Escola Informação nº 299 . abril 2022

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Escola/Professores

Contra o preconceito, defender e valorizar a Língua Gestual Portuguesa

Sobre as línguas gestuais: “Dava gritos porque queria ouvir-me e os sons não me chegavam. Os meus chamados nada queriam dizer para os meus pais. Eram, diziam eles, gritos agudos de pássaros do mar. Então apelidaram-me de gaivota”(1). Contrariamente ao que se pensa, as línguas gestuais não são universais. Cada país tem a sua própria língua gestual (EUA – American Sign Language; Reino Unido – British Sign Language), podendo incluir variantes (ou “sotaques”) ou até mais do que uma no mesmo país, à semelhança das línguas faladas. A Bélgica (com uma língua gestual na parte francófona e outra na parte flamenga) e a Espanha (língua gestual castelhana e a catalã) são disso exemplos. Em Portugal, chama-se Língua Gestual Portuguesa (LGP) e é uma das três línguas oficiais, reconhecida na Constituição da República Portuguesa em 1997. A LGP, assim como todas as línguas gestuais, processa-se através de gestos sistematizados, como os movimentos das mãos, do corpo e por expressões fa-

materna (a gestual) e a de uma segunda língua (a escrita) se transformaram nas “ferramentas” essenciais à independência pessoal dos Surdos e, consequente integração na sociedade. Sabendo então que, as línguas gestuais são línguas de pleno direito [porque possuem uma gramática e sintaxe próprias] a terminologia correta a usar para as designar ou nomear é “língua gestual” e não “linguagem gestual”.

2. A surdez como experiência biológica: “De cada vez que se diz uma palavra, aparece uma frequência no ecrã de um aparelho. Linhas verdes, como as de um eletrocardiograma feito nos hospitais, que dançam diante dos meus olhos. É preciso seguir aquelas linhas que sobem, e descem, caem, e saltam e voltam a cair. O que representa para mim uma palavra naquele ecrã? Um esforço para que a minha pequena linha verde alcance a mesma altura que a da ortofonista. É cansativo, e repete-se uma palavra atrás da outra sem saber o seu significado. Um exercício de garganta. Um método de papagaio”(3) Numa perspetiva médica, a surdez rela-

Informação

1.

ciais, e a sua captação é feita de forma visual. É usada pela Comunidade Surda mas também por toda a comunidade envolvente (familiares, educadores, professores, técnicos especializados…) O reconhecimento das línguas gestuais como línguas, iniciou-se por volta de 1960 com o trabalho desenvolvido pelo linguista americano William Stokoe no âmbito da Língua Gestual Americana (ASL) e a sua importância no desenvolvimento linguístico e cognitivo das crianças surdas, tal como o direito ao seu uso por todos os cidadãos surdos. Além de Stokoe, autores como Bellugi, Poizner ou Klima, acabariam por demonstrar que “as línguas gestuais têm uma estrutura idêntica às línguas faladas. Esta estrutura assenta num número limitado de sinais, pouco mais de 20 para as línguas faladas (os sons representados pelas letras do alfabeto), bastante mais para as línguas gestuais, pelas características explicitadas no parágrafo anterior, e permite um número ilimitado de combinações que asseguram a expressão de todos os nomes, ideias, ações, conceitos e pensamentos que a mente humana pode gerar. Nesta estrutura organizacional, não existe nenhuma diferença entre as línguas faladas e as línguas gestuais. Os Surdos têm línguas tão ricas e expressivas quanto os ouvintes”(2). Este reconhecimento tornou-se assim, um marco importantíssimo para a Cultura Surda, permitindo posteriormente, a conceção de um modelo educativo bilingue, cuja aprendizagem da língua

ESCOLA

Ana Filipe Docente de Educação Especial com especialização no domínio da audição e surdez

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