Jornal da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia (SPO) | www.spoftalmologia.pt
N.º 25 | Ano 10 Julho 2018 Semestral € 0,01
Aprender com o passado para preparar o futuro
ALGUNS PALESTRANTES, MODERADORES E COORDENADORES (da esq. para a dta.): Dr. Gonzalo Bernabéu, Dr. Adriano Aguilar, Prof. Fernando Falcão-Reis, Prof. António Castanheira-Dinis, Prof. Thomas Olsen, Prof.ª Filomena Ribeiro (coordenadora da CIRP), Dr. Bobby Qureshi, Prof. Manuel Monteiro-Grillo (presidente da SPO), Prof. António Marinho, Dr. José Pita Negrão e Dr. Walter Rodrigues (coordenador do GSOCC)
Sob o mote «The future is unkNOWn» e com uma marcada vertente formativa, a reunião conjunta do Grupo de Cirurgia Implanto-Refrativa de Portugal (CIRP) com o Grupo de Superfície Ocular, Córnea e Contactologia (GSOCC) teve este ano uma participação recorde, ultrapassando as 500 inscrições. Entre 24 e 26 de maio, em Albufeira, decorreram diversos cursos de atualização de conhecimentos e foram apresentadas as muitas novidades que estão a revolucionar o diagnóstico e o tratamento das patologias associadas a estas áreas da Oftalmologia Pág.12
REPORTAGEM
Com nova direção desde finais de 2017, o Serviço de Oftalmologia do Hospital de Portimão atravessa uma fase de afirmação Pág.8
RETINA IBÉRICA
Destaques da II Reunião Conjunta do Grupo Português de Retina e Vítreo com a Sociedad Española de Retina y Vítreo Pág.10
EMPREENDEDORISMO
Em Sarnadas de Rodão, a Dr.ª Manuela Carmona erigiu uma vinha e uma adega. Os primeiros vinhos já estão a ser comercializados Pág.20
Visão SPO
Editorial
SUMÁRIO EM FOCO 4 Oftalmologistas de Coimbra
receberam prémios internacionais
5 Duas obras de oftalmologistas por-
tugueses concorrem ao Miradas 2018
PONTOS DE VISTA 6 A Dr.ª Inês Leal fala sobre o que aprendeu com o fellowship que realizou no Manchester Royal Eye Hospital
OFTALMOSCOPIA 8 Reportagem no Serviço de
Oftalmologia do Hospital de Portimão, integrado no Centro Hospitalar e Universitário do Algarve
GLOBO OCULAR 10 Antevisão da Reunião Conjunta do Grupo Português de Retina e Vítreo com a Sociedad Española de Retina y Vítreo 11 Balanço da Reunião Anual de Internos de Oftalmologia 2018 12 Balanço da Reunião Conjunta do Grupo de Cirurgia Implanto-Refrativa com o Grupo de Superfície Ocular, Córnea e Contactologia 14 Balanço do Curso de Ciências Básicas em Oftalmologia 2018 16 Balanço da Reunião do Grupo Português de Glaucoma 2018 18 Balanço da última Reunião do Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar de São João 19 Balanço dos Colóquios de Oftalmologia 2018
OLHAR INDISCRETO 20 Num terreno atravessado pela
autoestrada 23, a Dr.ª Manuela Carmona erigiu uma vinha, da qual já resultaram os primeiros vinhos da marca Adega 23
MENOS REUNIÕES, MAIS QUALIDADE, MAIOR PARTICIPAÇÃO
É
com enorme prazer que, a meio do segundo ano do mandato da atual Direção da SPO, me dirijo a todos vós. Acabámos de assistir, novamente em Albufeira, à reunião conjunta do Grupo de Cirurgia Implanto-Refrativa de Portugal com o Grupo de Superfície Ocular, Córnea e Contactologia. Queria aproveitar para dar os parabéns aos principais responsáveis pela realização deste evento: a Prof.ª Filomena Ribeiro e o Dr. Walter Rodrigues. Estou certo que todos nós nos sentimos orgulhosos pela forma como este encontro decorreu. O Algarve tem constituído o local de eleição para a realização de grande parte dos maiores eventos da nossa Sociedade. Apesar de a sua localização geográfica não ser a mais favorável, as condições económicas, logísticas e até atmosféricas que oferece continuarão a fazer deste local o melhor ponto de encontro para as nossas iniciativas. Outra nota que quero deixar é que, numa altura em que proliferam reuniões de Oftalmologia no nosso país, penso ser a hora de todos nos questionarmos se queremos participar nestes eventos, por vezes quase semanalmente, ou se preferimos melhores reuniões e em menor número. A SPO já começou a fazê-lo. Este ano, pela primeira vez, vamos integrar no Congresso Português de Oftalmologia as reuniões de vários grupos – Grupo Português (GP) de Ergoftalmolgia, GP de Inflamação Ocular, GP de Neuroftalmologia, GP de Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo, GP de Órbita e Oculoplástica, e GP de Patologia Oncológica e Genética Ocular. Esta medida visa reduzir o número de reuniões e aumentar a participação. Gostaria ainda de expressar a minha convicção de que deve ser a SPO a orientar e a promover os eventos oftalmológicos, mesmo quando a nossa agenda pessoal não se sobrepõe à da Sociedade. A invasão de outros profissionais no nosso campo de ação pode tornar a sua recuperação difícil ou mesmo
impossível. Os nossos parceiros devem estar sob a nossa alçada e não nós a reboque deles. Por último, gostaria de deixar os seguintes pontos para reflexão: 1. Não devemos organizar-nos de forma a termos menos reuniões, tornando-as assim mais atrativas? 2. Não devemos forçar a que outras reuniões, promovidas por outras entidades, decorressem no seio das nossas? Ao participarmos de forma ativa nas reuniões de outros agentes, estamos a promovê-las, logo a tirar espaço e importância às reuniões da SPO. 3. Nós é que somos os principais protagonistas, mas, se nos dispersarmos, perderemos força. Desenganem-se aqueles que pensam que valem mais sozinhos do que em sociedade, ou os que acham que outras entidades ou grupos profissionais, com fins nem sempre científicos, terão melhores orientações do que a SPO, no que à formação oftalmológica diz respeito. Se não fizermos desde já este trabalho, o tempo encarregar-se-á de o fazer e, estou convencido, com prejuízo para todos nós. Vale a pena pensar e agir antes que seja tarde.
João Feijão
Secretário-geral da SPO
FICHA TÉCNICA Propriedade: Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Campo Pequeno, 2-13.º, 1000-078 Lisboa Tel.: (+351) 217 820 443 • Fax: (+351) 217 820 445 socportoftalmologia@gmail.com www.spoftalmologia.pt
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Em foco
IMPACTO DO ENVELHECIMENTO NA SAÚDE OCULAR EM DESTAQUE NO CONGRESSO DE OFTALMOLOGIA
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decorrer entre 5 e 8 de dezembro de 2018, no já renovado Centro de Congressos do Hotel Tivoli Marina, em Vilamoura, o 61.º Congresso Português de Oftalmologia terá como tema central «Envelhecimento do sistema visual».«O envelhecimento da população
é um dado adquirido, portanto, faz todo o sentido abordarmos os problemas oftalmológicos que, cada vez mais, vão estar na ordem do dia, nomeadamente a presbiopia, a degenerescência macular associada à idade, o glaucoma e o olho seco», justifica o Prof. Manuel Monteiro-Grillo, presidente da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia (SPO) e deste Congresso. Uma vez que ainda este ano a SPO vai publicar uma monografia dedicada à presbiopia, Monteiro-Grillo explica que a sua direção achou pertinente alargar o tema a outras patologias relacionadas com o envelhecimento no Congresso. O objetivo é «preparar os colegas para enfrentarem da melhor forma os problemas que marcarão cada vez mais o seu dia a dia clínico, tanto do ponto de vista do diagnóstico como do tratamento». O 61.º Congresso Português de Oftalmologia terá como presidente honorária a Dr.ª Isabel Almasqué, ex-chefe de Serviço de Oftalmologia do Hospital Santo António dos Capuchos, em Lisboa, que também foi
secretária-geral da SPO. O autor da conferência inaugural também já está confirmado e é uma figura de relevo no setor da Saúde em Portugal: Dr. Francisco George, que foi o diretor-geral da Saúde entre 2005 e 2017 e, atualmente, é o presidente da Cruz Vermelha Portuguesa. A reunião magna da Oftalmologia nacional voltará a contar com a colaborarão da Sociedade Brasileira de Oftalmologia e do Conselho Brasileiro de Oftalmologia, que estarão representados pelos seus presidentes. «Independentemente dos aspetos científicos que são muito atrativos, há outras questões de ordem profissional que são também importantes e estão na ordem do dia, pelo que é fundamental serem debatidas com a máxima participação possível. É crucial termos uma posição unida e conjunta que nos permita encontrar soluções e nos capacite para enfrentar da melhor maneira os desafios atuais», alerta Monteiro-Grillo, em jeito de apelo à participação no 61.º Congresso Português de Oftalmologia.
IN MEMORIAM Prof. João Manuel Ribeiro da Silva – 29/11/1929–10/01/2018
DR
REFERÊNCIA DA OFTALMOLOGIA AQUÉM E ALÉM FRONTEIRAS
«O
Prof. Ribeiro da Silva foi uma figura de grande relevo e importância na Medicina Portuguesa, nomeadamente na Oftalmologia. Fez a sua formação no Serviço de Oftalmologia do Hospital de São José, em Lisboa, sob orientação do Dr. Sertório Sena e, posteriormente, do Dr. Assis de Brito.Estagiou, em 1956, com o Prof. Jules François, oftalmologista de renome mundial, em Gante, na Bélgica, e esteve ligado a inúmeros Serviços de Oftalmologia na Suíça, nomeadamente em Genebra e Berna, e no Reino Unido, em Londres. A preparação do seu doutoramento foi feita no Centro de Estudos Egas Moniz e baseou-se nos estudos eletrofisiológicos do sistema visual, de que foi precursor em Portugal, sob a orientação do Prof. Almeida Lima, com quem colaborou. Em 1971, fez as provas de agregação, tendo sido posteriormente nomeado para a cátedra de Oftalmologia. Foi diretor do Serviço de Oftalmologia do Hospital de Santa Maria de 1973 a 1999, função que acumulava
igualmente no Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto. Foi presidente da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia nos biénios 1979/1980 e 1981/1982, tendo sido, nessa altura, o representante de Portugal na Sociedade Europeia de Oftalmologia. O Prof. João Ribeiro da Silva presidiu também à Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa em três mandatos consecutivos, entre 1986 e 1995, tendo contribuído, de uma forma muito marcada, para a criação da Academia Portuguesa de Medicina, da qual foi o primeiro presidente, em 1991.Também a ele se deve a internacionalização desta Academia e o reconhecimento do seu prestígio fora de Portugal levou-o a presidente da Federação das Academias de Medicina da União Europeia, em 2001. Este destacado oftalmologista jubilou-se em 2001, como professor decano da Universidade de Lisboa. Após a jubilação, ainda dirigiu, por alguns anos, o Centro de Bioética da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, a cuja criação esteve intimamente ligado. Aí organizou seminários e cursos de mestrado,
editou textos e estimulou trabalhos académicos que deram inegável reputação à sua “escola” no domínio da Bioética. O Prof. João Ribeiro da Silva foi ainda autor de inúmeras comunicações e trabalhos publicados em revistas nacionais e internacionais. Era um humanista, um poeta e um escultor que dava vida ao barro e ao bronze. Era um homem da Renascença. A sua inteligência e o seu fino humor cativavam quem com ele mais convivia. Os seus discípulos, entre os quais me incluo, sentem a sua ausência e homenageiam a sua memória.» Texto escrito pelo Prof. Manuel Monteiro-Grillo, presidente da SPO
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Em foco
ESTUDO DE COIMBRA PREMIADO INTERNACIONALMENTE DR
Prof.ª Andreia Martins Rosa e Prof. Joaquim Murta no dia em que receberam o Clinical Research Award
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esenvolvido por oftalmologistas e investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, o estudo-piloto NECSUS (NEuroadaptation after Cataract and Refractive Surgery Study) foi distinguido recentemente com dois prémios internacionais: melhor artigo publicado em 2017 no Journal of Cataract & Refractive Surgery, atribuído pela American Society of Cataract and Refractive Surgery e pela European Society of Cataract and Refractive Surgeons, e o Clinical Research Award, no valor de 400 mil euros, concedido pela European Society of Cataract & Refractive Surgeons (ESCRS). «Estas distinções são um orgulho enorme. Por um lado, representam o reconhecimento da qualidade da investigação portuguesa, por outro, contribuem para nos afirmar como centro de investigação a nível
internacional nesta área», comenta a Prof.ª Andreia Martins Rosa, que integra esta equipa de investigação liderada pelo Prof. Joaquim Murta, diretor do Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. O projeto de investigação NECSUS resulta de uma parceria entre este Serviço, a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e o Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde, que é dirigido pelo Prof. Miguel Castelo-Branco, responsável pela vertente de ressonância magnética funcional neste estudo. Além da equipa portuguesa, vão participar no trabalho investigadores da Holanda. O objetivo do NECSUS é esclarecer, através da ressonância magnética funcional, a ligação entre os sintomas relacionados com a luz e as características funcionais do cérebro humano em doentes operados às cataratas nos quais foram implantadas lentes multifocais. Andreia Martins Rosa explica que este estudo «conseguiu identificar as áreas do cérebro que são ativadas no processo de visão após a cirurgia». E acrescenta: «No início, são ativadas zonas de esforço, ou seja, os doentes têm dificuldade em ver e são usadas zonas do cérebro dedicadas a tarefas difíceis, o que é mais prevalente nos primeiros dias do pós-operatório. Posteriormente, são ativadas zonas do cérebro envolvidas na aprendizagem e que estão associadas a melhores desempenhos.» A próxima etapa deste estudo é a procura de marcadores que ajudem a selecionar melhor os doentes pré-operatoriamente e que permitam comparar os diferentes tipos de lentes multifocais, de modo a identificar aquelas que estão associadas a maior qualidade visual. Para tal, a equipa vai também estudar doentes que, pela persistência de disfotópsias, terão de passar por uma nova cirurgia para substituir as lentes multifocais. «Com este grupo, vamos tentar compreender melhor a razão pela qual, por vezes, não há melhoria das queixas desencadeadas pelas luzes e, com isso, encontrar estratégias terapêuticas mais eficazes para estes casos», avança Andreia Martins Rosa. O NECSUS foi selecionado para vencedor dos Clinical Research Awards da ESCRS entre cerca de 60 candidaturas de 26 países. Este estudo tem agora uma duração prevista de mais três anos e inclui 150 doentes.
INÊS LAÍNS GANHOU PRÉMIO DA HARVARD MEDICAL SCHOOL
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elo segundo ano consecutivo, a Dr.ª Inês Laíns venceu o prémio de melhor artigo científico na área de retina da Harvard Medical School, instituição norte-americana onde desenvolve investigação há quatro anos no âmbito da degenerescência macular ligada à idade (DMI). Este prémio, que se chama Evangelos S. Gragoudas Award, tem o valor de 5 000 dólares (cerca de 4 237 euros) e foi entregue a esta interna de Oftalmologia licenciada pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra no passado dia 8 de junho. O artigo que valeu a Inês Laíns a repetição do feito (até agora, este prémio só foi atribuído duas vezes à mesma pessoa) intitula-se «Human Plasma Metabolomics Study Across All States of Age-related Macular Degeneration Identifies Potential Lipid Biomarkers». «Utilizámos uma técnica nova, nunca antes usada para o estudo da 4
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DMI, que permitiu identificar biomarcadores no sangue que distinguem pessoas com esta doença de indivíduos sem patologia da retina da mesma idade, bem como distinguir as diferentes fases da doença», explica a investigadora. As conclusões agora publicadas resultam de dados colhidos em 2015 e 2016 sobre o perfil sanguíneo dos doentes, quer daqueles que sofreram agravamento da DMI, quer daqueles cujo estado não se alterou. Considerando os resultados obtidos até agora «muito promissores» e com aplicabilidade no futuro, Inês Lains afirma que «o estudo melhorou a compreensão dos mecanismos envolvidos na incidência e progressão da DMI, podendo contribuir para o estudo e a identificação de novos alvos para tratamento». Esta investigação foi inicialmente financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e pelo programa Harvard Medical School
Portugal. Estão envolvidos 500 doentes – 200 dos Estados Unidos, seguidos no Massachusetts Eye and Ear Hospital, e 300 de Portugal, seguidos no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, que é parceiro neste trabalho.
OBRAS NACIONAIS NO CONCURSO MIRADAS 2018
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lhos que choram» (1), da Dr.ª Olga Berens, que representa um novo olhar após a cirurgia da catarata, e «Através da vidraça» (2), do Dr. Ricardo Laires, que representa a perspetiva do doente antes de ser submetido a tratamento cirúrgico, são as obras que o júri nacional escolheu para o Miradas 2018. Trata-se de um concurso internacional de pintura para oftalmologistas, que tem periodicidade bienal e é promovido pela Fundación Jorge Alió, de Espanha. Além das duas pituras vencedoras, que foram eleitas durante a reunião conjunta do Grupo de Cirurgia Implanto-Refrativa de Portugal com o Grupo de Superfície Ocular, Córnea e Contactologia (24 a 26 de maio, em Albufeira), três outros quadros receberam menções honrosas: «Olhares sob mulheres
que sofrem» (3), do Dr. Fernando Chiotti, «Árvore da Vida» (4), do Dr. António Ramalho, e «Ocular Chemical Burns» (5), do Dr. Ricardo Dias. Respondendo ao mote do concurso deste ano – «Pintar a prevenção da cegueira» –, cinco oftalmologistas portugueses levaram 12 obras a concurso, que estiveram expostas na sede da SPO entre 14 de abril e 14 de maio. «O concurso Miradas começou há 12 anos em Espanha e na América Latina, estendendo-se agora aos oftalmologistas do mundo inteiro, com o objetivo de alertar a sociedade para a importância da saúde visual e elucidar sobre a prevenção da cegueira através da arte, mais propriamente da pintura», explica o Prof. José Salgado Borges, coordenador da participação lusófona e membro do júri nacional, ao qual também pertencem a Prof.ª Leonor Almeida e a Dr.ª Helena Prior Filipe. Após uma primeira participação conjunta com o Brasil, em 2016, Portugal repete a experiência este ano, mas desta vez a solo. «O sucesso levou a coordenações autónomas, mas unidas pela lusofonia, inaugurando, assim, a concretização de um projeto a que nos propomos no futuro: expandir a participação de artistas do espaço lusófono», salienta a Dr.ª Helena Prior Filipe. O vencedor do Concurso Internacional Miradas 2018 será conhecido no próximo Congresso da Academia Americana de Oftalmologia, que vai decorrer em Chicago, de 27 a 30 de outubro, sob o mote «Art + Science». Independentemente dos resultados, as duas obras portuguesas a concurso já têm lugar garantido nas capas de próximas edições do Journal of Refractive Surgery, a publicação oficial da International Society of Refractive Surgery.
Os elementos do júri nacional: Prof.ª Leonor Almeida, Prof. José Salgado Borges e Dr.ª Helena Prior Filipe
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PROF. CUNHA-VAZ RECEBEU MEDALHA DE OURO DA SERV
A
Sociedad Española de Retina y Vítreo (SERV) atribuiu ao Prof. José Cunha-Vaz a Medalha de Ouro, a mais nobre distinção que Espanha outorga a quem se destaque nesta área da Oftalmologia. A cerimónia de entrega decorreu no dia 3 de março passado, em Santander, inserida no XXII Congresso da SERV, no qual este oftalmologista português proferiu a conferência «Different phenotypes of diabetic retinopathy». Esta distinção é um reconhecimento da carreira médica e científica na área de retina e vítreo deste professor emérito de Oftalmologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, que é também presidente da Associação para Investigação Biomédica e Inovação em Luz e Imagem (AIBILI) e ex-diretor do Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC).
Num comunicado divulgado pela AIBILI, Cunha-Vaz afirma que «receber esta medalha configura o reconhecimento do valor do trabalho desenvolvido» ao longo da carreira e dos seus «inúmeros contributos para a inovação médica e científica no âmbito da retina», além de reconhecer «a qualidade da investigação em Oftalmologia que se faz em Portugal». Na mesma nota pública, a AIBILI frisa que, ao longo dos anos, o seu presidente tem contribuído «para o conhecimento e o tratamento das doenças da retina, particularmente da retinopatia diabética, uma das principais causas de cegueira, tal como a degenerescência macular relacionada com a idade». Entre muitos marcos do seu percurso científico, Cunha-Vaz foi precursor na caracterização da barreira hematorretiniana. São da sua responsabilidade a introdução e o desen-
volvimento da fluorometria clínica do vítreo a nível mundial, bem como o desenvolvimento do Retmarker, para caracterização da progressão da retionopatia diabética, e do OCT-Leakage, para identificação precoce do edema da retina. JULHO 2018
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Pontos de vista entrevista
«É MUITO ENTUSIASMANTE ALIAR A PRÁTICA CLÍNICA COM O TRABALHO DE INVESTIGAÇÃO» Após um fellowship de seis meses no Manchester Royal Eye Hospital, no Reino Unido, onde teve a oportunidade de aprofundar a sua experiência em inflamação ocular, a Dr.ª Inês Leal regressou à casa que a viu nascer para a Oftalmologia, o Centro Hospitalar Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria (CHLN/HSM). Com o objetivo de criar valor «cá dentro», a recém-especialista pretende pôr em prática o que aprendeu com experts internacionais, sobretudo no âmbito da uveíte, tentando conciliar a atividade clínica com o trabalho de investigação. Sandra Diogo
Porque decidiu apostar no fellowship que realizou no Manchester Eye Hospital, entre dezembro de 2017 e junho de 2018? Uma ida para um fellowship não é obrigatoriamente um passaporte para ficarmos lá fora. Voltar e trazer o que se aprendeu é bom para criar valor cá dentro. Considero que a formação em Oftalmologia no nosso país é muito boa e isso está mais do que provado pela performance dos nossos oftalmologistas e pelo modo como o seu trabalho é reconhecido lá fora. Mas hoje a Oftalmologia está muito fragmentada; cada subespecialidade é tão pormenorizada e tem tantas novidades sempre a aparecer que, pelo menos em muitos hospitais, faz sentido os oftalmologistas estarem focados numa ou duas áreas em que adquiram mais expertise. Nesse sentido, os fellowships estão muito bem desenhados, pois proporcionam um contacto intenso com a subespecialidade que escolhemos, estando expostos a uma enorme diversidade de patologias. 6
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Que responsabilidades assumiu no decorrer do fellowship? O fellowship que realizei está desenhado de modo a que o fellow ganhe uma autonomia crescente para acompanhar os doentes adultos e pediátricos, tanto a nível de diagnóstico como de tratamento. O primeiro contacto com o doente que chega com uma uveíte, por exemplo, é feito pelo fellow, que tem a responsabilidade de organizar o acompanhamento inicial a nível diagnóstico e terapêutico. O seguimento posterior é feito na Clínica de Uveítes pelos especialistas, internos e fellows. O fellow também está responsável pela supervisão dos internos na enfermaria e pela preparação dos doentes antes de uma cirurgia de catarata, por exemplo. Também tive oportunidade de fazer investigação com pessoas que têm muita validade científica e humana. Tudo isso me ensinou novas formas de trabalhar, de me organizar e de pensar. Foi o complemento ideal à minha preparação inicial, que já era excelente.
Já tinha feito outros estágios no estrangeiro? Sim. Em Oftalmologia, os internos costumam fazer alguns estágios fora do país em áreas do seu interesse e/ou do interesse do hospital onde exercem. No 2.º ano do internato, fiz um estágio em glaucoma na Suíça, durante um mês; no 4.º ano, estive quatro meses no Bristol Eye Hospital, Reino Unido, a fazer um estágio em inflamação ocular, que incluiu uma parte laboratorial de investigação básica sobre uveíte. Foi aí que o meu interesse pela vertente da inflamação ocular despertou, depois de conhecer pessoas que me mostraram os encantos desta subespecialidade e me fizeram perceber que essa é a área a que me quero dedicar. Ainda nesse ano, fiz um observership no Manchester Royal Eye Hospital, também em inflamação ocular, e foi aí que me surgiu o interesse de concorrer ao fellowship .
O que mais a cativa na área da inflamação ocular? Esta é uma área que me prendeu desde o início da Oftalmologia porque possibilita o contacto com outras especialidades médicas. Aliás, diria que a interdisciplinaridade com a Medicina Interna, a Infeciologia, a Reumatologia, a Pediatria, a Neurologia, entre outras, é obrigatória, até porque o raciocínio da marcha diagnóstica e terapêutica da inflamação ocular é muito exigente e particular. A observação dos sinais oculares permite-nos inferir sobre doenças sistémicas, nas quais podemos ajudar, tanto no tratamento quanto no seu estadiamento. Como surgiu o seu interesse pela investigação? Desde pequena, sou muito curiosa e tenho sempre muitas perguntas! Além disso, fiz a licenciatura e o internato em instituições que apostam na investigação. Estive e estou rodeada de pessoas que me inspiraram muito nesse sentido. O HSM está integrado num centro académico que agrega também a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e o Instituto de Medicina Molecular Prof. João Lobo Antunes (IMM-JLA). Por isso, as oportunidades de investigação surgem naturalmente e, hoje, não me imagino a ser médica sem ser investigadora e vice-versa. A investigação leva-nos a um mindsetting dinâmico que nos permite ter uma atitude diferente, mesmo no quotidiano da consulta. É muito entusiasmante aliar a prática clínica ao trabalho de investigação, porque nos faz sonhar mais e estar mais envolvidos nas nossas atividades. Quem são as suas maiores fontes de inspiração? As pessoas que me inspiram diariamente e que me fazem acreditar que vale a pena continuar são o Prof. Carlos Marques Neves, o Prof. Luís Abegão Pinto, que trabalham comigo no Centro de Estudos das Ciências da Visão, e o Prof. João Eurico da Fonseca, reumatologista no nosso hospital e investigador no IMM-JLA. No domínio da inflamação ocular, destaco a Dr.ª Ester Carreño, Miss Laura Steeples, o Prof. Andrew Dick, o Prof. Richard Lee e o Prof. Nicholas Jones, que me deixaram a «semente» da inflamação ocular e me ensinaram muito do que sei hoje. Claro que tive outras pessoas muito importantes no meu trajeto, tais como os meus diretores de Serviço (Prof. Monteiro-Grillo e Prof.ª Fátima Campos) e a minha tutora (Dr.ª Eliana Neto), que sempre me apoiaram nas minhas decisões e pelos quais tenho uma enorme consideração e, sobretudo, amizade. Que projetos pretende desenvolver agora que regressou a Portugal? Pretendo contribuir para que o Serviço de Oftalmologia do CHLN/HSM tenha um departamento de inflamação ocular a funcionar de
forma eficaz e a responder aos pedidos da nossa população nesta subespecialidade. Isto sempre de forma articulada com os colegas de Reumatologia e Infeciologia, entre outras especialidades, de modo a que os doentes possam ser acompanhados de modo holístico e com maiores ganhos de saúde. Desde finais de 2016 que temos consultas multidisciplinares de Oftalmologia e Reumatologia para adultos e crianças. Estes são momentos de encontro clínico muito ricos, com grande procura e com um grau de satisfação elevado, pois são muito importantes, sobretudo para os doentes que têm doenças sistémicas complexas e que exigem tomadas de decisão conjuntas. Além disso, também gostaria de contribuir para algumas reformulações no departamento de inflamação ocular, como estabelecer uma ligação mais ativa à área da tuberculose e desenvolver protocolos de investigação e de tratamento para os diagnósticos mais frequentemente encontrados nesta subespecialidade. Por fim, agora que acabei o internato, quero também retomar o projeto de doutoramento. Sempre quis ser oftalmologista? Não. Antes da Medicina, queria ser professora de piano! Depois, como gosto muito da vertente da imagem, pensei em ser imagiologista. Mas, como também gosto muito do contacto com o doente e me encantam as doenças sistémicas, achei que a Oftalmologia combinava estes aspetos. Mesmo quando observamos um fundo ocular normal, a imagem que vemos é muito bonita! A Oftalmologia congrega mesmo tudo: um vasto armamentário de exames imagiológicos, a possibilidade de lidar simultaneamente com a doença sistémica e contactar com outras especialidades, a possibilidade de realizar cirurgia e a grande variedade de doentes que recebemos e seguimos. A seu ver, por onde passa o futuro da inflamação ocular? Penso que o futuro do tratamento das uveítes não infeciosas passa pelo desenvolvimento de novas moléculas imunossupressoras, pela extensão da utilização de fármacos já aprovados para o tratamento de doenças de outras especialidades (neste momento, utilizamos mais os inibidores dos fatores de necrose tumoral – TNF-alfa) ou por novas formas de administração dos fármacos. Por exemplo, está a ser estudada a entrega de anticorpos monoclonais de forma local no olho, em administração única ou em implantes de libertação prolongada. Também estão em curso estudos que tentam combinar anticorpos monoclonais para desenvolver fármacos que libertem mais do que um princípio ativo na mesma administração, tal como se estão a testar formas de manipular o sistema imunitário relacionadas com o microbioma. O que procuramos na uveíte não infeciosa é reeducar o sistema imunitário, que, por algum motivo, reconhece o olho como estranho.
Jovem com percurso notável • 2005-2011: licenciatura na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL); • Ano letivo 2006/2007: Inês Leal recebe o Prémio Moniz de Bettencourt (melhor estudante de Fisiologia da FMUL); • 2010: Programa Erasmus em Medicina Interna no Hôpital Pourtalés Neuchâtelois, em Neuchâtel, Suíça; • 2012: curso intensivo de ética médica na School of Professional Development do Imperial College, em Londres; • Desde 2012: assistente convidada da cadeira de Ética e Deontologias Médicas na FMUL; • 2014: prémio de melhor apresentação oral em retina apresentada no Congresso Português de Oftalmologia; • 2014-2015: realização do Clinical Scholar Research Training da Harvard Medical School; • 2014: assistente da cadeira de Oftalmologia na FMUL; • 2015: prémio de melhor póster apresentado no Congresso da European Society of Ophthalmology; • 2016: realização do Ocular Inflammation/ /Uveitis Observership do Bristol Eye Hospital, no Reino Unido (RU); • 2016: cofundadora da Consulta Multidisciplinar de Oftalmologia e Reumatologia do Centro Hospitalar Lisboa Norte/ /Hospital de santa Maria (CHLN/HSM); • Desde 2016: investigadora associada no Ophthalmology Lab da School of Clinical Sciences da University of Bristol, RU; • Desde 2016: membro do Continuous Medical Education Committee da ARVO (The Association for Research in Vision and Ophthalmology); • 2017: realização do Ocular Inflammation/ /Uveitis Observership do Manchester Royal Eye Hospital, RU; • 2017-2018: senior fellow na Clínica de Uveítes do Manchester Royal Eye Hospital; • 2017 (outubro): conclusão do internato de Oftalmologia no CHLN/HSM; • Desde 2017: estudante de doutoramento na Universidade de Lisboa, com o projeto «Biologics in non-infectious uveitis – a translational project»; • 2018: oftalmologista no Departamento de Uveítes do Serviço de Oftalmologia do CHLN/HSM.
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Oftalmoscopia reportagem
EQUIPA*
NOVO ALENTO NA OFTALMOLOGIA DE PORTIMÃO
Com a entrada do Dr. Filipe Isidro no Serviço de Oftalmologia do Hospital de Portimão, pertencente ao Centro Hospitalar e Universitário do Algarve, sentiu-se uma «lufada de ar fresco» e as mudanças já se fazem sentir. Na direção do Serviço desde finais de 2017, este oftalmologista já conseguiu uma renovação dos equipamentos e motivou a equipa para enfrentar os maiores desafios. Atualmente, só a falta de recursos humanos impede a obtenção de resultados semelhantes aos dos grandes centros nacionais, um problema que se espera ver resolvido até ao final deste ano. Sandra Diogo
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hegados ao Hospital de Portimão a meio da manhã, fomos ao encontro do Dr. Filipe Isidro, que estava no bloco operatório e já nos havia avisado de que a nossa reportagem teria de ser encaixada entre as cirurgias dessa manhã, porque «o tempo é pouco para o muito trabalho que há a fazer». Com apenas três oftalmologistas a tempo inteiro e um externo que presta apoio dois dias por semana, a equipa não tem mãos a medir para dar resposta a todas as solicitações, apesar de conseguir ter já alguma diferenciação. «Damos apoio a doentes que estão muito descentralizados, pelo que é difícil enviá-los para outros hospitais, o que nos obriga a fazer de tudo um pouco, desde cirurgia de catarata, glaucoma e retina cirúrgica, até ao tratamento das doenças do foro da neuroftalmologia, da imunologia ocular, da retina médica, do estrabismo, etc., ainda que não tenhamos subespecializações oficialmente definidas», esclarece Filipe Isidro. Apesar da elevada carga assistencial, esta equipa tem o objetivo de melhorar cada vez mais a resposta aos doentes, até porque o Serviço de Oftalmologia está agora equipado com os melhores aparelhos, «mas só com reforço de recursos humanos será possível fazer melhor do que se tem feito até agora».
Durante alguns anos sem direção própria, o Serviço de Oftalmologia do Hospital de Portimão funcionou sob a coordenação da diretora do Serviço de Oftalmologia do Hospital de Faro. Na altura, a gestão da atividade cirúrgica cabia à Dr.ª Elisabete Campos e todo o processo de consultas estava sob a responsabilidade da Dr.ª Odília Conde, função que ainda hoje assegura. «Tivemos períodos em que funcionámos muito bem e outros em que nem tanto, mas, desde que o Dr. Filipe assumiu funções diretivas, parece que finalmente encontrámos o nosso caminho», desabafa Odília Conde, que aqui trabalha desde 1989.
Condições técnicas reunidas Depois de um processo de renovação de equipamentos, que ainda está a decorrer, o Serviço dispõe agora de praticamente todos os aparelhos mais recentes para proceder ao diagnóstico e ao tratamento das várias patologias oftalmológicas. As grandes exceções são as afeções mais complexas da córnea, uma vez que não existem ainda as condições necessárias para a realização de transplantes e outros tratamentos mais diferenciados nesta área. «Neste momento, o equipamento de que dispomos é uma mais-valia porque é recente e reúne as características necessárias para proceder ao diagnóstico e ao acompanha-
mento dos doentes, sobretudo no âmbito da retina médica e cirúrgica. Em termos cirúrgicos, o nosso material também está de acordo com o estado da arte e considero que temos evoluído no bom sentido», analisa o diretor. Este sentimento é partilhado pelos restantes membros da equipa, como confirma Odília Conde: «Temos instalações ótimas, um ambiente muito bom e, finalmente, todas as pessoas estão a trabalhar em conjunto para que tudo funcione bem e isso está a refletir-se num número superior de consultas e cirurgias, bem como na qualidade do atendimento.» Segundo esta oftalmologista, agora só falta reforçar a equipa, para que seja possível resolver aquele que considera ser o principal ponto fraco do Serviço – o tempo em lista de espera, que chega a atingir os 11 meses para as consultas e os 6 meses para as cirurgias. A falta de recursos humanos parece ser a principal queixa de todos os profissionais que trabalham no Serviço de Oftalmologia do Hospital de Portimão. O ortoptista Ernesto Pinto, que aqui trabalha há cerca de 30 anos, lembra-se bem da altura em que só estavam disponíveis os exames de visão binocular e dos campos visuais e não tem dúvidas de que a evolução a que se assistiu em termos técnicos «permitiu não só um melhor diagnóstico, mas também que este se realize
*EQUIPA (da esq. para a dta.): Rita Ventura (assistente operacional), Dr.ª Madalena Rodrigues (oftalmologista), Débora Rocha, Patrícia Grilo e Ernesto Pinto (ortoptistas), Mariana Santos e Fátima Barros (enfermeiras), Viviana Carmos (assistente operacional), Sandra Pio (administrativa), Irene Rosa (enfermeira), Dr. Filipe Isidro (diretor do Serviço), Dr.ª Elisabete Campos (oftalmologista), Catarina Manco e Cláudia Bispo (enfermeiras), Dr.ª Odília Conde (oftalmologista), Eva Gutierrez, Magda Clímaco, Salomé Pedro, Lúcia Mancha e Ana Lúcia Rosa (enfermeiras)
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mais rapidamente, o que se traduz em maior comodidade para o doente, que consegue ser consultado e realizar os exames no mesmo dia». No entanto, este técnico não esquece que, em 1987, havia tantos profissionais no Serviço como agora. Embora não exista lista de espera para a realização de exames, a verdade é que o Hospital de Portimão tem de dar resposta a uma população de cerca de 450 mil habitantes, que partilha com o Hospital de Faro, mas que aumenta exponencialmente durante a época estival. «Os exames que realizamos com mais frequência são a biometria, a angiografia fluoresceínica, a tomografia de coerência ótica e as avaliações da visão binocular. Nos meses de verão, aparecem muitos casos de alergias e corpos estranhos que penetram no olho, principalmente na população pediátrica», dá conta Ernesto Pinto.
Com poucos fazer muito Referindo que os doentes que recebem são o espelho da realidade de qualquer Serviço de Oftalmologia nacional, Filipe Isidro comenta que as principais patologias a que a sua equipa dá resposta são as retinopatias diabéticas e as cataratas. Assim sendo, a componente cirúrgica ocupa grande parte da atividade do Serviço. «Eu opero em três períodos por semana e as minhas colegas em dois», afirma. Além disso, os três oftalmologistas têm de assegurar as consultas e dar apoio ao Serviço de Urgência. Dada a falta de médicos, esse acompanhamento é feito diariamente por um elemento, em períodos de 12 horas (das 8h00 às 20h00), quatro dias por semana. Nos restantes dias, os casos urgentes de Oftalmologia são encaminhados para o Hospital de Faro. Apesar de reconhecer que não é fácil dar resposta a toda a atividade do Serviço, o diretor garante que a situação está a evoluir positivamente e dá um exemplo: já não existe atraso relativamente às injeções intravítreas
Depois da recente renovação de equipamentos, o Serviço de Oftalmologia do Hospital de Portimão dispõe de praticamente todos os aparelhos de ponta para diagnóstico e tratamento das várias patologias oftalmológicas
Só na manhã em que o Visão SPO visitou o Serviço, o Dr. Filipe Isidro operou um descolamento de retina regmatogéneo num doente fáquico, com vitrectomia via pars plana 25G, crio e gás SF6; realizou uma extração de óleo de silicone com 23 G + laser nos corpos ciliares para reduzir a pressão intraocular num doente com olho único e operado em 2015 a um descolamento de retina; e ainda uma facovitrectomia 25G com pelagem de membrana limitante interna em flap invertido e tamponamento com SF6 num doente com um buraco macular
para tratamento das doenças da retina, sendo que os protocolos são cumpridos de acordo com o que é expectável. «Estas pequenas conquistas que vamos atingindo, a longo prazo, tornam este Serviço de Oftalmologia melhor no que toca à qualidade assistencial», enfatiza. Embora, pela escassez de recursos humanos, não haja, para já, oportunidades de diferenciação, Filipe Isidro dedica-se mais às patologias da retina cirúrgica, imunologia ocular, neuroftalmologia e glaucoma, ao passo que Elisabete Campos e Odília Conde dão resposta, preferencialmente, à oftalmologia pediátrica, sobretudo aos estrabismos. Com a chegada prevista de dois oftalmologistas, que deverá ocorrer até ao final deste ano, o diretor acredita que será possível proceder à diferenciação oficial de consultas de subespecialidades.
NÚMEROS DE 2017
4 oftalmologistas 14 enfermeiros 3 ortoptistas 10 assistentes operacionais 1 administrativa 3 camas de internamento 4 500 consultas, das quais 2 000
primeiras >800 cirurgias (entre as quais cerca de 700 de catarata, 100 vitrectomias, 10 trabeculectomias, 20 de estrabismo e 40 de pterígeo) 500 injeções para tratamento das retinopatias 100% de cirurgia de ambulatório
Mais pessoas para continuar a progredir Em função das melhorias que têm sido implementadas, Filipe Isidro acredita que o Serviço de Oftalmologia do Hospital de Portimão é agora mais atrativo para novos colegas, o que permitirá uma diferenciação maior dos cuidados prestados. «Em termos ideais, funcionaríamos muito bem com dez médicos, mas este número depende também da quantidade de subespecialidades que ofereçamos e, como estamos integrados num centro hospitalar, não temos obrigatoriamente de oferecer todas as valências no nosso espaço», sublinha. Ainda que, para já, esse crescimento esteja apenas previsto na ordem dos dois elementos, segundo Odília Conde, já fará a diferença, nomeadamente na área a que mais se dedica. «Na oftalmologia pediátrica, o grande desafio é conseguir diagnósticos mais precoces, sobretudo das ambliopias, para que sejam tratadas antes que ocorram grandes perdas de visão. Tal passa também por uma articulação mais eficaz com os cuidados de saúde primários e pela realização de mais rastreios nas escolas, por exemplo, o que só nos será possível se pudermos contar com mais recursos humanos.»
Outro domínio que sairia beneficiado com o aumento da equipa seria a investigação e a formação pré-graduada. Embora o Serviço de Oftalmologia tenha um protocolo com a Universidade do Algarve, as condições de parceria ainda não estão plenamente estabelecidas. «Por enquanto, apesar de eu ter algumas ideias em mente, não há condições para nos dedicarmos a projetos de investigação, pois exigem tempo que não temos. No que diz respeito à criação de um internato, a situação é idêntica, mas recebemos internos do ano comum e de Medicina Geral e Familiar», esclarece Filipe Isidro. A melhoria das relações com os cuidados de saúde primários é outra estratégia em que o diretor pretende apostar. Defendendo que o processo de referenciação ainda precisa de alguns ajustes, o oftalmologista pretende organizar sessões de esclarecimento com os médicos das unidades de saúde familiar da região, cujo principal objetivo será explicar as particularidades da Oftalmologia. «Acredito que isso poderá fazer a diferença na forma como os pedidos de consulta são processados», remata. JULHO 2018
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REUNIÃO RETINA IBÉRICA NO PORTO A II Reunião Conjunta do Grupo Português de Retina e Vítreo (GPRV) com a Sociedad Española de Retina y Vítreo (SERV) vai decorrer nos dias 9 e 10 do próximo mês de novembro, no Hotel Sheraton Porto. Estarão em destaque a importância dos exames imagiológicos, como a OCT (tomografia de coerência ótica) e a OCT-A (angiografia por OCT), bem como as novidades do tratamento médico e cirúrgico. Sandra Diogo
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pós a primeira edição, em abril de 2016, no seguimento do protocolo estabelecido entre o GPRV e a SERV, oftalmologistas portugueses e espanhóis voltam a reunir-se para discutir conjuntamente as principais novidades e os avanços na área de retina e vítreo. «Com duas conferências major e três mesas dedicadas às questões médicas, cirúrgicas e de imagem, o programa deste ano foi elaborado para promover a interação entre oradores e assistência, com discussão efetiva dos temas», revela o Prof. Carlos Marques Neves, coordenador do GPRV. A tarde do primeiro dia, 9 de novembro, está reservada para o curso «OCT e OCT-A na degenerescência macular da idade (DMI)», cujo objetivo central é «auxiliar o oftalmologista na sua prática clínica diária de diagnóstico, avaliação e seguimento dos doentes com DMI utilizando estes exames», afirma Carlos Marques Neves, sublinhando que esta formação tem acreditação solicitada ao European Accreditation Council for Continuing Medical Education (EACCME) da Union Européene des Médecins Spécialistes (UEMS). Depois da sessão de abertura, os trabalhos do segundo dia terão início com duas conferências: uma do Prof. Rufino Silva, coordenador da Secção de Retina Médica e Neuroftalmologia do Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, subordinada ao tema «Big-data e bases de dados na retina», e outra do Prof. José María Ruiz Moreno, presidente da SERV e chefe da Unidade de Retina do Complejo Universitario Hospitalario de Albacete, intitulada «New trends in imaging for retinal desorders». Em entrevista ao Visão SPO, o Dr. Luis Arias Barquet, tesoureiro da SERV, explica que as
novidades técnicas no âmbito da imagem terão grande destaque nesta reunião, porque «são especialmente úteis no diagnóstico das patologias que afetam a retina, como a DMI e o edema macular diabético. «A OCT-A, por exemplo, permite obter angiografias dos vasos da retina e dos coroides nos seus diferentes plexos, sem necessidade de injetar qualquer substância de contraste», salienta. Além da conferência de Ruiz Moreno, a mesa dedicada à imagem, a decorrer na tarde do dia 10 de novembro, vai analisar os seguintes tópicos: inovação em imagem na cirurgia vítreo-retiniana, OCT intraoperatória, Swept-Source OCT, análise multimodal integrada na retinopatia diabética, e como estudá-la imagiologicamente.
«O programa deste ano foi elaborado para promover a interação entre oradores e assistência» Prof. Carlos Marques Neves Atualização em retina médica e cirúrgica Como reconhece o coordenador do GPRV, «a ligação aos congéneres espanhóis surgiu da necessidade de criar pontes entre os dois grupos ibéricos dedicados à retina, de modo a estabelecer colaborações futuras, quer para divulgação de resultados da prática clínica quer para realização de trabalhos de investigação». Nesse sentido, esta segunda reunião Retina Ibérica também dará destaque às novidades e aos avanços da terapêutica.
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Prof. Carlos Marques Neves
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Prof. José María Ruiz Moreno
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Dr. Luis Arias Barquet
Na mesa dedicada à retina médica, que fechará a manhã do dia 10 de novembro, «será dado destaque aos novos fármacos intravítreos que estão em desenvolvimento para o tratamento de patologias maculares, assim como aos protocolos com antiangiogénicos que são mais recomendados na atualidade», especifica Luis Arias Barquet, que participou ativamente na definição do programa científico desta reunião conjunta. No âmbito da retina médica, vão também ser apresentados os dados a longo prazo do tratamento da DMI neovascular, do edema macular diabético, das oclusões venosas, além da análise da neovascularização coroideia associada às doenças inflamatórias coriorretinianas e do estado da arte da terapêutica das maculopatias agudas. Segue-se a mesa de retina cirúrgica, que vai abordar as controvérsias à volta do tratamento do descolamento da retina, a traumatologia do segmento posterior, a nova classificação tomográfica das membranas epirretinianas e quando devem ser operadas, bem como o tratamento cirúrgico da retinopatia diabética e o papel das retinotomias. Com periodicidade bienal, as próximas edições da reunião Retina Ibérica vão decorrer nas cidades de Barcelona, em 2020, e Lisboa, em 2022. «Existe grande expectativa e entusiasmo perante este projeto de parceria ibérica, que já se traduziu em estudos clínicos coordenados por hospitais espanhóis e portugueses, pelo que esta colaboração só pode resultar na melhoria do que temos atingido até agora», remata Luis Arias Barquet, que é diretor do Departamento de Retina do Bellvitge Hospital Universitari, em Barcelona.
INTERNOS APOSTAM NA DISCUSSÃO DE CONTROVÉRSIAS Sob o tema geral «Controversies in Ophthalmology» e sustentada num formato didático, a 7.ª Reunião Anual dos Internos de Oftalmologia (RAIO) realizou-se nos passados dias 7 e 8 de julho, em Aguieira, Mortágua. Rui Alexandre Coelho
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Dr.ª Rita Couceiro, coordenadora da SPO Jovem, que organiza a RAIO, frisa que o programa científico desta 7.ª edição foi construído com o intuito de «valorizar a formação dos internos e promover a atualização científica dos jovens especialistas». Após a sessão de abertura, o dia 7 de julho arrancou com a discussão de controvérsias «com um formato inovador, tendo por base casos clínicos desafiantes nas áreas do glaucoma, da neuroftalmologia e da retina». Em cada um destes três temas, «dois oradores apresentaram soluções diagnósticas e terapêuticas distintas para o mesmo caso clínico, defendendo o seu ponto de vista com base na evidência atual». Um dos oradores nesta sessão foi o Dr. João Barbosa Breda, recém-especialista no Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar de São João (CHSJ), no Porto, que discutiu casos controversos de glaucoma, abordando os tratamentos médicos e cirúrgicos. Neste âmbito, foram destacadas as cirurgias minimamente invasivas do glaucoma (MIGS, no acrónimo inglês), «que continuam a ser a nova tendência cirúrgica, como se pôde ver no último Congresso da Sociedade Europeia de Glaucoma, no passado mês de maio, em Florença», sublinhou o preletor. «É preciso ter em conta fatores como a idade do doente, a sua esperança média de vida, a gravidade e o tipo de glaucoma, porque alguns doentes não têm indicação para MIGS, enquanto outros podem começar por essa via e, mais tarde, se for necessário, partir para cirurgias mais invasivas», afirmou João Barbosa Breda, que teve a seu lado nesta sessão a Dr.ª Mariana Sá Cardoso, jovem oftalmologista do Centro Hospitalar de Lisboa Central. Os dois «concordaram em discordar» sobre os casos
ORGANIZADORES E ORADORES (da esq. para a dta.): Drs. Augusto Magalhães, Pedro Fonseca, João Feijão, Helena Prior Filipe, Mariana Sá Cardoso, David Sousa, Lígia Figueiredo, Filipe Silva, Mário Ornelas, Nuno Gomes, Filipe Neves, Rita Couceiro, Ivo Silva, Andreia Soares, Nuno Franqueira e João Barbosa Breda
em questão, em prol de um formato tão didático quanto possível numa área em que não impera «o preto ou o branco», mas sim «o cinzento».
Formação em cirurgia refrativa Ainda no dia 7 de julho, teve lugar o «Live educational event: refractive surgery for the young ophthalmologists», um curso candidato à acreditação do EACCME/UEMS (European Accreditation Council for Continuing Medical Education da Union Européenne des Médecins Spécialistes). A Dr.ª Lígia Figueiredo, oftalmologista no Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga/Hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira, e membro da direção da SPO Jovem, contextualiza: «Decidimos organizar este curso porque a cirurgia refrativa não está disponível em todos os hospitais, pelo que há muitos internos que não têm formação suficiente nesta valência.» Esta formação contemplou três partes. Na primeira, o Dr. Luís Oliveira, oftalmologista no Centro Hospitalar do Porto/Hospital de Santo António, falou sobre a cirurgia refrativa por laser, nomeadamente «os critérios para a escolha dos candidatos e as técnicas mais indicadas, como o LASIK [laser-assisted in situ keratomileusis] e o PRK [photorefractive keratectomy]», avança Lígia Figueiredo. Na segunda parte, o Dr. Nuno Franqueira,
oftalmologista no Hospital de Braga, incidiu sobre as indicações das lentes fáquicas e o rol de técnicas deste tipo de cirurgia refrativa que «é muito utilizado em doentes com grandes ametropias». O terceiro e último preletor deste curso foi o Dr. Ivo Silva, oftalmologista no Hospital de Vila Franca de Xira, que se deteve sobre a cirurgia do cristalino transparente, «uma opção mais indicada para os doentes acima dos 50 anos». No segundo dia da RAIO 2018, decorreu o já habitual concurso para os melhores caso clínicos apresentados por internos, este ano sob o mote «The worst surgical complications». «Uma vez que decidimos representar todos os hospitais que recebem internos, foi apresentado apenas um caso clínico por serviço. Os melhores foram premiados com a oferta da quota anual de sócio da SPO», detalha Rita Couceiro. Foram três as vencedoras: Dr.ª Maria João Vieira, do Centro Hospitalar de Leiria/Hospital de Santo André (melhor caso clínico apresentado); Dr.ª Vânia Lages, do Centro Hospitalar do Porto/Hospital de Santo António (melhor caso clínico educacional); e Dr.ª Sílvia Diniz, do Centro Hospitalar de Setúbal/Hospital de São Bernardo (melhor apresentação em vídeo). A reunião encerrou com a sessão «Tips on how to prepare for your final exam/apply for a fellowship abroad», apresentada pela equipa da SPO Jovem.
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Visão SPO
Globo ocular reuniões/formação
THE FUTURE IS UNKNOWN Com o mote que titula este texto e uma forte componente formativa, a edição deste ano da Reunião Conjunta do Grupo de Cirurgia Implanto-Refrativa (CIRP) com o Grupo de Superfície Ocular, Córnea e Contactologia (GSOCC), que decorreu entre 24 e 26 de maio, em Albufeira, ficou marcada por diversos cursos de atualização de conhecimentos e pela apresentação das muitas novidades tecnológicas que estão a revolucionar o diagnóstico e o tratamento das patologias associadas a estas áreas da Oftalmologia.
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reunião, que foi a edição mais participada de sempre, com 503 inscritos, arrancou no dia 24 de maio, com o curso «YO Opss!», que se centrou nas complicações da cirurgia da catarata, nomeadamente as intraoperatórias relacionadas com a cápsula e com a zónula e o vítreo, bem como a patologia da córnea e quando a pupila não dilata. «O principal objetivo desta formação foi potenciar o desenvolvimento das aptidões dos colegas mais jovens nestes domínios, o que é sempre uma mais-valia para todos e representa o espírito destas reuniões», afirma a Prof.ª Filomena Ribeiro, coordenadora da CIRP. Reforçando a componente educacional, seguiu-se o curso de atualização em córnea e em catarata e cirurgia refrativa, acreditado pela UEMS (Union Europeénne des Médecins Spécialistes). No âmbito da córnea, foram analisadas «questões que, embora frequentes na prática clínica, raramente são debatidas, como a dor neuropática, as erosões recorrentes e as complicações relacionadas com o olho seco e a conjuntivite alérgica, e o transplante de células estaminais do limbo na reconstrução da superfície ocular externa», especifica o Dr. Walter Rodrigues, coordenador do GSOCC. Relativamente à catarata e à cirurgia refrativa, foram debatidas as novas tendências; a
Prof. Thomas Olsen no início da sua palestra na sessão «A evolução da cirurgia da catarata», que foi moderada por: Dr. Adriano Aguilar, Prof. António Castanheira-Dinis, Prof. António Marinho, Prof. Fernando Falcão-Reis e Dr. José Pita Negrão (na mesa, da esq. para a dta.)
lensectomia refrativa; questões relacionadas com anéis, segmentos e íris artificial; a evidência clínica sobre a cirurgia minimamente invasiva do glaucoma associada à cirurgia da catarata; os desafios da córnea irregular; as lentes intraoculares (LIO) add-on e as LIO fáquicas no segmento anterior; bem como a síndrome da retropulsão do diafragma iridocristalino, a síndrome da íris flácida intraoperatória e a síndrome tóxica do segmento anterior e do segmento posterior. O programa do primeiro dia incluiu ainda um curso de atualização em medidas biométricas e cálculo esférico e tórico das LIO, bem como cinco wet-labs de apresentação de novidades técnicas e farmacológicas. Este primeiro dia de reunião terminou com o curso «Última geração da Biometria», coordenado por Filomena Ribeiro e dedicado à atualização das medidas biométricas e ao cálculo esférico e tórico da LIO.
Avanços na correção da presbiopia No dia seguinte, 25 de maio, realizou-se o Curso de Cirurgia da Presbiopia no Cristalino, que teve como finalidade «proporcionar aos oftalmologistas, particularmente aos que fazem cirurgia refrativa, alguma formação atua-
lizada sobre a correção da “vista cansada”, que, até há alguns anos, não era passível de tratamento», elucida o Dr. Ramiro Salgado, coordenador deste curso e oftalmologista no Centro Hospitalar do Porto/Hospital de Santo António. A verdade é que já existem técnicas cirúrgicas que permitem dar uma esperança de visão mais autónoma, isto é, sem óculos, a quem sofre de presbiopia. Segundo Ramiro Salgado, os desenvolvimentos nesta área são evidentes, nomeadamente no que toca a lentes com tecnologia variada, «umas que assentam no conceito da multifocalidade e outras que se baseiam mais na modificação da profundidade de foco das lentes». Nesta formação, o Prof. António Marinho, oftalmologista no Hospital da Luz Arrábida, partilhou estratégias para melhorar a técnica cirúrgica. Já a Prof.ª Filomena Ribeiro e o Dr. Ramiro Salgado abordaram, respetivamente, o rigor dos cálculos e estudos pré-operatórios (em particular biométricos) necessários à implantação de LIO para correção da presbiopia (sobretudo no caso das lentes premium), e a seleção criteriosa da LIO com ênfase na performance dos vários tipos de lente e na adequação ao perfil do doente,
Trabalhos que afirmam Portugal lá fora A Reunião Conjunta do Grupo de Cirurgia Implanto-Refrativa com o Grupo de Superfície Ocular, Córnea e Contactologia deu também destaque às comunicações «Portugal lá fora», uma rubrica que traz à discussão trabalhos portugueses que, recentemente, foram apresentados em congressos internacionais ou publicados em revistas indexadas. «Queremos dar visibilidade à investigação realizada em Portugal na área da Oftalmologia, mas também divulgar estes trabalhos junto dos pares», justifica Filomena Ribeiro. Este ano, foram apresentados 10 trabalhos de cirurgia refrativa, biometria e cálculo da lente intraocular, 12 de córnea e 11 de catarata. Em cirurgia refrativa foi premiado o trabalho «Comparative analysis of clinical outcomes of a monofocal and an extended- range-of-vision intraocular lens in eyes with previous myopic laser in situ keratomileusis» (Dr. Tiago Ferreira, do Hospital da Luz Lisboa). Na área da córnea, venceu o trabalho «Sulfur Hexafluoride 20% Versus Air 100% for Anterior Chamber Tamponade in DMEK: A Meta-Analysis» (Dr.ª Raquel Esteves Marques, do Centro Hospitalar Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria). O trabalho vencedor na ára da catarata intitula-se «Moxifloxacin-loaded acrylic intraocular lenses: in vivo performance» (Dr.ª Helena Prior Filipe, do Hospital das Forças Armadas/Polo de Lisboa).
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para que os resultados sejam o mais previsíveis possível e se atinja o grau de satisfação final desejado. Este curso contou ainda com a intervenção do Prof. José Güell, diretor do Departamento de Córnea e Cirurgia Refrativa do Instituto de Microcirurgia Ocular, em Barcelona, que destacou uma novidade na abordagem à presbiopia: as lentes aditivas. «Trata-se da possibilidade de colocar lentes fáquicas ou add-on para resolução da presbiopia, quer no cristalino virgem quer em associação a uma LIO previamente colocada para resolver outros problemas da visão», esclarece Ramiro Salgado.
Evolução na cirurgia da catarata Um momento alto da Reunião Conjunta CIRP/ /GSOCC foi a sessão intitulada «A evolução da cirurgia da catarata», na medida em que se tem assistido a «um desenvolvimento incomparável no diagnóstico dos erros refrativos, mas também ao nível das medidas biométricas essenciais para os cálculos em todo o tipo de cirurgia implanto-refrativa», refere Filomena Ribeiro. Sobre este último tópico falou na sessão o Prof. Thomas Olsen, diretor do Departamento de Cirurgia Oftalmológica do Aarhus University Hospital, na Dinamarca, que destacou a evolução no cálculo das LIO ao longo dos últimos 50 anos, desde a fórmula de Sanders-Retzlaff-Kraff até ao cálculo personalizado. Em seguida, o Dr. Bobby Qureshi, diretor médico do London Eye Hospital, em Inglaterra, abordou a evolução dos dispositivos que ajudam a resolver a baixa visão, nomeadamente nos doentes com degenerescência macular ligada à idade (DMI). Apesar de admitir que «a solução perfeita ainda está longe de chegar à sala de operações», Bobby Qureshi realçou que a visão pode ser melhorada com o recurso a dispositivos mais sofisticados, como é o caso das lentes Eyemax®. «Estas lentes melhoram a visão através da mácula ao utilizar conceitos semelhantes à correção longitudinal, mas
CURSO DE CIRURGIA DA PRESBIOPIA NO CRISTALINO: Prof.ª Filomena Ribeiro, Prof. António Marinho, Prof. José Güell e Dr. Ramiro Salgado
numa direção transversal, isto é, teoricamente, temos uma lente que deve providenciar aos doentes com DMI uma imagem muito melhor em qualquer zona da mácula.» Depois de afirmar que estas lentes maculares extensíveis «obtêm melhores outcomes face às suas concorrentes, com a mesma segurança e a possibilidade de otimizar a visão num número muito alargado de doentes», Bobby Qureshi partilhou também as suas «elevadas expectativas» para o futuro, quando as terapêuticas genéticas com células estaminais estiverem disponíveis. Esta sessão contou ainda com a preleção do Dr. Gonzalo Bernabéu, diretor do Departamento de Cirurgia Refrativa do Hospital Universitário de Madrid, sobre a revolução da cirurgia 3D.
Novas tendências em queratoplastia Numa análise sobre o programa desta reunião conjunta, Walter Rodrigues evidencia as várias sessões dedicadas ao queratocone, sobretudo uma que decorreu no dia 26 de maio, pois, além das técnicas atuais de queratoplastia, debateu «as tendências de futuro, nomeadamente a terapêutica celular, que já se reflete na cirurgia da córnea, com o transplante de células endoteliais». No mesmo dia, seguiu-se outra sessão sobre a cirurgia refrativa querática, na qual este oftalmologista falou
INTERVENIENTES NO DEBATE «ALGORITMOS NO QUERATOCONE»: Atrás: Prof. Joaquim Murta, Dr. Walter Rodrigues e Dr. Augusto Magalhães. À frente: Dr. Peter Pêgo, Dr. António Limão, Prof.ª Andreia Martins Rosa e Dr. Tiago Monteiro, que apresentaram os seus algoritmos na abordagem do queratocone
sobre a queratotomia radiária como a primeira técnica cirúrgica querática para correção das ametropias, que surgiu no início dos anos de 1970, e sobre o Excimer laser, disponibilizado em 1985. Seguiu-se a abordagem de técnicas mais recentes, como a cirurgia refrativa customizada e topoguiada, o PresbyLasik, o femto na córnea, o Smile e o Inlays/Onlays. Na Conferência Pedro Abrantes, que decorreu no dia 25 maio, o Prof. José Güell dissertou sobre as novas tendências em queratoplastia, com enfoque na cirurgia refrativa intraocular pós-queratoplastia. Este especialista começou por lembrar as mudanças ocorridas nesta área: «Classicamente, quando tínhamos um problema de irregularidade ou opacidade da córnea, o tratamento passava por substituí-la por outra, realizando um transplante penetrante. No entanto, nos últimos 15 anos, este procedimento tem vindo a sofrer alterações e a opção pelo transplante lamelar é cada vez mais frequente.» Este transplante tem a vantagem de proporcionar ao doente uma recuperação muito mais rápida. «Dez dias após o transplante endotelial, o doente está a ver bem e consegue desempenhar as atividades da sua vida normal. Já no caso do transplante penetrante, o doente só volta a ter uma boa visão seis a oito meses depois.» Além disso, «a frequência de rejeição do enxerto é muito menor com o transplante lamelar/endotelial», frisou José Güell. Este oftalmologista espanhol falou ainda sobre as técnicas de queratoplastia que utiliza, como a DALK (deep anterior lamellar keratoplasty), e os trabalhos que tem vindo a desenvolver para melhorar o transplante endotelial por DMEK (descemet´s membrane endothelial keratoplasty). Por fim, José Güell ressalvou que, embora hoje a maior parte dos transplantes seja lamelar, «há situações que requerem o transplante penetrante com implante de uma queratoprótese de Boston», uma córnea sintética com qual já tem cerca de 20 anos de experiência. Ainda no dia 25 de maio, foram debatidos os algoritmos no queratocone, através da partilha de experiências entre quatro oftalmologistas de diferentes hospitais (ver fotografia ao lado). J U L H O 2 0 1 8 13
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Globo ocular reuniões/formação
CURSO DE CIÊNCIAS BÁSICAS EM OFTALMOLOGIA 2018 Pelo quarto ano consecutivo, a sede da SPO acolheu, entre 22 de janeiro e 2 de fevereiro, o Curso de Ciências Básicas em Oftalmologia. Trata-se de uma formação dirigida aos internos do primeiro ano e tem por objetivo dar a conhecer as diversas valências da Oftalmologia, incluindo aspetos relacionados com a ciência básica e outros fundamentais para a prática clínica médica e cirúrgica. Sandra Diogo
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o longo de 11 dias, o programa do Curso de Ciências Básicas em Oftalmologia 2018 (ver caixa) foi elaborado de modo a incluir as duas vertentes da formação em Oftalmologia. «Por um lado, são ministrados módulos de ciência básica, que incluem a anatomofisiologia, a genética e alguns aspetos da anatomopatologia das várias doenças oculares. Por outro lado, tem a preocupação de familiarizar os internos com a clínica oftalmológica, desde práticas mais elementares, como a refração, até aspetos mais avançados da clínica, incluindo patologias mais raras, sem esquecer questões relacionadas com a ética», refere o Prof. Manuel Monteiro-Grillo, presidente da SPO. Na edição deste ano, «pretendeu-se dar uma visão geral do internato específico de Oftalmologia, ajudando os internos do primeiro ano a perceberem o envolvimento de todos os Serviços com idoneidade formativa», acrescenta o Dr. Augusto Magalhães, presidente do CEOOM. Esses Serviços estiveram, por isso, representados neste curso, através de coordenadores e palestrantes dos diferentes módulos. Dando como exemplo o módulo «Estrabismo e Oftalmologia Pediátrica», que coordenou com o Dr. Jorge Breda, seu colega no Centro Hospitalar de São João, o Dr. Augusto Magalhães esclarece que os conteúdos foram divididos em dois momentos: uma manhã dedicada à apresentação de conceitos básicos da visão binocular e à análise dos vários tipos de estrabismo e respetivas técnicas cirúrgicas, e uma tarde que abordou os grandes temas da Oftalmologia Pediátrica, nomeadamente a refração, o olho vermelho, a catarata con-
génita, as uveítes pediátricas, a retinopatia da prematuridade, as distrofias retinianas e o cansaço visual relacionado com as novas tecnologias. Augusto Magalhães explicou também aos internos alguns aspetos jurídicos da formação oftalmológica, que incluíram a análise à portaria que define o programa de formação específica em Oftalmologia, enfatizando as obrigações e os direitos dos formandos. Tendo em conta a legislação relativa à avaliação, o especialista deu também alguns conselhos relativos à forma como devem ser elaborados os currículos. «Um aspeto do qual os internos devem ter consciência é que os Serviços não têm direito de os usarem para, de forma artificial, aumentar a produtividade com prejuízo da formação. Nesse sentido, foram alertados para o direito que lhes é devido a exigirem que lhes seja facultada a frequência adequada das valências previstas na lei. Os médicos em geral, e os internos em particular, não devem aceitar ser colocados em mais do que um lugar em simultâneo, tanto mais que esse tipo de prática aumenta o risco de erro médico, gerando, com frequência, conflitualidade e problemas médico-legais», resume Augusto Magalhães. Iniciado em 2015, o Curso de Ciências Básicas em Oftalmologia resulta de uma parceria entre a SPO e o CEOOM. «Quando os internos entravam na especialidade tinham de frequentar cursos internacionais, mas achámos que isso não se justificava, já que tínhamos todas as condições logísticas e de recursos humanos para oferecer este tipo de formação cá», explica a Prof.ª Maria João Quadrado, presidente da SPO na altura e
A Dr.ª Rita Gama (a intervir) foi uma das formadoras no módulo de estrabismo e Oftalmologia Pediátrica, a par dos Drs. Jorge Breda, Alcina Toscano e Augusto Magalhães (sentados na fila da frente, da esq. para a dta.)
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O Dr. Augusto Magalhães e o Prof. Manuel Monteiro-Grillo presidem atualmente às duas entidades organizadoras do Curso de Ciências Básicas em Oftalmologia – o Colégio da Especialidade de Oftalmologia da Ordem dos Médicos (CEOOM) e a Sociedade Portuguesa de Oftalmologia (SPO)
oftalmologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC). Sobre o módulo que coordenou este ano, em conjunto com o Dr. João Gil, seu colega no CHUC, dedicado à córnea médica e cirúrgica, Maria João Quadrado afirma que esta é uma área muito específica da Oftalmologia e com a qual os internos só têm contacto numa fase mais avançada do internato. Assim, «este módulo apresentou conceitos básicos de anatomia e fisiopatologia, seguindo-se a parte prática para demonstrar a resolução de patologias do dia-a-dia através de vídeos cirúrgicos».
Módulos da edição de 2018 • «Anatomofisiologia: do polo anterior ao cristalino» • «Embriologia e genética ocular» • «Anatomofisiologia: do cristalino ao polo posterior» • «Farmacologia e terapêutica ocular» • «Biologia e imunologia ocular» • «Exame físico ocular e semiologia ocular» • «Glaucoma» • «Retina médica e cirúrgica» • «Exames complementares em Oftalmologia» • «Patologia ocular» • «Ótica física e refração» • «Correção de erros refrativos» • «Estrabismo e Oftalmologia Pediátrica» • «Neuroftalmologia» • «Ética, profissionalismo e comunicação» • «Córnea médica e cirúrgica» • «Urgências em Oftalmologia» • «Curso de fios e suturas – teoria e wet lab»
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Visão SPO
Globo ocular reuniões/formação
Organizadores, oradores e alguns participantes reuniram-se para a fotografia de grupo
O MAIS RECENTE ESTADO DA ARTE NO GLAUCOMA As mais-valias da tomografia de coerência ótica (OCT, na sigla em inglês) no diagnóstico precoce do glaucoma, a abordagem desta patologia nos doentes com transplante de córnea, a atualização em termos de técnicas cirúrgicas, os resultados de estudos recentes de âmbito clínico e epidemiológico e o algoritmo terapêutico do glaucoma congénito. Estes foram alguns dos pilares temáticos da Reunião do Grupo Português de Glaucoma (GPG) 2018, que se realizou em Ílhavo, nos dias 23 e 24 de março passado.
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programa científico arrancou, no dia 23 de março, com uma sessão de update em tomografia de coerência ótica (OCT). Segundo o Dr. António Figueiredo, presidente do GPG, em Oftalmologia, «esta é, provavelmente, a ferramenta diagnóstica mais importante e abrangente». E explica: «A OCT fornece-nos imagens de áreas como o nervo ótico, a camada de fibras nervosas ou a retina e é usado por oftalmologistas de várias subespecialidades. No âmbito do glaucoma, o diagnóstico celular, que é considerado como uma das últimas fronteiras por ultrapassar, já pode ser feito pelas versões mais sofisticadas da OCT.» A fiabilidade do estudo do disco ótico e das camadas de fibras nervosas, a angio-OCT em combinação com a análise fractal no diagnóstico do glaucoma e avaliação vascular do disco
Não adiar o rastreio
ótico com angio-OCT no glaucoma primário de ângulo aberto foram os tópicos analisados nesta sessão. Um dos moderadores, o Dr. José Moura Pereira, oftalmologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), salienta que, hoje em dia, «a OCT permite identificar precocemente alterações associadas ao início do glaucoma, o que aumenta as hipóteses de controlar esta doença». Ainda no dia 23 de março, os mais relevantes e atuais aspetos cirúrgicos foram abordados no Fórum I. O Dr. João Cardoso, oftalmologista no CHUC, começou por explicar a aplicação do laser CO2 no auxílio à cirurgia do glaucoma. Enquanto comoderador desta sessão, o Prof. Luís Abegão Pinto, oftalmologista no Centro Hospitalar Lisboa Norte/ /Hospital de Santa Maria (CHLN/HSM), destaca as vantagens desta técnica no que toca
Este foi o mote da campanha de sensibilização que o Grupo Português de Glaucoma (GPG) da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia (SPO) promoveu por altura da Semana Mundial do Glaucoma, que este ano se assinalou entre 11 e 17 de março. Além de várias intervenções de oftalmologistas nos meios de comunicação social, com vista a esclarecer a população sobre esta «patologia silenciosa que, se não for diagnosticada a tempo, pode levar à cegueira», foi divulgado nos meios digitais da SPO e aos media o vídeo de sensibilização para o glaucoma que pode visualizar através do QR Code ao lado. «Este ano, optámos por não realizar uma campanha de rua, ao contrário do ano passado, preferindo chegar junto dos media e quantificar os resultados. Por exemplo, sabemos que o vídeo excedeu as 300 mil visualizações, o que é excelente», afirma António Figueiredo, coordenador do GPG.
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à curva de aprendizagem, em comparação com as restantes cirurgias não penetrantes. E exemplifica: «Ninguém fazia cirurgia não penetrante do glaucoma no CHUC e, de um momento para o outro, quatro cirurgiões começaram a fazê-la através do laser CO2.» No Fórum I, Luís Abegão Pinto foi também orador, falando sobre tubos e variações, com enfoque sobre a sua experiência na técnica que associa dois implantes de drenagem não valvulados (o tubo Baerveldt e o dispositivo XEN). «Os nossos resultados iniciais com esta técnica são encorajadores. Para já, constatamos que, a nível de eficácia e segurança, a associação XEN/Baerveldt é semelhante às soluções prévias. Estamos entusiasmados, mas só a longo prazo teremos respostas sólidas», frisa este oftalmologista do CHLN/ /HSM. Cirurgia do glaucoma em doentes com www.glaucoma-answers.org/ pt-pt/inicio-publico
polineuropatia amiloidótica familiar, trab ou tubo, cirurgia de catarata no tratamento do glaucoma, e uma reflexão sobre o presente e o futuro da resposta cirúrgica foram os restantes temas analisados nesta sessão.
Investigação nórdica Intitulado «Para além da PIO (pressão intraocular)», o Fórum II inaugurou o programa do segundo dia, 24 de março. «Ainda só tratamos a PIO, mas há muitos outros parâmetros cujos mecanismos ainda não compreendemos», assume o Dr. Flávio Alves, um dos moderadores desta sessão e oftalmologista no Centro Hospitalar de São João, no Porto. Segundo este especialista, «o gradiente de pressão transliminar parece ser um dos grandes fatores que poderá estar na génese, ou ser consequência, do glaucoma». Um dos oradores no Fórum II foi o Prof. Gauti Johannesson, docente e investigador no Departamento de Ciências Clínicas da Universidade de Umea, na Suécia, que apresentou um estudo destinado a testar a hipótese de que o glaucoma normotensivo (GNT) é causado por um aumento na diferença da pressão da lâmina cribrosa (TLCPD) que, por sua vez, está ligada a uma baixa pressão intracraniana (PIC), dependendo da postura corporal. Neste estudo, que comparou indivíduos saudáveis a doentes com GNT, a hipótese de que o GNT é causado por uma TLCPD elevada não foi comprovada. «Os resultados foram inesperados, pois estávamos à espera de encontrar uma menor PIC nos doentes com GNT, o que não aconteceu.» Ainda assim, Gauti Johannesson sublinha a importância desta investigação, que também teve por objetivos «minimizar as limitações de outros estudos em termos de medições simultâneas da PIO e da PIC, em diferentes posturas, e conhecer os efeitos dos fármacos que podem afetar estas pressões».
Glaucoma como doença neurodegenerativa e estudo do óxido nítrico e da lâmina crivosa nos doentes com síndrome de hipotensão do liquor foram os outros dois temas abordados no Fórum II. O programa científico prosseguiu com a mesa-redonda «Síndrome exfoliativa e glaucoma exfoliativo», na qual Gauti Johannesson voltou a ser orador. O investigador sueco versou sobre a epidemiologia do glaucoma exfoliativo e também referiu os desafios da complexa cirurgia às cataratas em doentes com este tipo de glaucoma, que «é muito comum nos países nórdicos». A epidemiologia do glaucoma tem sido um dos focos de trabalho da Prof.ª Miriam Kolko, chefe da Unidade de Pesquisa Translacional do Olho da Universidade de Copenhaga, na Dinamarca, que foi a preletora da Conferência João Eurico Lisboa. Esta oftalmologista apresentou os resultados de um estudo levado a cabo no seu país com o objetivo de perceber se a incidência de glaucoma está a aumentar nos doentes com outras comorbilidades, nomeadamente doenças cardiovasculares. «Segundo os resultados preliminares, verifica-se um risco aumentado de glaucoma nos doentes hipertensos, com diabetes e que tomam fármacos para diminuição do colesterol», avançou a oradora.
Privilegiar as cirurgias menos invasivas Seguiu-se o Fórum III, que incluiu palestras sobre o algoritmo de tratamento em glaucoma pediátrico, como evitar a escalada terapêutica do glaucoma em doentes transplantados, perimetria e ameaça à visão central, e terapêutica médica em 24 horas. A propósito desta sessão, António Figueiredo realça que «é crucial perceber a forma como a PIO se
Foi com esta fotografia intitulada Poppy Field que a Dr.ª Mariana Oliveira, interna de Oftalmologia no CHUC, venceu o prémio do «Cantinho da Fotografia», uma iniciativa da SPO Jovem, na Reunião de Glaucoma 2018. A imagem retrata as dilatações ampuliformes dos vasos da conjuntiva de uma doente com glaucoma de ângulo aberto secundário a síndrome de Sturge-Weber.
comporta ao longo das 24 horas, tal como despistar as lesões na visão central, que é a mais importante». Em relação ao algoritmo terapêutico do glaucoma pediátrico e congénito, o coordenador do GPG destaca a aplicação recente da trabeculectomia e defende que este tipo de glaucoma deve ser tratado em poucos centros de referência. «Não faz sentido termos dez centros em Portugal a tratar glaucoma pediátrico e cada um desses centros operar um doente por ano.» Sobre este tema, a Dr.ª Helena Spohr, comoderadora do Fórum III e oftalmologista no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental/ /Hospital de Egas Moniz, afirma que «o algoritmo de tratamento dos glaucomas congénitos tem vários passos, mas, habitualmente, a sua resolução é a via cirúrgica». A relação entre glaucoma e transplante de córnea foi analisada nesta sessão pela Dr.ª Manuela Carvalho, oftalmologista no Hospital SAMS, em Lisboa, que destacou o facto de as cirurgias menos invasivas para o transplante de córnea não acarretarem grandes complicações, pelo que também «não propiciam a progressão do glaucoma». No entanto, «quando o glaucoma não ficou controlado, também se pode escolher cirurgias menos invasivas, com menos complicações, que evitam a falha do enxerto a longo prazo». A Reunião de Glaucoma 2018 dedicou ainda um espaço à apresentação da plataforma Glaucoma Answers, que está disponível, no endereço www.glaucoma-answers.org. Este microsite deriva do livro Glaucoma – perguntas frequentes (editado em 2012 pelo GPG) e, sob a coordenação do Dr. António Figueiredo desde o início de 2017, abriu novas rubricas: um espaço para o público em geral, com informação diversa sobre a problemática do glaucoma, e um espaço para a discussão de artigos científicos dirigido a oftalmologistas e internos desta especialidade.
Dr. Mário Canastro (da direção da SPO Jovem), Dr.ª Mariana Oliveira (vencedora do prémio), João Caldas (representante do laboratório Théa, que patrocina a iniciativa) e Dr. António Figueiredo (coordenador do Grupo Português de Glaucoma) J U L H O 2 0 1 8 17
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Globo ocular reuniões/formação
GLAUCOMA NO ÂMAGO DA REUNIÃO DO SERVIÇO DE OFTALMOLOGIA DO SÃO JOÃO A mais recente Reunião do Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar de São João (CHSJ), que tem periodicidade bienal, realizou-se nos dias 4 e 5 de maio passado, em Vila Nova de Gaia, e percorreu os métodos de diagnóstico e as opções terapêuticas do glaucoma, com destaque para o que se prevê ser o futuro do tratamento cirúrgico. Rui Alexandre Coelho
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nquanto presidente da reunião e diretor do Serviço de Oftalmologia do CHSJ, o Prof. Fernando Falcão-Reis destaca a participação dos quatro preletores internacionais, todos dos Estados Unidos, que são «referências na área do glaucoma». Quanto às duas intervenções do Prof. George Spaeth, diretor emérito do Serviço de Glaucoma do Wills Eye Hospital, em Filadélfia, o responsável sublinha a conferência «Glaucoma: the six questions that must be answered», que «foi muito dirigida aos internos, enfatizando o comportamento médico ao nível da ética e da deontologia, com a mensagem central de que os oftalmologistas não tratam olhos, mas sim pessoas». Numa análise posterior à reunião, Falcão-Reis frisa ainda a mesa-redonda do primeiro dia, que incluiu quatro preleções sobre o futuro da cirurgia do glaucoma, três delas de especialistas nacionais. «O Dr. António Figueiredo defendeu a posição de que, no futuro, faremos mais trabeculectomias; a Dr.ª Teresa Gomes de que faremos mais cirurgias minimamente invasivas; e o Dr. Nuno Lopes de que a tendência será a introdução de mais tubos.» Ainda nesta sessão, a Prof.ª Marlene Moster, oftalmologista no Wills Eye Hospital, fez uma projeção das
ALGUNS ORADORES E MEMBROS DA ORGANIZAÇÃO: Prof. George Spaeth, Prof. Mark Moster, Prof.ª Marlene Moster, Prof. Fernando Falcão-Reis, Prof. Manuel Monteiro-Grillo, Dr. Flávio Alves, Dr. António Benevides Melo e Dr. Sérgio Estrela
respostas cirúrgicas em 2025, antevendo a existência de múltiplas opções no que toca a dispositivos, para se chegar ao objetivo comum de baixar a pressão intraocular (PIO), tratar o glaucoma e prevenir a cegueira. «É muito importante localizar onde estão os canais coletores funcionantes, para inserir os dispositivos de forma a que a PIO seja a mais baixa possível. Por enquanto, isso ainda não acontece.» Segundo Marlene Moster, «dentro de sete anos, será possível inserir um sensor no olho que, através de ondas de radiofrequência e via internet, permitirá ao
Outros highlights, segundo a comissão organizadora Dr. Flávio Alves*: «Destaco a sessão sobre o diagnóstico do glaucoma que decorreu no primeiro dia, na qual o Dr. Pedro Faria partilhou uma nova visão sobre os exames funcionais (perimetria computorizada) e a Dr.ª Maria da Luz Freitas sobre os exames morfológicos (OCT). Foram palestras de muito bom nível e fizeram antever que o futuro do diagnóstico poderá passar por essas vias. Quanto às palestras internacionais, os Profs. George Spaeth e Mark Moster deram lições brilhantes e abrangentes, respetivamente sobre ética médica e diagnóstico diferencial entre glaucoma e algumas doenças do foro neurológico.» Dr. António Benevides Melo*: «No segundo dia da reunião, tivemos dois simpósios: um versou sobre as novidades no tratamento médico do glaucoma e outro sobre os desafios dos doentes pediátricos. Mas acho que a sessão mais chamativa foi a que abordou os novos métodos cirúrgicos. Há novos dispositivos e técnicas que estão a entrar no mercado, mas alguns ainda não têm evidência científica que os suporte. Por isso, no primeiro dia, organizámos um simpósio para debater esta questão e perceber que novidades já podemos introduzir na prática clínica.» Dr. Sérgio Estrela*: «Tivemos a honra de receber o Prof. George Spaeth, uma referência mundial na área do glaucoma. Além das suas opiniões técnicas, este experiente colega também partilhou muitos esclarecimentos sobre como nos devemos comportar enquanto médicos do ponto de vista humano, moral e ético. É cada vez mais raro debater essas questões nos congressos médicos, pelo que foi muito importante receber o Prof. Spaeth na nossa reunião para lembrar às pessoas que importa mais o doente do que a doença.» *Oftalmologistas no Centro Hospitalar de São João, no Porto.
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médico aferir a PIO exata de cada olho em diferentes momentos do dia». Neste âmbito, o grande desafio será «conseguir que um dispositivo incrivelmente pequeno entre no olho sem implicar qualquer inflamação extra». Também orador no primeiro dia da reunião, o Prof. Mark Moster, neuroftalmologista no Wills Eye Hospital, falou sobre o diagnóstico diferencial entre o glaucoma normotensional e algumas patologias do foro neurológico. «Há doenças cujos sintomas se assemelham aos do glaucoma, mas que, na verdade, são neurológicas. O glaucoma tem características típicas, como alterações no nervo ótico, na PIO e no campo visual, além da sua progressão lenta. Já o quadro clínico neurológico implica outro de tipo de alterações no campo visual, particularmente no meridiano vertical, tais como pior acuidade visual, defeito pupilar aferente, défice visual de cor, entre outras, pelo que urge fazer o diagnóstico certo», explicou. Mark Moster referiu ainda as «novas descobertas no campo da imagiologia do nervo ótico e da retina, particularmente através da análise das células ganglionares, que pode mostrar as alterações mais precoces». O quarto orador internacional desta reunião do CHSJ, que interveio no segundo dia, 5 de maio, foi o Prof. Richard Abbott, codiretor do Serviço de Cirurgia Refrativa e da Córnea do Departamento de Oftalmologia da Universidade da Califórnia, em São Francisco. Este especialista incidiu sobre a importância de proteger a superfície ocular aquando do tratamento do glaucoma, destacando as estratégias que permitem contornar a intolerância aos fármacos antiglaucomatosos.
RETINA EM FOCO NOS COLÓQUIOS DE OFTALMOLOGIA Este ano acolhidos na Academia das Ciências de Lisboa, os Colóquios de Oftalmologia realizaram-se nos dias 23 e 24 de fevereiro. Em destaque estiveram temas da atualidade em retina, planificação da cirurgia implanto-refrativa e gestão em Oftalmologia, bem como o Curso EUPO (European University Professors of Ophthalmology) sobre descolamento de retina e a haibtual sessão conjunta de médicos,enfermeiros e ortoptistas. Rui Alexandre Coelho
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programa dos Colóquios de Oftalmologia 2018 teve início com um curso hands-on sobre suturas na córnea, seguindo-se a primeira parte de mais uma edição do Curso EUPO, desta feita dedicado ao descolamento de retina. Segundo a Prof.ª Fátima Campos, diretora de uma das três entidades organizadoras, o Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar Lisboa Norte/ /Hospital de Santa Maria (CHLN/HSM), o Curso EUPO insere-se no âmbito de uma «crescente aposta na melhoria da atividade-chave das instituições hospitalares universitárias: a formação pós-graduada». «Este ano, a retina e a inflamação ocular são os temas principais do EUPO», dá conta o Prof. Carlos Marques Neves, oftalmologista no CHLN/HSM e responsável pelo Centro de Estudos das Ciências da Visão da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, outra das entidades organizadoras dos Colóquios de Oftalmologia. No capítulo português do EUPO, as instituições envolvidas subdividiram o tema da retina em quatro grandes tópicos que dizem respeito às patologias que mais afetam a população portuguesa e que serão abordados nos cursos organizados ao longo do ano: além do descolamento da retina, foram escolhidos o edema macular diabético, a degenerescência macular relacionada com a idade e as doenças vasculares da retina. Na ótica de Carlos Marques Neves, os temas relacionados com a retina «são complexos» por dois motivos. «Primeiro, pelo efeito devastador que qualquer lesão retiniana tem sobre a função visual. Depois, pela complexidade do tratamento, porque, muitas vezes, estamos perante doenças ou complicações multifatoriais, o que implica uma grande necessidade de informação de qualidade para prevenir ou combater convenientemente estas doenças.»
ORGANIZADORES E ORADORES (da esq. para a dta.): Dr. Augusto Magalhães, Dr.ª Luísa Coutinho Santos, Prof. José Cunha-Vaz, Prof. Manuel Monteiro-Grillo, Dr. Victor Ágoas, Prof. Javier Zarranz-Ventura, Prof. Carlos Marques Neves, Prof.ª Fátima Campos e Prof. Luís Abegão Pinto
Além de relevar a «parceria frutuosa e já de longa data» entre as entidades que possibilitam a realização dos Colóquios de Oftalmologia, o Dr. Victor Ágoas, diretor clínico do Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto, entidade que também integra a organização, considera que o Curso EUPO «é da máxima importância». Isto porque, «sendo dirigido, principalmente, a médicos internos, não deixa de interessar a todos os especialistas, porque aborda temas sempre presentes e importantes em Oftalmologia».
Seguir os bons exemplos Uma novidade deste ano foi a sessão «Team work», dirigida a todos os profissionais que trabalham na área da visão, nomeadamente enfermeiros e ortoptistas. «Não tendo capacidade de resposta para todos os doentes, temos de procurar ganhos de eficiência. Para tal, é preciso conhecer as experiências de outros hospitais e países que enfrentam desafios semelhantes e perceber o que fizeram para colmatar as falhas», afirma o Prof. Luís Abegão Pinto, oftalmologista no CHLN/ /HSM para justificar a aposta nesta sessão. Aludindo à experiência partilhada por Sien Boons, ortoptista nos Hospitais da Universidade de Leuven, na Bélgica, Luís Abegão Pinto salienta que esta profissional «realiza, sob supervisão, exames e análises sumárias de doentes aparentemente estáveis, sinalizando para avaliação médica os doentes que possam ter maior risco de progressão». O programa do dia 23 de fevereiro encerrou com duas conferências. Na primeira, o Prof. José Cunha-Vaz, professor emérito de Oftalmologia na Universidade de Coimbra e presidente da AIBILI – Associação para Investigação Biomédica e Inovação em Luz e Imagem, refletiu sobre a importância da caracterização da retinopatia diabética através da angiografia por tomografia de coerência
ótica (OCT-A). Baseado em vários ensaios clínicos prospetivos, este orador afirmou que «doentes diabéticos com a mesma duração de doença e controlo metabólico semelhante, em fase de retinopatia diabética ainda inicial, apresentam um risco diferente de progressão». Assim sendo, urge «identificar que fenótipos predominam, de modo a proporcionar um melhor acompanhamento aos doentes». O futuro da OCT-A esteve em discussão na segunda conferência, que foi proferida pelo Prof. Javier Zarranz-Ventura, oftalmologista no Hospital Clinic de Barcelona. Este orador teceu considerações sobre a degenerescência macular associada à idade, percorrendo os diferentes tipos de membranas neovasculares e a melhor maneira de interpretar a OCT-A. Depois, centrou-se na retinopatia diabética, sublinhando o contributo dos novos softwares de OCT-A, tendo em vista as «reconstruções tridimensionais, em busca da quantificação objetiva do fluxo dentro dos vasos retinianos». Por fim, debruçou-se sobre a «aplicação de algoritmos de inteligência artificial no processador das retinografias». O dia seguinte arrancou com a segunda parte do Curso EUPO dedicado ao descolamento de retina, ao qual se seguiu mais um curso hands-on, desta vez sobre lentes intraoculares e dispositivos. Depois da sessão intitulada «Atualidades», que, entre outros tópicos, abordou a correção da presbiopia na cirurgia de catarata, os Colóquios de Oftalmologia 2018 encerraram com uma mesa-redonda que debateu a gestão em Oftalmologia, com a moderação do Dr. Rui Portugal, coordenador do Plano Nacinal de Saúde 2012-2016, e a participação de gestores de hospitais dos setores público e privado. Os temas em análise foram o financiamento hospitalar, a contratualização interna, o investimento na inovação e o acesso a uma primeira consulta de Oftalmologia. J U L H O 2 0 1 8 19
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Uma vinha à beira da A23 plantada Foi incontornável dar o nome Adega 23 aos vinhos cultivados num terreno que é dividido pela autoestrada 23 (A23), em Sarnadas de Rodão, às portas de Castelo Branco. O projeto resulta do empreendedorismo da Dr.ª Manuela Carmona, oftalmologista em Lisboa e ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia (SPO), que aqui decidiu plantar uma vinha e construir uma adega de arquitetura arrojada. Depois da inauguração, que ocorreu no dia 9 de junho passado e de os primeiros dois vinhos (um branco e um rosé) entrarem em comercialização, o Visão SPO foi conhecer os resultados da «paixão», da «ousadia» e da «determinação» desta oftalmologista. Madalena Barbosa
Do lado esquerdo da A23, no sentido oeste-este, foi erigido o edifício da adega e plantaram-se as castas tintas. Do lado direito, foi criada uma barragem para rega da vinha e plantaram-se as castas brancas
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uem passa na A23 vindo, por exemplo, de Lisboa, a sensivelmente 10 quilómetros de Castelo Branco, não fica indiferente ao edifício em forma de paralelepípedo que sobressai ao cimo de uma vinha. Além da sua arquitetura disruptiva, o revestimento a cortiça e a cobertura em chapa dourada a luzir na envolvente verdejante não deixam alternativa aos olhos. Este edifício é a Adega 23, o projeto que tem ocupado boa parte do tempo da Dr.ª Manuela Carmona desde que deixou de ser presidente da SPO, há quase seis anos. Natural de Castelo Branco, esta oftalmologista licenciada na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, que trabalhou cerca de 20 anos no Serviço de Oftalmologia do Hospital de Santo António dos Capuchos, nunca se desligou da sua terra-natal. Além de ali passar boa parte do tempo que sobra às responsabilidades profissionais, junto da família, também dá consultas em Castelo Branco, às sextas-feiras, desde que terminou
a especialidade. Entende-se, portanto, a sua opção por esta zona quando decidiu investir na produção vitivinícola. «Paixão, ousadia e determinação levaram-me a criar de raiz este projeto no sul agreste da Beira Interior, entre Sarnadas de Rodão e Castelo Branco – onde nasci. As temperaturas extremas e o solo árido de xisto mesclado por quartzito são o berço de vinhos com carácter, elegância e autenticidade. Para os criar escolhi um enólogo de grande experiência e com apurada sensibilidade ao terroir. Desejo que em cada garrafa encontre um momento único e de partilha.» Estas palavras de Manuela Carmona, que estão inscritas nos rótulos dos vinhos da primeira colheita da Adega 23 (ver caixa abaixo), resumem o que a motivou a investir neste projeto. De facto, foi necessária uma boa dose de motivação, pois, apesar de a Beira Interior ter vinhas desde os tempos em que os romanos povoaram esta região, nos últimos anos, não têm surgido aqui projetos vitivinícolas.
Manuela Carmona avança possíveis justificações: «Se calhar porque a propriedade é pequena, porque as pessoas se afastaram do Interior ou porque os terrenos estão em estado muito selvagem. Mas eu acreditei sempre que havia aqui condições para produzir vinhos de qualidade e não receei em investir num terreno carregado de estevas e giestas.»
Um investimento pessoal Os 12 hectares pelos quais se espraia a vinha e onde se erigiu a adega resultam de um terreno de família e outro que a oftalmologista comprou. Também existia aqui um antigo armazém agrícola, pelo que, «inicialmente, a ideia era dar-lhe “um jeito à portuguesa” para o transformar em adega». Mas Manuela Carmona decidiu ir mais além: «De repente, estava a lançar um miniconcurso de arquitetura e acabei por escolher o Atelier Rua, de Lisboa, que me foi sugerido por um amigo. Por coincidência, um dos seus arquitetos, o Luís Valente, também tem família em Castelo
Frutos da primeira colheita Da vindima realizada em finais de agosto de 2017 resultaram os primeiros vinhos da marca Adega 23, um branco e um rosé, que estão em comercialização desde o início do passado mês de junho. O branco é um blend das cinco castas cultivadas nesta vinha (Viognier, Síria, Arinto, Verdelho e Rufete) e, citando as palavras do enólogo responsável Rui Reguinga inscritas no rótulo, «tem cor citrina, aroma com notas de fruta fresca, paladar frutado e fresco, boa acidez e persistência». Já o rosé é um blend de duas castas tintas (Aragonês e Rufete) e, segundo o mesmo criador, «apresenta cor rosada, aroma a fruto vermelho, tem notas de framboesa, paladar com boa frescura e é bastante frutado». Na mesma vindima também foi colhido o tinto, que está agora em estágio nos depósitos de armazenamento, para ser lançado entre outubro e novembro deste ano. É também um blend de quatro castas, neste caso Syrah, Alicante Bouschet, Touriga Nacional e Aragonês. A primeira colheira resultou em 3 mil garrafas de vinho rosé, 13 mil de vinho branco e os 10 mil litros de vinho tinto em estágio darão entre 10 a 12 mil garrafas. Além da venda na loja da Adega 23, o branco e o rosé já integraram as cartas de vinhos de alguns restaurantes de Castelo Branco e estão à venda em três lojas de Lisboa da Garrafeira Nacional. Como explica Manuela Carmona, os vinhos Adega 23 não entrarão no grande comércio, porque a produção não tem escala para tal, mas também não existe esse objetivo. O que a oftalmologista mais ambiciona é ver os seus vinhos nas cartas dos restaurantes a que mais gosta de ir, tanto em Lisboa como em Castelo Branco.
Branco. O projeto apresentado por este atelier foi o mais ousado e eu decidi assumir o risco.» A empreendedora não tem reservas em afirmar que este é um investimento assumido por si na totalidade e que não o fez a pensar no retorno financeiro. Na verdade, Manuela Carmona valoriza mais o dinamismo que a Adega 23 está a dar à região. «Este é um projeto de futuro, muito importante para a zona, pois mostra que é possível acreditar no Interior e traz autoestima às pessoas daqui, sobretudo aos mais jovens.» A comprová-lo está o facto de os dois colaboradores fixos da Adega 23 serem jovens – a enóloga e responsável pelo enoturismo, Débora Mendes, tem 25 anos, e o engenheiro agrónomo, Vítor Oliveira, tem 30 anos. Sendo um investimento motivado, sobretudo, pela paixão, porque optou a oftalmologista por esta área? A sua resposta sai pronta: «Quando temos uma carreira muito intensa, a dada altura, apetece-nos mudar de ares. Sempre achei graça ao mundo dos vinhos e já há alguns anos que me interesso por saber mais sobre a história e a cultura do vinho. Então, pensei em plantar um ou dois hectares de vinha. Isto mostra a minha ingenuidade, porque é necessária alguma dimensão para se conseguir produzir vinho de qualidade, que era a minha intenção, e não apenas para consumo próprio.» Foi aí que Manuela Carmona percebeu que a vinha deveria ter pelo menos oito hectares.
Espaço aberto ao enoturismo e à cultura Sem nunca perder de vista o seu objetivo principal – produzir o melhor vinho que é possível na Beira Interior –, a Adega 23 assume-se como um espaço aberto a iniciativas culturais, como exposições de arte ou debates e tertúlias à volta de livros; realização de conferências e reuniões, inclusive de caráter científico; organização de cursos e workshops formativos, nomeadamente no âmbito dos vinhos, entre muitas outras. O enoturismo será também uma forte aposta, com visitas à vinha e à adega, programas de vindimas, piqueniques na vinha, provas de vinhos acompanhadas por brunchs ou convívios ao pôr-do-sol, apreciando a paisagem natural envolvente, que se avista desde a Serra de São Mamede até à Serra da Estrela. Outra prioridade da Adega 23 é a vertente formativa. «Estamos a apostar bastante nos cursos, porque, nesta zona, não só não existem vinhas como não há uma cultura vínica e as cartas de vinhos dos restaurantes não têm muita originalidade. Sentimos que as pessoas estão ávidas pela mudança e por aprenderem mais sobre o vinho. Nos cursos de iniciação à prova de vinhos, por exemplo, falo sobre a história do vinho e a sua representação na arte. Depois, a enóloga residente conduz a prova.» Mas são muitas mais as ideias que esta oftalmologista de 57 anos tem em mente, como um curso de prova de vinhos para mulheres que acham que não gostam de vinho.
Manuela Carmona (à direita) com Vítor Oliveira e Débora Mendes, o engenheiro agrónomo e a enóloga residentes, que zelam pela vinha e pela adega, além de coordenarem o trabalho dos restantes colaboradores
A loja da Adega 23 tem para venda os vinhos e alguns produtos de merchandising, mas também assume as funções de biblioteca e de galeria, podendo acolher exposições de arte, ações de formação e eventos culturais mais restritos
O «coração» da adega é o espaço que guarda as cubas de fermentação e os depósitos de armazenamento dos vinhos. Aqui encontram-se também as máquinas para esmagamento e prenssagem das uvas, além de ser o local onde se procede ao engarrafamento, rotulagem e embalamento
A sala de eventos e formações situa-se no 2.º piso da adega e, graças às suas amplas janelas que recolhem na totalidade, oferece uma vista deslumbrante sobre a vinha e a paisagem envolvente, que vai desde a Serra da Estrela (à direita) até à Serra de São Mamede (à esquerda)
Visão SPO
Ângulo cultural
HISTÓRIA DA MEDICINA EM PORTUGAL NO SÉCULO XX
Na cerimónia de apresentação que decorreu na sede da SPO, além do coordenador e editor do livro, Dr. António Barros Veloso, intervieram o Prof. Manuel Monteiro-Grillo, a Prof.ª Leonor Almeida e o Dr. Luiz Damas Mora, também editor desta obra (primeira foto, da esq. para a dta.)
O
livro Médicos e Sociedade. Para uma História da Medicina em Portugal no Século XX, coordenado pelo Dr. António Barros Veloso, ex-diretor do Serviço de Medicina 1 do Hospital de Santo António dos Capuchos, em Lisboa, foi apresentado na sede da SPO no dia 17 de fevereiro passado. Na cerimónia, além deste internista, intervieram o Dr. Luiz Damas Mora, um dos editores e cirurgião-geral, o Prof. Manuel Monteiro-Grillo e a Prof.ª Leonor Almeida, respetivamente presidente e responsável cultural da SPO. «A ideia deste livro surgiu de conversas com o Prof. Henrique Leitão quando eu era seu aluno no mestrado de História e Filosofia da Ciência. Consegui convencê-lo porque me parecia urgente publicar uma história sobre médicos do século XX para contar a impor-
tância que tiveram não só na Medicina, mas também na sociedade em geral, na cultura, na política e até em cenários de guerra», explicou, no seu discurso de apresentação, António Barros Veloso, que é considerado um dos principais refundadores da Medicina Interna em Portugal, estatuto que lhe valeu o Prémio Nacional de Medicina Interna 2017, atribuído pela Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, da qual também já foi presidente. Este livro resulta de três anos de investigação e entrevistas e da colaboração de 38 autores, entre médicos, sociólogos e historiadores, que aderiram ao repto de, através da escrita de um capítulo, contribuir para uma história mais completa e rigorosa da Medicina do século XX. «É uma realidade pouco conhecida do público em geral, mas, no século passado,
a Medicina viveu uma época absolutamente extraordinária, com grandes vultos da nossa sociedade e grande projeção internacional», sublinhou Barros Veloso. Entre os autores que deram corpo às 864 páginas desta obra, estão o Prof. João Lobo Antunes, neurocirurgião entretanto falecido, que escreveu sobre Egas Moniz e a origem da Neurocirurgia em Portugal; e o Dr. Francisco George, anterior diretor-geral da Saúde, que dissertou sobre a gripe pneumónica. «O objetivo foi construirmos uma narrativa histórica fácil de ler, mas rigorosa e sustentada em fontes primárias e fidedignas. Acredito que esta obra vai contribuir para divulgar o papel relevante dos médicos na sociedade», afirmou o coordenador. O livro é editado pela By the Book e está à venda por 35 euros.
O PODER DO OLHAR NAS RELAÇÕES HUMANAS
S
ob o tema «(h)aver», o Dr. Fernando Rato, cuja paixão pela pintura se expandiu após vários anos a exercer Psicologia Clínica ao lado de uma escola de artes, apresentou a sua mais recente exposição na sede da SPO, a 17 de março passado. Questionado sobre o significado da sua obra, o autor afirmou que faz parte «daquele grupo de pessoas que considera que as palavras e as imagens vivem em conflito». Por isso, as pinturas que expôs na sede da SPO «remetem para a ambiguidade das palavras “haver” e “a ver”, colocando o olhar como centro organizador de toda a exposição». Defendendo que a obra deixa de pertencer ao seu produtor quando está terminada, Fernando Rato salientou que não acredita em significados pré-definidos, fechados, pelo que «cada um é livre de fazer as suas interpretações e encontrar nelas sentidos que remeterão para as suas próprias histórias». No entanto, este pintor não nega que há um tema presente e incontornável neste seu trabalho: o poder do olhar nas relações humanas. Em jeito de comentário à obra de Fernando Rato, a Prof.ª Leonor Almeida, responsável pelas atividades culturais da SPO, afirma que «a visão da pintura, da fotografia, da escrita ou da música, que se desenvolvem ao olhar uma imagem, uma paisagem, uma cena violenta, uma carícia, etc., são formas de ver e de (h)aver emoção». 22 J U L H O 2 0 1 8
O psicólogo clínico e pintor Fernando Rato junto às suas pinturas com elefantes, uma inspiração muito evidente no conjunto de obras que expôs na sede da SPO
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