Notícias Diárias de Hematologia - 18 de novembro de 2016

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Notícias Diárias 18.ª Reunião Anual da Sociedade Portuguesa de Hematologia (SPH) | www.sph.org.pt | Publicação de distribuição gratuita

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novembro 2016

17 a 19 de novembro Aceda à versão digital

6.ª feira

O legado do Prof. Abel Salazar na Hematologia O Prof. António Coimbra, antigo diretor do Instituto de Histologia e Embriologia, no Porto, que foi fundado pelo Prof. Abel Salazar, fala sobre o contributo deste médico e investigador para a Hematologia, à qual se dedicou na última fase da sua vida. Entre 1941 e 1946, exclusivamente dedicado à investigação, Abel Salazar voltou-se para a célula sanguínea, «intrigado com os tingimentos intracelulares do tanoférrico nas células da série branca» Pág.3

Elos da Hematologia com a Imunologia Na Lição Abel Salazar, entre as 12h00 e a 13h15, a Prof.ª Maria de Sousa, investigadora e professora catedrática emérita de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, vai abordar a importância da eritrofagocitose, ilustrando que linfócitos participam no uptake de ferro não ligado a transferrina, e outros desenvolvimentos nesta área, entre eles a identificação de genes de proteínas reguladoras, como a hepcidina Pág.4 PUB

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HOJE – Tema de Capa OPINIÃO

A obra hematológica de Abel Salazar Prof. António Coimbra • P rofessor catedrático jubilado da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto • P reletor na introdução à Lição Abel Salazar, que decorre entre as 12h00 e as 13h15

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mais importantes achados microscópicos iniciais de Abel Salazar foram a demonstração da cromatólise indireta na atrésia da granulosa ovárica, em 1917 – tema que abordou até ao fim da sua carreira, em 1946 –; a descrição de dois folhetos membranares distintos na cápsula do glomérulo renal do adulto, em 1918; a descoberta do método tanoférrico, em 1920 (que tinge especificamente as proteínas extracelulares e tem aplicação especial em patologia); e o advento do aparelho Para-Golgi, em 1932. As três primeiras descobertas ocorreram entre a posse da cadeira, em 1916, e a baixa médica por depressão, em 1926. A última ocorreu já depois do regresso à atividade científica, em 1931, antes da demissão compulsiva de 1935. Em todo este vasto período, não existem investigações hematológicas publicadas, mas, a partir de 1923, Abel Salazar fundou, no Instituto de Histologia e Embriologia, o Laboratório de Hematologia, que facultava as análises sanguíneas de rotina às enfermarias da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, que, na altura, funcionava junto ao Hospital de Santo António, coadjuvado por Adelaide Estrada. Esta entra como preparadora na Faculdade, em 1929, e é destacada para prestar aqueles serviços no Laboratório Nobre. Todavia, Adelaide Estrada foi a colaboradora mais assídua nas investigações de Abel Salazar até ao fim da vida do seu mestre (1946).

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Foco na célula sanguínea Após a demissão, e durante o labor puramente investigacional que levou a cabo numa sala da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, como bolseiro do Instituto de Alta Cultura, entre 1941 e 1946, Abel Salazar voltou-se para a célula sanguínea, intrigado com os tingimentos intracelulares do tanoférrico nas células da série branca. A partir do promielócito, o neutrófilo apresentava um aparelho de Golgi que, no metamielócito, ocupava a chanfradura do núcleo ainda não lobado, no qual se distinguia uma zona canalicular interna, incolor e coroada por material negro intensamente tanófilo – o Para-Golgi. Simultaneamente, o citoplasma do metamielócito e dos jovens polinucleares com apenas dois a quatro lóbulos nucleares surge cheio de grânulos tanófilos, que o investigador identificou como de natureza peroxidática, sendo distintos dos grânulos azurófilos e específicos. Abel Salazar denominou estas células como paquineutrófilos. A região ocupada pelo material granular tanoférrico diminuía de área progressivamente, ao longo do envelhecimento subsequente do granulócito nos metaneutrófilos. Nas células mais evoluídas – os leptoneutrófilos, que têm múltipla lobulação nuclear –, desapareciam o Golgi e os grânulos peroxidáticos. Os seus contemporâneos avaliavam a idade do neutrófilo pela lobulação nuclear, concluindo que o envelhecimento seria in-

fluenciado por tuberculose, sífilis e outros estados infeciosos, além das leucemias. Porém, Abel Salazar defendia que a cianotanofilia do citoplasma era um critério mais seguro para diagnosticar a potencialidade mielopoiética da medula óssea, tendo construído 48 quadros com exemplificação de todos os desvios para paqui, meta e leptoneutrofilia. A demonstração do Golgi foi particularmente interessante numa época em que ainda se discutia se se tratava de um puro artefacto das colorações que, só em 1954, veio a ser identificado ao microscópio eletrónico por Dalton e Felix. Contudo, Adelaide Estrada mostrara já que o Golgi do metamielócito nos esfregaços frescos em ambiente de baixa humidade herniava até à periferia da célula, o que provava tratar-se de um componente vivo da mesma. Finalmente, em 1967, Farquhar, ao microscópio eletrónico, mostrou que, da periferia do organelo (correspondente ao Para-Golgi), se destacam os grânulos azurófilos e os específicos. Entretanto, decorria a atividade pictórica de Abel Salazar que todos conhecemos, mas também literária, com obras como O Minho Pitoresco, Um Verão na Alemanha, Uma Primavera em Itália, O que é Arte, O Pintor Henrique Pousão. É que Abel Salazar possuía um estilo incisivo, claro e brilhante como poucos. A sua obra ensaística e filosófica é notável e aguarda ainda a apreciação dos que só o conhecem como microscopista e pintor. ND

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18 de novembro de 2016

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HOJE – Tema de Capa

Eritrofagocitose na base da aproximação entre a Hematologia e a Imunologia

Subordinada ao tema «Visita a um domínio onde vivem, inseparáveis, a Imunologia e a Hematologia – Um horizonte e as suas geografias», a Lição Abel Salazar, a decorrer entre as 12h00 e a 13h15, conta com a preleção da Prof.ª Maria de Sousa, investigadora e professora catedrática emérita de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto.

A

por Sandra Diogo

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Lição desta Reunião Anual da SPH vai abordar algumas das relações entre esta especialidade e a Imunologia, com base em muito do trabalho feito pelo grupo da Prof.ª Maria de Sousa, com «a colaboração inestimável» da Prof.ª Graça Porto, responsável pelo braço clínico do trabalho sobre hemocromatose feito no Serviço de Hematologia do Centro Hospitalar do Porto/Hospital de Santo António e pelo apoio laboratorial de prevenção feito no agora Instituto de Biologia Molecular e Celular/Instituto de Investigação e Inovação da Universidade do Porto (IBMC/i3S). «A evolução da circulação do sangue e do papel da hemoglobina na distribuição do oxigénio nos vertebrados superiores ocorreu de tal maneira que acabou por dar uma importância central ao ferro, criando um paradoxo que o sistema imunológico vai contribuir para resolver, pela participação das suas células, nomeadamente os macrófagos do baço, do fígado e outros, os neutrófilos e os linfócitos», esclarece Maria de Sousa. A investigadora irá basear a sua apresentação em torno da importância da eritrofagocitose e de dados recentes, ilustrando que linfócitos participam no uptake de ferro não ligado a transferrina (NTBI, na sigla em inglês) e de outros desenvolvimentos que têm ocorrido no conhecimento desta área. A identificação de genes de proteínas regula-

doras, como a descoberta da hepcidina, que, em combinação com a ferroportina, regula a distribuição do ferro, é um desses desenvolvimentos. «Até agora, o que sabemos é que, se a hepcidina for baixa, os níveis de ferro no sangue são elevados e vice-versa, mas há esperança de que esta proteína venha a revelar o seu potencial terapêutico», frisa. Para a conferencista, os avanços que ocorreram no âmbito da Genética tiveram um

No epicentro de importantes descobertas

impacto na compensação dos desequilíbrios do ferro e no tratamento de algumas patologias. «Para além da identificação de genes de proteínas reguladoras, o segredo do desenvolvimento, nestes últimos anos e em todas as áreas, está na compreensão do seu modo de funcionar. Os grandes estudos permitem saber, atualmente, que células de determinado tipo vão responder de certa maneira a uma terapêutica específica.» Como exemplo prático da influência da Genética e da ligação à Imunologia na compreensão de alguns aspetos da Hematologia, Maria de Sousa refere a descoberta de mutações ligadas a hemocromatose num gene, o HFE, que está ligado ao complexo principal de histocompatibilidade, o MHC classe I», explica. Defendendo que a importância paradoxal do ferro na evolução é um dos desafios atuais em Hematologia, Maria de Sousa garante que vai aproveitar a sua intervenção para abordar algumas questões que, «não sendo muito populares, podem ajudar a estimular o debate e a análise de algumas questões por hematologistas». Até porque lhe parece que «as pessoas não se preocupam o suficiente em atravessar fronteiras entre especialidades e continua a haver grandes distâncias entre a investigação básica motivada por perguntas (a que chamará invísivel) e a clínica motivada sobretudo por dar respostas aos doentes (visível)». ND

Com 50 anos dedicados à investigação, principalmente em Inglaterra, Escócia e EUA, Maria de Sousa tem inscritos no seu currículo alguns achados que marcaram a realidade da Imunologia. Salientam-se a descoberta e o mapeamento de uma área ocupada por células T nos órgãos linfóides de mamíferos e um fenómeno a que deu o nome de ecotaxis, referente à capacidade de células de diferentes origens migrarem e organizarem-se em áreas bem delineadas dos órgãos linfóides periféricos. Maria de Sousa também esteve envolvida em investigações que identificaram anomalias do sistema imunológico nos doentes com sobrecarga de ferro. Esta área tem sido alvo de constante estudo e «as pessoas que a ela se dedicam atualmente, sobretudo a Prof.ª Graça Porto, têm feito um trabalho espetacular com as famílias». Desde 1985, esta hematologista viu um total de 3 005 pessoas, correspondendo a 242 famílias. A partir da descoberta do gene feita por um grupo norte-americano, «não só passou a ser possível identificar as pessoas nas famílias que iriam sofrer de hemocromatose, como também quem iria desenvolver a forma mais grave desta doença, o que permitiu iniciar o tratamento numa fase mais precoce e prevenir o desenvolvimento de patologias como o cancro do fígado e a diabetes», remata Maria de Sousa.


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HOJE

Sessão educacional dedicada ao ferro A homeostasia do ferro e os seus biomarcadores, bem como os desequilíbrios deste metal no organismo, serão assuntos em destaque no Programa Educacional I, que decorre entre as 9h00 e as 10h30.

«G

por Marisa Teixeira

ostaria de trazer à discussão a eficiência da utilização dos biomarcadores existentes no âmbito do metabolismo do ferro, que ainda são mal interpretados, com frequência, na prática clínica», afirma a Prof.ª Graça Porto, hematologista no Centro Hospitalar do Porto/Hospital de Santo António, cuja comunicação se intitula «Homeostasia do ferro e biomarcadores». Segundo esta preletora, a experiência adquirida ao longo de mais de 30 anos num centro dedicado ao diagnóstico, tratamento, prevenção e investigação da hemocromatose permite agora não só compreender melhor a eficácia e a eficiência das estratégias adotadas para a sua deteção precoce, como também identificar e definir melhor as diversas entidades clínicas que se manifestam com sobrecarga do ferro. De acordo com Graça Porto, interpretar uma ferritina alta como sinal seguro de sobrecarga sistémica de ferro, quando não deveria ser essa a primeira abordagem, ou considerar que mutações no gene HFE são sempre um fator de

risco de sobrecarga de ferro são alguns dos exemplos mais comuns de erros de interpretação nesta área. No Programa Educacional I, a oradora gostaria que se estabelecessem algoritmos «que possam vir a ser utilizados em todos os Serviços de Hematologia do País, no intuito de uniformizar a utilização de biomarcadores». Na presença de elevados níveis de ferro no organismo, a produção de hepcidina aumenta, reduzindo a absorção de ferro a nível intestinal e bloqueando a saída de ferro do sistema reticuloendotelial. O défice desta hormona causa um aumento da saturação de transferrina, que é a característica unificadora e o principal achado bioquímico da maior parte das formas de hemocromatose hereditária (HH). A Dr.ª Tabita Magalhães Maia, hematologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, versará sobre as formas raras de HH, que «compreendem as que não são relacionadas com o HFE, como a hemocromatose juvenil, associada a variantes nos genes da hemojuvelina [HJV] ou hepcidina [HAMP], e a hemocromatose com apresen-

Prof.ª Graça Porto e Dr.ª Tabita Magalhães Maia

tação na idade adulta, resultante de variantes no gene do recetor de transferrina [TFR2] ou mutações no gene da ferroportina». De acordo com a oradora, serão abordadas algumas estratégias para o diagnóstico diferencial das formas raras de hemocromatose hereditária, mais em particular na doença da ferroportina, «que pode, pelas suas características, ser um desafio diagnóstico». ND

OPINIÃO

Novos dados sobre a absorção de ferro Prof. Michael Zimmermann

•D iretor do Laboratório de Nutrição Humana do Departamento de Ciências da Saúde e Tecnologia DR

O

do Instituto Federal de Tecnologia da Suíça

•O rador no Programa Educacional I, com o tema «Novos desafios no tratamento da deficiência de ferro»

s suplementos de ferro aumentam significativamente a hepcidina, mas a duração e a magnitude desse aumento, a relação com a dose administrada e os efeitos sobre a absorção de ferro subsequente ainda não foram caracterizados em humanos. Investigámos se o aumento significativo da hepcidina induzido pelo ferro influencia a absorção deste elemento químico a partir da administração de doses diárias ou bidiárias de 40 a 240 mg de ferro.

Em mulheres jovens não anémicas que apresentavam ferritina no plasma ≤20 µg/L, 24 horas após receberem doses de ferro ≥60 mg, a hepcidina no soro aumentou e a absorção fracional de ferro diminuiu entre 35% a 45%. Com o incremento da dose, a absorção fracional diminuiu (P <0,001) e a absorção absoluta subiu (P <0,001). Um aumento de seis vezes na dose de ferro (40-240 mg) resultou num incremento de apenas três vezes no ferro absorvido (6,7-18,1 mg).

Numa terceira fase, concluiu-se que a absorção total de ferro a partir de três doses (duas de manhã e uma de tarde) não foi significativamente maior em comparação com a toma de somente duas doses pela manhã. Administrar doses mais baixas (40-80 mg) e evitar a dosagem de duas vezes ao dia maximiza a absorção fracionada. A duração da resposta da hepcidina suporta a suplementação de ferro em dias alternados nas mulheres jovens com deficiência de ferro. ND 18 de novembro de 2016

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HOJE

«A utilização de linfócitos T no combate a leucemias e linfomas está a suscitar grande entusiasmo» «Novas perspetivas na imunoterapia das neoplasias hematológicas» é o tema da conferência que o Prof. Bruno Silva-Santos, vice-diretor do Instituto de Medicina Molecular da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, apresenta hoje, entre as 10h30 e as 11h00. Em entrevista, o investigador explica o trabalho em que está envolvido neste momento, que estuda uma nova terapia com células T para o tratamento de leucemias e linfomas. por Marisa Teixeira

O futuro do combate às leucemias e linfomas passa pelas células T? 10

Atualmente, a utilização de linfócitos T no combate a leucemias e linfomas está a suscitar grande entusiasmo e há uma série de ensaios clínicos em curso com resultados notáveis, especialmente com os CAR [chimeric antigen receptors]. Trata-se de moléculas geneticamente modificadas que reconhecem o marcador da célula tumoral que se pretende matar e desencadeiam os seus mecanismos de morte programada (apoptose). Os CAR consistem numa forma de dirigir muito especificamente os linfócitos T para as células tumorais. Especialmente orientada para leucemias e linfomas de células B, através do marcador CD19, esta terapia tem apresentado resultados com mais de 90% de remissões em leucemias agudas e de 50% em alguns linfomas.

A imunoterapia em que se tem focado, embora baseada em linfócitos T, é diferente da realizada com os CAR? Sim, tem um princípio diferente. Estamos a focar-nos num subtipo de linfócitos T que nunca tinha sido testado na clínica, as delta one T (DOT) cells, cuja maior limitação para aplicação clínica é a sua baixa quantidade no sangue, sendo difícil manipular tão poucas células. Ao contrário da terapia com CAR, cingida neste momento ao tratamento de tumores de células B, as DOT permitem maior abrangência, por exemplo, para leucemias da linhagem mieloide.

Como foi ultrapassado o desafio de as células DOT existirem em baixa quantidade no sangue?

avançarmos para outros tipos de tumores, como o mieloma múltiplo.

Demorámos dois anos e meio para descobrir como seria possível fazê-las proliferar vigorosamente, percorremos 2 488 hipóteses diferentes de estimulação destas células e descobrimos a «receita» ideal, que patenteámos. Na realidade, tivemos de combinar oito moléculas distintas. Além de encontrarmos uma solução para expandir o número de células, conseguimos aumentar a sua capacidade antitumoral. Portanto, transformámos estas células, que tinham a capacidade de matar, mas pouco, em «assassinas profissionais», maximizando a sua quantidade e qualidade. Até agora, realizámos todos os ensaios pré-clínicos, incluindo em modelos animais, e pretendemos arrancar brevemente com um ensaio clínico de fase I.

Pretende continuar a explorar a terapia com células DOT nos cancros hematológicos?

Quando arrancou a investigação? A descoberta inicial foi feita em 2011 e publicada no Blood Journal. A ideia derivou do trabalho do meu aluno Daniel Correia, primeiro autor do trabalho, que, entretanto, me convenceu a criar uma empresa, a Lymphact, que existe desde 2013, para se avançar com esta investigação. Em junho deste ano, foi publicado na revista Clinical Cancer Research um artigo em que explicamos como funcionam estas células em modelos animais no tratamento da leucemia linfocítica crónica, o primeiro modelo a que nos dedicámos. Estamos agora com os ensaios clínicos em curso para a leucemia mieloide aguda e à espera de financiamento para

Os tumores sólidos serão um desafio futuro, mas a aposta inicial é nos hematológicos, até pela grande abertura à imunoterapia que encontrámos por parte dos hematologistas. Atualmente, a decisão estratégica a tomar relaciona-se com a indicação a seguir no ensaio clínico de fase I. Deveríamos avançar para o tratamento da leucemia mieloide aguda porque, quando há uma recidiva depois da quimioterapia, o que acontece em cerca de 50 a 75% dos casos, o prognóstico é péssimo.

Qual seria o cenário ideal num futuro próximo? Em biotecnologia, é difícil que uma pequena empresa consiga chegar à comercialização do produto. A dado momento, geralmente, estas empresas são absorvidas pelas grandes farmacêuticas. Isso terá de acontecer, depois de, com o sucesso que esperamos, realizarmos os primeiros ensaios clínicos. Outra ambição que temos é a passagem de terapias autólogas – nas quais utilizamos as células do próprio doente – para terapias off the shelf, ou seja, um cenário em que teríamos dadores «universais» de células, o que é um enorme desafio. Estamos muito excitados com o facto de as nossas células poderem ser a solução, pois não intervêm na maior complicação da terapia alogénica: a doença do enxerto contra hospedeiro. ND


Detetar biomarcadores prognósticos em LBDGC

«Biomarcadores prognósticos do tumor e do microambiente em LBDGC [linfoma B difuso de grandes células]: virtudes e limitações da imuno-histoquímica» é o tema da Lição Belén Gomez – Junior Lecture, que se realiza entre as 11h30 e as 12h00. Nesta conferência, a Dr.ª Rita Coutinho, hematologista no Instituto Português de Oncologia de Lisboa, falará sobre uma investigação que levou a cabo entre 2010 e 2014, no Barts Cancer Institute, em Londres.

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por Marisa Teixeira

esenvolver biomarcadores prognósticos para o LBDGC, o linfoma mais comum no adulto, foi o principal objetivo do trabalho que Rita Coutinho desenvolveu no Barts Cancer Institute, pois «a quimioimunoterapia não representa um tratamento adequado para uma percentagem substancial de doentes que deveriam ser reconhecidos ao diagnóstico». «Nesse âmbito, utilizámos, primariamente, técnicas de imuno-histoquímica, para encontrar biomarcadores prognósticos ou, pelo menos, testar a validade dos que já eram utilizados até então», refere a investigadora. Para tal, partindo da hipótese de que a imuno-histoquímica não representa uma técnica adequada para estabelecer a classificação da célula de origem em LBDGC, o grupo de Rita Coutinho reuniu 300 amostras diagnósticas de doentes com esta neoplasia tratados de forma homogénea com R-CHOP (rituximab + ciclofosfamida, doxorrubicina, vincristina e prednisona), aplicando nove algoritmos já existentes e avaliando a concordância entre eles para classificar cada doente individualmente. O trabalho desenvolvido sugere que a imuno-histoquímica não é a melhor alternativa, uma vez que a consistência entre os algo-

ritmos se revelou muito baixa. Os resultados foram publicados na revista Clinical Cancer Research, em 2013. Posteriormente, a investigação centrou-se no microambiente do tumor e no seu papel no prognóstico dos doentes com LBDGC. «Já existiam vários trabalhos neste contexto usando a imuno-histoquímica, mas sofriam de algumas limitações técnicas», comenta Rita Coutinho. E acrescenta: «Estudámos as células T e os macrófagos com um método de avaliação semiautomático de análise da imuno-histoquímica e, desta forma, consideramos ter contornado o problema da heterogeneidade da análise manual da imuno-histoquímica para a exploração do microambiente tumoral.» Esta avaliação revelou que os doentes com elevada densidade de linfócitos T totais e de células T com expressão de FoxP3 têm melhor prognóstico. Estes resultados foram publicados na revista Haematologica, em 2015. Numa terceira fase, Rita Coutinho, juntamente com a sua equipa, estudou mais aprofundadamente os macrófagos, com a utilização de técnicas de cell-sorting e de gene expression profiling, pois «muitos dados indiretos provenientes de estudos de

Concordância entre algoritmos de classificação da célula de origem к

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Hans Hans* Nyman Choi Choi* Natkunam Tally Muris Visco *Modificada

Razoável

Moderada

Boa

Muito Boa

Currículo em resumo

Rita Coutinho, de 37 anos de idade, iniciou a sua carreira de hematologista no Centro Hospitalar do Porto/ /Hospital de Santo António, tornando-se especialista em 2010. Durante o seu internato, trabalhou com hemato-oncologistas dedicados às doenças linfoproliferativas, como o Dr. Armando López-Guillermo e a Dr.ª Silvia Montoto. Em 2010, rumou ao Barts Cancer Institute, em Londres, onde realizou o seu doutoramento. Atualmente, exerce no Instituto Português de Oncologia de Lisboa. expressão génica mostravam que os macrófagos e as células T tinham algum papel no prognóstico dos doentes». «Ficou demonstrado que estas células imunes são heterogéneas do ponto de vista funcional. Tal dependerá de vários fatores, como o local onde estas células se encontram ou o oxigénio que lhes é providenciado, entre muitos outros», explica Rita Coutinho. Este trabalho deverá providenciar novos marcadores proteicos dos macrófagos que poderão vir a ser utilizados no futuro. Este trabalho está a ser continuado por um grupo da Universidade de Stanford, nos EUA, liderado pelo Dr. Ash Alizadeh, investigador e docente de Oncologia e Hematologia. «Neste momento, estão a analisar os perfis de expressão génica que o nosso grupo desenvolveu, esperando que resultem numa publicação em breve. O grupo de Stanford tem uma experiência estabelecida neste tipo de análise bioinformática que será muito útil», remata Rita Coutinho. NP 18 de novembro de 2016

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HOJE – Programa de Enfermagem

Estratégias de apoio ao doente em análise

Enf.º José Malta

Enf.ª Helena Fernandes

Enf.ª Susana Marques

O papel das terapias complementares na abordagem do doente hemato-oncológico; os cuidados específicos aos doentes em vias de transplante; a comunicação em Oncologia, a reabilitação e as especificidades da dieta são os tópicos abordados nas sessões do Programa de Enfermagem, entre as 9h00 e as 17h00.

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por Sandra Diogo

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ma vez que as terapias complementares começam a ocupar um lugar cada vez maior no acompanhamento dos doentes oncológicos, a mesa-redonda que inaugura o Programa de Enfermagem deste ano visa discutir os benefícios que lhes estão associados e as estratégias de integração no processo de tratamento. Reiki e medicina tradicional chinesa serão as terapias em análise, mas também haverá lugar para a apresentação da realidade espanhola neste âmbito. «Estudos recentes demonstraram os efeitos positivos desta terapia na redução da sintomatologia associada ao uso de fármacos e do reforço do sistema imunitário, pelo que é pertinente debatermos a possibilidade da sua integração, organizada e estruturada, no tratamento das doenças hematooncológicas», explica o Enf.º José Malta, diretor da Escola de Terapias Naturais Voz do Silêncio e moderador desta mesa-redonda. Segue-se o painel sobre questões relacionadas com a dinâmica dos cuidados ao doente em projeto de transplante, nomeadamente

a consulta de enfermagem no alo e no autotransplante e a colheita e infusão de células. «O papel do enfermeiro nesta fase da vida do doente é essencial, já que estamos a falar de um processo readaptativo e de um momento de maior fragilidade. Compete-nos desmistificar os medos, gerir a ansiedade e alimentar a esperança de vida que o transplante traz ao doente e família», salienta Helena Fernandes, enfermeira-chefe do Serviço de Hematologia Clínica do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e moderadora da sessão. Já na parte da tarde, a Sessão Educacional I vai discutir as estratégicas de recuperação do doente hemato-oncológico, nomeadamente o papel do enfermeiro no sucesso dos programas de exercício para reabilitação em casos de remissão/doença estabilizada. «O restabelecimento físico tem uma influência preponderante para a reaquisição do bem-estar psicológico, o que, em doentes que ficaram afastados da sua realidade quotidiana, terá influência ao nível da reintegração familiar, profissional e social», frisa a Enf.ª Susana Marques, do Serviço do Hos-

Comunicação com os doentes oncológicos

pital de Dia - Adultos do IPO Porto e moderadora desta sessão. A importância da dieta nestes doentes e as alterações das indicações nutritivas ao longo dos anos serão também abordadas nesta sessão. «O ideal é que todos os doentes tenham acesso a uma consulta deste âmbito, já que é fundamental a monitorização do peso, mas também da massa muscular e gorda», refere a moderadora. Na opinião de Susana Marques, este assunto ganha particular relevo nos doentes hemato-oncológicos, que muitas vezes perdem o paladar e o apetite ou sofrem alterações gastrointestinais. «Hoje em dia, há diversas soluções para estes casos, nomeadamente a suplementação hiperproteica/hipercalórica, que poderá ter um papel na recuperação durante e pós-quimioterapia.» A fragilidade emocional dos doentes será ainda analisada na intervenção relativa ao regresso a casa. «Será abordada a transição do doente paliativo para o domicílio e o impacto desta transição no doente e no cuidador», conclui Susana Marques. ND

No Programa de Enfermagem de hoje, terá ainda lugar a conferência da Prof.ª Ivone Patrão, docente e investigadora no ISPA – Instituto Universitário de Ciência Psicológicas, Sociais e da Vida, em Lisboa, dedicada à comunicação em Oncologia. «O meu objetivo central é chamar a atenção para a importância de um diálogo centrado na pessoa e na família e não só na tecnologia e na farmacologia», antecipa a oradora. Para isso, irá apresentar algumas competências básicas e avançadas que se podem fomentar: «Por um lado, é muito importante ouvirmos as necessidades das pessoas, para ficarmos mais próximos delas e sermos mais eficazes no que queremos transmitir; por outro, é essencial validar aquilo que os doentes estão a sentir.» Uma vez que, por vezes, o doente não consegue compreender todas as informações fornecidas, Ivone Patrão também vai falar sobre a relevância de envolver a família neste processo. «Há estudos que demonstraram que as pessoas levam, em média, 15 dias a processar não só a informação fornecida, como também as emoções daí decorrentes. Por isso, o enfermeiro assume aqui o papel de facilitador da relação de ajuda, num gesto que tem concretização prática na adesão aos tratamentos e às consultas», remata.


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HOJE

BCR e BCL2 abrem novos caminhos no tratamento da LLC

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reletor da Lição «Biologia e tratamento da leucemia linfocítica crónica [LLC]», entre as 14h30 e as 15h15, o Prof. John Gribben, hematologista no Barts Cancer Institute, em Londres, irá basear a sua apresentação na importância da sinalização do BCR (recetor de célula B, na sigla em inglês) e da sobre-expressão da BCL2 (proteína b-cell lymphoma 2), como características biológicas fundamentais da LLC, cujos resultados foram demonstrados em estudos recentes. «A importância destas vias tem sido exemplificada pelo uso bem-sucedido de novos agentes que as têm como alvo. Estu-

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«Apesar da esperança que os novos fármacos proporcionam, há ainda alguns desafios, como o tratamento prolongado. Embora os efeitos secundários não sejam significativos, o doente terá de fazer a terapêutica oral para o resto da vida»

dos que utilizam os inibidores do BCR, como o ibrutinib, demonstraram taxas de resposta muito elevadas e remissões duradouras em indivíduos com doença recidivante, refratária e, mais recentemente, também em doentes não tratados previamente», frisa o especialista. Em análise nesta conferência também estarão os resultados obtidos com o venetoclax, um inibidor da BCL2, que «tem demonstrado boas taxas de resposta em doentes de alto risco, muito refratários». Apesar da esperança que estes novos fármacos proporcionam, há ainda alguns desafios por vencer, nomeadamente o tratamento prolongado. Ou seja, embora os efeitos secundários não sejam significativos, o doente terá de fazer a terapêutica oral para o resto da vida. É nesse âmbito que John Gribben pretende lançar uma questão para discussão: «Será que podemos identificar grupos de doentes que poderão beneficiar da quimioterapia por um período de tempo determinado, que lhes proporcione remissões muito longas, evitando assim que tenham de tomar um comprimido diariamente durante toda a sua vida?» O hematologista pretende ainda incentivar o debate sobre o desenvolvimento de

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estratégias curativas para a LLC, o que, na sua opinião, passará pela associação de terapêuticas. Neste contexto, John Gribben defende que o plano de ação deverá basear-se na seleção do melhor tratamento para cada doente, nos seus objetivos terapêuticos e nas comorbilidades associadas que possa ter. «Isso não só permitirá que os doentes deixem de estar obrigados a tomar comprimidos todos os dias, como representará um alívio sobre os nossos sistemas de saúde, uma vez que estamos perante fármacos que representam um encargo financeiro importante», remata. NP Sandra Diogo

Novidades no tratamento do linfoma folicular

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DR

s mais recentes avanços no tratamento do linfoma folicular vão estar em discussão no simpósio-satélite organizado hoje pela Roche, entre as 13h15

e as 14h30. Em destaque estará o obinutuzumab, o primeiro anticorpo monoclonal humanizado anti-CD20 submetido a ensaios clínicos em doenças linfoproliferativas. Entre outros estudos, o Prof. John Gribben, orador neste simpósio e hematologista no Barts Cancer Institute, em Londres, apresentará dados do estudo GADOLIN, um ensaio de fase III que testou o obinutuzumab em doentes com linfoma não Hodgkin (LNH) indolente CD20+ em recaída/refratários a rituximab. Segundo o moderador da sessão, Dr. Fernando Príncipe, hematologista no Centro Hospitalar de São João, no Porto, este ensaio e outros, como o GAUSS, o GAUDI e o GAUGUIN de fase II, «demonstram a eficácia do obinutuzumab em linfomas indolentes refratários/recaída, quer em monoterapia quer em associação a poliquimioterapia». De

acordo com o especialista, «este fármaco tem um mecanismo de ação distinto do rituximab, que passa pelo aumento da capacidade de ligação ao fragmento FcγRIIIa e pela ação ADCC (antibody dependent cell mediated cytotoxicity), bem como pelo reconhecimento de epítopos tipo II do antigénio CD20». Membro do board da European Hematology Association (EHA), John Gribben é um investigador reconhecido internacionalmente na área do cancro, sendo autor de mais de 400 artigos e capítulos de livros. As suas áreas de investigação principais são o tratamento do linfoma e da leucemia linfocítica crónica, a imunoterapia oncológica (incluindo o transplante de células estaminais hematopoiéticas), a caracterização de antigénios tumorais e a erradicação da doença residual mínima.


Ontem

Abordagem hematológica nas grávidas

O

s problemas associados à gravidez «são menos habituais na prática clínica da maioria dos hematologistas, pelo que é importante que os procedimentos nos vários Serviços de Hematologia sejam concertados e uniformizados», frisou o Dr. Joaquim Andrade, hematologista no Centro Hospitalar de São João, no Porto, e coordenador do Curso de Hematologia na Gravidez, que decorreu ontem. Como as grávidas são acompanhadas, geralmente, nos centros de saúde, o responsável aproveitou para lembrar a importância de criar pontes e protocolos entre a Hematologia e a Medicina Geral e Familiar, para melhor abordar as grávidas com problemas do foro hematológico. Foram quatro os temas que deram corpo a esta formação, apresentados por especialistas de vários pontos do País, nomeadamente: «Anemia na gravidez» (Dr.ª Dialina Brilhante (diretora do Serviço de Imuno-Hemoterapia do Instituto Português de Oncologia de Lisboa); «Hemoglobinopatias e gravidez» (Dr.ª Tabita Magalhães Maia, he-

FORMADORES (da esq. para a dta.): Dr.ª Adriana Teixeira, Dr. Joaquim Andrade (coordenador), Dr.ª Dialina Brilhante e Dr.ª Tabita Magalhães Maia. Ausente na foto: Dr.ª Sara Morais

matologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra – CHUC); «Trombofilia na grávida» (Dr.ª Sara Morais, imuno-hemoterapeuta no Centro Hospitalar do Porto/

/Hospital de Santo António); e «Preservação da fertilidade nos doentes hematológicos» (Dr.ª Adriana Teixeira, hematologista no CHUC). NP Marisa Teixeira

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ontem

O lugar das técnicas moleculares em Hematologia

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Curso de Hematologia Laboratorial Molecular também decorreu ao longo da manhã de ontem, sob a coordenação da Dr.ª Paula Gomes, responsável pelo Laboratório de Hematologia Clínica do Centro Hospitalar de São João (LHC–CHSJ), no Porto, e pelo Prof. Manuel Sobrinho Simões, hematologista no mesmo hospital. Depois de a Prof.ª Celeste Bento, do Laboratório de Hematologia Clínica do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (LHC–CHUC), falar sobre a biologia molecular das anemias congénitas, seguiu-se a apresentação sobre a citogenética molecular nas hemopatias malignas, pela Dr.ª Maria José Soares, do LHC–CHSJ. Posteriormente, a Prof.ª Joana Diamond, investigadora no Instituto Português de Oncologia de Lisboa, explanou a análise quantitativa da expressão genética e respetiva padronização, e a Prof.ª Maria Luís Amorim, responsável pela Biologia Molecular do CHSJ, abordou a avaliação da doença residual mínima na leucemia mieloide aguda. Por fim, a next generation sequencing (NGS) foi analisada pela Dr.ª Margarida Coucelo, do LHC–CHUC.

A Prof.ª Celeste Bento foi uma das formadoras deste Curso, com uma intervenção sobre a biologia molecular das anemias congénitas

Comentando os objetivos deste Curso, Paula Gomes sublinha que «o avanço da tecnologia, até no que se refere aos equipamentos laboratoriais, tem permitido também uma evolução em várias áreas, como a descoberta de novos genes com valor prognóstico importante no decurso das leucemias». E Manuel Sobrinho Simões

Dr.ª Paula Gomes e Prof. Manuel Sobrinho Simões (coordenadores)

acrescenta: «Esta formação visou dar a conhecer as vantagens incontroversas de algumas técnicas laboratoriais moleculares em Hematologia e alertar para o facto de ainda existirem algumas “zonas cinzentas” neste âmbito, pois a interpretação dos resultados nem sempre é clara.» NP Marisa Teixeira

Personalização terapêutica em Oncologia

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Plenary Lecture on Cancer Biology, intitulada «What can a haematologist learn from a cancer geek?», encerrou ontem os Cursos de Síndromes Mielodisplásicas e de Hematologia Laboratorial Molecular. O conferencista, Prof. José Carlos Machado, membro do Conselho de Administração do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP), defendeu que, «para maximizar o impacto clínico do conhecimento sobre o cancro, é necessário ter em conta as células tumorais, o seu microambiente e as características do indivíduo em que a doença se desenvolve». Além disso, José Carlos Machado avançou outra questão que considera pertinente neste contexto: «Hoje, temos opções que permitem tratar o cancro de uma forma mais específica. Usa-se muito o termo terapia personalizada, mas, em bom rigor, o que temos são biomarcadores que permitem

Dr. Ricardo Pinto (moderador), Prof. José Eduardo Guimarães (presidente da SPH), Prof. José Carlos Machado (conferencista) e Prof. Manuel Sobrinho Simões (moderador)

estratificar os doentes em grupos com grau variável de homogeneidade.» Neste sentido, outro dos assuntos que o especialista frisou relaciona-se, efetivamente, com «uma abor-

dagem quiçá mais próxima da verdadeira personalização terapêutica» – as abordagens do cancro por estimulação imunológica. NP Marisa Teixeira


Update em síndromes mielodisplásicas

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Dr.ª Francesca Pierdomenico, Dr. Ricardo Pinto (coordenador), Prof. António Almeida (coordenador) e Prof.ª Emília Cortesão

Curso de Síndromes Mielodisplásicas (SMD) foi coordenado pelo Dr. Ricardo Pinto e pelo Prof. António Almeida, hematologistas, respetivamente, no Centro Hospitalar de São João, no Porto,

e no Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa. Estes especialistas apresentaram alguns casos clínicos, que foram examinados in loco ao microscópio, no sentido de abordar o diagnóstico morfológico das

SMD. «Proporcionar aos participantes uma sessão dinâmica e interativa foi um dos objetivos desta formação, com a observação, por exemplo, de mielogramas e biópsias ósseas, pois a análise morfológica continua a ser o método-padrão de diagnóstico», sublinha António Almeida. Neste Curso, a Prof.ª Emília Cortesão, hematologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, apresentou as atualizações deste ano à classificação das SMD pela Organização Mundial da Saúde, destacando as SMD com sideroblastos em anel, a displasia multilinhagem e os sistemas de estratificação de risco. Os progressos na área da biologia molecular, com a identificação de diversas mutações associadas a várias mielodisplasias, foram abordados, em seguida, pela Dr.ª Francesca Pierdomenico, hematologista no IPO de Lisboa, que elucidou os participantes sobre o possível impacto destas mutações no prognóstico, na resposta à terapêutica e no risco de síndrome mielodisplásica. NP Marisa Teixeira

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ontem

Nova perspetiva no tratamento da LLC com Imbruvica®

«Imbruvica® as a new therapeutic approach for CLL: How I treat my patients?» foi o título de um dos simpósios-satélite promovidos ontem pela Janssen. Em debate esteve a mudança de paradigma no tratamento da leucemia linfocítica crónica (LLC) introduzida pelo Imbruvica® (ibrutinib), particularmente nos doentes refratários ou recidivantes.

E

por Marisa Teixeira

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ntre os desafios que a LLC hoje enfrenta, o Prof. Paolo Ghia, docente de Medicina Interna na Università Vita-Salute San Raffaele, em Itália, e orador neste simpósio-satélite, sublinhou «a gestão e o tratamento dos doentes de alto risco, que possuem anomalias genéticas, particularmente alterações no gene TP53, uma população especialmente refratária à quimioterapia e à imunoquimioterapia», pelo que «deve ser tratada com ibrutinib em primeira linha». «Embora ainda não se conheçam os seus efeitos a longo termo, até à data, este fármaco tem mostrado muito bons resultados», avançou. Em doentes já submetidos a vários tratamentos, os desafios são ainda maiores, pois, «apesar de o ibrutinib ser benéfico em termos de sobrevivência livre de progressão, a sua eficácia é menor do que se fosse tomado em primeira linha». Nesse sentido, o especialista italiano ressalvou que, no futuro, «a tendência será existirem cada vez menos doentes com LLC refratária ou recidivante,

Resultados promissores

Dr. José Pedro Carda, Dr. João Paulo Fernandes (moderadores) e Prof. Paolo Ghia (orador)

porque serão mais os casos a serem tratados inicialmente com ibrutinib, sendo que os doentes sem alterações genéticas também beneficiam deste fármaco». Paolo Ghia abordou também alguns dados do estudo RESONATE-2 (ver caixa), que classificou como «muito atrativos», pela eficácia, segurança e tolerabilidade demonstradas. O orador aproveitou para referir que outro desafio futuro será encontrar uma forma de tratamento não contínua, como acontece com o ibrutinib em monoterapia, apontando a eventual solução de «utilizar este fármaco em combinação com outros».

Mudança de paradigma «Se, há alguns anos, o tratamento dos doentes com LLC era feito em alguns doentes com quimioterapia convencional e noutros com quimioterapia muito menos agressiva, que

O RESONATE-2 (Ibrutinib as Initial Therapy for Patients with Chronic Lymphocytic Leukemia), da autoria de Burger et al., publicado no New England Journal of Medicine, em 2015, é um estudo multicêntrico de fase III, aleatorizado e aberto, que avaliou a eficácia e a segurança do ibrutinib em monoterapia, comparativamente a clorambucilo, em doentes com uma idade de 65 anos ou mais e sem tratamento prévio. Os resultados, com um follow-up de 18,4 meses, mostraram que o ibrutinib prolongou significativamente a sobrevivência livre de progressão, com uma redução de 84% no risco de progressão da doença ou de morte. A taxa de resposta global foi de 86% versus 35% com clorambucilo. De frisar que 98% dos doentes estavam vivos após dois anos de tratamento.

acabava por ser paliativa, hoje em dia, temos à nossa disposição múltiplos fármacos, dirigidos a alvos moleculares específicos, o que transformou por completo o paradigma do tratamento da LLC», sublinhou o Dr. José Pedro Carda, hematologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e moderador deste simpósio-satélite. O outro moderador, Dr. João Paulo Fernandes, coordenador da Unidade de Oncologia do Hospital CUF Descobertas, em Lisboa, acrescentou: «A história do tratamento da LLC tem acompanhado a tendência geral da Medicina – identificação de alvos e fármacos mais “inteligentes”.» Tendo em conta a sua experiência clínica com o ibrutinib, também os moderadores consideram que esta é uma opção a considerar, não só pela sua eficácia e segurança, como pela comodidade para o doente. «É muito confortável para o doente poder fazer a terapêutica oral, numa toma diária e única», frisou José Pedro Carda, adiantando que, «principalmente nos doentes refratários ou recidivantes, submetidos a múltiplos tratamentos e já cansados de estar no hospital, a toma do ibrutinib torna-se muito vantajosa». E João Paulo Fernandes remata: «Há um longo caminho a percorrer e creio que a individualização do tratamento tem ainda de ser maximizada. Especificamente em relação ao ibrutinib, tal deverá acontecer ao nível das doses, da duração do tratamento e da sua combinação com outras armas terapêuticas.» NP


Daratumumab: novo fármaco para o mieloma múltiplo

A Prof.ª Maria Victoria Mateos, diretora da Unidade de Mieloma do Hospital Universitário de Salamanca, em Espanha, foi a palestrante do simpósio-satélite «Darzalex®: from a new target to new possibilities», promovido ontem pela Janssen. A possibilidade de vir a ser associado à maioria dos protocolos terapêuticos atuais, potenciando a sua eficácia, é uma das mais-valias do daratumumab, o primeiro anticorpo monoclonal anti-CD38 aprovado em monoterapia para o tratamento do mieloma múltiplo (MM) em doentes em recaída ou refratários.

O

por Marisa Teixeira

mecanismo de ação é uma das características diferenciadoras do daratumumab, comparativamente aos restantes fármacos utilizados para tratar o MM. «Este fármaco tem um mecanismo de ação muito atrativo, é um antitumoral direto, ou seja, ataca a célula plasmática do mieloma, mas também tem um efeito imunomodulador, estimulando e potenciando uma população de linfócitos T citotóxicos, que vão contribuir para a destruição das células tumorais», explicou Maria Victoria Mateos. «Até agora, só tínhamos disponíveis inibidores do proteassoma, imunomoduladores, corticoides e agentes alquilantes, portanto, a introdução deste anticorpo monoclonal no nosso armamentário terapêutico é uma excelente notícia, até porque tem revelado resultados bastante positivos», comentou a Dr.ª Fernanda Trigo, hematologista no Centro Hospitalar de São João, no Porto, e moderadora nesta sessão. Maria Victoria Mateos referiu que «o daratumumab tem demonstrado ser eficaz em doentes duplamente refratários, uma vez que 30% deles respondem à terapêutica e, na sua grande maioria (80%), a doença estabiliza – o que se traduz no prolongamento da sobrevivência livre de

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Dr.ª Fernanda Trigo (moderadora), Prof.ª Maria Victoria Mateos (oradora) e Prof. Paulo Lúcio (moderador)

progressão e da sobrevivência global». Esta população de doentes, segundo a oradora, tem uma sobrevivência média global de 8 ou 9 meses e, com o daratumumab, esta é aumentada para 20 meses. Além disso, a especialista espanhola destacou o facto de, em apenas 0,9 meses, ser possível perceber se o doente responde ou não à terapêutica. O Prof. Paulo Lúcio, também moderador deste simpósio-satélite e hematologista na

Fundação Champalimaud, em Lisboa, falou sobre a sua experiência com o daratumumab. «Quer no contexto de ensaio clínico quer na prática clínica, destaco a muito boa tolerância deste fármaco. Por ser um anticorpo monoclonal, o daratumumab pode provocar reações relacionadas com a perfusão, mas estas são facilmente controladas. Até hoje, os doentes que acompanhei receberam todas as doses prescritas de daratumumab», concluiu. NP

«O rituximab dos mielomas»

«É muito difícil não fazer o paralelismo entre o aparecimento do daratumumab e o que aconteceu, há uns anos, com o rituximab na área dos linfomas. Admito que, a médio prazo, o daratumumab possa fazer parte de praticamente todos os protocolos terapêuticos, quer em primeira linha quer em contexto de recaída/tumor refratário.» É desta forma que Paulo Lúcio antecipa o que acredita que virá a acontecer com o daratumumab, até porque «este fármaco traz mais benefícios aos doentes quando utilizado mais precocemente». Por sua vez, a Dr.ª Fernanda Trigo sublinha não existir, até à data, nenhuma terapêutica-alvo como esta, afirmando que «o daratumumab pode ser encarado como o rituximab dos mielomas». E acrescenta: «O futuro passará, possivelmente, por associar várias armas terapêuticas com alvos de ação completamente distintos – um anticorpo monoclonal, um inibidor do proteossoma, um imunomodulador e um corticoide. Mecanismos de ação diferentes, mas que se complementam e potenciam na capacidade de matar as células tumorais.» Já a Prof.ª Maria Victoria Mateos evidencia que, «num futuro mais próximo, o daratumumab será utilizado nos doentes em recaída, depois de uma linha de tratamento, em combinação com a lenalidomida e a dexametasona ou o bortezomib e a dexametasona». Num cenário mais longíquo, «o daratumumab será uma opção de primeira linha e um “backbone”, ao qual serão adicionados diferentes padrões de tratamento em todas as linhas terapêuticas». 18 de novembro de 2016


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