Update News 2017 - 1.ª edição diária do congresso Update em Medicina

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4 a 7 de maio 2017

NEWS

1.ª edição diária com distribuição gratuita no dia 5 de maio (6.ª feira)

Dez anos a inovar na formação médica

Começou em 2008, com cerca de 200 participantes. Dez anos depois, o Update em Medicina reúne já cerca de 1 800 médicos de diferentes especialidades, com predomínio da Medicina Geral e Familiar, e tornou-se um marco incontornável da formação médica nacional, com um modelo inovador, interativo e multidisciplinar. Os obstáculos que subsistem em relação à adoção da cronoterapia na hipertensão arterial (pág.12) e a necessidade de melhorar o rastreio e a referenciação das hepatites víricas A, B e C (pág.14) foram alguns dos tópicos em discussão ontem. O programa científico prossegue hoje, com temas tão diversos como as perturbações do sono (pág.16), a antibioterapia (pág.19), a vulvodinia (pág.20) ou as doenças venéreas (pág.22) ALGUNS ORADORES E ELEMENTOS DA COMISSÃO ORGANIZADORA (da esq. para a dta.): À frente: Drs. Arminda Veiga, Joana Martins, Alexandra Fernandes, Luís Bimbo, Fernanda Costa, Alice Gonçalves e Sandra Marques. Atrás: Drs. Fernando Silva, Pedro Vieira Baptista, Manuel Ferreira Gomes, Pedro Carrilho, Carlos Rabaçal, António Pedro Machado, Carlos Simões-Pereira, Tiago Marques, António Oliveira Ramos, Susana Pereira Costa e Prof. Ramón Hermida PUB

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Como desenhar um estudo de investigação? Foi a esta pergunta que procurou responder um dos cursos pré-congresso que abriram ontem o Update em Medicina 2017. Apoiada pela Alfa Wasserman e ministrada pelo Dr. Firmino Machado, médico e investigador na EPIUnit – Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, esta formação tocou em aspetos como a seleção do melhor modelo de estudo para responder à pergunta do investigador e a definição do tamanho da amostra necessária. Luís Garcia

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curso «Como desenhar o meu estudo de investigação?» assentou em três eixos: a formulação da pergunta de investigação e a conceção do desenho de estudo adequado para responder a essa questão; a determinação da dimensão amostral necessária (ou seja, o cálculo do número mínimo de doentes a incluir no estudo); e a discussão de case studies. Nesta última parte, que foi mais prática, os formandos tiveram oportunidade de debater qual o melhor modelo de estudo e o tamanho da amostra requerido para cada um dos desafios clínicos apresentados pelo Dr. Firmino Machado, também médico na Unidade de Saúde Pública do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Porto Ocidental. Além daqueles três temas principais, também foram abordados tópicos como as entidades às quais os projetos de investigação devem ser submetidos para aprovação e os testes estatísticos que podem ser utilizados em diferentes situações de estudo. Explicando que existem três grandes grupos de desenhos de estudo de investigação epidemiológica – experimentais, quase experimen-

Estudos epidemiológicos

Aleatorização da exposição Controlo da exposição

Não aleatorização da exposição Controlo da exposição

Não aleatorização da exposição Não controlo da exposição

Experimentais

Quase experimentais

Observacionais

Ensaios clínicos randomizados (...)

tais e observacionais (ver esquema acima) –, o formador afirma: «Os estudos experimentais são os mais publicados nas principais revistas

Amostragem probabilística Aleatória simples

Elemento da população Unidade amostral

Estratificada

Estrato

Cluster

Analíticos

Descritivos

Coorte Caso-controlo

Transversais Ecológicos Séries temporais (...)

médicas e aqueles que qualquer médico lê com maior frequência. Por isso, é importante estar capacitado para os perceber, mesmo quem não os conceba. A este propósito, no curso, falámos sobre a forma de fazer uma aleatorização, o processo de blinding e a alocação das intervenções, entre outros aspetos.» Por sua vez, os estudos quase experimentais são cada vez mais utilizados pelos especialistas de Medicina Geral e Familiar, sobretudo no âmbito das investigações de qualidade e de melhoria institucional ou dos planos de acompanhamento aos internos. «Por isso, é preciso estar dotado de ferramentas científicas que permitam ler criticamente os projetos dos colegas, mas também é necessário saber desenhar e implementar estudos», defende Firmino Machado. Já ao nível dos trabalhos de investigação observacionais, esta formação abordou os desenhos mais clássicos, como os estudos de coorte, de caso-controlo ou transversais.

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Anticoagulação desde os casos típicos aos especiais Com base nestas orientações, os coordenadores do curso partiram de um conjunto de seis casos clínicos para esclarecer como atuar perante situações reais, «sem esquecer a abordagem global do doente». Estes casos clínicos dividiram-se em dois tipos. Os três primeiros (doente com FA de novo, doente com FA valvular e doente com CHA2DS2-VASc=0) «representam situações típicas, que surgem rotineiramente nas consultas», afirma Ricardo Fontes-Carvalho.

situações particulares No entanto, como se pretende que os especialistas de MGF adquiram um nível mais avançado na gestão da terapêutica antitrombótica, os três últimos casos clínicos traduziram situações particulares, cuja abordagem clínica levanta mais dúvidas. Um deles foi respeitante à abordagem da FA no doente muito idoso, que, de acordo com o cardiologista, «representa sempre um desafio porque há a tendência para não hipocoagular estes doentes, com receio de que tenham uma hemorragia». Na verdade, «a perceção de que os mais idosos podem não beneficiar com este tipo de terapêutica é falsa e resulta no subtratamento deste grupo de doentes». Outro caso em discussão foi a hipocoagulação nos doentes com insuficiência renal, em que «é fundamental conhecer bem os protocolos de ajuste de dose». Já no que toca aos quadros de pré-cirurgia ou pré-endoscopia – situações que inspiraram o último caso clínico –, os formadores tentaram esclarecer as dúvidas relativas à necessidade ou ao tempo da suspensão da terapêutica.

Profs. Ricardo Fontes-Carvalho e Carlos Martins

A terapêutica antitrombótica é um aspeto essencial na abordagem da fibrilhação auricular, mas ainda subsistem algumas dúvidas relativamente a situações particulares, como as dos doentes muito idosos ou com insuficiência renal. Estes e outros casos clínicos estiveram em discussão no workshop apoiado pela Daiichi Sankyo. Luís Garcia

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e acordo com um dos coordenadores do curso, Prof. Carlos Martins, docente na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e coordenador da Unidade de Medicina Geral e Familiar da CUF Porto, este workshop teve como objetivo transmitir alguns conhecimentos fundamentais na gestão do doente com fibrilhação auricular (FA). «Abordámos o diagnóstico da FA, a investigação inicial, a eventual referenciação, a instituição de hipocoagulação e o seguimento do doente ao longo do tempo», resume. Na ótica do outro coordenador do curso, Prof. Ricardo Fontes-Carvalho, cardiologista no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, o aparecimento dos novos anticoagulantes orais (NOAC, na sigla em inglês), há cerca de oito anos, representou «uma revolução na forma de utilizar a terapêutica antitrombótica». O impacto destes novos fármacos, comprovado na evidência de ensaios clínicos e de estudos de vida real, resultou na atualização das guidelines da European Society of Cardiology com a European Society for Cardio-Thoracic Surgery, que foram publicadas em 2016. Entre as principais alterações destas diretrizes está a recomendação de preferir os NOAC versus a varfarina na anticoagulação oral de primeira linha. «Além disso, é clarificada a definição de FA valvular, ou seja, dos doentes que não devem ser tratados com NOAC: portadores de próteses mecânicas ou com estenose mitral reumática. São

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recomendadas algumas estratégias para redução do risco de hemorragia associado à terapêutica antitrombótica, como a suspensão da antiagregação plaquetar nos doentes hipocoagulados», refere Ricardo Fontes-Carvalho.

Prevenção do AVC e fibrilhação auricular Próteses mecânicas ou estenose mitral moderada ou severa

Sim

Não Risco de AVC estimado com base nos fatores de risco do CHA2DS2-VASc

0a Não tratar com anticoagulantes ou antiplaquetares (IIIB)

1 Considerar anticoagulantes orais (llaB)

AVK: antagonista da vitamina K; AAE: apêndice auricular esquerdo; NOAC: novo anticoagulante oral Incluindo mulheres sem outros fatores de risco de AVC IIaB para mulheres com apenas um fator de risco de AVC adicional c IB para doentes com próteses mecânicas ou estenose mitral a

b

≥2

Indicação para anticoagulação oral Avaliar contraindicações Corrigir fatores de risco de hemorragia reversíveis

Dispositivos de oclusão do AAE podem ser considerados em doentes com contraindicação clara para anticoagulação oral (IIbC)

NOAC (IA)b

AVK (IA)b,c


Vencer o receio da insulina nos cuidados primários Sentindo-se confortáveis com a prescrição e a utilização da insulina, os médicos dos cuidados de saúde primários estarão em melhores condições para ajudarem os seus doentes a perceber que esta terapêutica não é «um bicho de sete cabeças», mas sim uma peça útil também no tratamento da diabetes mellitus tipo 2 (DMT2). Esta foi uma das mensagens principais do curso que ontem abordou tópicos como os esquemas terapêuticos existentes para a DMT2 e a intensificação da insulinoterapia. Luís Garcia foram também temas analisados neste curso. «Para individualizar a terapêutica, o médico de família deve olhar para o tipo de doente, a sua esperança média de vida, a presença de complicações, as possibilidades de aprendizagem e de autovigilância terapêutica e, sobretudo, para a sua capacidade de colaboração. Sem adesão ao tratamento, nada se consegue», salienta Simões-Pereira.

dominar a insulinoterapia De acordo com o outro coordenador do curso, Dr. Pedro Carrilho, médico de família na Unidade de Saúde Familiar Magnólia, do Agrupamento de Centros de Saúde Loures-Odivelas, os organizadores optaram, este ano, pela aposta numa formação mais avançada e centrada na insulinoterapia, de acordo com as solicitações de vários participantes em edições anteriores do Update Dr. Carlos Simões-Pereira

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ara muitos doentes com DMT2, a insulinoterapia é considerada um fim de linha para quando já pouco há a fazer em termos de tratamento. Além disso, «existem múltiplos receios – desde a injeção às hipoglicemias – que, por vezes, são partilhados pelo próprio médico», admite o Dr. Carlos Simões-Pereira, endocrinologista em Aveiro e um dos coordenadores deste curso. Por esse motivo, é necessário dar formação aos clínicos, em especial os de Medicina Geral e Familiar (MGF), que constituem a base do combate à diabetes, para utilizarem esta terapêutica que apresenta potencialidades importantes. «A insulinoterapia é simples de instituir, desde que as pessoas estejam preparadas. É necessário tempo para ensinar ao doente um conjunto de procedimentos que tem de adotar diariamente, mas é verdade que o médico de MGF nem sempre dispõe de uma equipa adequada nem de tempo suficiente para esta educação do doente. Mas é fulcral que haja esta capacidade nos cuidados de saúde primários», defende Simões-Pereira. São os especialistas de MGF que iniciam a terapêutica para a diabetes e, na ótica deste endocrinologista, é importante que se sintam tão confortáveis na prescrição de fármacos de administração oral como na instituição de um regime de insulinoterapia, quando as linhas de tratamento anteriores falham. A necessidade imperiosa de adotar estilos de vida saudáveis e a personalização do tratamento

Regimes de insulina utilizados na DMT2 1. Insulina basal 1x/dia Atua na glicemia de jejum antagem: apenas uma ou duas V injeções por dia esvantagem: os doentes podem D necessitar de insulina prandial para atingirem os objetivos terapêuticos

2. Insulina basal + bólus de insulina I nsulina prandial (rápida): atua na glicemia pós-prandial antagem: mais fisiológica e eficaz V na glicemia pós-prandial esvantagem: mais injeções e requer D a adição de insulina basal para atuar na glicemia de jejum

3. Pré-misturas de insulina 2-3x/dia tuam na glicemia de jejum e na A glicemia pós-prandial antagem: menos injeções do que V o esquema basal-bólus e melhor controlo global esvantagem: não é possível ajustar D os componentes separadamente (menor flexibilidade)

Dr. Pedro Carrilho

em Medicina. Neste sentido, «foram transmitidas algumas bases relativas aos tipos de insulina disponíveis em Portugal, como e quando iniciar a insulinoterapia, esquemas a utilizar e o ajuste das doses». Também foram abordadas as vias e técnicas de administração, noções práticas de autovigilância e de autocuidado por parte do doente, a importância da glicemia pós-prandial, a definição individual de alvos terapêuticos e a intensificação da terapêutica insulínica. Além de percorrerem os esquemas terapêuticos existentes, nomeadamente a insulina basal, rápida as pré-misturas, os coordenadores focaram a importância do ajuste de doses baseado na tríade hemoglobina glicada (HbA1c)/glicemia em jejum/ /glicemia pós-prandial. Pedro Carrilho admite a existência de dúvidas comuns, em particular no que se refere à intensificação da terapêutica insulínica – por exemplo, perceber a melhor forma de distribuir, ao longo do dia, as unidades de insulina num esquema de pré-mistura. «O nosso objetivo foi avançar um pouco mais para o interior da nuvem, por vezes cinzenta obscura, da insulinoterapia, de forma a que todos os médicos, independemente da sua especialidade, se sintam cada vez mais confiantes e seguros na iniciação e no ajuste da insulina basal, mas que tenham também noções práticas e sólidas da abordagem de outros esquemas de insulinoterapia um pouco mais complexos», remata o especialista de MGF.

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Atualização no tratamento das dislipidemias «Dislipidemia – abordagem dos parâmetros do risco lipídico» é o título de um dos cursos que decorreu ontem, com o apoio da Mylan, cujos formadores foram o Prof. Pedro Monteiro, cardiologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, e o Dr. Luís Andrade, internista no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho. Marisa Teixeira

Questões desmistificadas no curso O colesterol vem da dieta? urante quanto tempo medicar o D doente? O que fazer quando ele atinge o alvo? om que idade se pode iniciar a C terapêutica? Até que idade vale a pena medicar? Com que dose se deve iniciar a terapêutica? Quando é necessário repetir as análises? O que fazer perante os resultados? Prof. Pedro Monteiro e Dr. Luís Andrade

«O

objetivo principal desta formação foi sensibilizar os participantes para a importância do risco cardiovascular, visto estarmos num país em que este está progressivamente aumentado na maioria dos adultos e nem sempre é adequadamente estimado, o que acaba por se refletir na qualidade da abordagem», salienta Pedro Monteiro. E Luís Andrade acrescenta: «Nos países desenvolvidos, cerca de 40 a 50% da mortalidade advém dos eventos cardiovasculares, nomeadamente os de causa aterosclerótica, portanto, é fulcral tratar adequadamente todos os fatores de risco aterosclerótico.» Entre os fatores de risco, há que focar a atenção nos modificáveis e, em Portugal, a dislipidemia é o mais prevalente: dois terços dos portugueses adultos apresentam colesterol elevado. Segundo Pedro Monteiro, existem muitos mitos em torno desta questão e, muitas vezes, a própria classe médica não está devidamente esclarecida. «É comum as pessoas pensarem que a dieta tem

um grande impacto no valor do colesterol total e do LDL [acrónimo inglês para lipoproteínas de baixa densidade]. Contudo, embora a alimentação seja importante na promoção da saúde, inclusive nos níveis de glicemia e dos triglicéridos, tal não acontece em relação ao colesterol», exemplifica. Por outro lado, o cardiologista sublinha existir alguma resistência em intervir junto dos doentes mais jovens que apresentam valores de colesterol muito elevados, o que considera errado, pois «são pessoas que, no futuro, vão desenvolver precocemente diabetes e problemas cardiovasculares». Na opinião deste especialista, assiste-se a «alguma inércia terapêutica», daí a importância de discutir estas matérias.

Terapêutica adequada e permanente Nesta sessão interativa, além da apresentação de casos clínicos, foram debatidas questões colocadas pela assistência. A fisiopatologia da dislipidemia, inclusivamente a sua forma aterogénica no doente

com diabetes ou pré-diabetes, bem como as principais armas farmacológicas que os médicos têm ao seu dispor para alcançar os melhores resultados estiveram entre os tópicos mais abordados. «Falámos bastante de estatinas, pois continuam a ser a terapêutica com maior evidência em termos de redução do risco vascular, e de fibratos, nomeadamente enquanto resposta para a dislipidemia aterogénica. Também comentámos brevemente outras terapêuticas, como os inibidores da PCSK9 [pró-proteína convertase subtilisina/kexina tipo 9] e a ezitimiba, focando o seu efeito no controlo lipídico», destaca Luís Andrade. Pedro Monteiro ressalva que também foi analisada a interrupção terapêutica, já que os doentes portugueses, em particular, ainda consideram que a medicação para diminuir o colesterol pode ser suspensa quando os valores melhoram, o que não tem fundamento científico. «Sabemos que a dislipidemia é um fator de risco constante, que exige uma intervenção terapêutica permanente», conclui este preletor.

Ficha técnica REUNIÃO ORGANIZADA POR:

edição: Update em Medicina, Lda. Rua Professor Moisés Amzalak, N.º8 - 8.ºA 1600 - 648 Lisboa Tel.: (+351) 916 830 728 (+351) 916 763 877 info@updatemedicina.com www.updatemedicina.com

Esfera das Ideias, Lda. Campo Grande, n.º 56, 8.º B, 1700 - 093 Lisboa Tel.: (+351) 219 172 815 EsferaDasIdeiasLda geral@esferadasideias.pt www.esferadasideias.pt Direção: Madalena Barbosa (mbarbosa@esferadasideias.pt) Marketing e Publicidade: Ricardo Pereira (rpereira@esferadasideias.pt) Coordenação editorial: Luís Garcia (lgarcia@esferadasideias.pt) Redação: Luís Garcia, Marisa Teixeira, Rui Alexandre Coelho e Sandra Diogo Fotografia: João Ferrão Design/paginação: Susana Vale

Publicação isenta de registo na ERC, ao abrigo do Decreto Regulamentar n.º 8/99, de 6 de junho, artigo 12.º, 1.ª alínea patrocinadores desta edição:

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Necessidade de um tratamento mais efetivo da dor

«Como pôr a dor a mexer» foi o mote de outra das ações formativas de ontem, apoiada pela Mylan, na qual se discutiram as terapêuticas analgésicas e coadjuvantes para a dor. O enfoque recaiu sobre o aparelho locomotor e alguns fármacos a que os clínicos de Medicina Geral e Familiar não recorrem com frequência, apesar dos seus benefícios, como é o caso da flupirtina e da ciclobenzaprina. Marisa Teixeira

«Identificar a causa da dor é o caminho para conseguir travar a progressão das doenças reumáticas» Dr. Augusto Faustino

Drs. Vera Las, Augusto Faustino e Beatriz Craveiro Lopes

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epois de uma breve introdução à dor, incluindo a apresentação de alguns dados referentes a Portugal, onde cerca de 37% da população sofre de dor crónica, a Dr.ª Beatriz Craveiro Lopes, diretora da Unidade de Dor do Hospital Garcia de Orta, em Almada, focou-se nas terapêuticas farmacológicas para o primeiro nível da Escada Analgésica da Organização Mundial da Saúde. Embora aqui também se enquadrem os anti-inflamatórios não esteroides, esta oradora falou sobre outro grupo de analgésicos, no qual se incluem o paracetamol, o metamizol e a flupirtina, sublinhando que, «apesar de serem medicamentos utilizados com regularidade pelos especialistas de MGF, é importante refrescar algumas informações». Em particular, a flupirtina «é um fármaco que se encontra no mesmo patamar dos anteriormente referidos, mas ao qual não se tem prestado a merecida atenção, dadas as suas potencialidades». De acordo com Beatriz Craveiro Lopes, trata-se de «um analgésico não opioide e não anti-inflamatório interessante, pelo seu perfil de segurança e tolerabilidade, que não causa dependência, tem poucas interações medicamentosas e é especialmente útil na dor muscular, pelo que

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Segundo o moderador deste curso, Dr. Augusto Faustino, também reumatologista no IPR, «é fundamental tratar a dor, sem nunca esquecer a necessidade de identificar a sua causa, utilizando a dor como um elemento essencial para a realização de um diagnóstico mais concreto do processo patogénico que lhe está subjacente». «Identificar a causa da dor é o caminho para conseguir travar a progressão das doenças reumáticas. Há que tratar a causa e não apenas o sintoma», defendeu. Outra das mensagens que esteve presente ao longo da sessão formativa e que Augusto Faustino reforçou relaciona-se com «as enormes vantagens clínicas que se retiram de caracterizar a dor (especialmente os seus ritmos mecânico e inflamatório) e de identificar os mecanismos que lhe estão associados (como a contratura muscular), elementos que permitirão tratar a dor de forma mais orientada e estruturada, portanto, mais segura e efetiva».

deveria ser encarado como uma boa opção de primeira linha neste contexto». Por sua vez, a Dr.ª Vera Las, reumatologista no Instituto Português de Reumatologia (IPR), em Lisboa, ao comentar a dor no âmbito da sua especialidade, enfatizou a terapêutica coadjuvante, recordando, por exemplo, as mais-valias da ciclobenzaprina, «um reDR laxante muscular que tem a característica de regular o sono». «Em situações de dor crónica muscular associadas a alterações do sono, a ciclobenzaprina é uma escolha adequada», defendeu. Além disso, este fármaco pode ser também utilizado na abordagem de outras problemáticas, estando incluído, por exemplo, nas guidelines para o tratamento da fibro- «O doente tem o direito a que a sua dor seja tratada e o profissional de saúde o dever de a tratar.» Esta foi uma mensagem central do curso pré-congresso «Como pôr a dor a mexer» mialgia.


Desvendar os segredos da MAPA

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curso pré-congresso «Torne-se um perito em MAPA [monitorização ambulatória da pressão arterial]», coordenado pelo Prof. Ramón Hermida, diretor do Laboratório de Bioengenharia e Cronobiologia da Universidade de Vigo e presidente da International Society of Chronobiology, teve como objetivos desvendar os segredos da MAPA aos participantes e fornecer-lhes as ferramentas necessárias à organização de Unidades de MAPA nos seus locais de trabalho. Autor de 275 trabalhos publicados nas mais prestigiadas revistas científicas mundiais ao longo dos últimos 30 anos e primeiro e único fellow não americano da American Society of Hypertension, o Prof. Ramón Hermida foi mais uma vez convidado a participar no Update em Medicina para falar sobre a missão a que mais se tem dedicado nos últimos anos: chamar a atenção para a importância da pressão arterial (PA) durante o sono como marcador de prognóstico e do seu controlo como um novo objetivo terapêutico para a redução do risco de eventos cardiovasculares. Foi neste contexto que se inseriram alguns dos propósitos do curso que ministrou ontem: deixar os participantes aptos a ler e interpretar os resultados fornecidos por este exame, elaborar relatórios, fazer investigação clínica e organizar Unidades de MAPA nas suas unidades de saúde, de modo a conseguirem diagnosticar e tratar os doentes hipertensos mais eficazmente. «Dada a prevalência crescente da hipertensão arterial (HTA) em Portugal e no mundo, o peso do acompanhamento destes doentes recai, cada vez

mais, sobre os especialistas de Medicina Geral e Familiar, pelo que é urgente dotar estes profissionais de ferramentas que os habilitem a retirar todas as informações essenciais que a MAPA fornece», justifica o Dr. António Pedro Machado, coordenador científico do congresso e internista no Centro Hospitalar Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria. Como exemplo da importância das informações dadas pela MAPA, Ramón Hermida referiu o caso de indivíduos com o diagnóstico de HTA baseado em medições na clínica que, após realização de MAPA, se verifica serem normotensos mascarados. Suportado pelos resultados dos trabalhos que tem desenvolvido, nomeadamente o estudo

MAPEC (Monitorización Ambulatoria para Predicción de Eventos Cardiovasculares) e do Projeto Hygia, Ramón Hermida reforçou também que a pressão arterial (PA) elevada durante o sono e a progressão para um perfil não dipper, que são muito frequentes nos doentes com diabetes e doença renal crónica, «parecem preceder estas condições, ao invés de serem consequência das mesmas». Ou seja, «a MAPA é imprescindível para a deteção correta de anomalias da PA durante o sono e a quantificação individualizada do risco de complicações cardiovasculares, cerebrovasculares, renais e metabólicas».

Sandra Diogo

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«Tratar a diabetes é muito mais do que controlar a glicemia» A Prof.ª Rosa Maria Príncipe, endocrinologista na Unidade Local de Saúde de Matosinhos/Hospital Pedro Hispano, foi a oradora do simpósio-satélite Bial, intitulado «Diabetes out of the box: os lípidos é que pagam». Em entrevista, a especialista sublinha que os fatores de risco cardiovascular «têm de ser identificados e tratados mais intensamente nas pessoas com diabetes», recorrendo a associações farmacológicas sinérgicas, como a vildagliptina/metformina (para a DMT2) e a ezetimiba/atorvastatina (para a dislipidemia). com o diagnóstico de diabetes e sabemos que esse aumento também está relacionado com o colesterol LDL [low-density lipoproteins]. Apesar disso, o facto de termos medicação tão boa para a glicemia pode dar-nos a falsa sensação de que este risco é menor. No entanto, os outros fatores de RCV têm de ser identificados e tratados mais intensamente nas pessoas com diabetes.

Como caracteriza o tratamento ideal para a DMT2?

O que justificou a organização deste simpósio centrado em duas patologias – diabetes e dislipidemia? O objetivo principal foi transmitir a indissociabilidade entre a alteração glicémica e a dislipidemia nas pessoas com diabetes. A hiperglicemia e os defeitos na ação da insulina podem levar a dislipidemia. No caso da diabetes mellitus tipo 2 [DMT2], basta a insulinorresistência para induzir alterações lipídicas. Tratar a diabetes é muito mais do que controlar a glicemia. O risco de doença cardiovascular duplica

O tratamento ideal seria aquele que usa o menor número de agentes para alcançar o maior número de vias que condicionam a hiperglicemia. É prudente utilizar os agentes que atingem os níveis de hemoglobina glicada desejados sem hipoglicemias e aumento de peso. Nesse contexto, as sulfonilureias mostraram induzir apoptose das células beta em cultura, ao contrário de outros agentes que têm uma capacidade poupadora da célula beta. Por exemplo, os inibidores da dipeptidil peptidase-4 demonstraram uma melhoria na resposta inicial e tardia à glicose; as incretinas mostraram alterar a apoptose, aumentar a disponibilidade de insulina (em estudos pré-clínicos) e preservar a célula beta (em estudos com animais). O ideal será combinar precocemente fármacos que não tenham potencial de lesar a célula beta a longo prazo. As sulfonilureias e as glinidas devem ser evitadas.

As associações vildagliptina/metformina e ezetimiba/atorvastatina estiveram em foco neste simpósio. Que mais-valias destaca nestas duas opções? Em monoterapia, é pouco provável que qualquer agente anti-hiperglicemiante consiga um controlo glicémico ótimo e duradouro. A associação vildagliptina/metformina conjuga dois mecanismos de ação complementares, que têm muito baixo potencial de causar hipoglicemia, são neutros ou benéficos quanto à perda de peso e muito seguros no que se refere à possibilidade de efeitos secundários. A associação ezetimiba/atorvastatina também faz todo o sentido, porque junta dois fármacos com ações complementares. Nas pessoas com DMT2, que têm uma absorção intestinal do colesterol aumentada, esta associação faz ainda mais sentido. Foi o que comprovaram importantes estudos, como o IMPROVE-IT, no qual, no subgrupo de doentes com diabetes, se registou um benefício cardiovascular acrescido, relativo e absoluto, com a associação de ezetimiba a estatina versus estatina em monoterapia, sobretudo devido a reduções significativas na incidência de enfarte agudo do miocárdio e AVC isquémico. Além disso, quer na população total do IMPROVE-IT, quer no subgrupo de doentes com diabetes, o perfil de segurança desta associação foi semelhante ao da estatina em monoterapia.

Mecanismo de ação da associação vildagliptina/metformina

DPP-4: dipeptidil peptidase-4; GLP-1: peptídeo-1 semelhante ao glucagon; GLP-1R: recetor do GLP-1; GIP: peptídeo inibidor gástrico Adaptado de Foretz et al. e Guarino E. et al.

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Desmistificar a cronoterapia no tratamento da HTA A mudança de paradigma no tratamento da hipertensão arterial (HTA) voltou a estar em discussão ontem, reacendendo a polémica entre os defensores da terapêutica administrada de modo convencional, isto é, de manhã, e os que administram um ou mais anti-hipertensores ao deitar. Sandra Diogo

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sessão «No olho do furacão: fórum de discussão com os que conduzem em contramão» foi a mais controversa do primeiro dia deste congresso. «O tratamento da HTA tem sido tema nas várias edições do Update em Medicina, particularmente no que diz respeito à consideração da cronoterapia como uma mais-valia», salienta o Dr. Carlos Rabaçal, diretor do Serviço de Cardiologia do Hospital de Vila Franca de Xira e um dos oradores desta sessão. O tema foi desenvolvido em jeito de entrevista ao Prof. Ramón Hermida, diretor do Laboratório de Bioengenharia e Cronobiologia da Universidade de Vigo, onde também é docente. Com mais de 275 trabalhos de investigação publicados nesta área, o especialista espanhol defendeu a administração de um ou mais anti-hipertensores ao deitar, com base nos resultados da investigação em que foi pioneiro e na de outros grupos. Segundo o Dr. António Pedro Machado, coordenador científico do congresso e internista no Centro Hospitalar Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria, «a cronoterapia tem vindo a ser adotada por sociedades científicas e a ganhar adeptos, apesar da oposição dos meios conservadores, que consideram que os seus defensores "conduzem em contramão na autoestrada" e defendem que os anti-hipertensores não devem ser administrados ao deitar». «Se a contramão é o sentido correto, então vamos mudar o código da estrada!», defendeu o terceiro orador da sessão. «Não é possível travar o vento com a mão», acrescentou Carlos Rabaçal. «O Prof. Ramón Hermida tem a maior e mais diversificada investigação feita nesta área, que nos traz ensinamentos inovadores para o tratamento da HTA. Estes resultados validam o conceito da

Dr. Carlos Rabaçal, Prof. Ramón Hermida e Dr. António Pedro Machado

cronoterapia da HTA, ou seja, a administração dos anti-hipertensores na altura em que são mais eficazes e/ou mais bem tolerados», sublinhou Carlos Rabaçal. Este cardiologista sustentou a defesa da mudança de paradigma no tratamento da HTA, lembrando que o sistema renina-angiotensina-aldosterona e o sistema simpático, que condicionam a variação circadiária da pressão arterial (PA), se ativam durante o sono. «Ainda que considere que nem todos os doentes beneficiarão igualmente com a administração da medicação ao deitar, tenho a noção de que uma parte significativa dos fármacos funciona melhor nesse período, como os moduladores do

Ramón Hermida primeiro fellow não americano da ASH Pela primeira vez, um não americano recebeu o título de fellow da American Society of Hypertention (ASH). Atribuída em outubro de 2016, esta distinção é o reconhecimento da comunidade científica ao contributo da sua investigação em engenharia biomédica e cronobiologia para o conhecimento da hipertensão arterial ao longo dos últimos 30 anos.

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sistema renina-angiotensina-aldosterona e os betabloqueadores. Os diuréticos, por seu turno, continuarão a ser administrados ao levantar.» Consciente de que os hábitos não são fáceis de alterar, António Pedro Machado frisou que, mais uma vez, o objetivo da sessão foi promover a discussão e desmistificar alguns conceitos (e preconceitos) que estão na base da resistência à mudança. «Há quem diga que a administração dos anti-hipertensores ao deitar vai aumentar o risco de quedas e fraturas, o que não é verdade. Atente-se nos resultados dos estudos MAPEC, HOPE, Syst-Eur ou do Projeto HYGIA. O nosso propósito foi esclarecer toda essa contrainformação.» Por sua vez, Carlos Rabaçal recorda que «os estudos do Prof. Ramón Hermida não são os únicos com dimensão e follow-up adequados a demonstrarem os benefícios da cronoterapia no tratamento da HTA, com redução da mortalidade e dos eventos cardiovasculares. Também os estudos HOPE, Syst-Eur e ABCD, conduzidos com a administração dos fármacos em estudo ao deitar, o provaram». E António Pedro Machado concluiu: «Quando, no futuro, esta prática for recomendada, os que atualmente ainda acusam a cronoterapia de “ir em contramão” assumir-se-ão como os defensores e guardiões do novo código.»


Análise às alterações das provas hepáticas Fornecer estratégias para a correta interpretação das provas hepáticas e ajudar a definir algoritmos de diagnóstico das doenças que afetam o fígado foram os objetivos da Prof.ª Mariana Verdelho Machado, gastrenterologista e hepatologista no Centro Hospitalar Lisboa Norte/ /Hospital de Santa Maria, e do Dr. Manuel Ferreira Gomes, internista no mesmo hospital, durante a sessão televoter «O ABC da interpretação das provas hepáticas no contexto clínico», que decorreu ontem. Sandra Diogo

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maioria das alterações detetadas através das provas hepáticas é abordada nos cuidados de saúde primários, sendo a referenciação hospitalar reservada para situações específicas. «Assim sendo, a marcha diagnóstica inicial e a sua interpretação cabe aos especialistas de Medicina Geral e Familiar», afirmou Manuel Ferreira Gomes. Realçando a importância de estes especialistas estarem bem esclarecidos sobre o tema, o internista referiu um dos grandes desafios que se colocam na atualidade: «Saber quem e quando testar, pois cerca de 1 a 9% dos indivíduos sem sintomas apresentam alterações nas provas hepáticas, pelo que a avaliação exaustiva dessas alterações pode resultar em despesas e riscos desnecessários.» Ainda assim, «a ausência de avaliação adicional dessas provas poderá significar a falha no diagnóstico precoce de situações potencialmente tratáveis». A sessão foi organizada em torno da discussão de diversos casos clínicos ilustrativos das

Prof.ª Mariana Verdelho Machado e Dr. Manuel Ferreira Gomes

alterações que mais comumente se encontram nestes exames. «A análise das variações dos valores das aminotransferases, da gama-glutamil transferase, da fosfatase alcalina e da bilirrubina sérica é pertinente com vista à elaboração de um organigrama de decisão que permita avaliar o doente e, simultaneamente, rentabilizar o pedido de métodos complementares para que se consiga chegar ao diagnóstico clínico de uma forma célere e correta», explicou Manuel Ferreira Gomes. Nesse contexto, Mariana Verdelho Machado frisou a importância de saber categorizar os vários tipos de alterações patentes nas provas hepáticas e interpretar as serologias, para identificar quem deve ser alvo de rastreio. «Perante um resultado

com alterações mais colestáticas, hepatocelulares, agudas ou crónicas, o médico tem ainda de estar atento à história clínica e aos fatores de risco para fazer um correto diagnóstico diferencial», defendeu a gastrenterologista. Por exemplo, quando as provas hepáticas detetam alterações agudas, com aminotransferases muito elevadas, «é indicativo de uma situação de hepatite aguda». Pelo contrário, «perante um doente com alteração crónica nas aminotransferases, sendo muito mais baixas e com mais de seis meses de evolução, já não se pensa na hepatite aguda, mas antes numa doença hepática crónica e, consequentemente, os diagnósticos diferenciais serão outros», elucidou Mariana Verdelho Machado.

Algoritmo de diagnóstico Provas hepáticas Marcadores de lesão hepática

Provas de função hepática

AST ALT

Tempo de protrombina

γ-GT

Albumina

Fosfatase alcalina

Bilirrubina total

Bilirrubina total

Alteração das provas hepáticas Padrão hepatocelular

Padrão colestático ↑ γ-GT

↑ AST

↑ Fosfatase alcalina

↑ ALT

↑ Bilirrubina total

Citólise

Colestase, obstrução

AST: aspartato aminotransferase; ALT: alanina aminotransferase; γ-GT: gama-glutamil transferase

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4 de MAIO

Atualidade em hepatites víricas A, B e C A hepatite A em contexto de pré e pós-exposição, com destaque para a nova norma da Direção-Geral da Saúde, publicada em março deste ano como resposta ao surto verificado em Portugal; os critérios de rastreio dos vírus das hepatites A, B e C; a interpretação dos resultados dos marcadores virais e as novas terapêuticas para as hepatites B e C estiveram em destaque numa das sessões televoter de ontem. Sandra Diogo

N

a opinião do Dr. António Pedro Machado, orador nesta sessão e internista no Centro Hospitalar Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria (CHLN/HSM), o surto de hepatite A que Portugal enfrenta «já era mais do que previsível, dada a falta de imunização em grandes faixas da população». Nesse âmbito, um dos aspetos que mereceu destaque foi a nova norma da Direção-Geral da Saúde, publicada no passado mês de março, respeitante à infeção aguda causada por um vírus ARN. «Esta nova diretriz inclui orientações muito importantes para os médicos, sejam eles dos cuidados de saúde primários ou hospitalares, pois traz recomendações muito pragmáticas em contexto de pré e pós-exposição ao vírus da hepatite A.» Também oradora nesta sessão, a Prof.ª Mariana Verdelho Machado, gastrenterologista e hepatologista no CHLN/HSM, frisou que, «na maioria dos casos, a hepatite A tem um curso benigno, mas há grupos de risco que podem ter resultados mais graves, podendo levar a uma insuficiência hepática importante no caso de pessoas com doença hepática crónica». Nesse sentido, a especialista recordou os grupos de risco que têm indicação para fazer vacinação: «doentes que já padecem de alguma patologia hepática, pessoas que vão viajar para zonas endémicas e todos aqueles que apresentam comportamentos de risco, nomeadamente por estarem em contacto com pessoas contagiadas».

Dr. António Pedro Machado e Prof.ª Mariana Verdelho Machado

Importância do diagnóstico diferencial No âmbito das hepatites B e C, a discussão recaiu, sobretudo, sobre as estratégias terapêuticas existentes, com destaque para as novidades. Como referiu Mariana Verdelho Machado, «ainda que o tratamento da hepatite C seja feito em ambiente hospitalar e não no domínio dos cuidados de saúde primários, competem aos espe-

Hepatites víricas A, B e C Indivíduo sintomático ou de alto risco

Requisitar:

Anti-VHA IgM Anti-HBc IgM HBsAg Anti-VHC

Anti-VHA IgM -

Infeção improvável

Anti-HBc IgM +

Infeção pelo VHA

Anti-HBc IgM HBsAg -

Infeção improvável

Anti-HBc IgM + ou HBsAg +

Infeção pelo VHA

Anti-VHC -

Infeção improvável*

Anti-VHC +

*Se suspeita de exposição recente (<6 meses)

follow-up com anti-VHC

HBsAg: antigénio de superfície da hepatite B; RNA: ácido ribonucleico; VHA: vírus da hepatite A; VHC: vírus da hepatite C

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Confirmar infeção ativa

VHC RNA -

VHC RNA +

Infeção ativa improvável

Infeção ativa pelo VHC

cialistas de Medicina Geral e Familiar o rastreio e o diagnóstico da doença». A esse respeito, a gastrenterologista referiu «os doentes com alterações nas provas hepáticas, assim como todos aqueles que apresentem comportamentos de risco, nomeadamente contacto com indivíduos infetados, toxicodependência, pessoas que fizeram transfusões sanguíneas antes de 1992 (quando a hepatite C ainda não era testada), com tatuagens, etc.». A mesma opinião foi suportada por António Pedro Machado, que alertou para a importância do rastreio da hepatite C, de modo a que os doentes sejam referenciados a consultas de hepatologia. «É fundamental identificar estas pessoas porque os casos crónicos estão em risco de desenvolver cirrose hepática ou carcinoma hepatocelular, além de que vão transmitindo a doença. Todos os doentes com hepatite C crónica têm indicação para terapêutica antiviral, embora haja grupos mais difíceis de tratar, nomeadamente os doentes com cirrose hepática descompensada. O tratamento antiviral com os novos fármacos, além de estar associado a taxas de cura de pelo menos 95%, pode cortar a cadeia de transmissão, o que, do ponto de vista económico, faz todo o sentido», afirmou o internista. E a gastrenterologista acrescentou: «A erradicação do vírus da hepatite C diminui o risco de progressão para cirrose e suas complicações, permitindo retirar da lista de espera para transplante de fígado até 20% dos doentes com cirrose hepática descompensada.»


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5 de MAIO

Perturbações do sono no adulto e na criança

As necessidades de sono das crianças, a roncopatia, a apneia do sono na criança e no adulto e o diagnóstico diferencial da insónia são os temas da sessão que abre este segundo dia do Update em Medicina, entre as 9h00 e as 10h00. Luís Garcia rem os ritmos e os hábitos de sono da criança e, muito provavelmente, da própria família», defende Sandra Marques. Entre os principais efeitos nefastos da privação crónica de sono nas crianças sobressai o baixo rendimento escolar. «Vários estudos demonstram uma relação linear entre o aproveitamento escolar e o número de horas de sono, desde o primeiro ao terceiro ciclos de escolaridade», refere a oradora. Outra consequência é o comportamento irrequieto e agitado da criança, por oposição ao cansaço e à falta de energia que marcam a reação dos adultos com défice de horas de sono. «É importante fazer o diagnóstico diferencial desta agitação, uma vez que há crianças com diagnóstico de hiperatividade e a tomar medicação para tal, mas, na verdade, têm privação crónica do sono», alerta.

Compreender a roncopatia e a apneia do sono

A

sessão dedicada aos distúrbios do sono, que terá como oradora a Dr.ª Sandra Marques, internista e especialista europeia em medicina do sono na Clínica Lusíadas Almada, vai ter por base três casos clínicos. O primeiro servirá para enfatizar as diferenças entre as diversas faixas etárias pediátricas e os adultos. Segundo a palestrante, embora as necessidades de sono variem de pessoa para pessoa, «as crianças precisam de dormir mais do que os adultos: em média, até 13 horas por dia até aos 5 anos de idade e 9 a 11 horas por dia até aos 11 ou 12 anos». Tendo em conta estes números, os pais devem ter a noção de que os seus horários não podem ser iguais aos que devem ser promovidos para os seus filhos. «Deitarem-se às 23 horas e levantarem-se às 6 ou 7 da manhã é claramente insuficiente. Se uma criança tem de se levantar às 7 horas e precisa de dormir 11, precisará de se deitar por volta das 20 horas. Se se deitar mais tarde, deve ser privilegiada uma curta sesta, geralmente entre as 14h00 e as 16h00, para complementar as necessidades de sono. Caso contrário, a criança acumulará um défice de sono que se vai perpetuar. Esta não é a prática de muitos pais, pelo que também cabe aos profissionais de saúde alertá-los para a necessidade de conhecerem e de ajusta-

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O segundo caso clínico apresentado por Sandra Marques consistirá numa situação de apneia obstrutiva do sono no adulto, um problema «extremamente prevalente e frequente na prática clínica». Para diagnosticar estes casos é fundamental avaliar as pessoas com doenças crónicas como hipertensão arterial, diabetes, obesidade, dislipidemia e perturbação da an-

siedade, perguntando-lhes se ressonam, se já lhes disseram que param de respirar quando dormem ou se adormecem inadvertidamente durante o dia, por exemplo, a ver televisão, nas salas de espera ou até a conduzir. O terceiro caso clínico apresentado pela internista refletirá as dificuldades em diferenciar a insónia das alterações do ritmo circadiano. «Todos temos ritmos e padrões de sono muito característicos e determinados geneticamente, sobre os quais não temos grande controlo. De forma muito simples, podemos dividir as pessoas entre as que, naturalmente, se deitam cedo (madrugadoras) e as que se deitam tarde (notívagas)», explica Sandra Marques. E exemplifica: «Se um notívago, que só costuma ter sono a partir da meia-noite ou mesmo 2 horas da manhã, tem de se levantar às 7 horas para ir trabalhar, vai tentar deitar-se mais cedo, às 22 ou 23 horas. Como está a contrariar o seu ritmo circadiano, não consegue adormecer e vai pensar que tem uma insónia.» Esta especialista em medicina do sono sublinha que o ideal é conseguir ajustar, o mais possível, a vida profissional e social ao ritmo circadiano de cada indivíduo. «Muitas vezes, não é um problema fácil de resolver, mas, se a pessoa não tiver consciência dele, nunca vai conseguir uma solução mais adaptada ao seu ciclo circadiano», conclui.

Doenças associadas à apneia do sono Hipertensão arterial

35%

Fibrilhação auricular Pacemakers

49% 59%

Diabetes Insuficiência cardíaca congestiva Obesidade Hipertensão resistente a tratamento farmacológico Ataques cardíacos noturnos Fonte: Lattimore J et. al. J Am Coll Coridal 2003;41:1429-1437

72% 76% 77% 83% 91%


Hematúria: «crime» sob investigação

P

erante um caso de hematúria, os médicos dos cuidados de saúde primários (CSP) devem ser verdadeiros «detetives», prontos a descortinar a origem do «crime» e a saber quando chamar reforços, nomeadamente os colegas da Urologia e da Nefrologia. Esta é uma das mensagens centrais da sessão «CSI Salgados – Quando é que eu preciso mesmo do urologista?», que decorre entre as 15h00 e as 16h00 de hoje. Os oradores são dois especialistas do Centro Hospitalar Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria: o urologista Dr. José Palma dos Reis e o internista Dr. António Pedro Machado. De acordo com o primeiro, a investigação da hematúria e, em particular, da micro-hematúria é um desafio, mesmo para os urologistas. «Há muitas situações que não correspondem a qualquer patologia, como acontece com a hematúria de esforço, que é relativamente frequente, mas, se não formos argutos no diagnóstico, podemos deixar passar situações muito graves, como os tumores uroteliais», refere. Embora admita a dificuldade de traçar um algoritmo estanque e consensual, Palma dos Reis partirá da apresentação de casos clínicos para «lançar algumas pistas sobre situações que nem sempre são muito lineares» e sistematizar, à luz do conhecimento atual, alguns dos sinais a que os clínicos de Medicina Geral e Familiar devem estar

atentos e aos procedimentos que devem seguir, desde os meios complementares de diagnóstico à referenciação. De acordo com o urologista, um dos aspetos mais sensíveis são os casos de fronteira, nos quais é difícil perceber se a situação pode ser resolvida nos CSP, se o doente deve ser referenciado para a Nefrologia ou se é justificada a realização de exames urológicos invasivos, nomeadamente a cistoscopia. Segundo Palma dos Reis, os médicos devem estar particularmente atentos à existência ou não de fatores de risco para tumores do urotélio. «Se for o caso, a nossa assertividade de diagnóstico deve ser superior. Sempre que há motivos para algum grau de suspeição, não devemos ter uma atitude expectante», sublinha o orador, admitindo, porém, a inexistência de consensos relativos a alguns pontos da abordagem da hematúria, mesmo entre urologistas e nefrologistas. António Pedro Machado também considera que as maiores dificuldades residem nas situações de charneira. «Se um indivíduo tem uma hematúria sintomática, com febre, sugestão de infeção ou cólica renal, sugerindo litíase urinária, não escapará seguramente à investigação do médico. Mas não devemos deixar escapar as situações que não parecem graves, mas que, na sua origem, podem ter uma neoplasia da bexiga,

Dr. José Palma dos Reis

por exemplo.» Neste quadro, há critérios de risco que devem ser particularmente valorizados. «O tabagismo é um fator de risco importante. Por exemplo, um fumador com 35 anos de idade que tem uma hematúria microscópica deve ser necessariamente referenciado à Urologia, para que seja realizada uma cistoscopia», adverte o coordenador científico do Update em Medicina.

Luís Garcia

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5 de MAIO

O verdadeiro significado de proteção com rivaroxabano

Dr.ª Arminda Veiga

Dr.ª Patrícia Mora

Dr.ª Sílvia Monteiro

As vantagens dos novos anticoagulantes orais (NOAC, na sigla em inglês) na prevenção de eventos cardiovasculares relacionados com a fibrilhação auricular (FA), nomeadamente do rivaroxabano, vão estar em evidência no simpósio-satélite organizado pela Bayer, entre as 16h00 e as 16h30. Luís Garcia

E

ssencial para a prevenção dos acidentes vasculares cerebrais (AVC) e das embolias sistémicas em doentes com FA, a anticoagulação oral passou a contar, nos últimos anos, com novos fármacos, nomeadamente os inibidores diretos do fator Xa (rivaroxabano, apixabano e edoxabano) ou da trombina (dabigatrano). Segundo a Dr.ª Arminda Veiga, cardiologista no Centro Hospitalar Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria e moderadora deste simpósio, «os NOAC são pelo menos tão eficazes quanto a varfarina na prevenção do AVC e associam-se a menor risco de hemorragias potencialmente fatais, em particular de AVC hemorrágicos». No caso concreto do rivaroxabano, de acordo com a Dr.ª Patrícia Mora, médica na Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados de Casal de Cambra (ACES de Sintra) e oradora no simpósio, «todos os ensaios clínicos comprovaram uma excelente relação de eficácia e segurança, bem como elevadas taxas de adesão e persistência terapêutica».

A outra palestrante, Dr.ª Sílvia Monteiro, cardiologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, reforça a mesma ideia: «O rivaroxabano foi avaliado num amplo programa de ensaios clínicos e em estudos de vida real, abrangendo doentes de todo o espectro de gravidade e de contextos clínicos, inclusive indicação para anticoagulação oral e antiagregação plaquetar após realização de angioplastia coronária. Em todos os contextos clínicos, este NOAC apresenta, de forma consistente, uma excelente relação de eficácia e segurança, com garantia de elevadas taxas de adesão e persistência terapêutica associadas à toma única diária, o que claramente reforça o benefício deste fármaco na prática clínica.»

NOAC como gold standard Por todas estas características, Arminda Veiga prevê que os NOAC ganhem um espaço ainda maior no futuro. «Devido à sua eficácia, segurança, facilidade de administração e ausência de necessidade de monitorização, espera-se que os NOAC

Comparações são enganadoras De acordo com a Dr.ª Patrícia Mora, os dados atuais não permitem uma comparação entre os diversos NOAC. «Os vários ensaios clínicos apresentam diferenças significativas no seu desenho e incluem populações de doentes muito heterogéneas, logo seria um erro metodológico fazer uma comparação indireta», refere a oradora no simpósio. E exemplifica: «No ROCKET-AF [Rivaroxaban Once-daily Oral Direct Factor Xa Inhibition Compared with Vitamin K Antangonist for Prevention of Stroke and Embolism Trial in Atrial Fibrillation], que avaliou a eficácia do rivaroxabano versus a varfarina, o grupo de doentes era de alto risco, com um score CHA2DS2-VASc médio de 3,5; ao passo que o dos doentes incluídos em estudos com outros anticoagulantes era de 2,1 ou 2,2.»

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Vantagens dos NOAC Início de ação rápido; Semivida curta; Resposta previsível; oucas interações medicamentosas P e alimentares; ispensa de monitorização do efeito D anticoagulante. venham a substituir a varfarina na maioria dos doentes. Assim o sistema de saúde e os próprios doentes tenham possibilidade e estejam dispostos a suportar o custo acrescido justificado por uma relação custo-eficácia claramente vantajosa.» Para Patrícia Mora, «não basta hipocoagular os doentes, mas, acima de tudo, é preciso fazê-lo com a dosagem correta e com o cumprimento adequado da terapêutica». Defendendo o conhecimento e a «utilização judiciosa» das novas terapêuticas hipocoagulantes, mais seguras, de modo a limitar os eventos isquémicos e a sua morbilidade, a especialista afirma que, «em 2017, o gold standard da hipocoagulação da FA é a utilização dos NOAC». Na opinião desta oradora, «é urgente remover alguns entraves administrativos à prescrição desta terapêutica crónica». Nesse sentido, é necessária «a colaboração de todas as partes – médicos, enfermeiros, outros profissionais de saúde, cuidadores dos doentes e decisores políticos –, com vista a melhorar as taxas de diagnóstico e de tratamento da FA em Portugal».


Prescrever antibiótico: sim ou não e quando? Melhorar a prescrição e prevenir as resistências são os principais objetivos da sessão televoter «ABC dos antibióticos», que decorre hoje, entre as 11h30 e as 13h00. Os preletores são o Dr. Tiago Marques, infeciologista no Centro Hospitalar Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria, e o Dr. Manuel Ferreira Gomes, internista na mesma instituição. Sandra Diogo

«A

antibioterapia é um assunto recorrente no Update em Medicina porque, apesar das várias sessões de esclarecimento que vão sendo organizadas, continua a ser uma área que gera muitas dúvidas e alguns mal-entendidos», começa por referir o Dr. Tiago Marques, justificando a pertinência da abordagem do tema, mais uma vez, neste congresso. Para este especialista em Infeciologia, «é urgente clarificar os princípios da antibioterapia e isso só se consegue com um esforço conjunto entre especialidades, que talvez tenha de iniciar-se logo durante a formação pré-graduada, com a “educação para o bom uso dos antibióticos”». Neste contexto, os dois oradores desta sessão pretendem explorar alguns cenários mais ou menos comuns com o objetivo de definir que patologias exigem a prescrição destes fármacos e qual a classe que deve ser escolhida em cada situação. «É preciso saber quando se deve recorrer à terapêutica antibacteriana e prescrevê-la apenas pelo tempo necessário, já que a infeção poderá não ser tratada corretamente se o antibiótico for administrado dias a menos. Por outro lado, se este fármaco for tomado ao longo de um período demasiado longo, desenvolvem-se resistências», salienta Ferreira Gomes.

Dr. Manuel Ferreira Gomes e Dr. Tiago Marques

«É preciso saber quando se deve recorrer à terapêutica antibacteriana e prescrevê-la apenas pelo tempo necessário» Na opinião deste internista, o aparecimento de cada vez mais bactérias multirresistentes é uma preocupação à qual a comunidade médica não pode ficar indiferente e que exige atuação imediata. Nesse sentido, «é essencial escolher o antibiótico adequado à infeção e ao doente em causa, procedendo à sua descalação aquando do resultado dos testes de sensibilidade antibiótica (se assim se justificar)». Como reforça Tiago

Conselhos dos oradores ão prolongue a duração da terapêutica antibacteriana para além do indicado, o que N apenas se traduz em mais efeitos secundários e resistências; Não peça uroculturas de rotina; omplemente sempre o pedido de urocultura com um exame sumário de urina (urina II), C valorizando essencialmente a esterase leucocitária (sugestiva de infeção); Não prescreva antibióticos para bacteriúrias assintomáticas; I nforme o doente sobre a razão pela qual está a prescrever um antibiótico e os efeitos secundários, nomeadamente a diarreia; Explique a duração do tratamento e o horário das tomas; iga aos doentes para não guardarem em casa sobras de embalagens de antibióticos, D devolvendo-os numa farmácia; Desaconselhe a automedicação.

Marques, «a estratégia passa por investir no isolamento do agente infecioso, fazer antibioterapia cujo espectro seja o mais estreito possível e evitar a prescrição deste tipo de fármacos quando tal não se justifica».

Das infeções urinárias às pielonefrites Com uma forte componente prática, a sessão será orientada pela apresentação e discussão de casos clínicos paradigmáticos. «Muitas vezes, esquece-se o importante, ou seja, a história clínica do doente e a atenção aos sintomas. No caso de uma infeção na bexiga, por exemplo, a pessoa sente vontade de urinar com frequência, urina às pingas, etc. Se a infeção for no rim, estamos perante um problema sistémico, cujas manifestações mais frequentes são a febre e os tremores, acompanhados ou não de dor nas costas», esclarece Tiago Marques. Para este orador, as infeções urinárias são o melhor exemplo das dificuldades que muitos médicos sentem quando têm de decidir se prescrevem ou não antibioterapia. «A presença de microrganismos na urina não é condição obrigatória para a prescrição de um antibiótico e está dependente da existência de queixas por parte do doente», nota. Neste sentido, Tiago Marques gostaria que os participantes da sessão retivessem duas mensagens-chave: as culturas bacterianas devem ser feitas nos casos com indicação para tal, mas, principalmente, quando o médico tem dúvidas; a administração de um antibiótico só pode ser feita perante a certeza do diagnóstico. Só assim, garante, «se estará a respeitar o antibiótico e o próprio doente».

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5 de MAIO

«Um historial de dor ou ardor vulvar deve servir de alerta» Em entrevista, o Dr. Pedro Vieira Baptista, ginecologista e responsável pela Unidade de Patologia do Trato Genital Inferior do Centro Hospitalar de São João, no Porto, avança alguns dos principais aspetos que vai desenvolver hoje, na sessão dedicada à vulvodinia, entre as 17h00 e as 18h00. Apesar de serem muito prevalentes, com frequência, estes distúrbios genitais não são corretamente diagnosticados, pelo que importa conhecer as suas características, como um historial de dor ou ardor vulvar. Sandra Diogo mais ou menos longas de dor ou ardor vulvar. Aqui, importa salientar que não é obrigatório que a dor esteja associada ao coito.

Que fatores podem ajudar no diagnóstico diferencial?

A vulvodinia ainda é um problema desafiante para a maioria dos médicos? Sem dúvida! Por isso, o principal objetivo desta sessão é sensibilizar as pessoas para esta patologia, que é pouco conhecida e debatida. Nesse sentido, a principal necessidade é reconhecer esta doença e saber que é prevalente. São situações que fazem parte do dia a dia da consulta de Ginecologia, mas também da de Medicina Geral e Familiar [MGF]. Portanto, é fundamental que estes especialistas tenham os conhecimentos necessários para fazerem o diagnóstico, de modo a referenciarem ou mesmo orientarem estas doentes.

A que aspetos de diagnóstico devem estar atentos os especialistas de MGF? Frequentemente, as doentes com vulvodinia – ou com dispareunia em geral – já recorreram a diversos especialistas e já receberam diagnósticos que nada têm a ver com a sua realidade: candidose, infeção por vírus do papiloma humana ou patologia psiquiátrica – esta última com efeitos devastadores! Por isso, os especialistas de MGF devem estar atentos a mulheres com histórias

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O diagnóstico começa com uma boa história clínica, tendo atenção aos pormenores e é logo aqui que surge a primeira dificuldade, já que os médicos estão submetidos a tempos de consulta que, frequentemente, são incompatíveis com o tempo que este tipo de anamnese exige. Muitas vezes, as doentes já fizeram outros tratamentos, pelo que é preciso perceber esse historial, assim como o que desencadeia a dor, se há padrões, se há associação ao ciclo menstrual, etc. Depois, é preciso excluir todas as outras possíveis causas. É difícil estabelecer um algoritmo padrão, pois depende de caso para caso e da suspeita que se possa levantar durante a avaliação física. Um exame fundamental, que se aprende a dominar facilmente, é a pesquisa dos pontos dolorosos vulvares. Outro recurso essencial, mas que, infelizmente, tem sido difícil de introduzir na prática clínica em Portugal, é o exame microscópico a fresco do corrimento, que é fundamental no estudo dos casos de mulheres com queixas vulvovaginais.

«Um exame fundamental, que se aprende a dominar facilmente, é a pesquisa de pontos dolorosos vulvares. Outro recurso essencial é o exame microscópico a fresco do corrimento» Que acompanhamento deve ser dado a estas doentes? Chegar ao diagnóstico é relativamente fácil, mais difícil é o tratamento porque a etiologia da vulvodinia é desconhecida. Não há fármacos, nem nenhuma terapia desenhada especificamente para estes problemas. A solução pode passar pela fisioterapia, com resultados variáveis; por antidepressivos tricíclicos; por antiepiléticos e, em último recurso, pela cirurgia (que deve ser realizada por um especialista experiente nesta área). A terapêutica a escolher terá de ser adaptada aos resultados do exame físico.

Vulvodinia: fatores de risco e associações

Fibromialgia Síndrome da bexiga dolorosa Síndrome do cólon irritável Cefaleias Dor coxofemoral Dor temporomandibular Depressão Dismenorreia

Escoliose Histerectomia

Candidoses Herpes genital Infeções do trato urinário Contracetivos orais?

Fonte: Vieira-Baptista P, Lima-Silva J, Cavaco-Gomes J, Beires J. Prevalence of vulvodynia and risk factors for the condition in Portugal. Int J Gynaecol Obstet. 2014 Dec;127(3):238-7


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5 de MAIO

Desafios no diagnóstico da sífilis O programa de hoje encerra com a sessão televoter «Doenças venéreas», na qual o Dr. Tiago Marques, infeciologista no Centro Hospitalar Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria, vai prestar alguns esclarecimentos sobre a interpretação dos exames de diagnóstico da sífilis, «um assunto que está a precisar de clarificação». Sandra Diogo deve ser pedido juntamente com as análises de rotina, mas também quando surge algum sintoma cuja origem não se consegue identificar, como umas pintas no corpo.»

Afastar dúvidas de interpretação

«B

aseado naquilo com que me deparo na consulta de triagem de Infeciologia, é urgente desmistificar algumas ideias relacionadas com as doenças venéreas, particularmente com a sífilis», começa por explicar o Dr. Tiago Marques. A pertinência destes esclarecimentos é atual, já que se tem assistido a um aumento de casos nos últimos anos. «No tempo em que a sida se estava a propagar de forma epidémica, as pessoas tinham medo de ter relações sexuais desprotegidas, mas, desde que esta se tornou uma doença crónica, a sífilis tem voltado em força», alerta. É neste contexto que o infeciologista pretende basear a sua apresentação numa componente educacional, reforçando junto dos especialistas de Medicina Geral e Familiar a relevância de voltarem a enfatizar a necessidade do uso de preservativo junto dos seus doentes, mas também de encararem o teste da sífilis como um procedimento de rotina. «Não nos podemos esquecer que esta doença era chamada de “grande imitadora” exatamente porque pode ter variadas manifestações ou nem sequer nenhuma, por isso, o seu despiste

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Para Tiago Marques, há outro aspeto que carece de clarificação e que tem estado na origem do excesso de referenciação e do tratamento desnecessário: a interpretação dos vários métodos analíticos para o diagnóstico da sífilis, «que não podem ser todos entendidos da mesma forma». Por isso, o orador desabafa que ficará satisfeito se, após assistirem a esta sessão, os participantes conseguirem interpretar melhor as serologias e conseguirem distinguir os testes treponémicos dos testes não-treponémicos, tal como o que se pode interpretar de cada um. «Os testes não-treponémicos VDRL [acrónimo inglês para venereal disease research laboratory] e RPR [rapid plasma reagin] dão-nos conta do grau de atividade da doença, mas também estão sujeitos a falsos-positivos, portanto, um doente com VDRL positivo poderá ter uma sífilis ativa, mas que terá de ser confirmada», alerta o infeciologista. Essa confirmação «faz-se pelo TPHA (treponema pallidum hemaglutination assay) ou pelo anticorpo antitreponémico, que são os chamados testes treponémicos e que, a partir do momento em que a pessoa teve sífilis, ficam positivos até ao fim da vida – a denominada cicatriz serológica». Ou seja, se o doente tiver um VDRL e um TPHA positivos, está infetado com sífilis; se tiver um VDRL positivo e um TPHA negativo, tem um falso-

«Esta doença era chamada de "grande imitadora" porque pode ter variadas manifestações ou nem sequer nenhuma, por isso, o seu despiste deve ser pedido juntamente com as análises de rotina» -positivo; se tiver um VDRL negativo e um TPHA positivo, quer dizer que teve um contacto passado com a doença, mas esta não está ativa. «É neste conjunto de leituras que há muitas confusões e muitos doentes a serem tratados com penicilina sem precisarem», lamenta Tiago Marques, salientando que este antibiótico continua a ser o mais eficaz no tratamento da sífilis e contra o qual não há resistências. Por último, o orador frisa que a interpretação dos resultados ficou sujeita a maiores dúvidas a partir do momento em que alguns laboratórios alteraram a técnica de rastreio da sífilis. «Atualmente, o despiste tende a ser feito por via do anticorpo antitreponémico, que, a partir do momento em que a pessoa teve a doença, nunca mais volta a ficar negativo. Como consequência, temos assistido a um número crescente de pedidos de esclarecimento por parte dos serviços de Infeciologia», conclui Tiago Marques.

Interpretação dos exames de diagnóstico da sífilis VDRL/RPR

TPHA/FTA-ABS/Ac trep

Interpretação

POSITIVO

POSITIVO

Sífilis ativa

POSITIVO

Negativo

Falso-positivo

Negativo

POSITIVO

Contacto prévio

Negativo

Negativo

Sem sífilis

Ac trep: anticorpo antitreponémico; FTA-ABS: fluorescent treponemal antibody-absortion; RPR: rapid plasma regain; TPHA: treponema pallidum hemaglutination assay; VDRL: venereal disease research laboratory


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