim a seu sofrimento, com ela se extinguiu uma


antiga e poderosa linhagem paulista. Até seus parentes mais distantes foram morrendo um a um sem verem concretizadas suas esperanças de vir a herdar uma das maiores fortunas da época, pois ela viveu mais que todos eles. Chamava-se Sebastiana de Mello Freire, e era mais conhecida como Dona Yayá. Existem várias maneiras de ter a riqueza ao alcance das mãos e não poder desfrutá-la. Uma delas é ser abandonada pelo marido rico, ou pelo pai rico. Outra é enlouquecer, e foi esse o caminho que Dona Yayá trilhou para descer aos infernos, abandonando o mundo após ser abandonada de sua razão. Sua história superou em muito a da casa onde vivia sem viver, embora a própria casa também tenha muitas histórias para contar.

A casa

Embora se localize a apenas 1 quilômetro da Praça da Sé, a casa de d. Yayá, quando foi construída, localizava-se fora do núcleo urbano da cidade - inicialmente tinha a função de casa de campo ou chácara. A construção inicial data provavelmente do final da década de 1870, década de muitas transformações na cidade de São Paulo, advindas principalmente da chegada da ferrovia, com a Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, a Sorocabana e outras.

A cidade, que durante três séculos ficou limitada ao morro onde foi fundada, desperta de sua letargia e inicia nessa época seu processo de crescimento inexorável. Com a ferrovia, a imigração toma impulso, a cidade se enriquece e começa a se espraiar pelas áreas vizinhas ao núcleo histórico, costumes e técnicas européias são introduzidas. Muita gente enriquece no período, e optam por construir residências nas imediações do núcleo urbano, não na tradicional arquitetura de taipa de pilão, característica de todas as construções no período colonial e nas primeiras décadas do século XIX, mas já em tijolos e cujos estilos imitavam os da Europa. Sabe-se que o primeiro proprietário da casa foi José Maria Talon, que ergueu um pequeno chalé de tijolos com provavelmente apenas quatro cômodos, num terreno de mais de 30.000 metros quadrados que limitava aos fundos com o córrego do Bixiga, formador do Anhangabaú, ambos há muito subterrâneos. Em 1888 o imóvel foi vendido a Afonso Augusto Roberto Milliet, quem provavelmente deu à residência sua configuração atual, ampliando-a consideravelmente e cercando-a de um alpendre em três de seus lados, conforme indicam recentes estudos. Paredes externas do antigo chalé passaram a ser internas, e o número de cômodos passou a uns 13. A chácara foi vendida novamente em 1902 para João Guerra, um próspero comerciante de secos e molhados. Já estava então plenamente integrada à mancha urbana, embora mantivesse a área original. O novo proprietário realizou novas ampliações, construindo alguns anexos, e por meio de reformas procurou dar à casa uma ornamentação mais sofisticada. Era uma residência da alta burguesia, mas de forma alguma da oligarquia do café ou da crescente elite industrial adventícia. Como João Guerra, havia


muitos comerciantes que enriqueceram no período e procuravam emular em suas casas o modo de vida da elite político-econômica da época. Uma das características da Casa de Dona Yayá é o significativo repertório de afrescos que cobrem as paredes de diversos aposentos do imóvel. A pintura mural que se disseminou pela Europa no século XIX baseou-se nos afrescos então recém descobertos na cidade de Pompéia. Em São Paulo, as pinturas murais eram comuns nas residências de alto padrão do final do século XIX e primeira do século XX, e demonstravam o nível econômico de seu proprietário. Atualmente, São Paulo conta com pouquíssimos exemplares deste tipo de arte, já que a grande maioria das casas do período foi perdida, e os remanescentes continuam a ser demolidos a cada dia. Sob seis ou sete camadas de tinta, foram encontradas duas camadas de afrescos quando da restauração recentemente efetuada no casarão. A camada mais antiga corresponde provavelmente ao período em que foi proprietário Afonso Milliet (já que o chalé construído por José Maria Talon teria sido de tijolos aparentes e portanto desprovido desse tipo de ornamentação), e caracteriza-se por motivos florais de execução mais simples, de inspiração pompeiana. A segunda camada de afrescos é mais requintada e complexa. A inspiração é o art nouveau, estilo surgido na Europa no final do século XIX em oposição à arte acadêmica então vigente, e que logo depois chegava ao Brasil. Suas formas sinuosas baseavam-se no mundo vegetal e em outros padrões da natureza. Além dessas pinturas art nouveau, paisagens marinhas adornavam as paredes da sala de jantar. Essa segunda camada corresponderia ao período em que João Guerra ocupou a casa. Externamente, a ornamentação se dá pelos frontões, pilastras embutidas, compoteiras, típicos ornatos da arquitetura neoclássica, pelas colunas de ferro fundido (fabricadas em série na Europa) que sustentavam o alpendre, alpendre aliás solução característica de todas as regiões de clima tropical. Em suma, uma casa em estilo neoclássico "tropicalizada". Um portão também de ferro com as iniciais de João Guerra guarnece a entrada. Várias adaptações foram feitas no casarão nos anos 20 com a chegada de d. Yayá, primeiro como locatária, depois como proprietária, já que em 1925 foi efetuada a compra do imóvel por meio de seu curador. Visavam a compatibilizar o local com seu uso como sanatório particular de Yayá. O piso de madeira do salão central, transformado em seu dormitório, foi substituído por corticite.

Os papéis de parede foram removidos e os afrescos foram recobertos com tinta esmaltada de cor neutra e de fácil limpeza necessidade decorrente talvez de certa característica do comportamento da paciente. Diversos cuidados foram dispensados no sentido de evitar que a paciente se machucasse durante seus acessos de fúria: seu banheiro, por exemplo, não possuía torneiras, a água saía diretamente da parede. As janelas dos cômodos ocupados por Yayá foram especialmente projetadas pelo dr. Juliano Moreira, e além de serem inquebráveis, só se abriam do lado de fora.


A última reforma de vulto foi realizada em 1952, quando foi construído o solário, a fim de possibilitar que a paciente ficasse ao ar livre. Na residência moravam, além de d. Yayá, numerosa criadagem, seu enfermeiro, sua amiga Eliza Grant e sua prima Eliza de Mello Freire. O terreno do imóvel foi retalhado à medida em que a antiga propriedade rural foi sendo absorvida pela tessitura urbana, e o Bixiga passou de arrabalde a bairro central. Dos mais de 30.000 metros quadrados originais, tinha sido reduzido a 22.000 quando de sua aquisição por João Guerra. Em 1925, ao ser adquirido para d. Yayá por seu curador, encolhera para 2.500 m². Devido às obras da Radial Leste, no final dos anos 60, cerca de 300 metros quadrados do jardim da casa foram amputados. Após a morte de Yayá em 1961, o imóvel não teve finalidade fixa, mesmo após ter passado definitivamente para a USP em 1969. Uma das iniciativas que não prosperaram, por questões burocráticas, foi a tentativa de instalar ali o Museu Memórias do Bixiga. A USP não sabia que uso dar a um lugar que teve o mais absurdo dos usos. Por longos anos esteve desocupado, um mistério para os motoristas que passavam apressados pela Radial Leste e deparavam intrigados com aquele enorme casarão rodeado de árvores frondosas, e mesmo para os moradores do Bixiga.

O que haveria lá dentro? Quem seria seu dono? Seria uma casa mal-assombrada? - era o que muita gente devia se perguntar. A casa foi se tornando uma espécie de mito, mas até o mito era menor que a realidade. Quem poderia imaginar que aquele oásis de beleza e placidez em meio à cidade grande foi o cárcere de uma mulher em conflito permanente? Uma cápsula isolando hermeticamente uma louca da loucura do mundo exterior. Hoje o mistério não existe mais, pois a casa está aberta à livre visitação e restaurada, abriga o Centro de Preservação Cultural da USP

A moradora Dona Yayá nasceu em 21 de janeiro de 1887, no seio de uma antiga família terratenente paulista, de grande valimento em Mogi das Cruzes. Natural daquela cidade, era filha de Josefina Augusta de Almeida Mello e Manoel de Almeida Mello Freire, Senador estadual e Deputado constituinte, que tinha 53 anos quando nasceu Yayá. A família foi marcada por uma série de calamidades: uma das irmãs de Yayá morreu asfixiada aos 3 anos, pela ingestão um objeto em seu berço. Outra irmã morreu aos 13 anos, de tétano, ao espetar-se num simples espinho de laranjeira. Em 1899, ambos os pais de Yayá adoeceram e morreram com um intervalo de apenas 2 dias, em lugares diferentes e sem que sequer soubessem da doença um do outro. A pequena órfã e seu único irmão sobrevivente, Manuel de Almeida Mello Freire Junior, então


com 17 anos, passaram a ser tutelados por Albuquerque Lins - que mais tarde viria a ser Presidente do Estado de São Paulo. Manuel entrou na faculdade de direito, enquanto que Yayá ingressou no Colégio Sion, onde conheceria as amigas que a acompanharam na vida adulta e mesmo depois de louca. Mas não tardou para que nova tragédia se abatesse sobre a família, ou o que restara dela. Foi em 1905, durante uma viagem de Manuel a Buenos Aires, no paquete Orion. O médico de bordo assim narra o ocorrido: "Declaro que, cerca de 1 hora da noite, fui chamado a prestar socorro a Nhô Manuel de Mello Freire, passageiro de 1ª classe, a bordo do "Orion", que anteriormente sofria das faculdades mentais. Ao chegar, encontrei-o presa de um acesso furioso, tornando-se necessário para conte-lo o auxilio do comissário, maquinista, chefe dos criados e pessoal de bordo. Decorridos quarenta minutos, seguiu-se sono tranquilo, pelo que julguei desnecessários os meus serviços, recolhendo-me porém ao camarote próximo pronto a atender a qualquer eventualidade, pois confiava o enfermo a dois criados. Pelas três horas fui despertar e avisado de que novo acesso o acometia(...)Ao penetrar no camarote em que se achava, encontroo deserto e aberta a vigia, sinal evidente de que o doente tinha se jogado ao mar". E assim Yayá se tornou a única sobrevivente de uma família de sete pessoas. E a única herdeira de uma fortuna fabulosa. Foi levando a vida das pouquíssimas filhas da ponta da pirâmide social paulista, cercada do maior luxo que o dinheiro poderia comprar. Recebia as amigas dos tempos do Sion para saraus no seu palacete da R. Sete de Abril, passeava pela cidade em um de seus dois automóveis - numa época em que esse meio de transporte era uma raridade só disponível às pessoas extremamente ricas. Possuía em sua casa um estúdio fotográfico completo, sendo a fotografia era um de seus hobbies. Também gostava de viajar a passeio, passou seis meses na Europa em uma delas. Era muito católica, mandava rezar missas particulares em sua casa, e fazia frequentes doações à Igreja. Da sua vida sentimental, sabe-se apenas que teve muitos pretendentes, rejeitando a todos por considerá-los interesseiros, e que teria nutrido um amor não correspondido pelo aviador Edu Chaves, outro membro da elite paulista da época. Os primeiros sinais de desequilíbrio mental surgiram em 1918, culminando com uma tentativa de suicídio, no ano seguinte. Seguiu-se a internação em um sanatório e a interdição. Contou com a assistência dos melhores alienistas da época, como Juliano Moreira e Franco da Rocha, e naturalmente, sendo riquíssima, podia ter o luxo de ser confinada num sanatório exclusivamente destinado para ela, e não no Juqueri, destino dos doentes mentais menos abonados. Seu palacete na Sete de Abril foi considerado inadequado para a função de isolar a enferma da sociedade, e o espaçoso casarão da Major Diogo, convenientemente afastado (na época) do centro urbano, em meio a um amplo jardim, era a escolha ideal.


E para lá foi levada, alheia às disputas que então se travavam em torno de sua pessoa. Parentes e amigos cobiçavam a curatela, dando origem a pendengas judiciais, fofocas e escândalos. O caso foi acompanhado pela sociedade da época através do jornal O Parafuso, que apresentava a jovem como vítima de um complô de seus guardiões, dispostos a tudo para por as mãos em sua fortuna. Em vão foram os esforços para manter Yayá afastada dos olhares curiosos, mas com o passar do tempo, a sociedade foi se desinteressando da história. A enferma foi definhando esquecida do mundo e de si mesma, somente a morte sendo capaz de resgatá-la de sua tormentosa existência. Quando se fala em loucura e doenças congênitas acometendo membros de antigas famílias paulistas, logo se vem à mente os casamentos consangüíneos, que buscando preservar a linhagem, acabavam por destruí-la. Talvez esse tenha sido o caso dos Mello Freire, e uma breve consulta à genealogia da família reforça esta minha suposição. A psiquiatria moderna define sua moléstia como psicose esquizofrênica, já que em seus acessos "batia-se contra as paredes, feria-se com objetos e farpas, dizia impropérios, proclamava-se partidárias dos aliados na Primeira Grande Guerra, repetia continuadamente "eu sou católica, apostólica romana", rasgava roupas, chorava, cantava, queixava-se de ser ameaçada de morte e de violações, pedia o filho que julgava ter tido, imaginava amamentá-lo e embalá-lo". Chamava os meninos que visitavam a casa pelo nome de seu irmão. Ao morrer, e não tendo parentes próximos, sua fabulosa herança foi declarada vacante, passando assim a propriedade da Universidade de São Paulo. Além do casarão da Major Diogo, deixou nada menos que 27 casas na rua do Hipódromo, 8 na rua Piratininga, 6 na Visconde de Parnaíba, um prédio de 15 apartamentos na r. Mello Alves, 550, outro na rua Augusta, 1194, vários andares no Edifício Veneza, construído no terreno de seu antigo palacete na rua Sete de Abril, além de uma chácara de 36 alqueires em Mogi, onde se localiza atualmente o Centro Cívico da cidade, inúmeros outros terrenos, imóveis, bens, contas bancárias, títulos, etc. Um parêntese: o livro "A Casa de Dona Yayá" faz menção a um filho natural do pai de Yayá, que certa vez teria visitado a irmã pedindo dinheiro para tratar do filho doente. Pela legislação da época, ele ou seus descendentes não teriam direito à herança. Pela lei atual, teriam.

O melhor resumo desta história está em carta datada de 14 de janeiro de 1968, do reitor em exercício da USP, Hélio Lourenço de Oliveira, e dirigida ao juiz Odyr Porto. Buscava "prestar modesta homenagem à memória da falecida, cujo sacrifício favoreceu a mocidade estudantil desprovida de recursos que demanda os diversos cursos universitários. A USP cuidará do patrimônio com a responsabilidade que lhe cabe e fará com que ele sirva aos estudantes tanto quanto não pôde servir à desditosa interdita". Hoje, Centro de Preservação Cultural da USP


Agradecimentos: Profa. Dra. Ana Lúcia Duarte Lanna (coordenadora da Comissão de Patrimônio Cultural da USP) Bibliografia: LOURENÇO, Maria Cecília França (org). A Casa de Dona Yayá. São Paulo, Edusp, 1999


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