Correio SPN - Edição diária - 15 de novembro de 2019

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Edição Diária do Congresso de Neurologia 2019

Correio spn (13 a 16 de novembro)

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novembro

Dinâmica da Neurologia portuguesa

6.ª feira

Com uma das maiores participações de sempre – cerca de 700 congressistas, entre os quais 400 médicos – o Congresso de Neurologia 2019 tem manifestado a vitalidade da especialidade em Portugal, também expressa nas 78 comunicações orais e nos 206 e-posters apresentados. O programa científico prossegue hoje, com a discussão de temas como as oportunidades e os desafios da formação pré e pós-graduada (pág.3), a utilização de biomarcadores em doenças neurodegenerativas (pág.5), o diagnóstico das doenças mitocondriais (pág.6), a prevenção e o tratamento das epilepsias refratárias na idade pediátrica (pág.8), os avanços na abordagem das doenças da substância branca e o desenvolvimento da terapêutica génica (pág.11). Amanhã, além da discussão de casos clínicos sobre alterações cognitivas, esclerose múltipla na neuropediatria e doença vascular cerebral (pág.12) serão debatidos o pré-tratamento dos distúrbios do movimento (pág.14) e as guidelines e controvérsias atuais no tratamento das cefaleias (pág.16).


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15 de novembro – 6.ª feira

Oportunidades e desafios da formação pré e pós-graduada A mesa-redonda «Universidade: formação e pedagogia», entre as 10h30 e as 12h00, na Sala A, aposta na reflexão sobre as oportunidades e os desafios da formação pré e pós-graduada, desde as licenciaturas em Medicina até aos programas de doutoramento. Ao Correio SPN, os Profs. Lino Gonçalves e João Cerqueira antecipam algumas ideias das suas comunicações.

Formação pós-graduada em Cardiologia à escala europeia

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Sociedade Europeia de Cardiologia (SEC) está a fazer um update do core curriculum que incluiu os principais temas com os quais os cardiologistas têm de estar familiarizados, em termos de conhecimentos, competências e atitudes. Esta versão, que sucede à de 2013, será lançada em 2020. O core curriculum é a base do treino da Cardiologia geral e o caminho para o exame europeu de Cardiologia. A SEC tem uma plataforma de treino e educação cujo objetivo é ajudar na preparação para o exame europeu, a ESCeL – European Society of Cardiology e-Learning. Também permite o acesso a um logbook, no qual o jovem em formação regista aquilo que fez e a forma como o fez, sendo esta informação validada pelo seu mentor. Assim se garante uma interação próxima entre o jovem em treino e o seu mentor, porque há, de facto, pressupostos e objetivos que têm de ser cumpridos. A SEC também disponibiliza uma área de Patient Safety, uma lista para os jovens em formação registarem as complicações que enfrentaram durante o treino, possibilitando que o mentor local verifique os problemas e ajude o jovem em treino a melhorar. Outra área de avaliação é o DOPS (Direct Observational Practical Skills), através do qual o tutor tem de avaliar o jovem em treino, em três períodos da sua formação (início, meio e fim). Trata-se de uma ferramenta muito importante em termos de suporte ao treino e de preparação para o exame. Esta plataforma aplica-se não só à Cardiologia geral, mas também às subespecialidades. Recentemente, a SEC decidiu criar e desenvolver o European Council on Standards of Education and Accreditation, um “guarda-chuva” muito amplo sob o qual existem três comités: um de acreditação de eventos e produtos de educação; outro de certificação, que junta a Cardiologia geral e todas as subespecialidades para harmonizar a certificação a nível europeu (exames europeus); e o terceiro comité tem as incumbências da acreditação dos centros de treino e da aferição da qualidade da formação dos internos de Cardiologia.» Prof. Lino Gonçalves, diretor do Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, professor catedrático na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e presidente do European Council on Standards of Education and Accreditation

Os programas doutorais para médicos/neurologistas

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ou falar sobre os programas de pós-graduação, nomeadamente os doutorais, referindo até que ponto o neurologista pode e deve envolver-se nestes programas, apostando na sua diferenciação, e como é possível compatibilizar essa vertente com o internato, ou se é melhor apostar nessa formação mais tarde. Também vou discutir até que ponto os programas de formação das escolas médicas são adaptados à realidade ou se é necessário fazer adaptações e introduzir alguma flexibilidade para que seja possível compatibilizar a prática clínica e o internato com os programas de formação pós-graduada. Mais do que a obtenção do doutoramento, o processo para lá chegar é importante, sobretudo por proporcionar uma experiência de investigação de maior fôlego, mais estruturada, mas com vários anos de trabalho. Essa experiência é altamente enriquecedora, pois permite que a pessoa aprenda muito, além dos resultados que obtém, que são sempre importantes. Por outro lado, permite alcançar uma visão diferente, ao abordar as questões pela perspetiva da investigação, mas que é possível transpor para a prática clínica, permitindo melhorar o que fazemos. Isso é importante para os médicos e para o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Neste âmbito, é preciso lembrar que o SNS não está preparado para facilitar aos médicos, neste caso neurologistas, a sua participação em projetos de investigação, nomeadamente de doutoramento. Embora haja legislação, como o Estatuto do Interno Doutorando ou o novo decreto-lei que regula os centros académicos clínicos, que prevê essa facilitação, na prática, não se verifica o que está previsto, sobretudo por questões de financiamento. Para que os médicos que trabalham no SNS possam, no seu horário laboral, fazer investigação, como está previsto, é preciso que alguém faça o trabalho que eles deixam de fazer. E é preciso saber quem paga esse trabalho. Quando chegamos à questão dos números, nada sai do papel.» Prof. João Cerqueira, neurologista no Hospital de Braga e diretor do curso de Medicina da Universidade do Minho

NOTA: nesta mesa-redonda intervém ainda Gonçalo Rei, estudante na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, que vai destrinçar o tema «A formação médica pré-graduada e a Neurologia: transferência de conhecimento».

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Teriflunomida e alemtuzumab na prática clínica

Dr. João Ferreira

Dr. Joaquim Pinheiro

Dr. Vasco Salgado

Prof.ª Sónia Batista

A evidência que suporta a eficácia e o perfil de segurança da teriflunomida e do alemtuzumab vai ser apresentada e discutida no simpósio-satélite organizado hoje pela Sanofi Genzyme, entre as 12h00 e as 13h00, na Sala A. Mais do que os resultados dos ensaios clínicos, vão ser discutidos dados recentes da experiência de vida real com estas terapêuticas para a esclerose múltipla (EM). Luís Garcia

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que se aprendeu, até ao momento, sobre a teriflunomida com a experiência de vida real? É a esta questão que vão procurar responder o Dr. João Ferreira, neurologista no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria, e o Dr. Joaquim Pinheiro, neurologista no Centro Hospitalar de Vila de Nova de Gaia/Espinho. De acordo com o moderador desta primeira parte do simpósio e responsável pela Consulta de Esclerose Múltipla do Serviço de Neurologia do Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, Dr. Vasco Salgado, «a prática clínica até excedeu um pouco o que foi inicialmente descrito nos ensaios clínicos». E explica porquê: «A teriflunomida demonstrou ser um fármaco com um perfil de segurança muito favorável, com boa tolerância e uma eficácia muito apreciável no contexto da primeira linha terapêutica da EM.» Segundo Vasco Salgado, a principal vantagem deste fármaco é o facto de ser de toma oral, tendo um perfil de eficácia «muito semelhante» ao das terapêuticas injetáveis de primeira linha. «Muitos doentes não toleram injeções sistemáticas durante tempo indeter-

minado e começam a queixar-se da frequência e da intensidade dos efeitos secundários, o que leva à redução da adesão à terapêutica», sublinha. É por isso que a maioria dos doentes em início de tratamento prefere um fármaco de administração oral. Porém, segundo este moderador, a teriflunomida não é apenas interessante para os doentes naïve e com atividade da EM reduzida a moderada. «Os doentes que estão a ser tratados com fármacos injetáveis e que, devido aos efeitos acessórios, preferem fazer o switch para a terapêutica oral também são bons candidatos ao tratamento com teriflunomida. Pela sua conveniência aliada à eficácia, este fármaco é, atualmente, a opção de primeira linha escolhida pela maioria dos doentes, segundo a minha experiência.» Quando a atividade da EM requer uma terapêutica de maior eficácia, o alemtuzumab é uma opção. Sobre a experiência clínica em Portugal com este fármaco vai falar a Prof.ª Sónia Batista, neurologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. A Prof.ª Ana Martins da Silva, neurologista no Centro Hospi-

talar Universitário do Porto/Hospital de Santo António, que modera esta sessão, começa por destacar «o facto de existirem dados a longo prazo da utilização deste anticorpo monoclonal, nomeadamente relativos aos doentes que participaram nos ensaios de fase 2 e 3, que comprovam a eficácia e o perfil de segurança do fármaco no controlo da doença». Os dados a longo prazo mostram que a eficácia do alemtuzumab é particularmente duradoura. «Cerca de 70% do global dos doentes tratados nos ensaios-piloto tinham a EM estabilizada ao fim de cinco ou nove anos e houve poucos dropouts ao longo do tempo. O controlo da doença traduz-se numa muito baixa taxa de surtos, na estabilidade em medidas de incapacidade, como a pontuação na Escala Expandida do Estado de Incapacidade (EDSS), e em parâmetros de atividade na ressonância», salienta Ana Martins da Silva. E conclui: «O alemtuzumab modifica efetivamente o sistema imune. É quase como um transplante de medula induzido farmacologicamente, o que se traduz numa eficácia que perdura ao longo do tempo.»

Relação benefício/risco do alemtuzumab

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Prof.ª Ana Martins da Silva refere que os principais riscos associados ao alemtuzumab foram identificados nos ensaios de fase III e são controlados em programas de vigilância e monitorização rigorosos. «Os dados de vida real de que dispomos com o alemtuzumab – e que ainda não temos com os outros fármacos de reconstituição imunológica – mostram-nos como é importante adaptar os programas de vigilância e monitorização à globalidade dos doentes, que, necessariamente, são diferentes daqueles que foram incluídos nos ensaios clínicos.» Tomadas estas precauções, a neurologista considera que «o alemtuzumab é uma boa opção para os doentes que necessitam de um fármaco eficaz para impedir a progressão da EM, sobretudo pela diminuição do número de surtos, da atividade imagiológica e do número de lesões».

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Biomarcadores nas doenças neurodegenerativas Através da análise de diversos parâmetros das doenças neurodegenerativas medidos com várias tecnologias, a mesa-redonda que decorre das 14h30 às 15h30, na Sala A, pretende contribuir para a melhoria do diagnóstico e da predição do prognóstico, num caminho que culminará, idealmente, em tratamentos dirigidos a cada doente e não à doença.

Neuroimaging biomarkers

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he current talk will be focused on three major points: 1) The brain structural magnetic resonance imaging (MRI) features of the main neurodegenerative dementia, including Alzheimer’s disease (AD) and frontotemporal lobar degeneration (FTLD); 2) The critical issues in the use of MRI in clinical practice; 3) The contribution of other MR techniques, such as diffusion tensor MRI and resting state functional MRI, for the diagnosis. The main neurodegenerative conditions, such as AD and FTLD, in their typical or atypical manifestations, are characterized by specific structural MRI features or patterns that are highly suggestive of the underlying pathology. For this reason, in some neurodegenerative conditions, such as in the behavioral variant of frontotemporal dementia or in primary progressive aphasia, neuroimaging is currently supportive to the diagnosis by increasing significantly its specificity. Furthermore, in the clinical practice, supervised automatic tools, such as machine learning, are promising for assisting in the diagnostic classification at the individual patient level. Here, the information coming from one single modality (e.g., T1-weighted sequence) might be enriched by patient’s clinical information and/or other neuroimaging modalities. Other than structural MRI, further MRI sequences, investigating microstructural white matter changes or resting state functional brain connectivity, have been observed to provide a comprehensive picture of the neurodegenerative processes in vivo. The detection of these changes might reflect the signature of these disorders decades before the onset of symptoms.» Prof.ª Elisa Canu, investigadora no San Raffaele Scientific Institute da Vita-Salute San Raffaele University, em Milão

Biomarcadores em fluidos biológicos

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xistem proteínas que podem ser doseadas no líquido cefalorraquidiano (LCR), que podem ser úteis no diagnóstico diferencial e no prognóstico das doenças neurodegenerativas. O LCR tem sido o fluido mais usado na pesquisa de biomarcadores em doenças neurológicas, uma vez que está em contacto direto com o tecido cerebral. O processo de colheita deste líquido é invasivo, sendo que, atualmente, já temos a perspetiva de começar a fazer estes doseamentos no sangue periférico. Trata-se de um processo menos invasivo e que traz outras vantagens, pois é um tipo de fluido ao qual podemos ter acesso de forma repetida, permitindo a realização de estudos longitudinais. Ao medirmos proteínas de origem neuronal no sangue periférico, vai haver uma diluição muito grande das mesmas e os níveis vão ser muito baixos. Daí que os problemas existentes sejam de ordem técnica, no sentido de termos metodologia com sensibilidade suficiente para detetar níveis muito baixos dessas proteínas. Já existem três ou quatro metodologias que o permitem fazer, mas nenhuma está disponível em Portugal. No nosso centro, estamos em processo de aquisição de um desses equipamentos e, em princípio, até ao início do próximo ano, vamos ter em Portugal o primeiro equipamento que permite fazer a chamada Single Molecule Array (SIMOA), pelo que daremos os primeiros passos na abordagem pelo sangue periférico.» Prof.ª Inês Baldeiras, investigadora e responsável pelo Laboratório de Neuroquímica do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra

Neurofilamento de cadeia leve

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neurofilamento de cadeia leve (NfL) é uma proteína específica das células neuronais, doseável no líquido cefalorraquidiano (LCR) e no sangue, em particular quando ocorre degenerescência neuroaxonal. Os trabalhos mais recentes em modelos animais e doentes indicam que os níveis de NfL têm surgido elevados em diversas patologias neurológicas, sobretudo nas neurodegenerativas, mas também nas vasculares ou inflamatórias, podendo refletir o dano neuroaxonal independente da etiologia. Um dos aspetos mais interessantes observou-se recentemente na doença de Alzheimer (DA), concretamente nas suas formas familiares, em que os níveis de NfL no plasma começam a apresentar uma variação positiva cerca de 15 anos antes de os primeiros sintomas se manifestarem. Nessas formas familiares de DA, as pessoas herdam uma mutação genética que as predispõe para desenvolverem uma demência do tipo Alzheimer. O estudo que chegou a estas conclusões só foi possível devido à rede internacional Dominantly Inherited Alzheimer Network (DIAN), que inclui doentes de todo o mundo, avaliados exaustiva e prospectivamente, permitindo perceber a dinâmica da variação dos diferentes biomarcadores (bioquímicos, estruturais e metabólicos) ao longo dos estádios pré-clínicos e clínicos da doença. Foi a análise destes dados que permitiu concluir que, cerca de 15 anos antes do início previsto na clínica, os níveis de NfL começam a divergir entre os doentes e os controlos. Estes achados são altamente promissores para a comunidade neurológica, podendo abrir caminho à estratificação dos doentes e à monitorização da resposta a terapêuticas dirigidas a estádios pré-clínicos da DA através de uma amostra de sangue.» Prof. Luís Maia, neurologista no Centro Hospitalar Universitário do Porto

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Aspetos clínicos e diagnóstico das doenças mitocondriais Dedicada às doenças mitocondriais, a mesa-redonda que a Sala B recebe entre as 14h30 e as 15h30 terá duas preleções. A primeira vai discutir os aspetos clínicos e as várias funções da mitocôndria no doente e na pessoa sem doença. A segunda preleção vai abordar o diagnóstico, englobando as novas técnicas de next-generation sequencing (NGS) no algoritmo que conduz da suspeita à confirmação de doença mitocondrial.

Aspetos clínicos das doenças mitocondriais

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s doenças mitocondriais são raras e o seu diagnóstico é muito difícil. Inicialmente, não se pensa automaticamente nelas, precisamente pela sua raridade. Depois, os seus sintomas são semelhantes aos de doenças mais comuns e mais fáceis de diagnosticar. Porém, quanto mais a investigação avança, mais doenças mitocondriais aparecem. Neste momento, embora sejam consideradas doenças sem tratamento, estão a decorrer diversos ensaios clínicos e prevê-se que, num prazo relativamente breve, poderemos ter fármacos úteis no tratamento destas doenças. Assim, não podemos descurar o seu diagnóstico. Há dois grandes grupos etários de doentes nos quais as formas de atingimento das doenças mitocondriais são distintas. As formas clássicas, em que a doença surge na infância, são habitualmente mais graves e envolvem, sobretudo, o cérebro e órgãos sólidos como o fígado, o pâncreas ou o rim. No adulto, ainda que possam verificar-se sintomas neurológicos centrais, as formas mais frequentes envolvem o aparelho musculoesquelético, com predominância na musculatura ocular. Os adultos também podem ter formas encefalopáticas, mas são menos frequentes e o envolvimento de órgãos sólidos é uma raridade. Na maioria dos casos, os doentes têm fenótipos intermediários entre estes fenótipos clássicos descritos, que são as chamadas síndromes de sobreposição. Nesta preleção, também vou falar sobre o papel da mitocôndria noutras doenças neurológicas, nomeadamente nas neurodegenerativas e na imunidade inata.» Dr.ª Maria do Carmo Macário, neurologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra

Diagnóstico das doenças mitocondriais na era WES

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s doenças mitocondriais são um grupo de doenças clínica e geneticamente heterogéneas associadas a disfunções da mitocôndria, para as quais não existe uma terapia eficaz. Estas disfunções resultam numa deficiente produção de energia e podem afetar qualquer órgão ou tecido do organismo, embora o músculo esquelético, o músculo cardíaco e o sistema nervoso central sejam os mais afetados, devido à sua elevada dependência do metabolismo energético. As principais manifestações clínicas são: encefalomiopatias, atrofia ótica, surdez, falência hepática, fraqueza muscular, entre outras. O aparecimento dos primeiros sinais e sintomas pode ocorrer em qualquer idade, desde o período neonatal até à idade adulta, podendo ser rápidos e fatais no primeiro ano de vida ou progressivos, aparecendo em diferentes idades. Quanto às novidades no diagnóstico das doenças mitocondriais, estamos agora a utilizar a tecnologia de next-generation sequencing (NGS), que está a permitir um grande avanço no âmbito do diagnóstico molecular destas patologias, porque nos permite fazer a sequenciação de muitos genes e de muitos doentes, em simultâneo. Até 2014, fazíamos a sequenciação gene a gene, dependendo da clínica do doente. Atualmente, aplicamos esta tecnologia à sequenciação de um conjunto de genes previamente selecionados (painéis de NGS) ou a sequenciação do exoma clínico (mendelioma) ou do exoma humano completo (WES). A aplicação desta tecnologia, rápida, económica e eficaz está a permitir esclarecer a etiologia molecular de mais doentes e possibilitará oferecer um diagnóstico pré-natal e aconselhamento genético aos casais em risco.» Dr.ª Célia Nogueira, investigadora no Departamento de Genética Humana, na Unidade de Rastreio Neonatal, Metabolismo e Genética do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, no Porto

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Epilepsias refratárias: o que são, como prevenir e como tratar? As epilepsias refratárias, que representam cerca de 30% dos casos de epilepsia, vão estar em evidência na mesa-redonda marcada para as 17h00, na Sala A. O que são e como devem ser orientadas as epilepsias refratárias, como as evitar na perspetiva da neuropediatria e como as tratar são os tópicos a desenvolver pelos três oradores. O que é uma epilepsia refratária e como a orientar?

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International League Against Epilepsy (ILAE) define a epilepsia refratária (ER) como a falência no controlo das crises no doente com epilepsia com dois fármacos, devidamente escolhidos e administrados em doses consideradas terapêuticas, em monoterapia ou associados. Os doentes com ER podem ser vistos e diagnosticados em quatro níveis de assistência no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Esse circuito começa nos cuidados de saúde primários, de onde o doente deve ser sempre referenciado para a consulta de Neurologia mais próxima. Caso essa consulta não ocorra em tempo útil, o médico de família pode começar a medicação, tendo sempre em conta se se trata de uma mulher em idade fértil ou de um doente com comorbilidades e polimedicado, por exemplo. A Academia Americana de Epilepsia recomenda que pessoas que não estejam habituadas a tratar epilepsia possam usar o ácido valproico e o levetiracetam. O segundo nível de assistência é o do neurologista geral do hospital de proximidade. Se o doente estiver controlado, este especialista pode mantê-lo na sua consulta, sem referenciar para o terceiro nível. Contudo, se o doente tiver epilepsia refratária e for uma mulher que pretende engravidar, ou se tiver comorbilidades psiquiátricas ou efeitos adversos graves, deve ser enviado para um hospital com consulta multidisciplinar de epilepsia. Os casos mais complicados, que exigem técnicas cirúrgicas com uma sofisticação tecnológica mais específica, quer curativas quer paliativas, devem ser enviados para os centros de referência nacionais em epilepsia, que constituem o quarto nível de assistência no âmbito do SNS.» Dr. João Chaves, neurologista no Centro Hospitalar Universitário do Porto/Hospital de Santo António

É possível evitar que a epilepsia se torne refratária?

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epilepsia tem uma elevada incidência na idade pediátrica, apresentando diversas especificidades. O efeito desta patologia num cérebro em desenvolvimento, apesar do seu potencial de plasticidade, leva a que, desde a primeira crise, se procure a etiologia e o tratamento mais adequado. Em 2010, a ILAE definiu a farmacorresistência em epilepsia. Esta definição não se aplica a lactentes com síndromes epiléticas (síndrome de Ohtahara ou síndrome de West), pois a espera para estabelecer farmacorresistência teria consequências negativas no desenvolvimento; nem a epilepsias focais estruturais devido a malformações do desenvolvimento cortical; nem a displasias corticais focais, síndromes hemisféricas (hemimegalencefalia, síndrome de Sturge-Weber); nem a tumores benignos associados a epilepsia e a esclerose tuberosa, pois são etiologias cujo prognóstico em termos de crises e desenvolvimento é mais favorável nos casos submetidos a cirurgia precoce ou a terapêutica específica. É importante reconhecer os fatores de risco da refratariedade em epilepsia pediátrica, nomeadamente a idade de início precoce; o polimorfismo e o grande número de crises; a presença de espasmos epiléticos; o atraso de desenvolvimento/perturbação do desenvolvimento intelectual; e a etiologia estrutural ou metabólica. Todas as epilepsias refratárias e todas as epilepsias focais estruturais, mesmo aparentemente fármacoresponsivas, devem ser encaminhadas para centros especializados.» Dr.ª Cristina Pereira, neuropediatra no Centro de Desenvolvimento da Criança do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra

Como tratar?

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primeiro passo do tratamento de uma epilepsia refratária é rever o processo clínico do doente para determinar se não houve falhas na classificação do tipo de epilepsia; se os antiepiléticos utilizados previamente e respetivas doses foram os mais adequados; se o doente está efetivamente a tomar a medicação; e se os episódios descritos são mesmo crises epiléticas (não é infrequente a coexistência de episódios paroxísticos de etiologia não epilética num doente com epilepsia). Posto isto, e na tentativa de controlo das crises, deve-se sempre tentar introduzir um novo antiepilético, de preferência com um mecanismo de ação complementar aos fármacos que o doente já toma. Posteriormente, nos casos de epilepsias focais, se os exames de imagem não demonstrarem uma lesão potencialmente epileptogénica, devemos solicitar exames mais específicos (RM CE de 3T, PET cerebral), de preferência orientados por estudos neurofisiológicos e avaliados por um médico com experiência em epilepsia, para determinar a lesão, a região e o circuito neuronal com características potencialmente epileptogénicas. Só depois destes passos é que o doente deverá ser enviado para um centro de referência em epilepsias refratárias, onde, através da monitorização prolongada de vídeo-EEG, incluindo registos invasivos, e de uma abordagem multidisciplinar, se tentará determinar se o doente é ou não candidato a cirurgia e, se o for, qual a técnica a utilizar. Caso contrário, urge perceber o que poderá ser oferecido a este doente para controlar as crises e melhorar a sua qualidade de vida (novos fármacos antiepiléticos, dieta cetogénica ou outras medidas terapêuticas).» Dr. Nuno Canas, neurologista e neurofisiologista no Hospital Beatriz Ângelo, em Loures

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Conversas sobre enxaqueca e esclerose múltipla O jantar do Congresso desta sexta-feira, com início às 20h30, será acompanhado pelas «Conversas que valem a pena», sobre o impacto socioeconómico da enxaqueca e da esclerose múltipla, com a moderação do jornalista da TVI, Pedro Pinto, e o apoio da Novartis. Também o Correio SPN conversou um pouco com os dois convidados para este diálogo, Dr.ª Elsa Parreira e Prof. João Cerqueira, acerca dos principais desafios nestas duas áreas. Pedro Bastos Reis

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enxaqueca é a principal causa de anos vividos com incapacidade entre todas as doenças neurológicas e a gestão desta patologia continua a ser um dos principais desafios1. Segundo a Dr.ª Elsa Parreira, presidente da Sociedade Portuguesa de Cefaleias, que vai ser oradora nestas conversas ao jantar, «a consciencialização dos médicos, nomeadamente dos neurologistas, para o impacto da enxaqueca é uma das principais necessidades». E explica porquê: «Muitas vezes, existe um preconceito ou a noção errada de que a enxaqueca é só uma dor de cabeça, mas é muito mais do que isso. É uma cefaleia muito prevalente e com um forte impacto negativo na vida dos doentes.» A também neurologista no Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, na Amadora, chama ainda a atenção para as consequências sociais e económicas. «A enxaqueca não provoca sofrimento apenas ao doente, mas também tem um impacto na vida dos familiares e das pessoas que o rodeiam, afetando as relações pessoais. Além disso, tem consequências económicas importantes: por ser uma doença muito prevalente e que leva a absentismo laboral e a redução da produtividade, tem custos económicos significativos.» Em termos terapêuticos, uma das principais dificuldades prende-se com o facto de o «tratamento preventivo de primeira linha ser feito com fármacos orais que não foram desenvolvidos especificamente para a enxaqueca», afirma Elsa Parreira. Com a introdução do erenumab, um anticorpo monoclonal dirigido aos recetores do peptídeo relacionado com o gene da calcitonina (CGRP, na sigla em inglês), disponível

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Dr.ª Elsa Parreira e Prof. João Cerqueira em Portugal desde dezembro do ano passado, começam já a verificar-se mudanças significativas2. «Estes novos fármacos, entre os quais o erenumab, foram desenvolvidos especificamente contra um peptídeo que se pensa ter um papel muito importante na fisiopatologia da enxaqueca», salienta a especialista. O «início de ação mais rápido» é uma das características que distinguem o erenumab, fazendo com que haja resposta ao tratamento «logo nas primeiras semanas de administração». Elsa Parreira, que acompanha cerca de 20 doentes em tratamento com este anticorpo monoclonal, mostra-se otimista em relação ao futuro. «Vários ensaios clínicos mostram a eficácia destes novos medicamentos em doentes com enxaqueca que tiveram duas ou três falências terapêuticas prévias. Portanto, o erenumab é um fármaco inovador, que vai mudar, seguramente, a maneira como tratamos os doentes com enxaqueca», remata.

Desafios na esclerose múltipla O especialista convidado para falar sobre o impacto da esclerose múltipla (EM) nesta sessão é o Prof. João Cerqueira, presidente do Grupo de Estudos de Esclerose Múltipla (GEEM). «A acumulação de incapacidade resultante da deterioração do cérebro e da espinal medula nos doentes com EM gera dificuldades a vários níveis, desde a manutenção do emprego às atividades e compromissos diários, passando pela esfera social. Curiosamente, muitas vezes, o motor principal das dificuldades não é tanto a incapacidade física, mas sobretudo a incapacidade cognitiva», contextualiza o neurologista. O também coordenador da Consulta de Esclerose Múltipla do Hospital de Braga salienta que, «apesar de toda a evolução no tratamento dos surtos e da componente inflamatória, a

«Os novos fármacos, entre os quais o erenumab, foram desenvolvidos especificamente contra um peptídeo que se pensa ter um papel muito importante na fisiopatologia da enxaqueca» Dr.ª Elsa Parreira EM continua a progredir e, infelizmente, ainda não há um fármaco que consiga parar a sua evolução». Segundo o especialista, as respostas a esse desafio passam por dois caminhos: «Por um lado, encontrar fármacos inovadores, cujo mecanismo de ação seja muito mais dirigido ao processo neurodegenerativo subjacente à componente inflamatória. Por outro lado, conseguir maior eficácia no tratamento dos doentes, proporcionando-lhes as melhores armas para adiar ao máximo o aparecimento das incapacidades, atrasando a progressão da EM.» João Cerqueira aponta ainda outra dificuldade que regista na prática clínica: a avaliação dos parâmetros que permitem identificar a progressão da EM o mais atempadamente possível. «A progressão é difícil de detetar porque é lenta, mas também porque, na maior parte das vezes, se manifesta por sintomas que não estamos habituados a valorizar, uma vez que muitos deles dificilmente são quantificáveis», explica.

Referências: 1. Steiner TJ, et al. Migraine: the seventh disabler. The Journal of Headache and Pain. 2013;14:1. 2. Resumo das Características do Medicamento aimovig, aprovado em Agosto de 2019


Avanços nas doenças da substância branca e na terapia génica Na mesa-redonda «Avanços em diagnóstico e tratamento de doenças neurológicas», que se realiza entre 17h00 e as 18h30, na Sala B, serão abordadas a investigação das doenças da substância branca e a utilização da terapêutica génica em Neurologia. Os dois oradores partilharam com o Correio SPN o resumo do que planeiam apresentar.

Investigação das doenças da substância branca

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a sessão, vou falar sobre o diagnóstico da doença da substância branca nos indivíduos jovens, isto é, abaixo dos 55 anos. A alteração da substância branca relacionada com o envelhecimento é, por norma, de causa vascular e, portanto, não procedemos a mais investigações. Já nos jovens, não é necessariamente assim. Por um lado, há o grande grupo das doenças geneticamente determinadas, que devem ser excluídas mediante os exames de imagem e laboratoriais adequados. Depois, há o grupo dos jovens com doença de pequenos vasos da substância branca, que temos vindo a estudar nos últimos anos. Ao passo que, nos indivíduos idosos, a leucoencefalopatia vascular ou doença da substância branca relacionada com o envelhecimento é quase a norma, o surgimento desta patologia num indivíduo jovem coloca-nos dúvidas quanto ao significado clínico das alterações que vemos e à marcha diagnóstica para chegar a uma conclusão. Atualmente, é comum recorrer a painéis de diagnóstico genético. Existem painéis para as leucodistrofias e para as doenças vasculares, as doenças geneticamente determinadas da substância branca. No entanto, apesar de nos ajudarem, estas novas técnicas de diagnóstico através de painéis com múltiplos genes também têm limitações, sobretudo na interpretação dos resultados.» Prof. Miguel Viana Baptista, diretor do Serviço de Neurologia do Hospital de Egas Moniz e docente na Faculdade de Ciências Médicas da NOVA Medical School

Terapêutica génica em Neurologia

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ou falar sobre terapêuticas baseadas na utilização de oligonucleótidos antisense, explicando em que consistem e como podem ser aplicadas às doenças neurológicas. Atualmente, há várias terapias deste tipo em ensaios clínicos ou pré-clínicos e algumas já foram aprovadas. Estes tratamentos consistem na utilização de moléculas pequenas de ácido desoxirribonucleico (ADN), de oito a 50 nucleótidos de tamanho, que vão modelar a expressão dos genes alterados. Por exemplo, em algumas doenças neurológicas, há uma proteína que ganha uma função tóxica. Nestes casos, os oligonucleótidos antisense vão ser utilizados para promover a diminuição da síntese dessa proteína. Mas também pode acontecer o inverso e ser necessário que a terapêutica contribua para a síntese de uma proteína que está em falta. Ou seja, tanto se pode utilizar este tipo de moléculas para diminuir a expressão de uma proteína como para promover a sua síntese, como acontece num dos casos de que vou falar na sessão – a ataxia muscular espinhal. As terapêuticas com oligonucleótidos antisense visam corrigir a causa da doença ao nível do ácido ribonucleico (RNA). Estas terapêuticas inovadoras de base genética estão a ser desenvolvidas para várias doenças, entre as quais, a atrofia muscular espinhal, a doença de Huntington, a doença de Alzheimer, a esclerose lateral amiotrófica, a distrofia muscular de Duchenne, a paramiloidose, etc. No meu grupo de investigação, estamos a desenvolver este tipo de terapêuticas para algumas doenças lisossomais de sobrecarga.» Dr.ª Sandra Alves, investigadora na Unidade de Investigação e Desenvolvimento do Departamento de Genética Humana do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, no Porto

Assembleia-geral elege nova direção da SPN A

Assembleia Geral Ordinária e Eleitoral da Sociedade Portuguesa de Neurologia (SPN) tem início ao final da tarde de hoje, 15 de novembro, pelas 18h30, na Sala B. Durante a reunião, será apresentado o relatório de contas do ano de 2018 e apreciada a proposta da atual direção, presidida pelo Prof. Manuel Correia, relativamente à revisão dos estatutos. Segue-se a eleição dos novos órgãos sociais da SPN. Para o novo mandato (2020-2022), candidatam-se duas listas: a A, encabeçada pela Dr.ª Isabel Luzeiro, e a B, liderada pela Prof.ª Isabel Santana, ambas neurologistas no Centro Hospitalar e Universitário e Coimbra (CHUC). A votação por via postal decorreu entre 15 e 31 de outubro passado. No entanto, os sócios que ainda não votaram têm ainda possibilidade de o fazer durante o dia de hoje, até às 17h00, na sala do Hotel Vila Galé Coimbra destinada a esse fim. A Prof.ª Cristina Januário, presidente da Mesa da Assembleia da atual direção, deixa um apelo à participação: «As duas listas apresentam-se com programas muito bem definidos. Estamos a eleger a direção da SPN para o próximo triénio e desejamos que os sócios manifestem o seu interesse, participando ativamente na Assembleia.»

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Partilha e discussão de casos clínicos Amanhã, das 10h30 às 12h00, na Sala A, a sessão SPN de casos clínicos vai promover a partilha e a discussão de questões práticas relacionadas com as alterações cognitivas, as doenças desmielinizantes na idade pediátrica e a doença vascular cerebral. Eis o que os oradores adiantam sobre cada caso.

Alterações cognitivas

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s dados clínicos e neuropsicológicos do caso em estudo vão ser apresentados e o Dr. Pedro Coelho, interno de Neurologia no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria, irá comentando os mesmos de forma progressiva. Pretendemos mostrar o raciocínio de diagnóstico, dando particular enfâse aos aspetos cognitivos. Tentaremos integrar os dados neuropsicológicos com as alterações neuroanatómicas subjacentes. Determinadas alterações cognitivas podem não ser tão evidentes como outros defeitos neurológicos, mas, a longo prazo, estar associadas uma grande incapacidade para o doente, diminuindo a sua qualidade de vida.» Dr. Pedro Alves, neurologista no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria

Esclerose múltipla na neuropediatria

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Dr.ª Rita Lopes da Silva, neuropediatra no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (CHULC)/Hospital Dona Estefânia, comentará os casos que eu vou apresentar e será a moderadora da discussão. Escolhemos dois casos clínicos de esclerose múltipla com início em idades mais jovens. Esta opção relaciona-se, por um lado, com as especificidades desta entidade em idade pediátrica e o leque alargado de diagnósticos diferenciais. Por outro, deve-se ao crescente desenvolvimento na área terapêutica e a consequente necessidade de esquemas de tratamento dirigidos e o acompanhamento na transição para a vida adulta. Foi, aliás, nesse sentido que eu e a Dr.ª Rita Lopes da Silva criámos uma consulta de esclerose múltipla pediátrica no CHULC, com o objetivo de aperfeiçoar o seguimento destas crianças e adolescentes, mas também facilitar a transição para a vida adulta.» Dr.ª Ariana Barros, interna do último ano de Neurologia no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central

Doença vascular cerebral

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amos debruçar-nos sobre diversos casos de patologia vascular cerebral. Sem fugir à regra destas sessões, a aposta vai recair em casos de discussão de tópicos com problemas diferentes dos habituais, que implicam decisões terapêuticas difíceis, uma vez que não estão perfeitamente definidas na literatura, e que, por isso, nos colocam vários dilemas. Sem querer pormenorizar, para não estragar a expectativa das pessoas, podemos dizer que se trata de casos clínicos que visam promover a discussão e tomadas de decisões não contempladas nas recomendações atuais. Tentaremos desenvolver o que seriam aspetos positivos e negativos de cada linha de orientação que seria possível tomar, e tentar trazer à discussão os resultados de estudos mais recentes e aspetos clínicos que sejam importantes para o doente no seu caso particular.» Dr. Pedro Miguel Castro, neurologista no Centro Hospitalar Universitário de São João, no Porto

Ficha Técnica

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Propriedade: Sociedade Portuguesa de Neurologia Campo Grande, 382-C, 2.º andar A 1700‑097 Lisboa Tlm.: (+351) 938 149 887 sec.spn@gmail.com - secretariado res.spn@gmail.com - submissão de resumos sinapse.spn@gmail.com - revista Sinapse www.spneurologia.com

Edição: Esfera das Ideias, Lda. Rua Eng.º Fernando Vicente Mendes, n.º 3F (1.º andar), 1600-880 Lisboa Tlf.: (+351) 219 172 815 / (+351) 218 155 107 • geral@esferadasideias.pt www.esferadasideias.pt • issuu.com/esferadasideias01 Direção: Madalena Barbosa (mbarbosa@esferadasideias.pt) Gestor de projetos: Ricardo Pereira (rpereira@esferadasideias.pt) Coordenação editorial: Luís Garcia (lgarcia@esferadasideias.pt) Textos: João Paulo Godinho, Luís Garcia, Pedro Bastos Reis e Rui Alexandre Coelho • Design/paginação: Susana Vale Fotografias: João Ferrão e Rui Santos Jorge


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16 de novembro – sábado

Avanços no pré-tratamento dos distúrbios do movimento As novidades nas vertentes de investigação e diagnóstico das doenças do movimento são «as anfitriãs» da mesa-redonda que se realiza das 14h30 às 16h00, na Sala A. O papel da microbiota intestinal no aparecimento e no desenvolvimento da doença de Parkinson idiopática, a nova classificação dos diferentes tipos de tremor e a passagem de vídeos com o objetivo de melhorar capacidade diagnóstica das síndromes parkinsónicas são os highlights desta sessão.

Relação entre microbioma e alfa-sinucleinopatias

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doença de Parkinson (DP) idiopática é uma patologia multifatorial que evolui ao longo de décadas sem sintomas motores. Durante a longa fase prodrómica, apresentam-se outros sintomas, nomeadamente obstipação crónica que hoje sabemos ser consequência de disbiose intestinal. Os sintomas não motores da DP correlacionam-se com o estadiamento de Braak, no qual os agregados de alfa-sinucleína em corpos de Lewy aparecem inicialmente no núcleo motor dorsal do nervo vago. A nossa hipótese argumenta que a disbiose intestinal subclínica crónica característica da DP, que leva à inflamação crónica do intestino, tem como consequência um aumento na permeabilidade da barreira intestinal, que facilita a translocação de micróbios ou metabolitos microbianos e a sua progressão para o cérebro através do nervo vago. Inicialmente nos neurónios do sistema nervoso entérico, e posteriormente nos do sistema nervoso central, esses agentes podem ter como alvo as mitocôndrias – descendentes evolutivos de bactérias – favorecendo a ativação de respostas imunes neuronais inatas e consequente neuroinflamação, desencadeando o processo neurodegenerativo já bem caracterizado da DP. O nosso objetivo final visa a identificação e a caracterização dos agentes microbianos que sustentam o processo para implementação de estratégias de modulação da microbiota intestinal durante a fase prodromal da DP que possam impedir a sua progressão do intestino para o cérebro, bloqueando assim o processo neurodegenerativo, e as alterações motoras associadas.»Prof.ª Sandra Morais Cardoso, investigadora no Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra e professora na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra

Nova classificação do tremor

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atada de 2018, a nova classificação de tremor surge na sequência de um consenso de vários peritos, encabeçado pelo Prof. Kailash Bhatia. A novidade central passa pela diferenciação dos tipos de tremor em dois eixos centrais: Eixo I, o das características clínicas e fenomenológicas, e o Eixo II da etiologia. Desta forma, podemos ter uma síndrome tremórica com diferentes etiologias, adquirida ou idiopática (hereditária ou esporádica) e, em contrapartida, uma etiologia com manifestações sindromáticas díspares. Na ausência de marcadores biológicos ou imagiológicos, a classificação do tremor depende essencialmente da caracterização fenomenológica e clínica. Na nova classificação, os autores acharam pertinente manter a terminologia “tremor essencial”, dado o seu legado histórico no léxico clínico, adicionando a necessidade de uma história clínica de pelo menos três anos de evolução de tremor isolado de ação dos membros superiores. Este será, doravante, um cut-off arbitrário, o tempo necessário para diminuir a probabilidade de aparecimento de fatores de exclusão como distonia ou ataxia associadas. Outra terminologia agora criada foi a do “tremor essencial plus”. Considerando que o tremor de ação dos membros superiores poderá ser a manifestação inicial isolada de várias etiologias, os autores defendem a terminologia “tremor essencial plus” como diagnóstico de transição nos doentes que associadamente começam a desenvolver alterações neurológicas subtis, como posição distónica ou uma ligeira ataxia da marcha, como a síndrome de tremor/ataxia associada a premutação do X-fragilis ou SCA12. Nesta nova classificação, de forma a enriquecer a descrição fenotípica de diferentes coortes e evitar falsas assunções e correlações etiológicas, admite-se que o doente possa ter dois ou mais diferentes tipos de tremor ao longo do tempo.» Prof. Miguel Gago, neurologista no Hospital da Senhora da Oliveira, em Guimarães

Vídeos ilustrativos de síndromes parkinsónicas

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ou apresentação tem como objetivo principal ilustrar com imagens (vídeos e fotos) casos de doentes, salientando os aspetos que permitem aumentar a acuidade do diagnóstico clínico das múltiplas doenças que se podem manifestar com uma síndrome parkinsónica (rigidez, bradicinesia, tremor e alterações de equilíbrio). O diagnóstico destas doenças – que, por vezes, se confundem com a DP, mas têm tratamentos e prognósticos distintos – é frequentemente difícil. Por este motivo, é muito importante reconhecer precocemente as pistas semiológicas que podem conduzir a um diagnóstico. Além do modo de instalação, da cronologia da progressão dos sintomas e da idade de início, importa por isso saber identificar sinais associados ao parkinsonismo, incluindo distonias, mioclonias, alterações dos movimentos oculares, declínio cognitivo ou disautonomia, entre outros.» Prof.ª Cristina Costa, neurologista no Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, na Amadora

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16 de novembro – sábado

Novas guidelines e controvérsias no tratamento das cefaleias

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a mesa-redonda «Atualidades e controvérsias na terapêutica das cefaleias», que se realiza amanhã, entre as 14h30 e as 16h00, na Sala B, haverá um debate de prós e contras sobre seguintes temas: «Tratamento preventivo da enxaqueca – quando suspender?» e «Os canabinoides devem ser utilizados no tratamento das cefaleias crónicas?». Segundo adianta a Dr.ª Elsa Parreira, presidente da Sociedade Portuguesa de Cefaleias (SPC) e moderadora desta sessão em conjunto com a Dr.ª Isabel Luzeiro e, serão também discutidas as novas orientações terapêuticas para o tratamento da enxaqueca. «O mais importante foi a introdução de diretrizes que incluem as novas terapêuticas para a enxaqueca crónica, como a toxina botulínica e os anticorpos monoclonais, estes últimos também para a enxaqueca episódica», nota a neurologista no Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, na Amadora, acrescentando que também foram revistas as orientações para as cefaleias em salvas e a nevralgia do trigémeo. Como principais desenvolvimentos na enxaqueca nos últimos anos, Elsa Parreira destaca «os tratamentos mais específicos, com menos efeitos secundários e levando a uma melhoria da qualidade de vida dos doentes».

Dr.ª Elsa Parreira, Prof.ª Raquel Gil-Gouveia, Dr. Filipe Palavra, Prof. Carlos Fontes Ribeiro, Dr.ª Isabel Luzeiro e Prof.ª Isabel Pavão Martins (da esq. para a dta.) Sobre o primeiro debate desta sessão, que visa discutir quando suspender a tratamento preventivo da enxaqueca crónica, a presidente da SPC diz que «não existem orientações muito precisas», pelo que é particularmente relevante debater esta questão, tendo também em conta o aparecimento de novos anticorpos monoclonais indicados para o tratamento preventivo

da enxaqueca. Quanto à controversa adoção de canabinoides como tratamento das cefaleias crónicas, Elsa Parreira adverte que «não há orientações a nível nacional e internacional». Por isso, e para «separar o trigo do joio», a moderadora convida todos os neurologistas a participarem nesta promissora discussão.

João Paulo Godinho e Pedro Bastos Reis

TRATAMENTO PREVENTIVO DA ENXAQUECA CRÓNICA – QUANDO SUSPENDER? Quanto mais tarde, melhor

O mais cedo possível

enxaqueca crónica é uma forma particularmente grave de enxaqueca, mas não existem muitos fármacos especificamente testados na prevenção desta patologia. Contudo, os dados sobre a eficácia do topiramato, da toxina botulínica e dos anticorpos monoclonais são robustos. Na abordagem à enxaqueca crónica, existem algumas guidelines, mas não são exatas quanto a à questão do tempo de terapêutica, até porque existem muitos cenários possíveis, quer na resposta inicial quer na resposta a longo prazo. Nesse sentido, devemos dar tempo para que a medicação obtenha o máximo efeito (o que, muitas vezes, só se consegue ao fim de alguns meses) e para tratar as complicações da enxaqueca, como o abuso medicamentoso, que afeta quase metade destes doentes e reduz substancialmente a resposta aos fármacos, bem como algumas comorbilidades, sobretudo as perturbações do sono e a depressão. Além disso, temos ainda de consolidar o padrão de benefício da terapêutica preventiva das enxaquecas, pois a suspensão prematura pode levar à recidiva das crises.» Prof.ª Isabel Pavão Martins, responsável pela Consulta de Cefaleias do Serviço de Neurologia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria

enxaqueca é uma doença não progressiva e, mesmo no contexto da enxaqueca crónica, há possibilidade de reversão para enxaqueca episódica de forma espontânea e sem medicação. Portanto, assim que atingimos a estabilidade da doença, devemos tentar retirar a medicação preventiva o mais cedo possível, para evitar efeitos secundários e a falha de resposta a uma dose constante durante determinado período. Há ainda uma questão pragmática e economicista: se o doente não precisa de tomar um fármaco, não o deve fazer. Por outro lado, quase todos os ensaios clínicos com fármacos preventivos foram realizados num tempo limitado. No entanto, em termos de suspensão, o paradigma pode ser um pouco diferente entre os medicamentos preventivos anteriores e os novos, por causa do mecanismo de ação. Com os fármacos preventivos anteriores, o risco resume-se à eventual recorrência da enxaqueca; já com os novos anticorpos monoclonais, há um risco teórico de imunogenicidade, pelo que, ao invés de parar e reintroduzir, pode-se adotar como estratégia o espaçamento gradual de doses.» Prof.ª Raquel Gil-Gouveia, neurologista no Hospital da Luz Lisboa

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OS CANABINOIDES DEVEM SER UTILIZADOS NO TRATAMENTO DAS CEFALEIAS CRÓNICAS? Não!

Sim!

canábis, segundo alguns autores, tem cerca de 400 componentes e os canabinoides são apenas alguns deles. Muitos desses componentes – há quem diga 60 – são ativos, ou seja, ao usarmos uma planta com tantos componentes, estamos a regressar aos tempos da Idade Média e da célebre teriaga. Uma planta pode conter 1 a 12% de canabinoides, uma grande variabilidade. No entanto, o problema principal é que não temos estudos clínicos sólidos que demonstrem a eficácia e a segurança dos canabinoides no tratamento das cefaleias. Os estudos existentes são no âmbito da dor crónica, não se aplicando à dor aguda ou à crise de enxaqueca, para as quais os canabinoides são praticamente ineficazes. Por outro lado, temos a questão dos efeitos secundários: alguns efeitos psicoativos que, com a administração crónica, levam a diminuição cognitiva, nomeadamente da memória, e de aprendizagem, entre outros. Há também a hipótese de surgirem surtos psicóticos e convulsões, embora em pessoas mais predispostas e com fundo de psicose ou epilepsia, nas quais a canábis pode desencadear o que já existe. Outras questões relevantes são a distorção do tempo e do espaço que a canábis pode provocar e a dependência, que, embora baixa, pode obrigar a dar doses elevadas destas substâncias. Além disso, há estudos que demonstram que os canabinoides podem desencadear dor pela estimulação dos recetores vaniloides, que vão libertar neuromediadores da dor na enxaqueca. Existindo este risco de desencadear cefaleias, os canabinoides deveriam ser dados em doses baixas (com eficácia?), subindo gradualmente a sua dose, mas têm ainda o problema do “efeito teto”, ou seja, não é aumentando a dose que se obtém mais efeito. Em conclusão, não se trata de uma questão clínica ou política, mas sim de uma questão científica.» Prof. Carlos Fontes Ribeiro, docente de Farmacologia Terapêutica na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra

os últimos anos, têm vindo a público alguns trabalhos que reforçam o benefício de alguns fitocanabinoides no tratamento das cefaleias, pois demonstraram propriedades bioativas sobre o sistema nervoso e até mesmo sobre o sistema imunitário. Estas substâncias têm propriedades que vão da atividade anti-inflamatória à neuroprotetora e, obviamente, analgésica. É um facto que o sistema canabinoide endógeno está implicado, no nosso próprio organismo, na modulação da dor e, nesse sentido, será um alvo teoricamente interessante para tratamento da dor crónica. Mais recentemente, muito se tem falado também do potencial terapêutico dos canabinoides em algumas encefalopatias epiléticas e portanto, este é um hot topic que merece uma discussão assertiva. Existe já no mercado português uma formulação desenvolvida à base de fitocanabinoides, aprovada para tratamento da dor e da espasticidade na esclerose múltipla. E os dados que se obtêm de modelos animais e celulares, conceptualmente falando, são interessantes, a ponto de se pensar num benefício clínico potencial noutras áreas da Neurologia, em que os mesmos princípios possam ser explorados. Sendo as cefaleias crónicas extremamente prevalentes na nossa população, a utilização de fitocanabinoides, em termos teóricos, pode fazer sentido. De qualquer modo, não existem ainda dados muito robustos, em termos clínicos, que possam corroborar a utilização deste tipo de fármacos nesta indicação precisa, para já.» Dr. Filipe Palavra, neurologista no Hospital Pediátrico do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra

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Entrega de prémios no encerramento do Congresso M arcada para as 16h00 de sábado, na Sala A, a cerimónia de atribuição de prémios traz novidades. Como revela o Prof. Manuel Correia, presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia (SPN), além dos já habituais Prémio António Flores e Prémio Orlando Leitão, patrocinados pela Biogen, será entregue, pela primeira vez, o Prémio Sinapse/Sociedade Portuguesa de Neurologia, que tem o valor de 1 000 euros. «Este novo prémio é muito importante, uma vez que a revista Sinapse é o órgão científico oficial da SPN e de muitas outras sociedades da área das Neurociências. Trata-se de um incentivo à divulgação da atividade clínica e científica através da publicação de artigos», afirma Manuel Correia. Segundo o regulamento disponível no website da SPN, são candidatos a este prémio «todos os artigos publicados em número regular da revista Sinapse», sendo a «a originalidade, a qualidade da investigação, o impacto na prática clínica e o conhecimento científico sobre o tema» alguns dos critérios valorizados pelo júri, que é composto por um membro da direção da SPN, pela editora-chefe da Sinapse, a Prof.ª Catarina Oliveira, por um terceiro

especialista com «reconhecido mérito» e por dois revisores da revista. O Prémio António Flores, que distingue os melhores pósteres apresentados no Congresso de Neurologia, tem o valor de 1 000 euros para o primeiro classificado e de 500 euros para o segundo classificado. Destinado, por sua vez, a distinguir as comunicações orais, o Prémio Orlando Leitão tem o valor de 1 500 euros para cada um dos três melhores trabalhos, ao qual acrescem 500 euros para o primeiro autor da comunicação vencedora, desde que

seja interno de Neurologia dos dois primeiros anos. Segundo o presidente da SPN, «foram submetidos para apresentação no Congresso de Neurologia 2019 cerca de 280 trabalhos, um número superior ao do ano passado». Na cerimónia de entrega dos prémios, serão ainda revelados os vencedores da edição deste ano da Bolsa Egas Moniz, que se destina a internos de Neurologia, apoiando a realização de estágios em hospitais estrangeiros integrados no Programa de Formação do Internato Complementar de Neurologia.

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15 de novembro – 6.ª feira

Instantes

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