Follow-up do Update em Medicina 2017

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O que esperar do Update em Medicina do próximo ano, que decorrerá entre 19 e 22 de abril P.39

Em 2008, organizou-se a primeira edição do Update em Medicina, que contou com cerca de 200 participantes. Dez anos depois, a edição de 2017 recebeu 1 800. Sob o lema «Inovar, formar e investigar», este congresso soma e segue, sendo uma referência na atualização médica em Portugal, nomeadamente ao nível dos cuidados de saúde primários. O seu formato baseado em sessões interativas de discussão de casos clínicos, com forte intervenção da assistência, continua a ser inovador. A chave do sucesso reside também nos temas em análise, escolhidos de acordo com as necessidades da assistência. Este ano, além de temas já aflorados, mas cuja complexidade exige uma abordagem sistemática (como as anemias, a anticoagulação ou a diabetes), as principais novidades foram as perturbações do sono, as doenças venéreas e as disfunções genitais e sexuais

ANOS

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Outubro de 2017 | Distribuição gratuita


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A Abrir

Uma década de Update em Medicina

Sumário 4

> ANEMIAS

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O

Update em Medicina nasceu há 10 anos, fruto da vontade e do empenho de um grupo de médicos, a maioria dos quais, naquela época, eram directores e coordenadores das unidades de saúde então ligadas ao Centro Hospitalar Lisboa Norte (Hospital de Santa Maria e Hospital Pulido Valente). Alguns anos antes, esta equipa tinha organizado um programa de formação médica com um formato que se veio a revelar inovador para o seu tempo. Substituíram-se as palestras por sessões interactivas baseadas na apresentação e discussão de casos clínicos. A ideia de realizar o Update em Medicina surgiu, naturalmente, depois. Na primeira edição do Update em Medicina, em 2008, eramos quase 200 inscritos; na 10.ª edição, em 2017, fomos cerca de 1 800. Este congresso foi crescendo e melhorando, ano após ano, procurando responder às necessidades e expectativas dos que se foram juntando a nós. Em 2009, começámos a organizar os primeiros cursos pré-congresso e, no ano seguinte, introduziram-se as sessões para apresentação e discussão de pósteres e criaram-se os prémios para distinguir os melhores trabalhos apresentados. Em 2017, pela primeira vez, atribuímos uma bolsa de investigação com o apoio da Alfa Wassermann. Além disso, fruto da parceria com a ONG Ascendere, desde há dois anos, o Update em Medicina premeia os investigadores que irão integrar as equipas médicas desta ONG em missões médicas-humanitárias à Ilha do Príncipe. Mas continuamos a querer mais, cada vez mais… Em 2014, começámos a trabalhar num projecto ambicioso de investigação: o Estudo Panorama. Trata-se de um programa que tem como principal objectivo a realização de estudos observacionais e analíticos em áreas com expressão relevante nos cuidados de saúde primários, incorporando, desta forma, a investigação científica na activi-

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> ANTIBIOTERAPIA

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> ANTICOAGULAÇÃO

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> DIABETES

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> DISFUNÇÕES GENITAIS e SEXUAIS

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> DOR Anuncio11x29.pdf

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> HEMATÚRIA

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> HEPATOLOGIA

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dade médica quotidiana desta especialidade e na estratégia das unidades de saúde. A investigação científica não é uma actividade supérflua, precisamos dela para crescer. Para onde vamos? A nova geração de médicos que irá continuar o Update em Medicina terá de saber responder a esta pergunta. Para já, queremos juntar a investigação à inovação e à formação através dos Estudos Panorama. Por isso mesmo, escolhemos o lema: inovar, formar e investigar. Nota: por opção do autor, este artigo não segue as regras do Novo Acordo Ortográfico.

Ficha técnica

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António Pedro Machado K

Presidente da Comissão Científica do Update em Medicina

> INVESTIGAÇÃO

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> NEURODESENVOLVIMENTO

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> PERTURBAÇÕES DO SONO

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> PRÉMIOS

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> RISCO CARDIOVASCULAR

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> SÍFILIS

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> UPDATE 2018

Publicação isenta de registo na ERC, ao abrigo do Decreto Regulamentar n.º 8/99, de 6 de junho, artigo 12.º, 1.ª alínea

Reunião organizada por:

Edição: Update em Medicina, Lda. Rua Professor Moisés Amzalak, n.0 8 - 8.º A 1600-648 Lisboa Tel.: (+351) 916 830 728 (+351) 916 763 877 info@updatemedicina.com www.updatemedicina.com

Patrocinadores desta edição:

Esfera das Ideias, Lda. Campo Grande, n.0 56, 8.0 B, 1700-093 Lisboa Tel.: (+351) 219 172 815 geral@esferadasideias.pt www.esferadasideias.pt f EsferaDasIdeiasLda Direção: Madalena Barbosa (mbarbosa@esferadasideias.pt) Marketing e Publicidade: Ricardo Pereira (rpereira@esferadasideias.pt) Coordenação editorial: Luís Garcia (lgarcia@esferadasideias.pt) Textos: Luís Garcia e Marisa Teixeira Fotografia: João Ferrão Design/paginação: Susana Vale


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nemias

Diagnóstico diferencial das anemias Na sessão «ABC da investigação das anemias», debateram-se os algoritmos que suportam o diagnóstico diferencial da etiologia das anemias, nomeadamente as microcíticas, normocíticas e macrocíticas, com base em exames simples, que podem ser solicitados e avaliados pelos cuidados de saúde primários, como o hemograma ou a ferritina. Drs. Joana Rosa Martins, Manuel Ferreira Gomes e António Pedro Machado

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artindo de casos clínicos que refletem situações-tipo de anemia, e «tendo como base uma boa anamnese e um exame objetivo completo, esta sessão visou demonstrar que o diagnóstico diferencial da etiologia das anemias pode ser célere e eficaz», afirma a Dr.ª Joana Rosa Martins, interna de Medicina Interna no Centro Hospitalar Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria, que foi oradora nesta sessão com os Drs. Manuel Ferreira Gomes e António Pedro Machado, internistas no mesmo hospital. Nesse sentido, foram destacados e explicados os «algoritmos que permitem a abordagem sistematizada das anemias microcíticas, normocíticas e macrocíticas» (ver esquema). Trata-se da realização de «exames simples, que podem ser facilmente solicitados e analisados pelos cuidados de saúde primários, como o hemograma ou a ferritina, evitando exames supérfluos, que fornecem pouca informação e têm custos elevados», defende Joana Rosa Martins. De acordo com esta oradora, «a participação da assistência foi constante, com intervenções muito pertinentes, tornando a sessão interativa

e permitindo que, de modo informal, fossem discutidos os diferentes casos clínicos». Esteve em evidência a análise dos exames-chave que permitem orientar o diagnóstico, com posteriores implicações na terapêutica e no prognóstico das anemias. Nesta sessão, foi possível verificar que, apesar de este ser um tema já abordado em edições prévias do Update em Medicina, «continua a ser pertinente a sua discussão, já que a anemia é uma situação muito frequente na prática clínica diária, mas alguns conceitos e estratégias necessitam ainda de maior aprofundamento». Segundo Joana Rosa Martins, é o caso da utilização dos índices com o reticulocitário ou o RDW (índice de anisocitose eritrocitária, na sigla em inglês). Por falta de tempo, resultante da elevada participação e inerente discussão, a preletora indica que «não foi possível analisar todos os casos planeados», reforçando a necessidade de voltar a debater este tema em edições futuras do Update em Medicina. «Para abordar as anemias à luz da atualidade e de forma sistematizada, continua a ser necessário disciplinar o raciocínio diagnóstico», remata.

Subcategorização das anemias em função do VGM

VGM < 80

80-100

> 100

Microcítica

Normocítica

Macrocítica

Deficiência de ferro Talassemia minor Anemia da doença crónica VGM: volume globular médio

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Outubro 2017

Comentários da assistência Dr. António Heitor

Especialista de MGF em Abrantes

«A anemia surge com frequência nas nossas consultas e, depois de assistir a uma sessão destas, conseguimos certamente situar-nos melhor, no sentido de saber os exames que devemos solicitar, o que contribui para a melhoria da investigação e para a poupança de recursos. As anemias são sempre muito complicadas, mas uma história clínica bem feita e a realização dos exames corretos fazem uma grande diferença. Sublinho a interatividade ao longo de toda a sessão, um fator distintivo do Update em Medicina, que torna a transmissão de conhecimentos muito mais apelativa.» Dr.ª Etelvina Pontes

USF de Santo André, em Canidelo, Vila Nova de Gaia

«É sempre importante atualizarmo-nos e, neste caso, saber exatamente como orientar a investigação e atuar perante uma anemia, já que se trata de um tema muito vasto. Analisar os casos clínicos parece-me o mais pertinente neste congresso, é a primeira vez que venho ao Update e estou a adorar. Este formato interativo faz-nos sentir mais participativos e aprendemos com os erros, quando falhamos as respostas pelo televoter. Fiquei muito bem impressionada, os oradores são muito bons e irei aplicar os conhecimentos aqui adquiridos ou sedimentados na minha prática clínica diária.»


Antibioterapia

A

«A chave da antibioterapia é o diagnóstico correto» Em entrevista, o Dr. Tiago Marques, infeciologista no Centro Hospitalar Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria e um dos preletores da sessão «ABC dos antibióticos», aborda as mensagens-chave da sua intervenção. Tendo em conta a necessidade de prevenir as resistências aos antibióticos, este especialista frisa que o recurso a estes fármacos deve ser muito criterioso, o que passa por fazer o diagnóstico correto do agente infecioso em causa.

Quais foram as principais ideias que quis comunicar à assistência? Essencialmente, tentei transmitir a importância de, pelo menos, se ter uma ideia do diagnóstico antes de prescrever antibióticos. É cada vez mais consensual que a chave da antibioterapia é o diagnóstico correto. Os médicos habituaram-se muito a prescrever antibióticos como quem prescreve antipiréticos, mas sabemos que tal não é correto porque, ao tomar estes fármacos sem critério, os doentes podem desenvolver resistências. Como consequência, quando os antibióticos são mesmo necessários, torna-se muito difícil conseguir tratar estes doentes. Os médicos estão suficientemente sensibilizados para os riscos do uso abusivo da antibioterapia? Continua a ser uma área que gera muitas dúvidas e alguns mal-entendidos. É urgente clarificar os princípios da antibioterapia e isso só se consegue com um esforço conjunto entre especialidades, que talvez tenha de iniciar-se logo durante a formação pré-graduada, com a educação para o bom uso dos antibióticos. Penso que os médicos, no geral, ainda têm muitas dúvidas sobre qual o melhor antibiótico para cada situação, sobretudo quando o caso não é linear. Na maioria das vezes, o problema não é a infeção, mas antes a falta de diagnóstico e é isso que muitas pessoas ainda não perceberam. Primeiro, é preciso fazer o diagnóstico e só depois se define a terapêutica. Um dos pontos que salientou foi a distinção entre infeção e bacteriúria assintomática. Porquê? Muitas vezes, os médicos pedem exames sem que os doentes tenham indicação para tal. Todos nós podemos ter bactérias na urina transitoriamente, sem que isso se traduza numa infeção, que tem de apresentar sintomas. Logo, não devem ser prescritos antibióticos, muito menos os de largo espectro, aos doentes que não apresentam sinais de infeção.

Por que motivo alertou para a problemática da «arranhadela» do gato? Há uma bactéria, a Bartonella henselae, que existe nos gatos jovens, muitas vezes decorrente das pulgas. Como o gato vai lambendo as unhas, há sangue infetado que passa para estas e, quando o gato arranha uma pessoa, pode transmitir-lhe a infeção por essa bactéria. Normalmente, o principal sintoma é o aumento dos gânglios no local de drenagem e esta pode ser confundida com outras patologias, pelo que é necessário estar alerta para a possibilidade de a causa ser a «arranhadela» do gato. Que outras situações foram abordadas na sessão? Entre outras infeções, falámos também sobre a «febre da carraça», que muitas vezes não é diagnosticada, o que pode ter consequências graves, porque esta infeção não é sensível aos antibióticos que normalmente são usados de

modo empírico. A «febre da carraça» precisa de uma antibioterapia muito específica, por isso, é importante ter em conta a sua epidemiologia. Muitas vezes, esquece-se o mais importante, ou seja, a história clínica do doente e a atenção aos sintomas. No caso de uma infeção na bexiga, por exemplo, a pessoa sente vontade de urinar com frequência, urina às pingas, etc. Se a infeção for no rim, estamos perante um problema sistémico, cujas manifestações mais frequentes são a febre e os tremores, acompanhados, ou não, de dor nas costas. A estratégia mais acertada passa por investir no isolamento do agente infecioso, prescrever antibióticos cujo espectro seja o mais estreito possível e evitar o recurso a estes fármacos quando tal não se justifica.

Comentários da assistência Dr. Vasco Costa

USF Entre Margens, em Oliveira de Azeméis

«Esta sessão, que foi muito interativa, contando com uma boa participação da assistência, abordou questões muito práticas do nosso dia a dia. Há sempre várias dúvidas sobre qual o antibiótico mais adequado para determinada situação, pelo que foi ótimo assistir a alguns esclarecimentos. Aprendi bastante nesta sessão, sobretudo sobre as infeções urinárias. Por exemplo, um dos fármacos que mais utilizava para estes casos era a ciprofloxacina, mas, devido ao elevado risco de resistências, vou ter de utilizar outras opções.»

Dr.ª Joana Silva

Centro de Saúde de Mirandela II

«Foi relevante recordar alguns fármacos e/ou dosagens que podemos utilizar em situações particulares e que não tinha tão presentes na memória. A sessão foi muito interessante, pois permitiu-nos fazer questões e esclarecer as nossas dúvidas, o que é importantíssimo. De ora em diante, terei mais atenção à prescrição de antibióticos e às resistências que existem. Por exemplo, em alguns casos, utilizava a amoxicilina com ácido clavulânico e percebi que, possivelmente, só a amoxicilina será suficiente.»

Follow-up do Update em Medicina 2017

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A

nticoagulação

Vantagens do rivaroxabano As mais-valias dos novos anticoagulantes orais (NOAC, na sigla em inglês) estiveram em análise no simpósio-satélite organizado pela Bayer, que particularizou o rivaroxabano. O perfil de eficácia e segurança deste fármaco, bem como as elevadas taxas de adesão e persistência terapêutica relacionadas com a toma única diária foram os aspetos mais realçados.

«O

s NOAC passaram a ser o gold standard no tratamento dos doentes com fibrilhação auricular não valvular e indicação para anticoagulação oral, deixando para trás a varfarina, que ficou limitada aos doentes com próteses valvulares mecânicas ou estenose mitral moderada a grave.» Esta foi uma das mensagens sublinhadas pela moderadora do simpósio, a Dr.ª Arminda Veiga, cardiologista no Centro Hospitalar Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria, pois «ainda há quem pense que a varfarina é uma alternativa aos NOAC, mas não é, uma vez que estes fármacos têm um perfil de eficácia e segurança comprovadamente superior». Arminda Veiga referiu ainda que «todos os NOAC são superiores à varfarina em termos de segurança», sobretudo no que respeita ao acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico, «com uma redução de quase 50% comparativamente à varfarina, o que se traduz numa diminuição de cerca de 10% na mortalidade, algo muito significativo». Todavia, «os NOAC não são todos iguais». Falando especificamente sobre o rivaroxabano, a Dr.ª Sílvia Monteiro, uma das oradoras e cardiologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, sublinhou que este «é um NOAC extensamente estudado em diversas populações, inclusive nas de maior risco tromboembólico e hemorrágico,

Dr.as Patrícia Mora, Arminda Veiga e Sílvia Monteiro

mostrando vantagens claras ao nível da segurança, particularmente com a redução das hemorragias intracraniana e fatal». Neste simpósio-satélite, foram também referidos dados do mundo real com o rivaroxabano, que, segundo esta oradora, «consolidam os resultados de eficácia e segurança demonstrados no estudo ROCKET-AF*». Outra questão discutida foi a seleção adequada da dose dos NOAC. «À semelhança do que acontece noutros países da Europa, assistimos em Portugal a uma sobreutilização da dose reduzida, o que pode comprometer os resultados. Nunca é de mais sublinhar a importância de escolher a dose adequada para cada doente», evidenciou Sílvia Monteiro. E acrescentou: «O rivaroxabano tem um excelente perfil de eficácia e segurança, com elevadas taxas de adesão e persistência terapêutica garantidas pela toma única diária. É um fármaco com evidência muito sólida num largo espectro de doentes, o que nos dá segurança para a sua utilização na prática clínica.» Por sua vez, a Dr.ª Patrícia Mora, médica na Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados de Casal de Cambra (ACES de Sintra) e também oradora neste simpósio, destacou que «o es-

Score CHA2DS2VASc e terapêutica da fibrilhação auricular

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Sem indicação para terapêutica antitrombótica

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Outubro 2017

1

2*

Considerar anticoagulação oral

≥2

≥3

Indicada anticoagulação oral

pecialista em Medicina Geral e Familiar é uma peça fundamental na educação do doente, ainda mais na terapêutica anticoagulante oral, devendo explicar-lhe bem os riscos de não realizar uma toma, tomar a mais ou a menos do que o recomendado». *Rivaroxaban Once-Daily, Oral, Direct Factor Xa Inhibition Compared With Vitamin K Antagonism for Prevention of Stroke and Embolism Trial in Atrial Fibrillation.

Mensagens-chave gold standard atual baseia-se na O utilização dos NOAC em primeira intenção nos doentes com fibrilhação auricular não valvular e indicação para anticoagulação oral; s NOAC provaram ser tão ou mais O eficazes quanto a varfarina e ter um perfil de segurança superior, com uma redução significativa das complicações hemorrágicas, associando-se, por isso, a uma redução também significativa da mortalidade de todas as causas; O rivaroxabano é o NOAC mais extensamente avaliado a nível global, através de ensaios clínicos e estudos de vida real, que abrangem doentes de todo o espectro de gravidade e contexto clínico, evidenciando sempre um excelente perfil de eficácia e segurança; Fatores como a toma única diária e o fácil ajuste à função renal conferido pelo rivaroxabano promovem maior adesão à terapêutica e a utilização de doses mais adequadas ao perfil do doente.


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A

nticoagulação

«Os NOAC proporcionam uma grande redução do risco de AVC hemorrágico e da mortalidade total» O Prof. Ricardo Fontes-Carvalho, cardiologista no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho e professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, foi um dos preletores do curso dedicado à terapêutica antitrombótica. Em entrevista, este formador destaca o facto de, hoje, de acordo com as guidelines e a melhor evidência científica, os novos anticoagulantes orais (NOAC, na sigla em inglês) serem o tratamento standard dos doentes com fibrilhação auricular (FA), sobretudo porque mostraram «uma grande redução do risco de AVC hemorrágico e da mortalidade total» em relação à varfarina.

Que objetivos nortearam o curso? Acima de tudo, pretendemos dar uma formação muito prática. Para isso, baseámo-nos em casos clínicos do dia a dia, com o intuito de os colegas da Medicina Geral e Familiar (MGF) se sentirem mais confortáveis na abordagem de todos os aspetos relacionados com a terapêutica antitrombótica, nomeadamente a sua utilização nos doentes com FA. Nesse sentido, começámos com a apresentação dos casos clínicos e, depois, tentámos perceber de que forma é que a melhor evidência científica se aplicava à resolução de cada um deles. Apresentámos casos mais simples e mais complexos, como os doentes com FA e insuficiência renal, em que é preciso saber os algoritmos de ajuste de dose de NOAC. No fundo, abordámos as situações que mais frequentemente requerem a terapêutica antitrombótica, que, apesar de salvar vidas, continua a ser subutilizada em Portugal. Este é um problema de saúde pública – ainda há muitos doentes com FA e com indicação para tratamento que continuam a não ser hipocoagulados. Um dos pontos destacados foi a preferência pelos novos anticoagulantes orais (NOAC) em detrimento da varfarina. Porquê? Há uma alteração do paradigma. Hoje em dia, de acordo com as guidelines e a melhor evidência

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Outubro 2017

científica, os NOAC são o tratamento standard dos doentes com FA, sobretudo porque mostraram que, em relação à varfarina, proporcionam uma grande redução do risco de AVC hemorrágico e também da mortalidade total. Os únicos dois grupos de doentes em que os NOAC não surgem como terapêutica anticoagulante preferencial são os que têm próteses mecânicas ou uma estenose mitral moderadas ou graves. De resto, desde que as pessoas saibam utilizar os fármacos e os protocolos de ajuste da dose a cada situação – outra ideia que se reforçou durante a formação – os NOAC são, hoje em dia, a terapêutica de eleição. Quais foram as principais dúvidas demonstradas pela assistência? Os médicos já estão bastante cientes da importância de hipocoagular os doentes. No entanto,

ainda subsistem algumas dúvidas, entre as quais se destacam duas: por um lado, a questão de utilizar a dose certa para cada tipo de doente; por outro, como fazer a transição da varfarina para um NOAC. Outra dúvida neste contexto refere-se aos doentes com risco hemorrágico acrescido. Em princípio, não deve ser negada a um doente a hipocoagulação só porque tem um score de risco hemorrágico aumentado. Por isso, discutimos algumas estratégias práticas que permitem reduzir o risco de hemorragia nos doentes hipocoagulados, como: conseguir um bom controlo da pressão arterial; evitar que o doente tome, ao mesmo tempo, Aspirina® ou outro antiagregante plaquetário, mas também anti-inflamatórios não esteroides ou álcool; e utilizar, de forma profilática, os inibidores da bomba de protões, para diminuir o risco de hemorragia gastrointestinal, que é a mais frequente.

Comentários da assistência Dr.ª Ilka Rosa

Centro de Saúde de Sosa, em Vagos

«Assisti a este curso porque recebo muitos doentes nas consultas que precisam de ser hipocoagulados. Temos de ter conhecimento das indicações e contraindicações das terapêuticas, saber quando e como começar um NOAC, qual a dose, entre outros aspetos. A metodologia do curso foi muito boa, com medicina baseada na evidência e casos clínicos. Parecia que estava a atender o doente no momento; desta forma aprendemos mesmo o que fazer na vida real.»

Dr.ª Marta Borges

Centro de Saúde de Ponta Delgada, nos Açores

«Decidi inscrever-me neste curso porque a anticoagulação é uma área em que me sinto menos à vontade e que me suscita algumas dúvidas, pois têm surgido muitas novidades. Tenho vindo a ganhar confiança na utilização dos NOAC, mas é sempre bom atualizarmo-nos. A principal dúvida que tinha relaciona-se com os casos em que devo iniciar esta terapêutica e em que momento, porque há algumas particularidades. Depois de ouvir a opinião do cardiologista, fiquei muito mais esclarecida.»


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D

iabetes

Combater a inércia no tratamento da DMT2 Promover a capacidade de os médicos de família iniciarem a insulinização dos seus doentes foi o objetivo principal do curso dedicado à diabetes mellitus tipo 2 (DMT2). Também em foco esteve a necessidade de intensificar a terapêutica quando as opções anteriores não estejam a contribuir para o atingimento dos objetivos-alvo de cada doente. Os tipos de insulina disponíveis em Portugal, como e quando iniciar a insulinoterapia, esquemas a utilizar, ajuste das doses, vias e técnicas de administração, noções práticas de autovigilância e autocuidado por parte do doente, importância da glicemia pós-prandial, definição individual de alvos terapêuticos e intensificação do tratamento com insulina foram questões abordadas ao longo do curso. «Nesta formação, insistimos muito na necessidade de estabelecer alvos terapêuticos individualizados», sublinha Pedro Carrilho. Outra mensagem central deste curso foi o combate à inércia terapêutica quanto à intensificação do controlo da DMT2, que se foi instalando e se tem verificado ao longo dos anos. «Hoje em dia, sabemos que apenas uns meses de atraso na introdução de novos fármacos pode traduzir-se em consequências nefastas e acentuadas para o utente com diabetes, com franco aumento do seu risco cardiovascular a longo prazo», realça o formador, salientando que os médicos de família

O

Dr. Pedro Carrilho, médico na Unidade de Saúde Familiar Magnólia, do Agrupamento de Centros de Saúde Loures-Odivelas, e formador neste curso com o Dr. Carlos Simões-Pereira, endocrinologista, explica que, desta vez, a formação em diabetes foi um pouco mais avançada do que em edições anteriores do Update em Medicina, a pedido de vários participantes. «Demos grande enfoque à iniciação da insulina basal como terapêutica que deve estar ao alcance dos médicos de família na abordagem e no controlo dos seus utentes com diabetes. Depois, debatemos casos mais complexos, nos quais já seria necessário intervir também sobre as glicemias pós-prandiais para atingir o controlo metabólico e os objetivos definidos, com a introdução da insulina rápida, nomeadamente de pré-misturas de insulina.»

devem ser interventivos, contribuindo para um melhor controlo metabólico do doente, dentro dos alvos definidos, e não devem esperar demasiado tempo para avançar com a intensificação terapêutica, quer oral quer insulínica. «Quanto mais cedo e melhor atingirmos os objetivos-alvo, menor será o risco cardiovascular e a mortalidade a longo prazo dos utentes com DMT2, e conseguiremos retardar ao máximo as complicações micro e macrovasculares da patologia», defende. No final do curso, os participantes realizaram um teste de avaliação dos conhecimentos adquiridos e, segundo Pedro Carrilho, «os resultados foram muito positivos», com uma taxa de respostas corretas de cerca de 90%. «As pessoas interiorizaram a maior parte dos ensinamentos e saíram do curso mais confortáveis para tratar os seus utentes. Foi muito gratificante partilhar casos reais da minha prática clínica diária e perceber que, no final, os participantes estavam mais aptos e confiantes para tratar os seus utentes com diabetes.»

Indicações para insulinoterapia na DMT2 iperglicemias em jejum, apesar da otimiH zação das doses dos antidiabéticos orais Hiperglicemias pós-prandiais persistentes Insuficiência hepática Insuficiência renal Gravidez ou planeamento de gravidez

etoacidose C Cirurgia Enfarte agudo do miocárdio Infeções graves Emagrecimento não controlável

oBJETIVOS GLICÉMICOS EM ADULTOS HbA1c alvo

10

Mais rigoroso (±6%)

Fatores de decisão

Menos rigoroso (±8%)

Elevada motivação, adesão, nível de informação e autossuficiência

Atitude do doente e adesão expectável

Baixa motivação, adesão, nível de informação e autossuficiência

Baixo

Risco associado a hipoglicemia

Elevado

Curta

Duração da diabetes

Longa

Elevada

Expectativa de vida

Baixa

Sem

Doença microvascular

Avançada

Sem

Doença macrovascular

Estabelecida

Sem

Comorbilidades associadas

Múltiplas, graves

Adequados

Recursos

Inadequados

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isfunções genitais/sexuais

OPINIÃO

Conhecer os vários tipos de disfunção sexual Prof. Manuel Esteves

- Psiquiatra no Centro Hospitalar de São João, no Porto - Preletor na sessão que abordou a sexualidade

U

ma vida afetiva e sexual saudável é relevante para o bem-estar, a felicidade e o equilíbrio. Os médicos vão estando bastante alerta para os problemas major, como é o caso das disfunções sexuais, mas há um grande número de pequenas situações diárias que interferem com a satisfação sexual e são menos abordadas. Na minha opinião, o médico que não se dedica especificamente à sexologia, pode e deve intervir com sucesso nestas situações motivadas por aspetos como a falta de comunicação, a solidão, a insatisfação com a imagem corporal, entre diversos outros fatores que fazem com que a pessoa não viva melhor a sua sexualidade. As disfunções sexuais são facilmente identificáveis, seguindo critérios bem definidos. A perda de desejo é uma das mais frequentes, sendo designada por perturbação do desejo sexual hipoativo nos homens e perturbação do interesse e da excitação sexual nas mulheres. Depois, já na fase de excitação, destaca-se a disfunção erétil no homem, para a qual existem fármacos eficazes. Ao nível do orgasmo, existe a ejaculação prematura e a ejaculação retardada no homem e a

disfunção orgásmica na mulher, que é também afetada por um conjunto de patologias relacionadas com a dor durante o ato sexual que, hoje em dia, se classificam como perturbação de dor genético-pélvica à penetração. A meu ver, os termos clássicos – dispareunia e vaginismo – são mais adequados. No vaginismo, ocorre uma contratura dos músculos perivaginais que impede a penetração; já a dispareunia é caracterizada pela dor durante o coito. As disfunções sexuais podem ter causas orgânicas, psicológicas ou mistas e existem ainda as que são induzidas por substâncias (tabaco, álcool e drogas) e medicações (fármacos antidepressivos ou antipsicóticos, entre outros). Embora existam algumas medidas farmacológicas disponíveis, principalmente para a disfunção erétil, o tratamento das disfunções sexuais baseia-se, primordialmente, na psicoterapia cognitiva e comportamental. Uma das preocupações dos médicos quando abordam estas questões são os quadros disfuncionais relacionados com a doença física e a utilização de fármacos. Neste último caso, as estratégias podem ir desde a adequação da dose à

As disfunções sexuais podem ser:

P rimárias, se sempre existiram;

Secundárias, se ocorreram a partir de um determinado momento; Absolutas, se se manifestam em qualquer circunstância;

S ituacionais, se aparecem apenas em determinadas ocasiões (por exemplo, com um parceiro e não com outro).

substituição por um fármaco sem esse tipo de interferência. Nas pessoas com patologia física grave, é importante fazer uma análise cuidadosa para entender bem qual o grau de esforço que podem exercer. Outro tema que deve também ser tido em conta é o modo como as pessoas decidem identificar-se, ou seja, os aspetos relacionados com o género e a orientação sexual. O médico tem de estar preparado para compreender os diferentes modos como a pessoa se situa face à sexualidade.

COMENTÁRIOS DA ASSISTÊNCIA Dr. Rui Filipe de Sousa

Centro de Saúde de Santo André, em Santiago do Cacém

«A sexualidade não é um tema fácil de discutir na consulta, até pelo nosso próprio desconforto. Nem sempre estamos muito à vontade para responder a certas questões, pelo que foi importante assistir a esta sessão, que apontou estratégias para abordar o doente de forma descontraída. Debateu-se também o tratamento, desde o farmacológico à psicoterapia cognitiva e comportamental, e quando devemos referenciar os nossos doentes, para que possamos ajudá-los.»

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Outubro 2017

Dr.ª Sílvia Gonçalves

USF 7 Fontes, em Braga

«Temos bastantes dificuldades em dialogar com o doente sobre a sua vida sexual e o Prof. Manuel Esteves deu-nos algumas dicas para melhor abordarmos esta temática. Por exemplo, há situações em que devemos falar individualmente com o doente, pois ele nem sempre se sente confortável em dizer tudo em frente ao parceiro/a, e outras em que devemos falar com o casal para percebermos a melhor maneira de o ajudar.»


OPINIÃO

Enigmas do foro ginecológico Dr. Pedro Vieira Baptista

- Ginecologista e responsável pela Unidade de Tracto Genital Inferior do Centro Hospitalar de São João, no Porto - Secretário-geral da International Society for the Study of Vulvovaginal Disease (ISSVD) - Preletor na sessão «Ginecologia: dispareunia/vulvodinia»

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alar de dispareunia em geral, e de vulvodinia em particular, é sempre um desafio – independentemente da plateia a quem nos dirigimos. Contudo, fazê-lo para quem está na primeira linha dos cuidados de saúde eleva mais ainda a fasquia. Trata-se de temas que, mesmo no âmbito da Ginecologia, têm uma abordagem superficial e, claramente, insuficiente. Nesta sessão, pretendeu-se clarificar alguns conceitos: dispareunia, vaginismo e, especialmente, vulvodinia. Neste exercício, tentou-se desmistificar os «vaginismos» – a dor sexual, na maior parte das vezes, não se lhe associa. Discutiram-se causas comuns de dor sexual (e não sexual), como a atrofia vaginal associada à menopausa, à amamentação ou à toma de contraceptivos orais. O grande desafio foi, efectivamente, trazer para a discussão o verdadeiro «elefante na sala»: a vulvodinia, que, embora seja comum (6,5% em Portugal), raramente é diagnosticada e adequadamente tratada. Após uma introdução às definições deste quadro, foi lançada a seguinte questão, exclusivamente para as mulheres presentes na plateia: «Eu própria encaixo na definição de vulvodinia. Sim ou não?». Surpreendentemente, 15% responderam «sim». Entre as causas possíveis para o surgimento destes enigmáticos quadros, discutiu-se o papel

da flora vaginal, nomeadamente de entidades menos conhecidas, como a vaginite aeróbica (associada com vulvodinia mais severa) e a vaginose citolítica (associada a maior frequência de vulvodinia). Em alguns casos, uma resposta anómala ou exacerbada à presença de Candida parece estar envolvida na génese deste quadro misterioso. A referência a «vaginites» diferentes da clássica trilogia (candidose, vaginose bacteriana e tricomoníase) suscitou interesse e levantou dúvidas, em particular no que toca aos quadros de vaginose citolítica, tão frequentemente assumidos como sendo candidoses recorrentes ou resistentes aos antifúngicos. Paralelamente, discutiu-se o uso do laser no «tratamento» da atrofia vaginal, da vulvodinia e das dermatoses liquenóides: apesar da ampla propaganda, não existe evidência científica de qualidade que sustente a sua eficácia ou, sequer, segurança! Abordaram-se as estratégias de diagnóstico e o tratamento de uma situação complexa, desconhecida e, contudo, comum. Esperamos ter contribuído para que estes quadros sejam mais precocemente diagnosticados, evitando-se tratamentos desnecessários ou até perniciosos, bem como a atribuição das queixas ao foro psicológico ou psiquiátrico. Nota: por opção do autor, este artigo não segue as regras do Novo Acordo Ortográfico.

causas de dispareunia

Fissuras recorrentes

Vaginose citolítica

Vaginite aeróbica

Dermatoses

Comentários da assistência Dr.ª Fátima Gonçalves

Centro de Saúde dos Olivais, em Lisboa

«Apesar de prevalente, a vulvodinia é uma patologia muito esquecida pelos próprios médicos, pelo que as doentes acabam por ser diagnosticadas erradamente com algum problema do foro psicológico. Portanto, é crucial estarmos alerta para as disfunções genitais, ouvindo e observando atentamente. O diagnóstico é difícil, pelo que, em caso de dúvida, é preferível referenciarmos à Ginecologia, até para percebermos se será necessário o tratamento cirúrgico.» Dr.ª Julieta Carrasquinho

Centro de Saúde da Amora, no Seixal

«Achei esta sessão muito interessante, pois abordou temas pouco falados nos congressos e chamou a nossa atenção para situações que, infelizmente, são pouco valorizadas, apesar de serem muito importantes na vida da mulher. A dor sexual é limitante e, muitas vezes, erradamente associada ao foro psicológico. É difícil chegar à causa, mas não podemos estigmatizar, logo à partida, associando esta dor a um problema do foro psicológico. Devemos tranquilizar a doente, fazer uma boa observação, pedir alguns exames, excluir causas secundárias e, a partir daí, tentar algumas medicações para alcançar uma melhoria, pois não existe um tratamento específico. Em último recurso, existe a hipótese da cirurgia. Em todo o processo, é muito importante que a mulher sinta que compreendemos o seu problema.» Follow-up do Update em Medicina 2017

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Instantes

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Follow-up do Update em Medicina 2017

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Instantes

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DOR

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Estratégias eficazes no tratamento da dor As terapêuticas analgésicas e coadjuvantes para a dor estiveram em análise no curso «Como pôr a dor a mexer», apoiado pela Mylan. O foco recaiu em fármacos como o maleato de flupirtina e o cloridrato de ciclobenzaprina, aos quais os especialistas em Medicina Geral e Familiar não recorrem com frequência, apesar dos seus benefícios.

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Dr.ª Beatriz Craveiro Lopes, diretora do Centro Multidisciplinar de Dor do Hospital Garcia de Orta, em Almada, realçou a necessidade de prestar melhores cuidados às pessoas que sofrem de dor e apontou alguns dados epidemiológicos. «Um em cada cinco indivíduos europeus sofre de dor crónica e, em Portugal, um em cada sete tem dor crónica moderada a severa», sublinhou esta oradora, acrescentando que «14,6% dos portugueses sofrem de dor moderada a intensa, com impacto grave na esfera laboral em quase metade destas pessoas». Quanto à avaliação da dor, a anestesiologista referiu cinco parâmetros a ter em consideração: intensidade, localização, características temporais, descritores e fatores de agravamento. «O maleato de flupirtina é uma molécula diferente de todas as outras, pois tem efeito duplo: como relaxante da musculatura estriada e como analgésico», destacou. Ou seja, «trata-se de um analgésico de ação central não opioide, sem os efeitos adversos dos opioides e dos anti-inflamatórios não esteroides [AINE], pelo que se assume como uma opção segura e eficaz no tratamento da dor, até porque também tem uma ação antioxidante e efeitos neuroprotetores e antiparkinsónicos».

O maleato de flupirtina está indicado para o tratamento da dor aguda em adultos. Trata-se de «um fármaco de absorção completa, que se liga fortemente às proteínas, é metabolizado no fígado, tem um metabolito que apresenta 20 a 30% de atividade e a sua excreção é fundamentalmente renal e fecal», acrescentou Beatriz Craveiro Lopes.

O lugar dos relaxantes musculares

Também oradora neste curso, a Dr.ª Vera Las, reumatologista no Instituto Português de Reumatologia, em Lisboa, centrou a sua apresentação na dor reumatológica, começando por citar a definição de doenças reumatológicas da Direção-Geral da Saúde: «São alterações funcionais do sistema musculoesquelético de causa não traumática, constituindo um grupo de quase 200 diagnósticos, com vários subtipos, nos quais se incluem as doenças inflamatórias do sistema musculoesquelético, do tecido conjuntivo e dos vasos; as doenças degenerativas das articulações periféricas e da coluna vertebral; as doenças metabólicas ósseas e articulares; as alterações dos tecidos moles periarticulares e as doenças de outros órgãos ou sistemas relacionadas com as anteriores.»

Mecanismo de ação do cloridrato de ciclobenzaprina

Tronco encefálico

Neurónios motores alfa e gama

> Lesões musculoesqueléticas agudas

(cervicolombalgias, com ou sem doença do disco intervertebral; lesão local pós-traumática ou relacionada com distensão muscular; osteoartrose hipertrófica, com ou sem irritação da raiz nervosa).

As melhorias manifestam-se por diminuição de: >E spasmo muscular; >D or associada; >H ipersensibilidade; > L imitação dos movimentos; >R estrição das atividades diárias.

Espinal medula

> Fibromialgia

s melhorias manifestam-se A por alívio de: > Contratura muscular; > Dor muscular local; > Perturbações do sono.

Drs. Vera Las, Augusto Faustino e Beatriz Craveiro Lopes

No que respeita aos objetivos terapêuticos, Vera Las elencou cinco pilares: controlo da dor, melhoria da função, recuperação ou manutenção da capacidade de trabalho, melhoria da qualidade de vida e menor encargo para os serviços de saúde. Para tal, recorre-se a um conjunto de medicamentos que «exigem uma atenção particular», como é o caso dos AINE. «Ainda que, no âmbito do tratamento da dor com AINE, a Organização Mundial de Saúde recomende a menor dose necessária pelo menor período de tempo possível, nos casos de dor reumática inflamatória, esse tempo terá de ser mais prolongado para se obterem resultados», alertou. Quanto aos fármacos coadjuvantes, a reumatologista destacou os relaxantes musculares, em particular o cloridrato de ciclobenzaprina, que tem ação central e é estruturalmente similar aos antidepressivos tricíclicos. Na sua opinião, este fármaco merece especial atenção na altura de escolher a terapêutica da dor, porque «não tem contraindicações (a sua prescrição exige precaução apenas nos doentes com glaucoma, retenção urinária, que tomam medicação anticolinérgica e nos grupos mais suscetíveis ao seu principal efeito secundário – a sonolência), é geralmente bem tolerado e não provoca dependência nem intolerância». Follow-up do Update em Medicina 2017

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DOR

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Analgesia multimodal na dor aguda As potencialidades da nova associação fixa de cloridrato de tramadol com dexcetoprofeno no tratamento da dor aguda moderada a grave estiveram em foco no simpósio-satélite organizado pela A. Menarini. A maior eficácia desta combinação com tolerabilidade semelhante à dos seus dois componentes em monoterapia foi um dos aspetos mais valorizados na sessão.

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umprida a sua função de «mecanismo de alarme fundamental», a dor não apresenta qualquer vantagem, como frisou o primeiro orador do simpósio, Prof. José Castro Lopes, investigador e professor catedrático no Departamento de Biomedicina da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP). Este palestrante invocou um estudo realizado pela sua equipa na FMUP, que incluiu cerca de 2 300 doentes de 20 hospitais públicos, aos quais, dois dias após as cirurgias realizadas nos Serviços de Ortopedia, Cirurgia Geral ou Ginecologia, foi perguntado se sentiam dor. «Cerca de 70% dos doentes disseram que sim. Mais importante ainda: 60% destes doentes tinham sentido dor moderada ou grave nas 24 horas seguintes à cirurgia», sublinhou Castro Lopes. O dado mais interessante, a seu ver, foi verificar que, «se os hospitais tivessem um registo da intensidade da dor, cumprindo a Circular Normativa da Direção-Geral da Saúde “A dor como 5.º sinal vital. Registo sistemático da intensidade da dor”, e o incluíssem no processo clínico, a prevalência da dor seria inferior em quase 17 pontos percentuais».

Uma nova abordagem analgésica

O outro orador no simpósio, Prof. Angel Oteo, ortopedista no Hospital General Universitario Gregorio Marañon, em Madrid, começou por lembrar que «cerca de 80 ou mesmo 90% dos doentes operados têm dor, mas esta é previsível e evitável». De acordo com este especialista, a nova associação de cloridrato de tramadol 75 mg e dexcetoprofeno 25 mg proporciona «uma analgesia multimodal, graças à sinergia entre as ações analgésicas central e periférica e a atividade anti-inflamatória». Além de salientar a rápida ação desta associação, Angel Oteo evidenciou as vantagens da analgesia multimodal no pós-operatório. «O recurso a fármacos com diferentes mecanismos de ação permite aumentar a eficácia analgésica com doses menores de cada componente e com melhor tolerabilidade, ao mesmo tempo que se aumenta a adesão à terapêutica.» A associação

de cloridrato de tramadol e dexcetoprofeno, em concreto, «tem um espectro de ação mais amplo, manutenção mais prolongada do efeito analgésico central e periférico, melhor relação eficácia/ /segurança, farmacocinética complementar e sinergia de ação, ou seja, nas doses de 75 e 25 mg, esta associação proporciona uma analgesia superior aos seus componentes isolados, com uma menor dose de tramadol».

«Em todos os estudos, os efeitos secundários do tramadol associado ao dexcetoprofeno rondaram os 2% e foram sempre considerados de intensidade leve ou moderada, não sendo superiores aos dos dois fármacos em monoterapia» Prof. Angel Oteo Segundo este orador, em todos os estudos, os efeitos secundários do tramadol associado ao dexcetoprofeno rondaram os 2% e foram sempre considerados de intensidade leve ou moderada, não sendo superiores aos dos dois fármacos em monoterapia. «Os efeitos secundários desta associação são sobretudo do foro gastrointestinal, principalmente as náuseas e os vómitos, mas é de destacar que a sua intensidade é ligeiramente inferior à do tramadol em monoterapia.» Os estudos também demonstraram que «a necessidade de realizar exames complementares, analíticos, de plaquetas, etc., para o diagnóstico

Profs. Angel Oteo e José Castro Lopes

destas complicações, foi menor quando se utilizou a combinação do que com os dois fármacos em monoterapia». Em conclusão, Angel Oteo recomendou o recurso à associação de tramadol com dexcetoprofeno, pois esta combinação «proporciona maior analgesia, com efeitos secundários similares aos dos dois fármacos em monoterapia». E rematou: «Com esta associação, abre-se uma janela de oportunidade para melhorar a analgesia e, consequentemente, o sofrimento dos doentes.»

Evidência de eficácia

A associação de cloridrato de tramadol e dexcetoprofeno demonstrou a sua eficácia em três modelos de dor aguda moderada a grave: extração do terceiro dente molar, histerectomia abdominal e artroplastia total da anca. A combinação demonstrou uma eficácia superior à dos seus componentes isolados, quer na rapidez analgésica quer na manutenção da analgesia ao longo do tempo. Além disso, o grupo de doentes a tomar esta terapêutica precisou menos de medicação de resgate e, em termos de avaliação global, uma maior percentagem de doentes manifestou resposta boa a excelente à associação versus os seus componentes em monoterapia. Follow-up do Update em Medicina 2017

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ematúria

OPINIÃO

Micro-hematúrias sob escrutínio Dr. José Palma dos Reis

- Urologista no Centro Hospitalar Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria - Preletor na sessão «CSI Salgados – Quando é que eu preciso mesmo do urologista?»

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s casos clínicos apresentados nesta sessão identificavam diversos paradigmas da hematúria microscópica, uns que correspondiam a situações sem grande gravidade, outros que podem traduzir patologias graves. Por isso, o grande desafio foi dar aos participantes mais ferramentas para distinguir estas entidades. A hematúria não é, de todo, uma situação rara, por isso, é importante saber distinguir as micro-hematúrias, sobretudo as que ocorrem em grupos de particular risco, que podem traduzir doenças muito sérias, pelo que é crucial que o diagnóstico seja feito precocemente. A partir de alguns casos paradigmáticos, tentámos esboçar fluxogramas de abordagem destes doentes, tanto na perspetiva dos exames complementares a pedir nas diferentes situações, como na estratificação do risco, isto é, saber quais as populações que estão sob maior ameaça e que devem ser estudadas de forma mais agressiva. O grande problema da micro-hematúria é que pode ser uma forma precoce de apresentação de carcinoma do urotélio. Como tal, as pessoas com maior risco são as de idade mais avançada, nomeadamente a partir dos 40/45 anos, e, em especial, os fumadores, que têm um risco extremamente acrescido de desenvolver este tipo de cancro.

Por outro lado, num doente com micro-hematúria concomitante a infeção, é importante verificar se, após o tratamento da infeção, a micro-hematúria desapareceu. Ainda que o quadro mais típico da hematúria ligada aos tumores uroteliais seja a clássica hematúria total e indolor, a micro-hematúria não deve ser desvalorizada como possível forma de apresentação, podendo, por vezes, ocorrer sintomas que confundem adicionalmente a situação. Quando os doentes têm sintomas ou fatores de risco que obriguem a exames que não são realizados no âmbito da Medicina Geral e Familiar, deverão ser referenciados à Urologia. Os casos mais difíceis são aqueles que podem envolver outras patologias, como os doentes com infeções ou sob anticoagulação. Há o mito de que surge hematúria no doente anticoagulado devido à terapêutica em si, mas isso não é forçosamente assim, porque, em princípio, não há nenhuma razão para os anticoagulantes provocarem hematúria – quando muito, poderão prolongar a hematúria pré-existente. Ou seja, não se deve deixar de investigar a hematúria mesmo num doente anticoagulado, devendo ser excluídas as causas potencialmente graves com recurso ao mesmo algoritmo de decisão dos doentes não anticoagulados.

Investigação da hematúria microscópica assintomática no adulto

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Idade <40 anos

Idade >40 anos

Algum fator de risco para doença urológica maligna?

Com ou sem fatores de risco

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Não

Sim

STOP

Cistoscopia

Cistoscopia

Comentários da assistência Dr.ª Domitila Rodrigues

USF Luz, em Lisboa

«Foi uma sessão muito enriquecedora e prática, que nos reavivou a memória para alguns factos relacionados, por exemplo, com os tumores uroteliais, que são graves e muito frequentes, sobretudo nos fumadores. Num exame de urina tipo II, que é pouco dispendioso, pode-se despistar este tipo de problema por intermédio da deteção de hematúria. A questão da idade foi também uma chamada de atenção importante, já que as últimas guidelines americanas indicam que ter mais de 35 anos já é um fator de risco para a hematúria, ao invés dos anteriores 40.»

Dr. Bruno Nunes USF Buarcos, na Figueira da Foz

«Esta foi mais uma sessão bastante agradável de se assistir, pois os casos clínicos apresentados foram muito bem escolhidos e pertinentes. Achei particularmente relevante a exposição sobre os cuidados que devemos ter com os doentes cujos resultados nos exames são aparentemente normais, mas que, afinal, têm alterações, mesmo que residuais, pelo que devem ser referenciados para a Urologia. Por exemplo, o caso apresentado de um homem mais velho com hematúria microscópica, que, mesmo sem grandes fatores de risco, deve ser enviado ao urologista para descartar alguma neoplasia.»


Hepatologia

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Desafios do diagnóstico das doenças hepáticas A sessão «ABC da interpretação das provas hepáticas no contexto clínico» visou definir algoritmos de diagnóstico e subsequentes formas de atuação perante as diversas patologias que afetam o fígado.

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principal objetivo desta sessão foi «fazer uma abordagem simples sobre os padrões das alterações nas provas hepáticas e, a partir daí, sugerir algoritmos diagnósticos». Ou seja, com base na apresentação e análise de casos clínicos, pretendeu-se sistematizar as provas hepáticas por padrões, para «definir diagnósticos diferenciais e formas de atuação em patologias frequentes», frisa a Prof.ª Mariana Verdelho Machado, gastrenterologista no Centro Hospitalar Lisboa Norte/ /Hospital de Santa Maria e oradora nesta sessão, a par do Dr. Manuel Ferreira Gomes, internista no mesmo hospital. A análise das variações dos valores das aminotransferases, da gama-glutamil transferase, da fosfatase alcalina e da bilirrubina sérica é essencial na elaboração de um organigrama de decisão que permita avaliar o doente e, simultaneamente, rentabilizar o pedido de métodos complementares para que se consiga chegar

ao diagnóstico clínico de forma célere e correta. «Perante um resultado com alterações mais colestáticas, hepatocelulares, agudas ou crónicas, o médico tem ainda de estar atento à história clínica e aos fatores de risco para fazer um correto diagnóstico diferencial», sublinha a oradora. Com alguma surpresa, Mariana Verdelho Machado constatou nesta sessão que os médicos de Medicina Geral e Familiar enfrentam dificuldades quanto à prescrição de exames complementares de diagnóstico. «Como sempre exerci medicina hospitalar, e como trabalho num hospital central, nunca pensei que essa dificuldade existisse. Por exemplo, em termos de hepatites, as cargas virais só se podem pedir em meio hospitalar, mas, se tal fosse possível nos cuidados de saúde primários, talvez se conseguissem evitar algumas consultas hospitalares.» Entre as dúvidas demonstradas pela assistência, sobressaíram as relativas às consequências da toma de esteroides anabolizantes, o que tam-

bém surpreendeu a gastrenterologista: «Não tenho conhecimento de que este é um problema frequente na prática clínica dos cuidados de saúde primários, mas talvez não seja e as questões surgiram por se tratar de um assunto menos habitual nos congressos.»

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epatologia

Diagnóstico diferencial das hepatites A, B e C As hepatites víricas A, B e C estiveram em foco numa das sessões do Update em Medicina 2017, que se centrou no esclarecimento sobre os métodos de diagnóstico e os critérios de referenciação das diferentes hepatites.

S

egundo a Prof.ª Mariana Verdelho Machado, gastrenterologista no Centro Hospitalar Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria, que conduziu esta sessão com o Dr. António Pedro Machado, internista no mesmo hospital, apesar de não tratarem as hepatites B e C, pois estas requerem medicamentos de fornecimento hospitalar, os médicos que trabalham nos cuidados de saúde primários devem «saber como rastrear e diagnosticar as diferentes hepatites». Se a hepatite A não impõe muitas dificuldades no organigrama diagnóstico, a hepatite B apresenta uma interpretação da serologia mais complexa. Com um surto recente em Portugal, a hepatite A, na maioria das situações, tem um curso

benigno. Todavia, Mariana Verdelho Machado realça a existência de «grupos de risco que podem ter resultados mais complicados, como a insuficiência hepática grave». É o caso das pessoas com doença hepática crónica, das que vão viajar para zonas endémicas e todos aqueles que apresentam comportamentos de risco, nomeadamente por estarem em contacto com pessoas contagiadas. Quanto aos critérios de referenciação da hepatite B, a gastrenterologista relembra que há serologias que ajudam a perceber se é preciso referenciar, porque tal não é necessário em todos os doentes. Já no caso da hepatite C, basta o doente ter um anticorpo do vírus da hepatite C (VHC) positivo. «Se o anti-VHC for negativo, mas houver uma suspeita de contacto com o VHC ou contágio, não deixem a ocasião passar, repitam o teste passados seis meses. No entanto, se o anti-VHC estiver positivo no primeiro teste, enviem sempre os doentes à consulta hospitalar», recomenda aos colegas da Medicina Geral e Familiar. A referenciação precoce contribui para o sucesso do tratamento subsequente, que, no caso da hepatite B, será para toda a vida. Pelo contrário, a terapêutica atual da hepatite C, além de ser menos cara do que no passado, dura, em média, 12 semanas. «Em algumas situações, são necessárias 24 semanas, mas, em outras, bastam oito. As taxas de resposta são muito altas (superior a 95%), o que significa que, à partida, esta será uma terapêutica única, desde que haja adesão ao tratamento», explica Mariana Verdelho Machado.

Algoritmo para o diagnóstico da hepatite C Indivíduo sintomático ou de alto risco

* se houver suspeita de exposição recente (<6 meses) > follow-up com anti-VHC ARN: ácido ribonucleico VHC: vírus da hepatite C

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anti-VHC anti-VHC +

Infeção improvável* Confirmar infeção ativa VHC ARN -

VHC ARN +

Infeção ativa improvável

Infeção ativa pelo VHC

O risco de desenvolvimento de carcinoma hepatocelular nos doentes com hepatites B e C é o principal motivo para que o tratamento se inicie o mais cedo possível. «Ao contrário da hepatite B, que pode levar ao carcinoma hepatocelular sem cirrose hepática, nos doentes com hepatite C, o risco deste carcinoma aumenta quando já há cirrose estabelecida. Nos doentes com VHC não tratados, a probabilidade de desenvolver carcinoma hepatocelular é de 4% ao ano», alerta a gastrenterologista.

Comentários da assistência Dr.ª Ana Carolina Rodrigues

USF Condestável, na Batalha

«Gostei da simplicidade com que os assuntos foram abordados nesta sessão. Os casos clínicos foram muito práticos e obtivemos um know-how importante. Não é que a informação seja nova, mas a verdade é que aprendemos sobre as hepatites na faculdade e, depois, na prática clínica diária, acabamos por pedir determinadas análises e não temos esta visão tão abrangente. Esta sessão ajudou-nos a “arrumar” um pouco o pensamento.» Dr.ª Isabel Madaleno

Centro de Saúde da Baixa da Banheira, na Moita

«Apesar de muitos assuntos aqui abordados não serem novidade, é importante fazer uma atualização, até porque há sempre mais a aprender. Desta sessão destaco as mensagens sobre a nova norma da Direção-Geral da Saúde para a infeção causada pelo vírus RNA, bem como sobre a hipótese de cura da hepatite C e o momento adequado para referenciarmos os doentes à consulta hospitalar.»


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NVESTIGAçÃO

«O desenho de estudos é subvalorizado na formação médica» Formador no curso «Como desenhar o meu estudo de investigação», o Dr. Firmino Machado, médico e investigador na EPIUnit – Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, constata que o desenho de estudos é um aspeto subvalorizado na formação médica pré e pós-graduada. Por isso, este curso visou esclarecer tópicos como a classificação e o desenho dos vários estudos de investigação clínica e a determinação da dimensão amostral para estudos de investigação, bem como a apresentação e a comunicação dos resultados da análise de dados em publicações científicas.

Quais os principais conteúdos abordados nesta formação? Foquei-me, sobretudo, no desenho dos estudos, referindo aqueles que estão disponíveis para qualquer médico que queira fazer investigação clínica (experimentais, quasi-experimentais e observacionais). Além disso, expliquei como determinar e calcular uma amostra, e como superar algumas dificuldades que são expectáveis na realização de um estudo de investigação, nomeadamente os aspetos éticos. Para promover a aprendizagem, trabalhámos modelos concretos, alguns publicados e outros não, mas todos eles exemplos reais que poderiam aparecer na prática clínica diária de qualquer médico. O trabalho foi desenvolvido numa lógica de partilha de experiências, evitando o discurso unilateral e apostando na aplicação de conhecimentos prévios adquiridos noutros contextos do percurso profissional. Foi um curso também muito centrado no esclarecimento de dúvidas e dificuldades sentidas em contextos anteriores. E que dúvidas foram apresentadas pelos formandos? De um modo geral, os médicos têm insuficiente formação em desenho de estudos. Este parece um aspeto subvalorizado na formação médica, tanto a nível pré como pós-graduado. Digo isto porque

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Outubro 2017

surgiram dúvidas tão simples como as relativas à classificação dos estudos de investigação. A ideia inicial deste curso era apresentar os principais tipos de estudo, mas gerou-se alguma discussão sobre como os classificar. Além disso, os médicos presentes demonstraram não só a necessidade de mais formação em desenho de estudos, mas também quiseram perceber como orientar esse conhecimento para a publicação dos estudos e como ter impacto com a investigação que fazem. Muitas das perguntas colocadas foram também nesse sentido. Ou seja, os médicos precisam de saber como apresentar os resultados da sua investigação numa comunicação oral para um congresso ou num artigo que queiram publicar, por exemplo. Também querem adquirir estratégias para obter mais impacto com as comunicações e publicações que fazem. No curso, falámos ainda sobre a robustez de cada desenho de estudo, sendo que abordámos os três grandes tipos (experimentais, quase experimentais e observacionais) e debatemos as vantagens e desvantagens da implementação de cada um deles. Em relação à amostragem, que informação foi transmitida? A este nível, a formação foi muito prática, hands-on, com a experimentação de um software que permite determinar a dimensão da amostra, ou seja, quantos doentes incluir em determinado estudo de investigação. Este parece um dado muito simples, mas, normalmente, é um «calcanhar de Aquiles» da investigação que frequentemente se vê a ser apresentada em contexto académico. Como este curso não foi suficiente para abordar todos os aspetos com pormenor, foi lançado o desafio de se organizar uma formação específica sobre amostragem, porque, quando se levanta «o véu» sobre o assunto, as pessoas percebem a complexidade e a premência deste tema.

Comentários da assistência Dr. Diogo Ramos

USF São Domingos, em Santarém

«A investigação clínica está a progredir cada vez mais em Portugal e é uma área que começa também a ganhar expressão na Medicina Geral e Familiar. Apesar de termos uma massa crítica bastante grande, este tema, que é crucial, nunca foi muito desenvolvido na nossa especialidade. Na formação pré-graduada, não somos incentivados a desenvolver esta componente, não é promovido o espírito de produção científica, que é fundamental porque reproduz todo o trabalho clínico que desenvolvemos no dia a dia.» Dr. José Pedro Andrade

Internista no Hospital Distrital de Santarém

«É fundamental sabermos interpretar os estudos, pois todos os dias somos “bombardeados” por centenas deles, e compreendermos quais são os mais robustos e se as amostras da população são realmente representativas, porque, muitas vezes, são feitos com doentes selecionados, que não temos na nossa prática clínica. Por outro lado, se soubermos desenhar um estudo, podemos tirar as conclusões sobre o fazemos no dia a dia, ou seja, automonitorizar a nossa atividade por intermédio de estudos retrospetivos, o que também é importante.»


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eurodesenvolvimento

«O neurodesenvolvimento deve integrar as consultas de saúde infantil»

Detetar os sinais de alarme e perceber quando se deve referenciar a criança foram alguns dos temas abordados na sessão dedicada ao neurodesenvolvimento. Em entrevista, o Dr. Tiago Proença Santos, neuropediatra no Centro Hospitalar Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria, explica as principais mensagens da sua apresentação, incluindo a importância de os especialistas em Medicina Geral e Familiar (MGF) estarem alerta para eventuais perturbações do neurodesenvolvimento nas consultas de saúde infantil. a altura, o coração ou o abdómen, também tem de se perceber o desempenho neurológico da criança. Para isso, apresentei formas sistemáticas de fazermos essa avaliação, evidenciando os sinais de alarme que devem pôr de sobreaviso o especialista em MGF, como intervir e quando referenciar.

Considera que os especialistas em MGF estão alerta para o neurodesenvolvimento da criança? Fiquei agradavelmente surpreendido com o interesse dos colegas de MGF por esta área e com os conhecimentos que demonstraram, colocando perguntas muito interessantes. Também foi gratificante perceber que dominam a terminologia e familiarizados com a avaliação dos parâmetros do neurodesenvolvimento na sua consulta. Que ideias destacou na sessão? Foi importante chamar a atenção para o neurodesenvolvimento como área integrante das consultas de saúde infantil. Portanto, além de avaliar o peso,

Comentário da assistência Dr.ª Joana Pontes Ferreira

USF Terras de Lanhoso, na Póvoa de Lanhoso

«Esta sessão foi muito focada em problemas que nos aparecem frequentemente nas consultas, que foram abordados de forma muito objetiva e prática. Há vários pontos a assimilar, como a importância do exame objetivo em todas as consultas e a reavaliação. O caso de síndrome de West foi de particular importância, porque esta patologia não é muito visível e os pequenos movimentos que a criança faz podem levar-nos a pensar nesse diagnóstico.»

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Que sinais de alarme são esses? A criança não se sentar até aos 6 meses, não se locomover antes dos 12 meses, não andar a partir dos 18 meses, não apontar, ter dificuldade em estabelecer contacto ocular, apresentar estereotipias (movimentos repetitivos), não dizer palavra nenhuma depois dos 2 anos e não manifestar interesse em comunicar são alguns exemplos. Estes foram alguns dos sinais de alarme que destaquei na minha apresentação, mostrando que nem sempre são patológicos, mas que devem ser sempre motivo de preocupação e avaliação complementar. Em termos patológicos, o que foi abordado? Discutiram-se algumas patologias que se misturam com estas alterações do neurodesenvolvimento, nomeadamente alguns casos paradigmáticos de epilepsia, síndrome de West e as epilepsias de ausências, que, por vezes, são situações de difícil diagnóstico, mas é muito importante que este seja precoce. Falei também sobre as deformidades do crânio que surgem nos primeiros meses de vida, fruto de os bebés passarem mais tempo deitados de barriga para cima, que são cada vez mais frequentes. Abordei ainda o diagnóstico de situações graves e as medidas que podem resolver os casos mais ligeiros, nomeadamente manter os bebés mais tempo sentados ou virados de barriga para baixo, sendo que também existem umas almofadas especiais, que permitem homogeneizar a distribuição de forma no crânio. Que assuntos suscitaram mais dúvidas? Um deles foi o timing da referenciação. Ou seja, quando se nota que existe alguma alteração, a criança deve ser logo referenciada ou deve

reavaliar-se na consulta subsequente? Julgo que esta questão ficou esclarecida: se existirem várias alterações, a criança deve ser referenciada; se for algo isolado e o médico se sentir à-vontade, pode reavaliar. Também chamei a atenção para o facto de o timing de referenciação ser moroso, isto é, até a criança ser avaliada numa consulta hospitalar, passa muito tempo. Por isso, o que se pode fazer é sinalizar ao Sistema Nacional de Intervenção Precoce, pedir apoio psicológico, terapia da fala (se fizer sentido) e rastreios de Oftalmologia e de Otorrinolaringologia, para termos a certeza de que estas crianças veem e ouvem bem. Assim, quando chegam à consulta hospitalar, já temos mais elementos, para depois o processo ser mais célere.

Desenvolvimento da linguagem na criança 0 a 3 meses: produção de sons (choro/ /consolo, gritos, barulhos), discriminação de sons familiares. 4 a 6 meses: discriminação dos sons da fala, compreensão de palavras, balbucio, produção de vogais e, depois, consoantes, expressões faciais. 7 a 9 meses: Balbucio reduplicado («bababa») de forma interativa e produção gestual comunicativa; aponta objetos. 10 a 12 meses: primeiras palavras reais e jargão (balbucio com fala), contacto visual, expressões faciais, vocalizações e gestos. 12 a 18 meses: produção de 10 a 50 palavras e algumas frases de duas palavras; chama a atenção para receber uma resposta verbal do adulto. 2 anos: produção de 150 a 200 palavras e frases de duas a três palavras; nomeia objetos quando inquirida. 3 anos: sentenças gramaticais e formulação de questões. 4 anos: clara sintaxe e inteligibilidade completa aos 4,5 anos.


PERTURBAçÕES do sono

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OPINIÃO

O sono como um dos pilares essenciais da saúde Dr.ª Sandra Marques

- Internista e especialista europeia em medicina do sono na Clínica Lusíadas Almada - Preletora na sessão «Perturbações do sono mais frequentes»

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Horas de sono

Idade

credito, cada vez mais, numa medicina preventiva com avaliação e abordagem dos três pilares da nossa saúde: o sono, o exercício e a alimentação. Desde há várias décadas que a medicina tem salientado o benefício de uma boa alimentação e de uma atividade física regular, mas não se tem valorizado devidamente o sono e suas perturbações. O Update em Medicina 2017 permitiu uma partilha de conhecimentos nesta área, pois, com a discussão de casos clínicos, podemos fazer a diferença na prática clínica do nosso dia a dia. Depois de uma breve introdução sobre a importância do sono e do ritmo circadiano, característica individual (determinada geneticamente) de cada um de nós, um dos casos clínicos apresentados demonstrou a necessidade de medidas de higiene do sono, que passam por dormir num espaço tranquilo e confortável, evitar a exposição a luzes fortes antes de dormir (inclui computador, telemóvel, etc.), praticar exercício físico uma a duas horas antes do deitar e dormir o número de horas imprescindível para cada faixa etária (ver tabela abaixo). A privação crónica de sono a que muitas das crianças e dos jovens estão sujeitos de forma Até aos 2 meses

12 a 18 horas

2 meses a 1 ano

14 a 15 horas

1 a 3 anos

12 a 14 horas

continuada tem implicações importantes e graves ao nível cognitivo e do comportamento, com consequências diretas no rendimento escolar, nas relações interpessoais (agitação, irritabilidade, agressividade, etc.) e no desempenho laboral. Os outros casos clínicos apresentados focaram-se na síndrome da apneia e hipopneia obstrutiva do sono (SAHOS) na criança e no adulto, que tem tratamento e consequências próprias. As alterações do sono podem ser agrupadas em cinco grandes áreas: perturbações respiratórias, nas quais de inclui a SAHOS; perturbações do ritmo circadiano; perturbações do movimento, nas quais se inclui a tão frequente síndrome das pernas inquietas; insónias e parassonias. A assistência demonstrou mais dúvidas relacionadas com as insónias, a síndrome das pernas inquietas e a gestão dos doentes com sobreposição de perturbações do sono, como, por exemplo, um perfil insónico associado a SAHOS grave, síndrome das pernas inquietas ou alteração do ritmo circadiano relacionada com o trabalho por turnos. A introdução da medicina do sono na rotina médica possibilita uma visão holística e mais abrangente dos nossos doentes, permitindo controlar e prevenir muitas doenças que são um

3 a 5 anos

11 a 13 horas

5 aos 12 anos

12 aos 18 anos

10 a 8,5 a 11 horas 9,25 horas

adulto +18 anos

7a

9 horas

flagelo na sociedade atual. Questionar sobre os hábitos de sono deve ser uma parte integrante da nossa prática clínica! Mudar rotinas não é fácil, pelo que pressupõe paciência e persistência no nosso dia a dia.

Comentários da assistência Dr.ª Celeste Nortadas

UCSP Vendas Novas, em Évora

«As perturbações do sono preocupam-me, pois são muito prevalentes e associam-se a patologias comuns na prática clínica, para as quais temos de estar atentos. Ao melhorarmos o sono dos nossos doentes, estamos também a melhorar a sua qualidade de vida. Esta foi uma sessão muito interessante, sobretudo pela chamada de atenção para as perturbações do sono nas crianças, que podem afetar o comportamento e o aproveitamento escolar, pois, regra geral, estamos mais despertos para estes problemas no adulto.» Dr.ª Elsa Pereira

USF Costa de Prata, em Ílhavo

«Adorei esta sessão. A forma como as necessidades de sono foram explicadas, recorrendo aos nossos antepassados e às diferenças no sono das tribos, desde os madrugadores aos notívagos, etc. Foi deveras curiosa esta informação. Quanto aos casos clínicos apresentados, a perturbação hipercinética da criança e a importância do sono nestas fases mais precoces foram os temas que mais me despertaram a atenção, embora tenha achado toda a sessão relevante.»

Follow-up do Update em Medicina 2017

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rémios

Incentivos à produção científica nos cuidados de saúde primários Nesta 10.ª edição do Update em Medicina, foram cinco os trabalhos vencedores da bolsa que conta com o apoio da Alfa Wassermann e das quatro categorias de prémios – casos clínicos relevantes, revisão de temas, investigação clínica e Ascendere. Os autores principais explicam, de forma resumida, cada um deles.

autores dos trabalhos premiados (da esq. para a dta.): Drs. Marina Lima, André Silva Costa e Andreia Ramalho (do caso clínico vencedor); Drs Rita Lopes Ferreira e David Tonelo (do melhor trabalho de investigação clínica); Dr. António Pedro Machado (presidente da Comissão Científica do Update em Medicina); Dr. André Torres Cardoso (da revisão de temas); Dr. as Sara Nunes e Carla Gouveia (coautora e autora do trabalho vencedor da bolsa de investigação); e Dr.ª Ana Sofia Vitorino (do trabalho vencedor do Prémio Ascendere)

CASOS CLÍNICOS RELEVANTES

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trabalho focou-se no caso de um doente diabético seguido em cuidados de saúde primários. Existia uma discrepância entre os valores das glicemias medidas pelo doente e os valores da hemoglobina glicada [HbA1c]. Após exclusão de erros de medição, colocou-se o diagnóstico diferencial de possíveis fatores que interferissem com o valor de HbA1c. Entre outros exames complementares de diagnóstico, foi pedida a eletroforese das

hemoglobinas, que levou ao diagnóstico de uma hemoglobina N-Baltimore, que, nesta situação, indicava um valor falsamente baixo da HbA1c. A hemoglobina N-Baltimore é uma variante da hemoglobina, mas não é propriamente uma hemoglobinopatia, porque não revela sintomas. Portanto, até aqui, estávamos a tratar um doente com diabetes tipo 2 considerando ter um bom controlo metabólico, quando, afinal, este tinha

um valor de HbA1c superior a 8%, que, a longo prazo, viria a trazer uma série de complicações micro e macrovasculares. Na literatura internacional, a hemoglobina N-Baltimore não é muito frequente, mas, muitas vezes, as suas variantes acabam por passar despercebidas. Só um olhar mais atento do seu médico de família permitiu levar ao diagnóstico» Dr. André Silva Costa, USF Poente, em Costa de Caparica

REVISÃO DE TEMAS

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plicando o T-score da densitometria óssea (DMO), tal como definido pela Organização Mundial da Saúde, verificou-se que aproximadamente 50% dos indivíduos com fratura de fragilidade não tinha critérios para osteoporose. Assim, surgiu a necessidade de desenvolver novas ferramentas mais fidedignas, como o FRAX, que avalia uma série de fatores de risco bem comprovados para osteoporose. A revisão bibliográfica intitulada «Aplicação do FRAX à realidade portuguesa» pretendeu rever as indicações para tratamento da osteoporose na população portuguesa através da utilização da ferramenta FRAX. Os resultados obtidos revelam que os limiares do FRAX que podem ser aplicados de forma custo-efetiva em Portugal são: 1) Antecedentes de fratura de fragilidade – tratar sem necessidade de FRAX ou DMO; 2) Na ausência de antecedentes de fratura de fragilidade: a. FRAX: se o risco de fratura major for igual ou superior a 11% ou o risco de fratura da anca for igual ou superior a 3% – tratar;

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b. FRAX: se o risco de fratura major for igual ou inferior a 7% ou o risco fratura da anca for igual ou inferior a 2% – não tratar; c. FRAX: se o risco for intermédio – pedir DMO e, com o T-score, medir novamente o FRAX: i. Se o risco de fratura major for igual ou superior a 9% ou o risco de fratura da anca for igual ou superior a 2,5% – tratar; ii. Se o risco de fratura major for igual ou inferior a 9% e o risco de fratura da anca for igual ou inferior a 2,5% – não tratar. Assim, uma das principais vantagens da utilização do FRAX é permitir decidir quando a DMO é necessária. Algumas limitações: 1) não validado para monitorizar efeitos do tratamento; 2) se há “história de quedas”, multiplicar por 1,5 vezes a probabilidade de fratura do FRAX; 3) os limiares para tratamento ou realização de DMO apresentados referem-se à utilização de alendronato genérico; outras medicações implicam alvos diferentes.» Dr. André Torres Cardoso, USF Senhora de Vagos, em Aveiro


INVESTIGAÇÃO CLÍNICA

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pesar das evidências publicadas nos últimos anos sobre os efeitos potencialmente nefastos para a saúde do uso excessivo de dispositivos de ecrã, as crianças e os adolescentes permanecem demasiadas horas diante dos mesmos. A Organização Mundial da Saúde define que, em idade escolar, duas horas diárias são o limite máximo de tempo recomendado para o uso destes dispositivos. Este trabalho foi desenvolvido com os objetivos de caracterizar a utilização dos dispositivos de ecrã por adolescentes e relacioná-la com a qualidade do sono. O estudo foi realizado com base numa amostra de 446 adolescentes de Leiria, utilizando um questionário de autopreenchimento constituído por duas partes: a primeira, concebida pelos autores, para avaliação dos padrões de utilização dos dispositivos de ecrã e a segunda, constituída pelo Índice da Qualidade do Sono de Pittsburgh (IQSP), para avaliar a qualidade do sono. A análise estatística dos dados revelou que 45% dos inquiridos eram do sexo masculino e 55% do sexo feminino, com uma média de idades de 12,9 ± 0,9 anos. Demonstrou ainda que 94% dos adolescentes da amostra utilizam dispositivos de ecrã mais de duas horas por dia, sendo o tempo médio de utilização diário de 6,2 ± 3,5 horas e que 40% apresentam má qualidade do sono. Com a utilização do Teste t-Student (p<0.05), este estudo concluiu que existe uma associação entre a utilização dos dispositivos de ecrã e a qualidade do sono em adolescentes, sendo que aqueles com maior tempo de exposição apresentam pior qualidade do sono, com significado estatístico (p=0.003). Este facto deverá alertar os pais, professores, médicos de família e pediatras para esta problemática, limitando o tempo de utilização e estimulando a prática de atividade física e o convívio com os seus pares.» Dr.ª Rita Lopes Ferreira, USF Santiago, em Leiria

PRÉMIO ASCENDERE

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BOLSA DE INVESTIGAÇÃO UPDATE EM MEDICINA/ALFA WASSERMANN

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ma vez que a MAPA (monitorização ambulatória da pressão arterial) tem sido tema recorrente em todas as edições do Update em Medicina, achámos adequado escolher esta área de investigação. Queríamos que o nosso projeto respondesse a uma pergunta cuja resposta fosse útil não só para nós, como para colegas de outras unidades de cuidados de saúde primários e, principalmente, que beneficiasse de alguma forma os nossos utentes. Assim, o título escolhido para o projeto foi MAPA. Este acrónimo representa não só o nome do exame complementar de diagnóstico usado como também refere os vários passos na utilização desta ferramenta: Monitorizar, Avaliar, Planear e Atuar. O trabalho teve dois objetivos principais: perceber se a MAPA pode ser exequível nos cuidados de saúde primários e se a sua utilização pode efetivamente ser útil para alterar o plano terapêutico dos doentes. Para o efeito, além dos exames de MAPA já realizados, poderão ser convocados mais utentes para realizar este exame, para obter a dimensão de amostra calculada como necessária para a significância estatística. Esses exames permitirão classificar os utentes como hipertensos controlados, hipertensos não controlados ou hipertensos com episódios de hipotensão. O último registo de medição da pressão arterial em consultório será utilizado para compreender como cada hipertenso estava avaliado previamente ao exame de MAPA. Depois da medição em

uso excessivo de videojogos (VJ) tem sido estudado no âmbito dos consumos aditivos sem substância e a quinta edição do Manual de Diagnóstico e Estatísticas de Distúrbios Mentais (DSM-V) já prevê este diagnóstico. No entanto, não existem estudos em Portugal. Nesse sentido, o nosso trabalho pretendeu caracterizar os hábitos de utilização dos videojogos num grupo de crianças do concelho de Cascais, determinar a prevalência do seu consumo aditivo e identificar os fatores de risco e protetores deste consumo. Aplicámos um questionário anónimo de autopreenchimento em crianças do 6.º ano de escolaridade e pedimos autorização ao responsável da saúde escolar, às escolas e aos encarregados de educação. Considerámos a existência de critério de consumo aditivo quando a resposta foi “sim” a pelo menos 4 dos 9 itens. O estudo estatístico foi realizado em SPSS.

ambulatório, pretendemos perceber se a classificação anterior de cada doente se mantém ou se a MAPA permitiu a sua reclassificação numa outra categoria. Até ao momento, já foram criados o protocolo de investigação, os documentos de consentimento informado e as folhas de notação onde os dados de cada doente serão inseridos. Já temos mais de 100 doentes para avaliar e esperamos chegar a perto dos 400. Consideramos que um dos pontos mais fortes deste projeto é a inovação relacionada com a utilização da MAPA no contexto dos cuidados de saúde primários. A partir dos resultados que iremos obter, pretendemos perceber se vale ou não a pena utilizar esta ferramenta diagnóstica nos centros de saúde. Quanto às dificuldades esperadas, uma vez que iremos trabalhar com a população de hipertensos heterogénea que caracteriza as nossas listas de utentes, poderão existir inúmeros vieses que venham a influenciar os resultados e o facto de não existir nenhum termo de comparação dificultará as conclusões. Apesar disso, temos a oportunidade de explorar os dados resultantes dos exames de MAPA já realizados na nossa USF, descrevendo a outras unidades com programas de MAPA as conclusões. Estamos confiantes de que este protocolo possa ser replicado por outras unidades para que possamos estabelecer comparações e tirar conclusões mais seguras, utilizando vários centros e populações.» Dr.ª Carla Gouveia, USF LoureSaudável, em Loures

Dos 192 questionários preenchidos (79,2% de taxa de resposta), 53% eram do sexo masculino e mediana da idade foi de 11 anos. Constatámos que cerca de 33% das crianças tinham comportamentos de risco, que 3,9% apresentavam consumo aditivo de videojogos e que cerca de 70% jogam sozinhos. Identificaram-se como fatores de risco o tempo de utilização excessivo de videojogos, os jogos online e de luta (p<0.001). Verificámos também que as crianças com comportamentos de risco também apresentaram mais sonolência diurna e sintomas depressivos (p<0.001). Deste modo, concluímos que uma percentagem importante da amostra cumpriu critérios de consumo aditivo. Com este estudo, foi possível conhecer a realidade de uma região, identificar fatores de risco e iniciar estratégias de intervenção na comunidade em idades precoces.» Dr.ª Ana Sofia Vitorino, UCSP Parede, em Cascais Follow-up do Update em Medicina 2017

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isco Cardiovascular

OPINIÃO

MAPA e cronoterapia no combate à HTA Dr. António Pedro Machado

Coordenador científico do Update em Medicina Internista no Centro Hospitalar Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria

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o curso dedicado à monitorização ambulatória da pressão arterial (MAPA) há um conjunto importante de mensagens a reter. Esta é uma ferramenta fundamental para o diagnóstico de hipertensão arterial (HTA) ou normotensão, porque é a única metodologia que nos permite ter acesso à pressão arterial (PA) durante o sono. E isto é fundamental, tanto mais que a PA durante o sono é a que mais nos importa controlar, visto ser a que mais estreitamente se relaciona com o risco de eventos cardiovasculares. Já há recomendações, como a da United States Preventive Services Task Force, para, perante uma suspeita diagnóstica de HTA em indivíduos de idade superior a 18 anos, realizar um teste confirmatório, idealmente com MAPA. Uma das limitações desta técnica é a baixa reprodutibilidade da MAPA de 24 horas – quase metade dos indivíduos que fazem uma segunda MAPA podem mudar o padrão dipping. Mas isto é perfeitamente ultrapassável com a MAPA de 48 horas que, como o Prof. Ramón Hermida referiu neste curso, tem uma elevada reprodutibilidade.

O que aumenta a reprodutibilidade não é a frequência das medições, mas a duração do registo. Esta é uma das grandes vantagens da MAPA de 48 horas, que duplica a duração do registo e alarga o intervalo entre medições, que passa a ser de uma hora. Outra das vantagens da MAPA de 48 horas é a integração da PA ambulatória – agora com elevada reprodutibilidade – nas equações para o cálculo mais rigoroso do risco de eventos cardiovasculares e renais. A MAPA de 48 horas disponibiliza aos médicos e utentes um vasto conjunto de serviços e informações. Na população geral, a avaliação do perfil tensional ambulatório permite diagnosticar corretamente a normotensão ou a verdadeira hipertensão e a monitorização do tratamento anti-hipertensivo. Adicionalmente, e esta será uma novidade, será possível a quantificação individualizada do risco de eventos cardiovasculares e de desenvolvimento de diabetes ou de doença renal crónica. Também será muito mais rigorosa a monitorização e a valorização quantitativa dos efeitos das intervenções terapêuticas sobre os índices personalizados de

COMENTÁRIO DA ASSISTÊNCIA Dr. José Baptista Pereira USF Baltar, em Paredes

«Esta é uma área que me desperta interesse. Embora tenha a possibilidade de fazer MAPA na minha região, gostaria de ter um ou mais aparelhos na USF onde exerço, porque temos algumas dúvidas quanto à qualidade da interpretação e da realização de MAPA fora da nossa USF. Todos os anos, desde 2010, inscrevo dois aparelhos de MAPA como material clínico a adquirir na minha USF, sem sucesso. Para realizarmos este exame, temos de obter o máximo de conhecimentos possível, inclusive sobre aspetos mais simples. Desde a escolha da manga e a sua utilização apropriada, ao cuidado a ter relativamente ao contacto da pele do doente com o aparelho, sendo preferível ter sempre alguma roupa fina entre os dois, entre outras questões. Por exemplo, eu tinha a ideia errada de que o doente não pode tirar o aparelho durante o dia, mas, afinal, pode, para tomar banho ou trocar de roupa, embora tenha de ser bem ensinado a desligar e ligar o aparelho corretamente. Trata-se de pequenos grandes pormenores que fazem toda a diferença.»

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risco de um dado doente. Ou seja, o seguimento longitudinal dos hipertensos será muito mais fácil e preciso. Na população obstétrica, a MAPA de 48 horas permite a identificação precoce das grávidas com alto risco de virem a desenvolver complicações hipertensivas.

Contornar o problema do acesso à MAPA

Muitos especialistas de Medicina Geral e Familiar e, obviamente, de outras especialidades, como a Cardiologia, a Medicina Interna e a Obstetrícia, a seu tempo, levantarão a questão: «Sendo a MAPA de 48 horas um exame tão importante para o diagnóstico, a quantificação do risco e a monitorização das intervenções, onde é que ele está acessível?» Em 2013, a Sociedade Europeia de Cardiologia emitiu uma recomendação para os países criarem condições para que a MAPA passasse a estar disponível para todos os que dela necessitem. Já passaram quatro anos. Uma mensagem vincada pelo Prof. Hermida no curso foi que a PA medida no consultório não deve ser utilizada para tomar grandes decisões. Se a PA estiver elevada, torna-se necessária a realização de um teste confirmatório e o tratamento anti-hipertensivo só deverá ser iniciado se não existirem dúvidas quanto ao diagnóstico. O facto de o doente ter valores elevados em medições no consultório ou na farmácia não significa, necessariamente, que seja hipertenso. As guidelines do National Institute for Health and Care Excellence (NICE) recomendam a realização de MAPA a todos indivíduos de idade superior a 18 anos que tenham PA elevada no consultório, para a exclusão de HTA de bata branca. Com o recurso à MAPA, será possível prevenir tratamentos desnecessários e reduzir a despesa da saúde. Um estudo conduzido em Espanha por J. Banegas, em indivíduos de idade ≥ 60 anos, calculou que 700 000 indivíduos com o diagnóstico de HTA, feito com base em medições casuais, serão reclassificados como normotensos por critérios de MAPA. Um em cada quatro indi-


PUB.

Serviços disponibilizados pela MAPA População geral

a) Avaliação do perfil tensional para o diagnóstico de verdadeira hipertensão ou normotensão; b) Monitorização do tratamento anti-hipertensivo; c) Quantificação individualizada do risco de eventos cardiovasculares e de desenvolvimento de diabetes ou doença renal crónica; d) Monitorização e valorização quantitativa dos efeitos das intervenções terapêuticas sobre os índices personalizados de risco de um dado doente.

População obstétrica

a) Identificação precoce das grávidas com alto risco de virem a desenvolver complicações hipertensivas.

víduos com aparente HTA resistente tem a PA controlada na MAPA e um em cada três indivíduos com HTA na clínica será reclassificado como normotenso quando avaliado por MAPA, isto é, terá HTA de bata branca. Por outro lado, o inverso também é verdade: uma percentagem muito significativa de normotensos é reclassificada quando faz MAPA. Em cada três diabéticos normotensos, um terá hipertensão na MAPA, que estará quase sempre presente em indivíduos com síndrome de apneia obstructiva do sono quando a PA na clínica for superior a 125/83 mmHg. A frequência de HTA mascarada varia entre 8,9 e 23%, consoante os estudos e dependendo das características da população estudada e da presença ou ausência de tratamento anti-hipertensivo. De acordo com dados da Direção-Geral da Saúde, em Portugal, estarão identificados 2,6 milhões de hipertensos, mas o Serviço Nacional de Saúde (SNS) não dispõe de unidades de MAPA capacitadas para responder às necessidades reais. Considerando que um aparelho de MAPA pode fazer, pelo menos, 100 registos de 48 horas por ano; que cada médico de família terá na sua lista de inscritos uma média de 460 hipertensos; que estes hipertensos terão indicação para a realização de, pelo menos, uma MAPA anual; não é difícil concluir que a criação, dentro do SNS, de uma estrutura capaz de responder às necessidades existentes teria custos elevadíssimos com pessoal e equipamentos. Por outro lado, muito dificilmente o Ministério da Saúde virá a comparticipar a MAPA, pelo que terá de ser o sector privado não convencionado a disponibilizar este exame aos utentes a um preço acessível.

Resistência à mudança

Na sessão «No olho do furacão», a cronoterapia foi o tema em foco. Como disse o Dr. Carlos Rabaçal, «não é possível parar o vento com a mão», é impossível. O futuro do tratamento da HTA já passa pela cronoterapia: de acordo com as conclusões de uma revisão de 2011 da Cochrane Collaboration, o risco de eventos cardiovasculares major, incluindo morte, enfarte do miocárdio e acidente vascular cerebral, é quatro vezes menor com a administração dos anti-hipertensores ao deitar, comparativamente com a administração ao levantar. Felizmente, «a verdade não resulta do número dos que nela crêem» (Galileu) e «não há mal nenhum em mudar de opinião, contanto que seja para melhor» (Churchill). Nota: por opção do autor, este artigo não segue as regras do Novo Acordo Ortográfico.

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isco Cardiovascular

Redução do risco cardiovascular nos doentes com DMT2 «Diabetes out of the box: os lípidos é que pagam» foi o tema do simpósio-satélite promovido pela Bial, que se centrou em duas associações farmacológicas sinérgicas: vildagliptina/metformina, para a diabetes mellitus tipo 2 (DMT2), e ezetimiba/atorvastatina, para a dislipidemia.

dos 75 anos, a vildagliptina revela bons resultados em termos de segurança, sem perder eficácia. Em doentes com insuficiência renal, uma das complicações da DMT2 que pode condicionar o tratamento, este fármaco pode até ser usado quando a pessoa está em diálise.»

Tratar a dislipidemia e reduzir o risco CV

Prof.ª Rosa Maria Príncipe e Dr. António Pedro Machado

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oradora do simpósio, Prof.ª Rosa Maria Príncipe, que é endocrinologista na Unidade Local de Saúde de Matosinhos/ /Hospital Pedro Hispano, partiu da análise do caso clínico de uma mulher com 52 anos, DMT2 diagnosticada há dois anos, excesso de peso e dislipidemia, tratada com metformina 2 g e atorvastatina 40 g. «Todas as sociedades científicas são unânimes em preconizar determinados alvos terapêuticos no doente com DMT2, mas também referem que as estratégias para os alcançarmos têm de ser individualizadas, sendo objetivo máximo a redução do risco cardiovascular (CV)», alertou a preletora. No caso apresentado, tratando-se de uma mulher jovem, com uma história recente de DMT2, elevada esperança de vida e sem grandes complicações, «pode-se definir como objetivo uma hemoglobina glicada [HbA1c] abaixo dos 7%, desde que não seja à custa de um tratamento demasiado agressivo, associado a alto risco de hipoglicemias, que pode levar a complicações e aumento da mortalidade», frisou Rosa Maria Príncipe. Também se deve ter em conta os ob-

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jetivos do próprio doente e, nesta situação, a senhora quer perder peso, preocupa-se com as hipoglicemias e tem pavor a agulhas. Depois de comentar várias hipóteses de tratamento farmacológico, ponderando as especificidades desta doente, a endocrinologista optou pela associação vildagliptina/metformina. «Quanto à segurança, não há classe que tenha sido tão escrutinada como os inibidores da DPP-4 [dipeptidil peptidase-4], que, por outro lado, têm um mecanismo complementar na fisiopatologia da DMT2. Enquanto a metformina melhora a resistência periférica e hepática à insulina, a vildagliptina faz com que as incretinas – hormonas libertadas depois das refeições com hidratos de carbono – se mantenham mais tempo em circulação, aumentando a produção de insulina e diminuindo a produção de glucagon, reduzindo assim a glicemia, sobretudo a pós-prandial.» Rosa Maria Príncipe salvaguardou outros fatores, que não se aplicam a esta doente, mas que têm de ser ponderados noutros casos. «Os estudos demonstram que, em populações acima

Em termos de perfil lipídico, a doente do caso clínico analisado no simpósio tinha um colesterol total de 185 mg/dL, um HDL de 30 mg/dL, triglicéridos de 176 mg/dL e um LDL de 119 mg/dL. «Esta é uma doente de muito alto risco cardiovascular, pois, além da DMT2, tem dislipidemia e sobrepeso. Está a tomar atorvastatina, mas tem de se intensificar o tratamento, sendo que há duas opções mais potentes – a rosuvastatina e a combinação de ezitimiba com uma estatina.» Segundo Rosa Maria Príncipe, ao intensificar apenas a estatina, há uma melhoria do LDL inferior a 10% e, neste caso, é necessária uma redução de 40%. Por isso, a associação com ezetimiba faz sentido, pois a estatina atua no fígado e a ezetimiba inibe a absorção do colesterol no intestino. A este propósito, a preletora apresentou alguns estudos, como o IMPROVE-IT, que, no subgrupo de doentes com DMT2, registou maior benefício CV com a associação ezetimiba/estatina versus a estatina em monoterapia, comparativamente aos indivíduos sem diabetes, sobretudo devido a reduções significativas da incidência de embolia e AVC isquémico. Além disso, o perfil de segurança desta associação foi semelhante ao da estatina em monoterapia. Quanto à diminuição do LDL, Rosa Maria Príncipe referiu que a evidência científica mostra benefício na redução dos eventos CV quando se adiciona a ezetimiba a uma estatina. Assim, na situação desta doente, ao tratamento da DMT2 com vildagliptina/metformina, juntou-se o tratamento da dislipidemia com a associação atorvastatina 10 mg/ezetimiba 10 mg. «Um tratamento eficaz da diabetes ajuda a tratar a dislipidemia, mas não é suficiente, pois não nos podemos esquecer dos outros fatores de risco CV», concluiu a endocrinologista.


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isco Cardiovascular

Estatinas no tratamento da dislipidemia A escolha de estatinas mais potentes e com um perfil de segurança favorável, como a pitavastatina, foi um dos temas em foco no Curso «Dislipidemia – abordagem dos parâmetros do risco lipídico», apoiado pela Mylan.

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Prof. Pedro Monteiro, cardiologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e um dos oradores, começou por explicar que «a doença cardiovascular [CV] resulta da combinação de diversos fatores de risco [FR] e que distúrbios ligeiros em múlti­plos fatores conferem um risco superior do que a elevação extrema de um fator isolado». E acrescentou: «Os FR intera­gem de forma exponencial e mais de 90% do risco CV é atribuível a cinco fatores: dislipidemia, hipertensão arterial, tabagismo, diabetes e obesidade.» Nas pessoas com risco CV aumentado, todos os FR devem ser abor­dados; nos restantes indivíduos, deve aplicar-se um score para estimar o risco CV global. Depois do tabagismo, o FR mais determinante é a dislipidemia. «Os doentes com dislipidemia são maioritariamente idosos, têm diabetes e estão polimedicados, pelo que é crucial que sejam tratados com eficácia e máxima segurança», frisou Pedro Monteiro. Lembrando que todos os diabéticos são doentes de alto risco CV, com uma esperança de vida oito anos inferior à da restante população, o orador considerou que a diabetes é um equivalente de doença coronária. «Apesar disso, os doentes diabéticos permanecem subtratados e apenas 20% dos casos conhecidos em Portugal estão a tomar uma estatina, mas raramente na dose certa. Ou seja, a maioria dos doentes com diabetes está fora dos valores-alvo de colesterol LDL.»

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Terapêutica hipolipidemiante

O Dr. Luís Andrade, internista no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho e também orador no curso, começou por salientar que, «mesmo sem outros fatores de risco e atingimento orgânico, como microalbuminúria, um doente com diabetes mellitus tipo 2 (DMT2) tem alto risco CV.» No entanto, o cenário é pior, pois «80% dos doentes com DMT2 são obesos, 80% têm hipertensão

arterial e 60% dislipidemia, que é aterogénica em 40% dos casos». Luís Andrade apresentou dados de vários estudos que demonstram que «o tratamento intensivo da DMT2 em doentes com diagnóstico recente e sem atingimento orgânico traz benefícios macrovasculares». Pelo contrário, «os benefícios são claramente inferiores quando o doente já tem atingimento orgânico ou eventos cardiovasculares prévios». «Para reduzir o risco CV, controlando a glicemia, temos de tratar intensivamente desde o dia 0, atingindo a hemoglobina glicada mais baixa possível, idealmente para valores inferiores a 6,5%», defendeu. O internista explicou o processo fisiopa­tológico que justifica a importância acrescida da terapêutica hipolipidemiante na DMT2. «Devido à insulinorresistência, a célula gorda liberta ácidos gordos livres que se acumulam no fígado, aumentando a produção de partículas ricas em triglicéridos. Estes remanescentes passam o endotélio, contribuindo para o crescimento e a instabilidade da placa de aterosclerose, podendo ser tão agressivos como o colesterol LDL.» A pitavastatina apresenta a vantagem de «não ter um efeito diabetogénico, reduzindo ligeira­mente a insulinorresistência, ao contrário de outras estatinas», referiu Luís Andrade.

Redução de eventos CV com a pitavastatina 10 Incidência de eventos cardio e cerebrovasculares (%)

Prof. Pedro Monteiro e Dr. Luís Andrade

Outro problema é a polimedicação dos doentes com dislipi­demia, sobretudo os idosos com algum grau de compromisso orgânico, o que aumenta o risco de efeitos secundários. Se­gundo o cardiologista, «as dores musculares são o principal efeito secundário das estatinas e a sua prevalência, que é mais comum nos doentes polimedicados, varia consoante o fármaco utilizado». Na opinião de Pedro Monteiro, «a pitavastatina é eficaz na otimização global da ficha lipídica; tem bom perfil de segurança, mesmo em doentes polimedicados e de alto risco CV; e não tem efeito deletério na diabetes ou na tolerância à glicose». Ou seja, trata-se de «uma estatina de largo espectro e de valor acrescentado na luta contra o risco CV».

*

Teste log-rank: p<0,0001

* 5

*

0

1

2

3

4

5

Falhado Falhado

(164/6 264: 2,6%)

(299/6 264: 4,8%)

*

*

c-LDL: falhado c-HDL: atingido

c-LDL: atingido c-HDL: atingido

(1 345/6 264: 21,5%)

(4 456/6 264: 71,1%)

6 (ano)

Número em risco c-LDL c-HDL Atingido

*

c-LDL: atingido c-HDL: falhado

* 0

Atingido

*

c-LDL: falhado c-HDL: falhado

Atingido 4 456 Falhado 299 Atingido 1 345 Falhado 164

4 448 296 1 338 160

4 438 295 1 333 156

4 419 289 1 322 154

4 319 280 1 275 146

3 836 233 1 121 127

578 30 150 18

c-HDL: colesterol das high-density lipoproteins; c-LDL: colesterol das low-density lipoproteins; CV: cardiovasculares Teramoto T, et al. Atherosclerosis Supplements 2011;12 (3):285-288


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S

Ífilis

OPINIÃO

Desafios de uma doença em crescimento Dr. Tiago Marques

- Infeciologista no Centro Hospitalar Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria - Preletor na sessão «Doenças venéreas»

E

mbora tenha comentado diversas doenças venéreas, foquei especialmente a sífilis. No tempo em que a SIDA (síndrome da imunodeficiência adquirida) se propagava de forma epidémica, as pessoas tinham receio das relações sexuais desprotegidas, mas, desde que esta se tornou uma doença crónica, a sífilis tem voltado em força e surgem cada vez mais casos. Para combater esta tendência, além da educação para a saúde, os especialistas em Medicina Geral e Familiar devem reforçar perante o seu doente o uso de preservativo. Por outro lado, não nos podemos esquecer que esta doença já foi muito apelidada de «grande imitadora», exatamente porque pode ter variadas manifestações ou nenhuma. Portanto, o seu despiste deve ser pedido juntamente com as análises de rotina, mas também quando surge algum sintoma cuja origem não se consegue identificar, como pintas no corpo. Existem vários métodos analíticos para o diagnóstico da sífilis e não podem ser interpretados todos da mesma maneira. Entre os aspetos que permitem facilitar essa interpretação, saliento

os testes não treponémicos VDRL (acrónimo inglês para venereal disease research laboratory) e RPR (rapid plasma reagin), que nos dão conta do grau de atividade da doença, mas também estão sujeitos a falsos-positivos. Portanto, um doente com VDRL positivo poderá ter uma sífilis ativa, mas que terá de ser confirmada. Essa confirmação faz-se pelo TPHA (treponema pallidum hemaglutination assay) ou pelo anticorpo antitreponémico, que são os chamados testes treponémicos e que, a partir do momento em que a pessoa teve sífilis, ficam positivos até ao fim da vida – a denominada cicatriz serológica. Ou seja, se o doente tiver um VDRL e um TPHA positivos, está infetado com sífilis; se tiver um VDRL positivo e um TPHA negativo, tem um falso-positivo; se tiver um VDRL negativo e um TPHA positivo, quer dizer que teve um contacto passado com a doença, mas esta não está ativa. É devido a estas diferentes leituras que surgem muitas confusões e muitos doentes a serem tratados com penicilina sem precisarem. No entanto, este continua a ser o tratamento mais eficaz desde 1940, contra o qual não há resistências.

Comentários da assistência

Dr.ª Carina Teixeira

USF Íris (Centro de Saúde de Castelo da Maia)

«O Dr. Tiago Marques é fantástico, porque consegue focar exatamente os nossos principais problemas na prática clínica diária no âmbito das doenças infeciosas. Esta sessão foi realmente muito importante para sedimentar conhecimentos, nomeadamente em termos de diagnóstico e seguimento dos doentes com sífilis.»

Interpretação dos exames de diagnóstico da sífilis VDRL/RPR

TPHA/FTA-ABS/Ac trep

Interpretação

POSITIVO

POSITIVO

Sífilis ativa

POSITIVO

Negativo

Falso-positivo

Negativo

POSITIVO

Contacto prévio

Negativo

Negativo

Sem sífilis

Ac trep: anticorpo antitreponémico; FTA-ABS: fluorescent treponemal antibody-absortion; RPR: rapid plasma regain; TPHA: treponema pallidum hemaglutination assay; VDRL: venereal disease research laboratory

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Outubro 2017

Dr. Jonathan dos Santos USF Terras de Sousa, em Paredes

«Embora frequentes, as doenças venéreas podem passar-nos despercebidas, pelo que esta chamada de atenção foi importante para a sua abordagem correta, quer na suspeita e no diagnóstico quer no tratamento e no seguimento. Suscitou-me particular interesse rever o seguimento da sífilis, nomeadamente como se procede em termos laboratoriais e a sua periodicidade, pois, se o fizermos corretamente nos cuidados de saúde primários, contribuímos para a redução das referenciações hospitalares.»


UPDATE 2018

U

O que esperar do Update em Medicina 2018

A

11.ª edição do Update em Medicina, que vai decorrer entre 19 e 22 de abril de 2018, já está a ser elaborada e as novidades são várias. O primeiro dia vai acolher um novo curso de suporte básico de vida com desfibrilhador automático externo (DAE). «Está a ser também avaliada a hipótese de se realizar um curso de suporte avançado de vida, este para um número muito mais limitado de médicos. Já os cursos dedicados aos estudos de investigação e à diabetes continuarão a ser uma aposta neste congresso. Depois, dependendo do número de inscrições, pretendemos organizar outros cursos, por exemplo nas áreas da anticoagulação ou da saúde da mulher», avança o Dr. António Pedro Machado, presidente da Comissão Científica do Update em Medicina. A saúde infantil vai estar em destaque com duas sessões distintas, uma dedicada ao desenvolvimento e outra às doenças infeciosas da criança. A saúde da mulher também será contemplada com uma sessão focada no rastreio do colo do útero, conduzida por uma anatomopatologista e um ginecologista, na qual «se procurará responder às dúvidas e questões relativas à orientação das mulheres na dependência do resultado da citologia». «É uma sessão que promete», acredita António Pedro Machado. Em 2018, a Dermatologia também fará parte do programa científico, «com o propósito de rotinar os médicos no diagnóstico e no tratamento das infeções da pele mais comuns, como o impetigo, as erisipelas, as celulites, as dermatofitoses, as candidíases e as infeções virais, como o molusco contagioso ou as verrugas», refere o presidente da Comissão Científica. As anemias e a hipertensão arterial, com as novidades sobre o seu diagnóstico e a monitorização do tratamento, vão continuar temas residentes e haverá uma breve sessão sobre cancro hereditário centrada no cancro da mama. Entre os oradores já confirmados, destacam-se: Dr. António Pedro Machado, internista no Centro Hospitalar Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria (CHLN/HSM); Dr. Carlos Rabaçal, diretor do Serviço de Cardiologia do Hospital de Vila Franca de Xira; Dr. Firmino Machado, médico e investigador

O primeiro dia da reunião contará com um curso de suporte básico de vida

na EPIUnit – Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto; Dr. Carlos Simões-Pereira, endocrinologista em Aveiro; Prof. Ramón Hermida, diretor do Laboratório de Bioengenharia e Cronobiologia da Universidade de Vigo; Dr. Manuel Ferreira Gomes, internista no CHLN/HSM; Dr. Tiago Marques, infeciologista no CHLN/HSM; Dr. Pedro Vieira Baptista, ginecologista e responsável pela Unidade de Patologia do Tracto Genital Inferior do Centro Hospitalar de São João, no Porto; Dr.ª Conceição Saldanha, anatomopatologista e uma referência nacional na patologia do colo do útero; Dr. Tiago Proença Santos, neuropediatra no CHLN/HSM; Dr. Francisco Abecasis, pediatra no CHLN/HSM; Prof. Luís Costa, diretor do Serviço de Oncologia do CHLN/HSM; e Tamara Hussong Milagre, presidente da Evita – Associação de Apoio a Portadores de Alterações nos Genes Relacionados com Cancro Hereditário. O local do Update em Medicina 2018 mantém-se: Palácio de Congressos do Algarve, Herdade dos Salgados, em Albufeira.

Novidades e desafios do Estudo Panorama

N

o âmbito do Estudo Panorama – que visa promover a investigação epidemiológica nos cuidados de saúde primários –, está «em cima da mesa» a hipótese de criar a Associação para a Investigação em Medicina (AIM). De acordo com o Dr. António Pedro Machado, internista no Centro Hospitalar Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria, presidente da Comissão Científica do Update em Medicina e responsável, perante a Comissão Nacional de Proteção de Dados, pela base de dados do Estudo Panorama, «o objetivo é que a AIM, liderada por especialistas em Medicina Geral e Familiar [MGF], fique detentora do Estudo Panorama, fazendo a gestão da sua base de dados para utilização futura em investigação». O responsável adianta que outro propósito é a candidatura do Estudo Panorama ao Prémio da Fundação Bial, que tem um valor pecuniário de

200 mil euros, que a AIM utilizaria para apoiar os médicos de MGF na investigação e formação, designadamente com a atribuição de bolsas. «Todavia, nada disto acontecerá se os médicos não colaborarem. Até ao momento, pouco mais de uma centena de investigadores se inscreveram, o que,

num universo de 6 000 especialistas e internos de MGF, é muito pouco», lamenta. «Ao avançarem no campo da investigação, estarão a valorizar a sua formação, o seu currículo, a sua especialidade e o Serviço Nacional de Saúde. É desta forma que as especialidades crescem», argumenta António Pedro Machado. E lança o repto: «Se realizarem, por exemplo, o registo dos dados de um doente por semana, serão 24 em seis meses. É um desafio, mas, no final, vai compensar.» O prazo-limite para a inclusão de casos clínicos termina em julho de 2018, seguindo-se a análise dos dados. António Pedro Machado mantém a esperança de que muitos mais médicos colaborem, para que o Estudo Panorama ganhe força e a AIM possa vir a candidatar-se a fundos comunitários que servirão para dinamizar a investigação nos cuidados de saúde primários em Portugal. Follow-up do Update em Medicina 2017

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