10 A 14 DE ABRIL 2019
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ACEDA À VERSÃO DIGITAL
1.ª EDIÇÃO DIÁRIA com distribuição gratuita no dia 12 de abril (6.ª feira)
Dos desafios clínicos de sempre às últimas novidades
O programa do Update em Medicina 2019 abarca alguns dos mais entusiasmantes campos a desbravar na investigação médica, de que é exemplo o potencial terapêutico da microbiota em múltiplas patologias (pág.10 e 16), e inovações farmacológicas em áreas como a insuficiência cardíaca (pág.14 e 20). Também não faltam revisões de temas sempre atuais na prática clínica, como as doenças oftalmológicas que os médicos de Medicina Geral e Familiar podem diagnosticar e tratar (pág.15) ou o diagnóstico dos tumores cutâneos (pág.21). Numa vertente ainda mais formativa, há que destacar os oito cursos pré-congresso (pág.4 a 14), com a estreia da formação em urgências médicas nos cuidados de saúde primários e o repetido sucesso do Curso de Suporte Avançado de Vida ALGUNS ORADORES E ELEMENTOS DA COMISSÃO CIENTÍFICA E ORGANIZADORA (da esq. para a dta.): Drs. Pedro Vieira Baptista, Carlos Rabaçal, José Pedro Antunes, António Oliveira Ramos, Luís Bimbo, António Pedro Machado, Pedro Carrilho, Alice Gonçalves, Fernanda Dias, Fernando Silva, Susana Pereira Costa e Diogo Ramos PUB
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EDITORIAL
Pela melhoria constante dos cuidados de saúde
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a sua 12.ª edição, o Update em Medicina 2019 apresenta, como é apanágio deste congresso desde o início, um programa científico que promove a formação médica de excelência em Portugal. Desde 2008 que esta reunião tem vindo a deixar o seu cunho indelével no percurso de milhares de médicos de diferentes especialidades, em diferentes fases da sua carreira, unidos por um objetivo comum: a vontade de aprimorar as suas competências clínicas e científicas, em prol da melhoria constante dos cuidados de saúde prestados à população. Embora, de facto, este congresso tenha recebido, ao longo dos anos, internos e especialistas de diversas áreas, é inegável a preponderância que a Medicina Geral e Familiar (MGF) assume na história do Update em Medicina. Reconhecê-lo é celebrar um percurso de crescimento e engrandecimento em conjunto, dando resposta às necessidades de formação e atualização dos médicos de MGF. O desejo de auscultar e atender aos anseios dos internos e especialistas de MGF reflete-se, desde logo, na forma como o Update em Medicina tem vindo a estruturar as suas sessões. Adotando uma metodologia inovadora, que assenta num modelo interativo e multidisciplinar, o nosso congresso rejeita cingir-se ao que vem nos livros. Sem prescindir de uma sólida vertente científica, temos vindo a privilegiar, cada vez mais, a partilha de conhecimentos «de olhos postos» na prática clínica. Por outro lado, o Update em Medicina habituou-nos a uma troca de saberes bidirecional: longe de apenas escutar, a plateia é convidada a intervir ativamente em todos os momentos de um congresso que é feito para e por quem nele participa. Procurando acompanhar de perto as questões mais prementes no panorama atual dos cuidados de saúde primários (CSP), o Update em Medicina 2019 aborda um conjunto de temáticas que abrange áreas que têm vindo a ser analisadas neste congresso em anos anteriores, como as doenças
Dr. António Pedro Machado e Dr. José Pedro Antunes
cardiovasculares ou a diabetes, e assuntos novos, como o potencial terapêutico do microbioma, a importância da nutrição e o lugar das novas e das velhas vacinas, que será debatido na sessão dedicada à saúde infantil. A escolha dos temas obedece sempre a um fio condutor: o contributo decisivo dos internos e especialistas de MGF não só no tratamento de primeira linha, mas também na implementação de estratégias de prevenção eficazes nos mais diversos campos da Medicina. Consubstanciando o compromisso do Update em Medicina com a promoção da formação médica de excelência, importa referir o substancial número de cursos pré-congresso, que são desenhados com o intuito de potenciar a capacitação técnico-científica dos médicos de MGF. De igual modo, tendo em conta que o estímulo à investigação nos CSP é outro dos pilares fundamentais do Update em Medicina, deixo o convite para que
todos possam conhecer os primeiros resultados do Estudo Panorama, que nos chegam da Madeira e serão apresentados no sábado. Além disso, caso ainda não o tenham feito, apelo a que se juntem a esta iniciativa de investigação pioneira no âmbito dos CSP em Portugal. Por tudo isto e muito mais, desejo que sejam todos muito bem-vindos ao Update em Medicina 2019. Contamos convosco para que a edição deste ano se afirme como mais um marco na relação simbiótica entre o Update em Medicina e a MGF.
José Pedro Antunes
Presidente do Update em Medicina 2019 Médico na Unidade de Saúde Familiar Viva Saúde, do Agrupamento de Centros de Saúde Baixo Vouga, em Aveiro
Ficha técnica REUNIÃO ORGANIZADA POR:
EDIÇÃO: Update em Medicina, Lda. Rua Professor Moisés Amzalak, N.º8 - 8.ºA 1600 - 648 Lisboa Tel.: (+351) 916 830 728 (+351) 916 763 877 info@updatemedicina.com www.updatemedicina.com
Esfera das Ideias, Lda. Rua Eng.º Fernando Vicente Mendes, n.º 3F (1.º andar), 1600-880 Lisboa Tel.: (+351) 219 172 815 / (+351) 218 155 107 geral@esferadasideias.pt www.esferadasideias.pt EsferaDasIdeiasLda issuu.com/esferadasideias01 Direção: Madalena Barbosa (mbarbosa@esferadasideias.pt) Marketing e Publicidade: Ricardo Pereira (rpereira@esferadasideias.pt) Coordenação editorial: Luís Garcia (lgarcia@esferadasideias.pt) Textos: Ana Rita Lúcio, Luís Garcia e Rui Alexandre Coelho Fotografia: João Ferrão Design/paginação: Susana Vale
Publicação isenta de registo na ERC, ao abrigo do Decreto Regulamentar n.º 8/99, de 6 de junho, artigo 12.º, 1.ª alínea PATROCINADORES DESTA EDIÇÃO:
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OPINIÃO
10 DE ABRIL (4.ª FEIRA)
Interpretação da evidência científica DR. FIRMINO MACHADO | M édico na Unidade de Saúde Pública do Agrupamento de Centros de Saúde Porto Ocidental, professor de Epidemiologia na Faculdade de Medicina do Porto e investigador na EPIUnit – Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto
Formador no Curso de Estatística, realizado na quarta-feira
Seguiu-se um quinto ponto cujo objetivo foi contribuir para o desenvolvimento da capacidade crítica perante a evidência científica divulgada. É necessário que o médico saiba reconhecer e analisar as estratégias de comunicação científica adotadas, mas também que as consiga contextualizar e discutir, antecipando os seus pontos fortes ou limitações.
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Os estudos em apreciação no curso deste ano pertencem à esfera de atividade da Medicina Geral e Familiar e abordam, essencialmente, medidas de associação clássicas como odd ratios, riscos relativos e hazard ratios. Adicionalmente, o foco desta iniciativa formativa recaiu sobre os testes mais frequentemente utilizados em Estatística, como os testes T de amostras independentes ou
Tipos de estudos Meta-análise de DID
Criação de conhecimento rápido Análise crítica
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Meta-análise
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ada vez mais, o médico não deve ocupar-se apenas da sua prática clínica e do manejo dos seus doentes, mas também deve saber interpretar devidamente a evidência científica disponível. Sendo importante que o médico se assuma, sempre que possível, como investigador capaz de produzir evidência científica, mesmo que essa não seja a sua intenção, é indispensável que desenvolva, pelo menos, a capacidade de analisar e refletir criticamente sobre o conhecimento existente. Essa demanda crescente dita, por conseguinte, que a comunidade médica procure melhorar as suas competências de análise e interpretação de dados, o que ajuda a explicar o interesse que os participantes do Update em Medicina têm demonstrado pelo Curso de Estatística. Nesta quarta edição, analisámos um conjunto de artigos científicos já publicados, com base nos quais refletimos sobre as seguintes questões: 1. Q ual foi a pergunta de investigação que gerou a construção do estudo? 2. Quais foram os testes estatísticos aplicados para dar resposta a essa pergunta? 3. C omo se pode interpretar os dados recolhidos? 4. Como estão esses dados a ser comunicados?
emparelhadas, o teste de correlação ou o teste de Qui-Quadrado. Preconizando, mais uma vez, um modelo de aprendizagem eminentemente prático, na segunda parte do curso, os participantes dividiram-se por grupos de trabalho para analisar artigos científicos já publicados, discutindo os seus principais resultados. No final, houve uma conjunta. O objetivo foi que, no final do curso, os formandos estivessem habilitados a formular uma pergunta de investigação, a desenhar o estudo correspondente e a proceder à análise dos dados. Quanto ao desenvolvimento da capacidade crítica, à qual procurámos dar particular ênfase, importa referir que, muitas vezes, continua a verificar-se falta de rigor ou clareza na forma como a evidência produzida é comunicada. Nesse sentido, o curso baseou-se em trabalhos científicos reais para ilustrar e justapor estas duas realidades: exemplos de sucesso, em que a comunicação da evidência é clara, transparente e fácil de ser compreendida versus casos em que se verifica exatamente o contrário, isto é, em que a evidência é mais difusa e a sua interpretação se torna mais custosa, designadamente porque a estratégia de comunicação eleita não é a mais eficaz e adequada.
Revisão sistemática
Ensaios clínicos controlados aleatorizados Ensaios clínicos não aleatorizados Estudo de coorte Estudo de caso-controlo Caso clínico Estudos com animais Estudos in vitro
DID: dados individuais dos doentes
Estudos interventivos
Estudos observacionais
Curso certificado de suporte avançado de vida Um dos momentos que fez história no congresso do ano passado tornou a deixar a sua marca de sucesso no Update em Medicina 2019: o Curso de Suporte Avançado de Vida (SAV), que abrangeu um total de 16 horas, divididas entre quarta-feira e ontem. Ministrada pelo centro internacional de treino ENFARTE – PlanoSaúde, esta formação vocacionada para a abordagem das principais emergências cérebro e cardiovasculares é certificada pela American Heart Association (AHA) e acreditada pelo Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM). Ana Rita Lúcio
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Curso de SAV regressou para mais uma edição de sucesso, tendo as suas inscrições esgotado muito antes do início do Update em Medicina 2019. Segundo o Dr. Estevão Lafuente, coordenador da ENFARTE – PlanoSaúde, instrutor de Advanced Cardiovascular Life Support (ACLS) pela AHA e um dos formadores deste curso, «o êxito deve-se, em parte, à grande apetência que continua a haver, em termos de formação médica, pelo treino em situações de periparagem e paragem cardiorrespiratória». O facto de se tratar de um treino eminentemente prático «de simulação em cenários de caso, com os meios e os equipamentos que os profissionais desta área habitualmente encontram no terreno é outra mais-valia desta formação», explica o também diretor da Unidade de Cuidados Intensivos Polivalentes do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa/Hospital Padre Américo, em Penafiel. A estas razões acrescem «as excelentes condições criadas pela organização do Update em Medicina para a realização do curso», nota
Ventilação boca-a-boca e compressões torácicas foram duas das técnicas de suporte básico de vida treinadas
o Enf.º Filipe Fernandes, outro dos formadores e instrutor de ACLS pela AHA. Não obstante, como sublinha este operacional de Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER) no Hospital da Senhora da Oliveira, em Guimarães, «a principal responsável pela elevada procura por esta formação é a AHA, que, além de certificar o curso, os formadores e os formandos, também está na origem do programa científico e das técnicas pedagógicas adotadas». Para além da certificação da AHA, «que é uma das instituições de formação de topo, a nível mundial, na área das emergências cardiovasculares», o Curso de SAV da ENFARTE – PlanoSaúde «também é acreditado pelo INEM», acrescenta Filipe Fernandes. Quanto aos conteúdos programáticos, Estevão Lafuente esclarece, antes de mais, que «o suporte avançado de vida visa dar resposta às grandes emergências cerebrocardiovasculares, como o acidente vascular cerebral ou a síndrome coronária aguda».
Ao nível do suporte avançado de vida, a reanimação através da abordagem da via aérea avançada foi uma das técnicas ensinadas
Aferir conhecimentos Para completar com êxito o Curso de SAV, os formandos realizaram duas provas de avaliação, uma prática e outra teórica. Enquanto a avaliação prática testou o desempenho dos alunos como estando inseridos numa equipa de emergência e reanimação, a prova teórica consistiu num teste de escolha múltipla, que exigia a obtenção de uma classificação igual ou superior a 84%. Adicionalmente, este curso proporcionou o treino das atitudes e competências que devem ser adotadas em situações de braquicardias, taquicardias, ritmos desfibrilháveis e abordagem da via aérea. Sublinhando que este Curso de SAV «seguiu a estrutura de um continuum, partindo dos casos mais simples para os contextos mais exigentes», este intensivista refere que a formação incluiu também «um módulo dedicado ao suporte básico de vida». No que toca a materiais de apoio, além de todos os formados terem recebido um manual com as recomendações e instruções de atuação da AHA, no decorrer do curso, foi proporcionada a visualização de vídeos demonstrativos das técnicas de reanimação. Posteriormente, «os participantes colocaram em prática os conteúdos lecionados, executando em simuladores/manequins as técnicas, sempre com a supervisão de um instrutor certificado», frisa Filipe Fernandes. Segundo Estevão Lafuente, esta formação deu ainda particular enfoque ao debriefing, que «pressupõe que os formandos saibam identificar claramente as suas capacidades e limitações, partilhando-as com todo o grupo». O objetivo é que «as equipas interiorizem a prática da discussão dos seus pontos fortes e fracos como uma rotina, para sedimentar a aprendizagem e ultrapassar os desafios».
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10 DE ABRIL (4.ª FEIRA)
Quadros urgentes em Medicina Geral e Familiar Alterações do estado de consciência, colapso hemodinâmico, hemorragia digestiva, dor torácica, dispneia e anafilaxia foram alguns exemplos de doença súbita abordados no Curso das Principais Urgências para Médicos de Medicina Geral e Familiar (MGF), que decorreu na quarta-feira. Ana Rita Lúcio
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om base em algoritmos de decisão clínica, esta formação demonstrou como atuar atempadamente para identificar o doente crítico, confirmar o diagnóstico da situação urgente ou emergente e procurar revertê-la ou, em alternativa, prestar a primeira assistência, até ser possível o encaminhamento para centros especializados. Justificando a pertinência deste curso, no qual foi preletor, o Dr. Manuel Ferreira Gomes, internista no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria (CHULN/HSM), lembra que «a avaliação de doentes em situação de urgência está presente na prática clínica dos médicos, independentemente de exercerem nos cuidados de saúde primários [CSP] ou hospitalares». Por isso, qualquer médico «deve conhecer a abordagem correta a adotar perante uma situação clínica urgente ou emergente».
«Uma dispneia devida a agudização de asma ligeira, sem complicações associadas e com evolução favorável, pode ser abordada apenas nos cuidados primários» Dr. Manuel Ferreira Gomes O foco desta formação recaiu sobre os quadros de urgência mais frequentes ou mais gravosos que surgem nos CSP, mas também a nível hospitalar. Afinal, «são cada vez mais os médicos de MGF que asseguram as urgências dos hospitais, sobretudo dos distritais», nota a Dr.ª Inês Nogueira da Fonseca, também preletora neste curso e interna de Medicina Interna no CHULN/HSM. Acresce que, nos hospitais, os médicos de MGF nem sempre podem contar com o apoio das outras especialidades, pelo que «têm de estar munidos com as ferramentas necessárias para tomar as decisões clínicas mais adequadas».
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Dr. Manuel Ferreira Gomes e Dr.ª Inês Nogueira da Fonseca
Entre os casos urgentes analisados no decorrer do curso, Manuel Ferreira Gomes destaca o colapso hemodinâmico, as alterações do estado de consciência, a hemorragia digestiva (ver tabela), a dor torácica, a dispneia e a reação anafilática. «Estes são alguns dos principais motivos que levam as pessoas ao Serviço de Urgência e uma atuação clínica atempada, célere e objetiva é fundamental para obter o melhor desfecho possível», explica o internista. Segundo Inês Nogueira da Fonseca, as vias de atuação que foram sugeridas nesta formação suportam-se em guidelines ou normas de orientação clínica de referência nacional e internacional. A partir daí, apresentaram-se algoritmos de decisão clínica, para que, «depois da anamnese (quando esta é possível) e do exame objetivo, os médicos possam agir adequadamente em termos de diagnóstico e terapêutica». No fundo, esclarece a formadora, «importa que o médico tenha presente o que pode ser feito para, no mínimo, estabilizar o doente até que este possa ser transferido para outra unidade de cuidados». Nesse sentido, o curso abordou tanto casos que, depois de estabilizados, exigem referenciação para os cuidados hospitalares, como outros que podem ser resolvidos na íntegra pelos CSP. «Uma dispneia devida a agudização de asma ligeira, sem outras complicações associadas e com evolução favorável, pode ser abordada apenas nos CSP. Já uma exacerbação de asma severa, após primeira abordagem, deve ser canalizada para a urgência hospitalar, pois necessita de uma intervenção mais agressiva, havendo casos que podem motivar o internamento do doente», exemplifica Manuel Ferreira Gomes. Lembrando que «a dor torácica é uma das urgências médicas mais comuns», Inês Nogueira da
Fonseca destaca também «os diversos casos de alteração do estado de consciência» analisados no curso. «É indispensável que a avaliação que permite determinar se a situação representa ou não risco de vida seja feita o mais rapidamente possível. Por isso, os médicos devem ter os algoritmos de decisão clínica o mais interiorizados e automatizados possível, de modo a agilizar todo o processo, sem prejudicar a qualidade dos cuidados prestados», conclui a formadora.
Hemorragia digestiva alta Anamnese Origem alta ou baixa? / Início? / Patologia gastrointestinal prévia? Medicação? – AAS ou AINE / Antiagregantes plaquetários ou anticoagulantes / Ferro oral / Betabloqueantes ou BCC (podem mascarar taquicardia) História prévia de discrasia hemorrágica? Antecedentes de doença hepática, cirurgia abdominal ou alcoolismo? Hematemeses pós-retching ou vómitos alimentares repetidos? Quantificação das perdas hemáticas? (síncope inexplicada pode significar perdas ocultas) AAS: ácido acetilsalicílico; AINE: anti-inflamatórios não esteroides; BCC: bloqueadores dos canais de cálcio Adaptado de: Specific Treatment Options – GI Bleeding, University of Warwick, 2016.
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11 DE ABRIL (5.ª FEIRA)
Debelar dúvidas em anticoagulação oral A grande diversidade de doentes que necessitam de anticoagulação, as suas comorbilidades e alguns aspetos particulares do seu percurso, como a necessidade de intervenção cirúrgica, levantam dúvidas sobre a gestão desta terapêutica. Esclarecer esses pontos foi o objetivo do Curso Prático de Atualização em Hipocoagulação Oral, que decorreu ontem, com o apoio da Daichii-Sankyo. Luís Garcia Prof. Mário Santos, Prof.ª Cristina Gavina e Prof. Rui Baptista
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primeiro dos seis casos clínicos em discussão para exemplificar algumas das situações que surgem na prática dos médicos de Medicina Geral e Familiar (MGF) foi de uma fibrilhação auricular (FA) de novo. «Revimos as indicações para a FA com curto tempo de evolução e analisámos as diferenças entre hipocoagular um doente com FA paroxística e FA persistente ou permanente, além de discutirmos as situações em que se justifica iniciar a hipocoagulação numa consulta de cuidados de saúde primários [CSP], ou em que se deve fazer a referenciação para a consulta de Cardiologia/Serviço de Urgência», resume a Prof.ª Cristina Gavina, coordenadora deste curso e diretora do Serviço de Cardiologia da Unidade Local de Saúde de Matosinhos/Hospital Pedro Hispano. Sabe-se que cerca de 20% dos doentes com FA necessitam de intervenções cirúrgicas – algumas até mais simples, como cirurgias de cataratas, extrações dentárias ou colonoscopias – logo no primeiro ano após o início da anticoagulação oral. «Estas situações exigem que o doente esteja informado sobre como deve proceder quando
está sob um anticoagulante, pelo que, no curso, abordámos estes casos e quando suspender ou não a anticoagulação antes de um procedimento cirúrgico», informa Cristina Gavina. A insuficiência renal, que é frequente em doentes idosos com FA, também foi discutida. «É necessário perceber quando e como ajustar a dose dos fármacos nestes doentes», refere a formadora. Da mesma forma, foi analisado como proceder quando existe historial de hemorragia gastrointestinal e enfarte do miocárdio. Finalmente, foram abordados os doentes com FA acima dos 80 anos de idade, que, pela sua fragilidade e maior risco hemorrágico, requerem cuidados especiais. Segundo a cardiologista, «o edoxabano é uma boa opção para estes casos, porque demonstrou reduzir o risco hemorrágico em comparação com os antagonistas da vitamina K, inclusive nos doentes com maior risco de quedas».
ESCOLHER A TERAPÊUTICA ADEQUADA Segundo o Prof. Rui Baptista, cardiologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e formador neste curso, os quatro anticoagulantes
orais diretos disponíveis em Portugal «têm perfis distintos, pelo que importa escolher o mais adequado a cada doente, embora todos tenham um bom perfil de eficácia e segurança». Por isso, esta formação também teve por objetivo «reforçar a confiança dos médicos na gestão da anticoagulação, dando resposta aos diferentes desafios que vão surgindo no dia-a-dia». Para o Prof. Mário Santos, também formador neste curso e cardiologista no Centro Hospitalar Universitário do Porto/Hospital de Santo António, «o desafio para todos os médicos que prescrevem novos anticoagulantes orais a doentes com FA é compreender a importância deste gesto terapêutico e conhecer as particularidades da gestão destes fármacos nas diversas circunstâncias clínicas, bem como a heterogeneidade dos doentes». Neste contexto, «os médicos de MGF desempenham um papel fundamental no início da terapêutica, uma vez que são eles que, na maioria dos casos, diagnosticam a FA, mas também fazem a sua monitorização, dado o conhecimento aprofundado que têm do doente e das suas comorbilidades», remata Mário Santos.
Objetivos e intervenções no tratamento da FA TRATAMENTO
OBJETIVO
Controlo do ritmo e da frequência aguda
BENEFÍCIO PARA O DOENTE
Estabilidade hemodinâmica
Gestão dos fatores precipitantes
Modificações dos estilos de vida, tratamento das condições CV concomitantes
Redução do risco CV
Anticoagulação oral em doentes com risco de AVC
Prevenção do AVC
Avaliação do risco de AVC Avaliação da FC
Terapêutica de controlo da FC
Avaliação dos sintomas
Terapêutica antiarrítmica, cardioversão, ablação por cateter, cirurgia da FA
Melhoria dos sintomas, preservação da função do ventrículo esquerdo Melhoria dos sintomas
Aumento da esperança de vida Melhoria da qualidade de vida, da autonomia e da função social AVC: acidente vascular cerebral; CV: cardiovascular; FA: fibrilhação auricular; FC: frequência cardíaca Adaptado das recomendações da European Society of Cardiology de 2016 (Eur Heart J. 2016;37:2893-962)
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Desafios no tratamento da asma brônquica O diagnóstico da asma brônquica, o papel dos médicos de Medicina Geral e Familiar (MGF) no seguimento do doente asmático, os diferentes inaladores disponíveis e as estratégias para corrigir os erros mais frequentes na execução da técnica inalatória foram alguns dos tópicos discutidos no Curso Prático de Atualização em Dispositivos e Técnicas de Inalação, que decorreu ontem, com o apoio da Mundipharma. Ana Rita Lúcio
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ealçando que existem, em Portugal, «cerca de 700 mil doentes com asma, representando uma prevalência de cerca de 7% da população», segundo dados da Direção-Geral da Saúde de 2017, o Dr. Carlos Alves, pneumologista no Centro Hospitalar Barreiro Montijo e um dos preletores deste curso, adverte que «muitos casos estão subdiagnosticados». Números de 2015 revelam, por outro lado, que «apenas 43% dos doentes têm a asma controlada», o que tem «consequências avultadas em termos de custos sociais e económicos». Este especialista sublinha que, «para diagnosticar a asma brônquica, é preciso procurá-la ativamente». Sendo o diagnóstico «essencialmente clínico», em função da presença de sintomas e fatores de risco como os alergénios ou o tabagismo, que «devem ser investigados», as provas da função respiratória, nomeadamente a espirometria com broncodilatação, «permitem confirmar a suspeita diagnóstica». Segundo Carlos Alves, a falta de controlo da asma brônquica deve-se, sobretudo, ao facto de a terapêutica não ser inalada de forma correta. Por isso, «a escolha do dispositivo inalatório mais adequado para cada doente é fundamental». A este nível, «os médicos de MGF podem ter um contributo determinante, ajudando o doente a treinar a técnica inalatória e revendo a sua execução em cada consulta». Também formador deste curso, o Dr. Gustavo Reis, pneumologista no Hospital Distrital de Santarém, defende que «a asma brônquica carece de um acompanhamento próximo e atento». Nesse sentido, «pela relação mais estreita que estabelece com os doentes e pelo conhecimento sobre os seus antecedentes pessoais e familiares, além do diagnóstico, o médico de MGF desempenha um papel decisivo no seguimento dos doentes asmáticos». Além disso, «sendo quase sempre o médico a que o doente recorre em primeira instância, tem a oportunidade de o educar para a doença, identificar sinais e sintomas de um controlo inadequado e rever a adesão terapêutica e a execução da técnica inalatória, ajustando-a sempre que necessário». De facto, «a maioria dos doentes asmáticos é acompanhada pelo seu
Dr. Vítor Fonseca, Dr. Carlos Alves e Dr. Gustavo Reis
médico de família com excelentes resultados», evidencia Gustavo Reis.
ESCOLHA ACERTADA DO INALADOR Do ponto de vista terapêutico, «estão disponíveis dezenas de dispositivos inalatórios com múltiplas opções de princípios ativos, em monoterapia ou associação». No que concerne à terapêutica inalada, diz Gustavo Reis, «a escolha do inalador ombreia, em relevância, com a escolha dos princípios ativos». Afinal, «é absolutamente necessário que o doente esteja apto a realizar uma inalação eficaz para otimizar a deposição pulmonar dos fármacos». Opinião semelhante tem o Dr. Vítor Fonseca, pneumologista com experiência em Cuidados Intensivos no Hospital de Cascais Dr. José de Almeida e também preletor deste curso, ao reiterar que «a seleção do inalador mais adequado a cada doente é crucial para a boa adesão à terapêutica e para a eficaz deposição pulmonar do medicamento». De acordo com este especialista, são múltiplos os fatores que interferem na escolha do dispositivo inalatório, desde a idade do doente, o tempo
de atuação dos fármacos administrados em cada dispositivo, bem como a própria preferência do doente. «Um inalador que possa ser utilizado como terapêutica de controlo e de resgate, com a conjugação farmacológica mais eficaz e com os melhores índices de deposição pulmonar é o ideal para os nossos doentes», defende. O curso abordou «todas as classes de dispositivos inalatórios disponíveis em Portugal»: de pó seco (DPI, na sigla em inglês), pressurizados (MDI, na sigla em inglês), de nuvem suave e ativados pela inspiração (BTI, na sigla em inglês). Segundo Vítor Fonseca, esta última classe «veio superar muitas das limitações». «Ao possibilitar que o doente ative a inalação através da respiração, os BTI dispensam a utilização de câmara expansora e permitem ultrapassar erros ao nível da coordenação mão-pulmão.» Além disso, o fármaco com BTI disponível no mercado (Flutiform® K-haler®) «combina o melhor broncodilatador (formoterol) com o melhor corticoide inalado (propionato de fluticasona) existentes no arsenal terapêutico, assegurando deposições pulmonares iguais ou superiores às dos restantes inaladores».
Artigos científicos que reportaram erros críticos na utilização de inaladores pMDI (n= 26) pMDI com câmara expansora (n= 11)
25%
BTI (n= 3) DPI (n= 65)
62%
BTI: sigla em inglês para inaladores ativados pela inspiração; DPI: sigla em inglês para inaladores de pó seco; pMDI: sigla em inglês para inaladores pressurizados de dose calibrada
10% 3%
Adaptado de: Usmani O, et al. Critical inhaler errors in asthma and COPD: a systematic review of impact on health outcomes. Respiratory Research. 2018;19:10. DOI 10.1186/s12931-017-0710-y
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11 DE ABRIL (5.ª FEIRA)
Atualização em patologias digestivas Com enfoque nas novidades em termos de diagnóstico, tratamento e seguimento dos doentes com patologia digestiva, o Curso Prático de Atualização em Gastroenterologia, que decorreu ontem, com o apoio da Alfasigma, revisitou temas como doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), doença inflamatória intestinal (DII), distúrbios funcionais do intestino, microbiota intestinal, diverticulose e doença diverticular do cólon. Ana Rita Lúcio
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entrando-se na abordagem da DRGE, a Dr.ª Teresa Freitas, gastrenterologista no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/ /Espinho, começou por referir o «papel essencial da endoscopia digestiva alta», não só a nível do diagnóstico, mas também da estratificação da DRGE, com implicações terapêuticas, ao permitir «diferenciar a DRGE erosiva da não erosiva». Enquanto no primeiro caso o tratamento assenta nos inibidores da bomba de protões (IBP), no segundo caso a opção são os IBP ou os anti-H2 associados aos moduladores da dor. Na DRGE erosiva, «os IBP proporcionam a cicatrização das lesões em mais de 90% dos casos e são altamente eficazes no controlo dos sintomas». Reconhecendo a existência de controvérsias em torno da utilização destes fármacos, Teresa Freitas aconselha que se deve privilegiar «a dose mínima que permita ao doente manter-se assintomático e sem lesões». A propósito da DII, a Dr.ª Helena Vasconcelos, diretora do Serviço de Gastrenterologia do Centro Hospitalar de Leiria/Hospital de Santo André, coloca a tónica no diagnóstico. «É aí que continuamos a falhar, tanto em Portugal como um pouco por todo o mundo, nomeadamente no que toca ao tempo entre a manifestação dos sintomas e o estabelecimento do diagnóstico, que é claramente excessivo.» Segundo esta palestrante, tal acontece porque «a maioria dos indivíduos acometidos por esta patologia são jovens,
Prof.ª Conceição Calhau, Dr.ª Helena Vasconcelos e Dr.ª Teresa Freitas
pelo que o grau de suspeição e preocupação com o aparecimento de uma doença orgânica tende a ser menor». Por isso, «há alguma tendência para desvalorizar os sintomas e sinais de alarme, sobretudo os mais comuns, como a dor abdominal, que deveriam conduzir à realização de exames complementares de diagnóstico mais invasivos». Quanto aos distúrbios funcionais do intestino, Teresa Freitas destaca a alteração nos critérios clínicos de diagnóstico destes distúrbios: segundo os critérios Roma IV, a dor abdominal passa a ser considerada sintoma cardinal. «Enquanto, no passado, bastava haver desconforto abdominal associado a diarreia ou obstipação e ausência de sintomas de alarme para se falar em síndrome do intestino irritável [SII], agora, a presença de dor é indispensável ao diagnóstico.» Realçando a importância da relação médico-doente na explicação Dor localizada
dos sintomas, e da alteração de estilos de vida e da dieta, esta gastrenterologista esclarece ainda que o «avanço mais substancial no tratamento da SII variante diarreia e diarreia funcional foi o recurso aos probióticos e à rifaximina». Este curso incidiu também sobre a diferença entre diverticulose e doença diverticular do colón. Helena Vasconcelos explica que «a diverticulose corresponde à presença de divertículos e é uma entidade muito frequente na população portuguesa». E acrescenta: «Os divertículos não constituem doença quando não complicam, pelo que há um diagnóstico, mas não é necessário tratamento». Em caso de complicação, surge o cenário de doença diverticular, que já «exige abordagem terapêutica» A entidade doença diverticular não complicada faz diagnóstico diferencial com a síndrome do intestino irritável (ver tabela).
Alívio da dor
Trânsito intestinal
Duração da dor
Síndrome do intestino irritável
Difusa
Com as dejeções
Diarreia ou obstipação
< a 24h
Doença diverticular não complicada
Fosse ilíaca esquerda
Sem relação
Diarreia
> a 24h
Adaptado de: Cremon C., et al. Diagnostic challenges of symptomatic uncomplicated diverticular disease. Minerva Gastroenterologica e Dietologica. 2017 June;63(2):119-29.
Microbiota intestinal: um novo alvo terapêutico
O curso contou ainda com a intervenção da Prof.ª Conceição Calhau, docente de Nutrição e Metabolismo na Nova Medical School/Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa e investigadora no CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, no Porto, que falou sobre a importância da microbiota intestinal na saúde humana, particularmente na saúde digestiva. Esta especialista defende que «é fundamental respeitar a simbiose entre o ser humano e os microrganismos da sua microbiota intestinal». Afinal, «sabe-se hoje que a disbiose (desequilíbrio da microbiota intestinal) está relacionado com o surgimento de muitas das patologias mais prevalentes, como a obesidade, a diabetes, as doenças cardiovasculares, o cancro e até certas doenças mentais». Conceição Calhau chama também a atenção para outro hot topic: a SIBO (small intestinal bacterial overgrowth), «uma entidade que decorre de um supercrescimento bacteriano que, no entender de muitos especialistas, permanece amplamente subdiagnosticado». Segundo esta preletora, a evidência sugere que «a SIBO é um dos problemas subjacentes, de forma transversal, a sintomas como inchaço, dor e distensão abdominal, muitas vezes inadequadamente associados à intolerância à lactose e/ou ao glúten».
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11 DE ABRIL (5.ª FEIRA)
Infeções com impacto na saúde pública Com enfoque nas hepatites víricas e na infeção pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH), o Curso Prático de Atualização em Infeções com Impacto na Saúde Pública, que decorreu ontem, com o apoio da Gilead, destacou o contributo da Medicina Geral e Familiar (MGF) para a prevenção, o diagnóstico e o seguimento destas patologias. Ana Rita Lúcio
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primeira parte da formação incidiu sobre os diferentes tipos de hepatites víricas, o seu diagnóstico, a sua evolução clínica expectável e as opções de manejo e tratamento destes casos. Quanto ao diagnóstico, «antes de mais, há que perceber se se trata de uma hepatite aguda ou crónica», indica o Dr. Tiago Marques, preletor neste curso e infeciologista no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria. O diagnóstico diferencial é também «decisivo para excluir outras doenças hepáticas agudas com manifestações semelhantes às das hepatites víricas, como as doenças hepáticas autoimunes ou as hepatites tóxicas». Sintomas como mal-estar, dor abdominal na região do hipocôndrio direito e icterícia são comuns a estas situações, assim como, analiticamente, a elevação dos marcadores hepáticos. No entanto, «a existência de marcadores virais negativos legitima a suspeita de outras patologias que não as hepatites víricas». Tiago Marques explica que «as hepatites A, B e E são, habitualmente, doenças agudas». Ao passo que a hepatite B crónica é também «relativamente comum», a hepatite A «não tem formas crónicas» e a hepatite E tem, mas «são muito raras». Além disso, as hepatites A e E «não dispõem de tratamento específico», sendo controladas por
Dr. Tiago Marques e Dr. Nuno Janeiro
«A existência de marcadores virais negativos legitima a suspeita de outras patologias que não as hepatites víricas» Dr. Tiago Marques meio de medidas sintomáticas. No que toca à prevenção, «a vacina contra a hepatite A, que pode ser prescrita pelos médicos de MGF, deve ser recomendada, nomeadamente a viajantes para países endémicos, profissionais de creches ou escolas, indivíduos com práticas de risco ou com doença hepática de base». De acordo com este orador, na abordagem da hepatite B crónica, importa identificar se existe ou não lesão hepática. «Se não houver, o seguimento pode ser apenas de vigilância; caso exista lesão
Marcadores do VHB na infeção e pós-vacinação Ag HBs +
Ag HBs -
Infeção aguda
Infeção crónica
Resolução com imunidade natural
Após vacinação
Ac HBc + (IgM)
Ac HBc + (IgG)
Ac HBs +
Ac HBs +
Ac HBc +
Ac HBc -
O anticorpo HBc só existe após infeção por VHB e não se desenvolve com a vacinação
Ag HBs: antigénio de superfície da hepatite B; Ac HBc: anticorpo core da hepatite B; Ac HBs: anticorpo de superfície da hepatite B; IgM: imunoglobulina M; VHB: vírus da hepatite B
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hepática, sobretudo com carga viral elevada, o doente deve ser encaminhado para a consulta de hepatologia.» Ainda a respeito dos casos que exigem referenciação para os cuidados hospitalares, Tiago Marques menciona «todos os doentes com hepatite C, bem como os doentes com hepatite B crónica e suspeita de fase replicativa».
INFEÇÃO PELO VIH: ACOMPANHAMENTO NOS CSP A propósito da segunda parte do curso, dedicada à infeção pelo VIH, o Dr. Nuno Janeiro, infeciologista no Hospital das Forças Armadas/Polo de Lisboa, realça «o papel relevante dos médicos dos cuidados de saúde primários [CSP] no acompanhamento destes doentes, que têm hoje uma esperança e uma qualidade de vida semelhantes à da população em geral, levando a que se debatam com questões de saúde mais simples, que não requerem necessariamente a ida ao hospital». Este especialista frisa também que, «nas últimas décadas, o tratamento da infeção pelo VIH tem vindo a sofrer avanços tão significativos que, atualmente, os doentes que cumprem adequadamente a terapêutica mantêm a carga viral indetetável, o que inviabiliza a transmissão do vírus a outras pessoas». Por conseguinte, isso «pode ajudar a quebrar alguns dos estigmas sociais associados a esta infeção, que é cada vez mais encarada como uma doença crónica». Contudo, «continua a ser necessário colocar a tónica na prevenção, o que também deve contar com o contributo ativo dos médicos de MGF», advoga Nuno Janeiro. Neste âmbito, além de outras medidas, o curso deu enfoque à profilaxia pré e pós-exposição. Também em evidência nesta formação estiveram «as possíveis interações medicamentosas entre os agentes antirretrovirais e outros fármacos, para as quais os médicos dos CSP também devem estar alerta».
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11 DE ABRIL (5.ª FEIRA)
Abordagem prática da insuficiência cardíaca Enquadrar a insuficiência cardíaca (IC) no contínuo cardiovascular e saber como diagnosticar, como tratar e quando referenciar para a Cardiologia os doentes com esta patologia foram os principais objetivos do Curso de Prático de Atualização em Insuficiência Cardíaca, que decorreu ontem, com o apoio da Servier. Luís Garcia
A
cada ano que passa, à medida que a população portuguesa envelhece, a IC torna-se mais prevalente. Segundo o Dr. Carlos Rabaçal, um dos formadores deste curso e diretor do Serviço de Cardiologia do Hospital de Vila Franca de Xira, este aumento da prevalência tem colocado – e bem, na sua opinião – a IC na ordem do dia. «A Sociedade Portuguesa de Cardiologia tem feito um trabalho importante de alerta e de influência junto das autoridades de saúde, para que haja uma política homogénea de norte a sul do país, que enquadre estes doentes numa rede de cuidados que passa pelos hospitais e pelos cuidados de saúde primários [CSP]», refere o cardiologista. Na opinião de Carlos Rabaçal, os médicos de Medicina Geral e Familiar (MGF) desempenham um papel central no diagnóstico, no tratamento e na referenciação dos doentes com IC para os cuidados hospitalares. Por isso, importa «desmistificar muitos dos receios que estes médicos ainda têm quanto ao tratamento desta doença». Segundo o outro preletor deste curso, Dr. Gonçalo Proença, que coordena a Unidade de Cardiologia do Hospital de Cascais, a primeira ideia a
Dr. Carlos Rabaçal e Dr. Gonçalo Proença
reter desta formação é o contínuo cardiovascular (CV). «Muito antes de a IC se manifestar por sintomas e nas técnicas de imagem, tudo começa com os fatores de risco da doença CV.» Assim, a análise dos fatores de risco CV é também um dos pontos fundamentais da história clínica com vista ao diagnóstico de IC, para o qual Gonçalo Proença sugere que os médicos de MGF se baseiem no algoritmo proposto nas recomendações de 2016 da European Society of Cardiology. «Vale a pena fazer uma semiologia exigente e pesquisar alguns fatores de risco. Em termos de meios complementares de diagnóstico, o eletrocardiograma continua a ser importante, uma vez que é raro dar resultados normais quando existe IC», ressalva este cardiologista.
ATUAÇÃO TERAPÊUTICA Já no âmbito do tratamento, a abordagem multidisciplinar e a atenção aos períodos de maior vulnerabilidade dos doentes são os primeiros pontos
NYHA I
NYHA II
NYHA III
NYHA IV
Declínio crónico
Mortalidade
Função cardíaca e qualidade de vida
Progressão da insuficiência cardíaca
Morte súbita
Progressão da doença
Episódios agudos
NYHA: classe funcional da New York Heart Association Adaptado de: : Fonseca C, et al. Rev Port Cardiol. 2017;36(1):1-8 e Gheorghiade M, et al. Am J Cardiol. 2005;96:11G-17G
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destacados por Gonçalo Proença, nomeadamente no pós-internamento hospitalar. «O risco de morte no primeiro mês após a alta hospitalar duplica relativamente aos meses subsequentes. Acresce que 25 a 30% dos doentes têm necessidade de ser novamente internados ao fim de um mês. Por isso, é muito importante que alguém avalie o doente neste período crítico.» Outra mensagem que este cardiologista evidencia é que a estabilidade clínica do doente não significa um bom prognóstico. «A maior parte dos doentes acompanhados nos CSP estão na classe 2 da classificação funcional da New York Heart Association [NYHA]. Trata-se de doentes que sentem cansaço ou falta de ar aquando de esforços com alguma intensidade e que, por não estarem muito sintomáticos, são, por vezes, percecionados pelo médico como tendo menor risco. Isto é absolutamente errado. A mortalidade neste grupo de doentes pode chegar a 20% ao ano, tendo como principal causa a morte súbita», frisa. Gonçalo Proença enfatiza também a importância de cumprir as guidelines. «Estudos observacionais mostram que o grau de cumprimento da toma dos medicamentos-chave na modificação da história natural da doença é reduzido. No entanto, está demonstrado que utilizá-los é uma atitude custo-efetiva.» A mais recente terapêutica para a IC é o sacubitril/valsartan, «o primeiro fármaco a demonstrar eficácia na modulação do sistema dos péptidos natriuréticos, através da inibição da neprisilina». Dos resultados do estudo PARADIGM-HF, que testou o sacubitril/valsartan versus o enalapril (um inibidor da enzima de conversão da angiotensina – IECA), Gonçalo Proença salienta a redução em cerca de 20% do endpoint primário, que é composto por mortalidade CV e internamentos por IC, com um número necessário para tratar reduzido. «Isto quer dizer que conseguimos evitar um evento CV por cada 25 a 30 doentes com IC, o que é ótimo.»
Doenças oftalmológicas que a MGF diagnostica e trata Munir os médicos de Medicina Geral e Familiar (MGF) das ferramentas necessárias para identificar e debelar as doenças oftalmológicas mais frequentes no dia-a-dia dos cuidados de saúde primários (CSP) foi o propósito da sessão vídeo-televoter de Oftalmologia, que se realizou ontem, com o apoio da Théa Portugal. Ana Rita Lúcio
A
Dr.ª Eliana Neto, oftalmologista no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte/ /Hospital de Santa Maria (CHULN/HSM), começou por afirmar que «a visão é um órgão sensorial primordial e ocupa um lugar de destaque na vida de todos». Como nota a outra preletora da sessão, Dr.ª Inês Leal, também oftalmologista no CHULN/HSM, as patologias oculares que ontem estiveram em análise «são as mais comuns na esfera da Oftalmologia, grande parte delas de caráter infecioso», pelo que os médicos dos CSP são frequentemente confrontados com estes casos, estando «na primeira linha» da sua resolução. «Por terem baixa gravidade, serem de fácil diagnóstico e não requererem meios complementares de diagnóstico e terapêutica específicos da Oftalmologia, algumas destas patologias podem ser facilmente detetadas e tratadas nos CSP, o que, desde logo, permite que o acesso do doente ao diagnóstico e ao tratamento seja muito mais célere», defende Inês Leal. Nesse sentido,
A hemorragia subconjuntival é uma das patologias oftalmológicas que podem ser diagnosticadas e tratadas pelos cuidados de saúde primários
Dr.ª Inês Leal e Dr.ª Eliana Neto
«Não há necessidade de o doente recorrer à urgência hospitalar para que a conjuntivite seja bem tratada» Dr.ª Eliana Neto iniciativas formativas como esta «são úteis», na medida em que visam «dotar os médicos de MGF de ferramentas concretas, conhecimentos e até confiança para realizar o diagnóstico oftalmológico e instituir terapêutica». Entre as doenças agudas abordadas na sessão, «as conjuntivites mereceram especial destaque, precisamente por serem muitíssimo frequentes e motivarem a procura de ajuda, em primeiro lugar, junto do médico de família», fundamenta Eliana Neto. Com efeito, geralmente, «não há necessidade de o doente recorrer à urgência hospitalar para que a patologia seja bem tratada, pois tal pode ser assegurado pelos CSP». A respeito das conjuntivites, esta oftalmologista lembra ainda que a sua etiologia mais comum é bacteriana ou viral. O diagnóstico pode ser realizado «apenas com base nos sintomas verificados e numa observação à luz difusa». Por sua vez, «a resposta terapêutica passa quase sempre pela antibioterapia, sendo que, no caso da conjuntivite viral, poderá ser necessário associar a administração de lubrificantes ou anti-inflamatórios». Eliana Neto adverte ainda que, apesar de o diagnóstico e o tratamento da conjuntivite bacteriana serem «relativamente lineares», se esta
infeção ocorrer em indivíduos portares de lentes de contacto com lesões na córnea, nomeadamente úlceras, «é mandatória a referenciação para a Urgência de Oftalmologia». O mesmo se aplica às conjuntivites virais desencadeadas por alguns tipos de vírus particularmente agressivos, que fazem com que a patologia se prolongue por mais tempo e atravesse diferentes fases. «Nas fases mais avançadas, na presença de determinados fatores de risco, o ajuste terapêutico, que envolve a administração de corticosteroides, deve ser feito pelo oftalmologista», recomenda Eliana Neto.
Ideias a reter A Dr.ª Inês Leal recapitula as mensagens-chave da sessão de Oftalmologia: patologia oftalmológica é frequente A em todas as faixas etárias; oa parte das doenças oculares que B surgem na consulta de MGF manifestam-se por olho vermelho; anamnese cuidada permite, muitas A vezes, uma orientação diagnóstica eficaz; E m Oftalmologia, do ponto de vista terapêutico, a abordagem tópica/local é bastante comum; prescrição de corticoterapia tópica A tem alguns perigos e condicionantes que devem ser considerados; E m determinados casos, a prescrição de colírios sem conservantes revela-se importante. 15
11 DE ABRIL (5.ª FEIRA)
«Os antibióticos podem danificar a microbiota» O «fascinante mundo novo» do microbioma foi ontem trazido ao Update em Medicina pelo Dr. António Pedro Machado, internista e presidente das Comissões Científica e Organizadora do evento, numa sessão que aflorou o papel protetor dos microrganismos que colonizam o ser humano e o impacto negativo que os alimentos e os fármacos ingeridos podem ter sobre a microbiota. É por isso que o também coordenador científico do Update em Medicina enfatiza a necessidade de cautela na prescrição de antibióticos e de apostar numa alimentação orgânica e rica em fibra. Ana Rita Lúcio e Luís Garcia
O que se sabe hoje sobre a influência das alterações da microbiota na saúde? Começamos a perceber as alterações causadas pela disbiose, que têm origem molecular, e a sua associação a doenças. Por exemplo, sabemos há muito que a diabetes mellitus tipo 1 é uma doença autoimune, mas investigações mais recentes, já bem sustentadas, relacionam-na com alterações da microbiótica. O mesmo relativamente à doença inflamatória do intestino, ao lúpus e até à aterosclerose, cuja componente microinflamatória parece estar relacionada com a passagem de alguns microrganismos para as placas de gordura.
nosso apetite por este ou aquele alimento. Isto leva-nos a pensar que temos de privilegiar alimentos ricos em fibra e orgânicos, com menos pesticidas.
«Está também demonstrado que o transplante de fezes de pessoas magras para obesos faz com que estes emagreçam»
O que motivou a realização de uma sessão dedicada ao microbioma?
A alimentação interfere sobre a microbiota?
A microbiota também pode ser prejudicada pela ingestão de fármacos?
Queremos trazer ao Update em Medicina, em cada ano, pelo menos um tema emergente. É este o caso. Embora sejam utilizados, frequentemente, como sinónimos, o microbioma e a microbiota são realidades distintas. A microbiota humana é constituída por todos os microrganismos (bactérias, vírus, fungos, etc.) alojados no nosso corpo, sobretudo no intestino, mas também na pele e na cavidade oral, por exemplo. O microbioma, por sua vez, é o conjunto dos genes de todos estes organismos. O ADN [ácido desoxirribonucleico] humano tem cerca de 20 mil genes, mas o microbioma tem cerca de 3 milhões.
Claro que sim. Os microrganismos que alojamos são essenciais à digestão e sofrem influência dos alimentos ingeridos. Por exemplo, um indivíduo que come muitos hidratos de carbono tem uma microbiota distinta de outro que come mais alimentos ricos em fibra. Está também demonstrado que o transplante de fezes de pessoas magras para obesos faz com que estes emagreçam e ganhem uma diversidade muito maior da sua microbiota e do seu microbioma – e vice-versa. Por outro lado, a microbiota tem impacto na resposta em termos de armazenamento de calorias e, curiosamente, também se começa a perceber que influencia o
A microbiota vai-se alterando ao longo do tempo, em função da alimentação, mas também dos tratamentos que fazemos. Um caso paradigmático são os antibióticos, que nos exigem muito cuidado também a este nível. Quando utilizamos estes fármacos, temos como alvo o agente que causa a infeção, mas devemos ter a noção de que estamos a causar danos colaterais. Em Portugal, abusa-se dos antibióticos de largo espectro. Claro que, em certas situações, precisamos de utilizá-los, mas, se formos mais criteriosos, além de prevenirmos o desenvolvimento de resistências, estamos a evitar danos na microbiota.
Terapêutica mediada pela microbiota intestinal Exemplos clínicos e pré-clínicos
Transplante de fezes
Inibição da síntese da trimetilamina microbiana
Bacteroides fragilis
Várias espécies comensais
Escherichia coli geneticamente modificada
Suplementação probiótica precoce
Infeção por Clostridium difficile
Aterosclerose
Ansiedade
Cancro
Adiposidade
Ilhotas Langerhans (Autoimunidade)
Microbiota intestinal e comensais específicos como preventivos potenciais ou agentes terapêuticos Estudos clínicos
Estudos pré-clínicos (em rato)
Adaptado de: N Engl J Med. 2016;375:2369-79.
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«A maioria das vulvovaginites agudas são observadas nos cuidados de saúde primários» Em entrevista a propósito da preleção «Vulvovaginites: diagnóstico rápido e tratamento», que apresentou ontem, o Dr. Pedro Vieira Baptista, ginecologista no Centro Hospitalar Universitário de São João, no Porto, e secretário-geral da International Society for the Study of Vulvovaginal Disease, menciona alguns dos pressupostos que devem nortear a abordagem diagnóstica e terapêutica deste conjunto de patologias tão presentes na prática clínica da Medicina Geral e Familiar (MGF). Ana Rita Lúcio Porque é pertinente abordar o tema das vulvovaginites num congresso sobretudo dirigido à MGF? Desde logo, porque se trata de um conjunto de patologias muito comuns. No âmbito da Ginecologia, estima-se que as queixas vulvovaginais representem 60% dos motivos de consulta urgente. Não obstante, a maior parte das vulvovaginites agudas são observadas nos cuidados de saúde primários, pelo que faz todo o sentido abordar este tema junto da MGF.
Que aspetos devem ser tidos em conta para um diagnóstico rápido? Em primeiro lugar, há que discutir se, de facto, é possível realizar um diagnóstico rápido, que pode ser substancialmente facilitado se nos munirmos de instrumentos tão simples como a microscopia ou a determinação do pH. No entanto, o recurso a estas técnicas não está amplamente disseminado. Outra questão que urge debater é que, frequentemente, os exames culturais são requisitados de forma indiscriminada, motivando medidas terapêuticas desnecessárias. São raras as situações
em que se justifica o recurso a esta ferramenta e, na maior parte dos casos, o potencial que tem de causar problemas é muito superior ao de contribuir para a sua resolução. Adicionalmente, estamos a assistir ao advento de novas técnicas diagnósticas, nomeadamente no âmbito da Biologia Molecular. Embora o acesso às mesmas ainda seja dispendioso e limitado, creio que estas armas se revelarão extremamente úteis, no futuro.
Que outros desafios se colocam no âmbito das vulvovaginites? Nem tudo se resume a candidíase ou candidose. Na prática clínica diária, por vezes, há alguma tendência para simplificar, dividindo as vulvovaginites, essencialmente, em três grandes áreas: candidíase, vaginose bacteriana e tricomoniase. Isso é claramente insuficiente. Há muitos outros quadros para além destes, que não devem ser esquecidos.
A que sinais o médico deve estar particularmente atento? Logo à partida, há um aspeto que me parece determinante: o prurido e o ardor não são sin-
Diagnóstico diferencial Pedro Vieira Baptista chama ainda a atenção para o facto de os sintomas tipicamente associados às vulvovaginites serem «pouco específicos», podendo corresponder também a quadros de dermatose, infeções cutâneas e até lesões malignas, como cancro da vulva. De igual modo, o ginecologista sublinha que, «nas mulheres pós-menopáusicas e nas crianças, as candidíases são muito raras». Por isso, «até prova em contrário, deve-se suspeitar de outras patologias, algumas das quais com potencial de gravidade, sobretudo em doentes com idades mais avançadas».
tomas equivalentes. Por vezes, desvaloriza-se a distinção entre prurido e ardor, mas trata-se de uma diferença muito significativa e que nos pode orientar em sentidos completamente distintos. Por norma, o ardor é uma queixa mais preocupante e difícil de debelar do que o prurido. Por outro lado, as características em termos de cor, aspeto e odor do corrimento também são pistas relevantes e que nos podem guiar. Contudo, ainda que este raciocínio seja útil, não se aplica em todas as circunstâncias. Existem casos com apresentações muito semelhantes, nos quais a descrição do corrimento é idêntica, mas que representam quadros completamente distintos. Por isso, é preciso rejeitar a ideia preconcebida de que as queixas associadas a determinado tipo de corrimento correspondem, necessariamente, a um diagnóstico. A realidade não é assim tão linear.
Do ponto de vista terapêutico, que mensagens há a salientar?
Vaginose citolítica
Candidose
Normal
Nos últimos anos, progrediu-se muito pouco no campo do tratamento das vulvovaginites, mas há pequenos truques e dicas que podem ser úteis, designadamente na orientação das candidíases recorrentes. O papel dos probióticos tem estado em voga ultimamente, mas é necessário definir as situações em estes agentes podem ou não ser úteis. Além disso, não se deve ter receio de optar por tratamentos prolongados, quando estes são necessários.
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11 DE ABRIL (5.ª FEIRA)
Conselhos práticos para o tratamento com antibióticos A sessão televoter «Guia prático de antibioterapia», que fechou o programa de ontem, evidenciou algumas infeções menos comuns na prática clínica, mas igualmente relevantes, como a febre Q ou a doença provocada pelo arranhão do gato. Foi também destacada a necessidade de robustecer o combate às resistências bacterianas, fomentando a adoção de políticas de prescrição antibiótica mais responsáveis e criteriosas. Ana Rita Lúcio
O
Dr. Manuel Ferreira Gomes, orador nesta sessão e internista no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria (CHULN/HSM), afirma que o facto de a antibioterapia continuar a marcar presença no programa científico do Update em Medicina reflete «a atenção crescente que se deve dedicar às infeções». Isto porque, além de estarem entre as patologias mais prevalentes em Portugal, «as infeções motivam grande parte das idas às unidades de saúde, tanto dos cuidados primários como dos hospitalares, sendo também responsáveis por uma percentagem significativa dos internamentos», explica o internista. Paralelamente, tendo em conta que o advento de agentes microbianos multirresistentes tem vindo a constituir-se como «um problema de saúde pública cada vez mais inquietante», esta sessão mantém-se firme no compromisso de «sensibilizar os clínicos e, através deles, a população para a importância de promover um uso mais racio-
Dr. Tiago Marques e Dr. Manuel Ferreira Gomes
nal dos antibióticos». Entre as conceções menos corretas que urge desmistificar, Manuel Ferreira Gomes destaca «a tendência para associar automaticamente febre a infeção, o que nem sempre se verifica». Por outro lado, «é também essencial saber diferenciar as abordagens que devem ser feitas às infeções virais e às infeções bacterianas», sem esquecer que só neste último caso se justifica o recurso à antibioterapia. Quanto aos casos clínicos que foram analisados ao longo da sessão, o destaque recaiu sobre «infeções menos frequentes na prática clínica diária, mas nem por isso menos relevantes», frisa Manuel Ferreira Gomes. É o caso das zoonoses, que são transmitidas através do contacto com animais, como a febre Q, que é causada pela bactéria gram-negativa Coxiella burnetii (ver caixa), ou a doença provocada pela arranhadura do gato.
Sobre a febre Q O agente causal é um cocobacilo Gram-negativo Coxiella burnetii (na imagem); R eservatórios principais: gado bovino, ovino e caprino; T ransmissão por inalação de poeiras contaminadas; 1 0 a 20 dias de incubação; E xiste a febre Q aguda e febre Q crónica; S intomas principais: cefaleias, febre, fadiga, afeções pulmonares acompanhadas de tosse, expetoração e toracalgia. Nos países mediterrânicos, como Portugal, é também comum a forma hepática, com febre, cefaleias, leucopenia e alteração das provas hepáticas; D iagnóstico: testes serológicos (imunofluorescência indireta, fixação de complemento); A serologia inicial pode ser negativa; T ratamento: doxiciclina e, em alternativa, quinolonas; B aixa mortalidade (até 4%).
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DR
Segundo o internista, é oportuno debater estas infeções porque uma parte substancial população portuguesa vive em ambiente rural e existe um número cada vez maior de pessoas que, mesmo em ambiente urbano, têm contacto com animais de estimação. Em caso de suspeita de uma zoonose, «antes de mais, há que identificar qual o animal envolvido e que tipo de contacto houve com o mesmo – se esteve em causa, por exemplo, uma mordedura ou uma arranhadura, visto que essa informação vai influenciar a decisão terapêutica».
PRESCREVER NO PRESENTE SEM COMPROMETER O FUTURO Nesta sessão foi também orador o Dr. Tiago Marques, infeciologista no CHULN/HSM, para quem «a antibioterapia é um tema que nunca está desatualizado». E alerta: «É necessário sermos mais incisivos no combate às resistências aos antibióticos, pugnando pela adoção de políticas de prescrição mais responsáveis e criteriosas. Se não o fizermos, corremos o sério risco de, dentro de alguns anos, não dispormos de antibióticos para tratar determinados doentes.» Segundo este especialista, deve imperar a preocupação de «prescrever antibióticos no presente sem comprometer a sua eficácia no futuro». A consecução desse objetivo deve alicerçar-se em atitudes como «não prescrever antibióticos quando estes não são a terapêutica mais indicada ou por um período de tempo e/ou dosagens superiores ao estritamente necessário». Igualmente imperativa é a seleção adequada do antibiótico a utilizar após a confirmação diagnóstica. «Sempre que possível, deve-se procurar substituir a prescrição de antibióticos de largo espectro por outros de espectro mais dirigido», aconselha também Tiago Marques.
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12 DE ABRIL (6.ª FEIRA)
Consulta de insuficiência cardíaca ao vivo Para explicar a abordagem de um caso de insuficiência cardíaca (IC) acompanhado nos cuidados de saúde primários (CSP), nada como simular a interação entre o médico e o doente, dando pistas sobre o diagnóstico e o tratamento em cada fase da doença. É precisamente isso que se vai passar na primeira sessão desta sexta-feira, entre 9h00 e as 10h30. Luís Garcia
N
esta sessão do Update em Medicina, o papel do doente com IC será interpretado pelo Dr. Luís Bimbo, especialista em Medicina Geral e Familiar (MGF) em Borba; o médico de família será o Dr. Carlos Rabaçal, diretor do Serviço de Cardiologia do Hospital de Vila Franca de Xira. Ao Dr. António Pedro Machado, internista e presidente das Comissões Científica e Organizadora do Update em Medicina 2019, caberá o papel de narrador, dando orientações não tanto aos «atores», mas sobretudo à assistência. «Vamos simular algumas das consultas do doente, selecionadas ao longo dos anos, por forma a proporcionar à audiência a vivência da evolução da cardiopatia, desde a fase de disfunção ventricular esquerda assintomática até à IC incapacitante; dos sintomas e sinais de IC; da modificação da cardiopatia estrutural; da degradação progressiva da função ventricular esquerda; e das estratégias terapêuticas a adotar em cada consulta», explica
Dr. António Pedro Machado, Dr. Carlos Rabaçal e Dr. Luís Bimbo
«Os médicos de MGF devem estar atentos aos primeiros sinais e sintomas da IC, para pedirem os exames essenciais de diagnóstico, iniciarem o tratamento e distinguirem os casos que necessitam de ser encaminhados para os cuidados hospitalares» Dr. Carlos Rabaçal António Pedro Machado. Na fase da IC com fração de ejeção diminuída, será ensaiada a utilização plena dos fármacos modificadores de prognóstico e a evolução da terapêutica para o fármaco sacubitril/valsartan. Na sessão, António Pedro Machado vai explicar o mecanismo de ação e os cuidados a ter com esta nova terapêutica, como sejam a necessidade de
Sintomas humorais na insuficiência cardíaca Sistema dos péptidos netriuréticos
Sistema nervoso simpático
Sacubitril
Betabloqueador
Sistema reninaangiotensina-aldosterona
Valsartan Espironolactona
Mortalidade Morbilidade
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se fazer um washout de 36 horas para a substituição do IECA por sacubitril/valsartan, a eventual necessidade da diminuição da dose do diurético de ansa (dado o efeito diurético e natriurético do sacubitril), a seleção da dose inicial de sacubitril/ /valsartan e os cuidados a ter com a função renal e a pressão arterial do doente.
PREPARAR A MGF PARA A «AVALANCHE DE DOENTES» Por sua vez, Carlos Rabaçal enfatiza a importância de preparar os médicos dos CSP para receber a grande quantidade de doentes com IC que já existe em Portugal e que tenderá a aumentar nos próximos anos. «Os médicos hospitalares são insuficientes face à avalanche de doentes que têm esta patologia. Temos de contar com os colegas da MGF, que devem estar atentos aos primeiros sinais e sintomas, para pedirem os exames essenciais de diagnóstico, iniciarem o tratamento e distinguirem os casos que necessitam de ser encaminhados para os cuidados hospitalares», defende. De acordo com a experiência deste cardiologista, as principais dúvidas dos médicos de MGF prendem-se com a valorização dos sintomas e sinais apresentados pelos doentes, que podem ser compagináveis com o diagnóstico de IC. Já no que respeita ao tratamento, Carlos Rabaçal sublinha que não deve haver receio: «As guidelines nacionais e internacionais enquadram a utilização de fármacos que, em muitos casos, os médicos de família já utilizam para outras doenças.»
«Os tumores cutâneos são muito frequentes na prática clínica dos cuidados de saúde primários»
Os médicos dos cuidados de saúde primários (CSP) «têm um papel determinante na promoção da saúde da pele, na vigilância, no diagnóstico e na referenciação em caso de tumores cutâneos». Quem o afirma é a Dr.ª Ana Isabel Pinto, dermatologista no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte//Hospital de Santa Maria, que, nesta entrevista, adianta os principais tópicos que vai apresentar na sessão televoter de Dermatologia, entre as 11h30 e as 13h00. Ana Rita Lúcio Os tumores cutâneos surgem com frequência na prática clínica dos CSP?
Quais são os principais desafios do diagnóstico na atualidade?
Sim, são muito frequentes. Além disso, a maioria dos tumores que vamos abordar nesta sessão são mais frequentes na população envelhecida, que é a que mais recorre aos CSP. Com maior destaque vamos abordar os tumores cutâneos queratinocíticos e melonicíticos mais comuns: benignos, pré-malignos e malignos. Dentro dos tumores malignos, vamos analisar o cancro cutâneo não melanoma e o melanoma.
Uma das principais dificuldades prende-se com o diagnóstico diferencial entre patologia benigna e maligna. Cada tumor adquire, classicamente, determinadas características clínicas que devem ser reconhecidas. Nesta sessão, vamos referir as diferentes formas clínicas que cada tumor pode assumir, de modo a contribuir para a melhoria do diagnóstico diferencial. Por vezes, detetar os tumores cutâneos é um desafio, mesmo para os dermatologistas, quando existem formas clínicas mais atípicas. Em caso de dúvida clínica sobre o potencial de malignidade de determinada lesão cutânea, o médico de família deverá sempre referenciar o caso, para que seja realizada uma avaliação pelo dermatologista, que tem ao seu dispor outros meios complementares de diagnóstico.
Que papel cabe aos médicos de Medicina Geral e Familiar no diagnóstico e no tratamento destes tumores? O seu papel assenta, sobretudo, na promoção da saúde cutânea, na vigilância, no diagnóstico precoce da patologia maligna e respetiva referenciação hospitalar. O tratamento, por seu turno, cabe aos dermatologistas, muitas vezes em colaboração com colegas de outras especialidades.
DR
Carcinoma basocelular nodular: nódulo eritematoso com aspeto perolado e telangiectasias na asa esquerda do nariz
e sensibilidade alterada. A vigilância cutânea é fundamental para a deteção precoce dos tumores malignos e a referenciação atempada dos doentes, melhorando o seu prognóstico.
Que sinais e sintomas são sugestivos de tumor cutâneo maligno?
Quando a referenciação é necessária, a articulação entre os CSP e os cuidados hospitalares funciona adequadamente ou há ainda arestas por limar a esse nível?
No caso do cancro não melanoma, devem ser referenciados para a Dermatologia os doentes com qualquer nódulo, placa ou úlcera persistentes, particularmente em áreas fotoexpostas, incluindo os lábios, em áreas de radiodermite, em cicatrizes de queimaduras antigas e nos genitais, sobretudo em doentes com fotótipos baixos e histórico de profissões/ocupações de risco. Em relação ao melanoma, a mnemónica ABCDE continua a ser uma ferramenta importante para auxiliar o diagnóstico precoce, sendo que o A se refere a assimetria da lesão, B ao bordo irregular, C à cor heterogénea, D ao diâmetro (superior a 5 mm) e E à evolução brusca da morfologia. Estes critérios aplicam-se sobretudo no melanoma de extensão superficial, havendo autores que sugerem a continuação do sistema com E (elevado), F (firme) e G (do inglês growing), para aumentar a acuidade diagnóstica no melanoma nodular. Outros critérios tardios que devem suscitar alarme são: inflamação, exsudação, hemorragia, prurido, dor
No que respeita à patologia tumoral, a articulação entre os CSP e o centro hospitalar onde exerço funciona adequadamente, através do estabelecimento de um grau de priorização de consulta, atendendo à informação clínica fornecida pelo médico de família. Neste contexto, é fundamental que se explicite a idade do doente, o fototipo, o tempo de evolução do tumor, o seu tamanho, a localização, a existência ou não de ulceração ou de sintomas associados, como dor ou parestesias, bem como a suspeita diagnóstica. A patologia tumoral maligna tem prioridade em relação à patologia cutânea benigna, nomeadamente inflamatória. A abordagem aos diferentes tumores malignos também deve ser priorizada, de acordo com a suspeita clínica: por exemplo, um doente com suspeita de melanoma maligno é avaliado de forma mais célere do que outro com suspeita de carcinoma basocelular. Portanto, a colaboração do médico de família é crucial na definição do grau de urgência da observação e na orientação de cada caso.
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12 DE ABRIL (6.ª FEIRA)
Diabetes: das recomendações à prática clínica
Dr.ª Susana Heitor e Dr. Carlos Simões-Pereira
Dr. João Jácome de Castro
As novas orientações nacionais e internacionais para o tratamento da diabetes mellitus tipo 2 (DMT2) trouxeram novidades importantes, como a ênfase na seleção da terapêutica em função da doença aterosclerótica, da insuficiência cardíaca (IC) ou da insuficiência renal estabelecidas. Na sessão que decorre entre as 15h00 e as 16h30, a discussão de casos clínicos ajudará a perceber como aplicar as recomendações na prática diária. Luís Garcia
O
ponto central desta sessão são as orientações conjuntas da American Diabetes Association (ADA) com a European Association for the Study of Diabetes (EASD) para o tratamento da hiperglicemia nos doentes com DMT2, que foram publicadas em outubro de 2018, bem como as recomendações da Sociedade Portuguesa de Diabetologia, publicadas este ano. Segundo o Dr. Carlos Simões-Pereira, endocrinologista no Hospital da Luz Aveiro, as diretrizes assentam, em primeiro lugar, na importância da alimentação correta e da atividade física. Quanto à terapêutica, após a metformina em primeira linha, «a escolha do segundo medicamento deve ser feita consoante o estádio da doença, as complicações (cardíacas, renais, etc.), o risco de hipoglicemia, o excesso de peso e outras características do doente». De acordo com o Dr. João Jácome de Castro, endocrinologista no Hospital das Forças Armadas/ Polo de Lisboa, depois de uma primeira fase na qual o tratamento da DMT2 se centrava apenas no controlo glicémico, seguiu-se uma segunda etapa na qual se percebeu a importância de controlar, em concomitância, fatores como a pres-
«Após a metformina, a escolha do segundo fármaco deve atender ao estádio da doença, às complicações, ao risco de hipoglicemia, ao excesso de peso e a outras características do doente» Dr. Carlos Simões-Pereira 22
«Devemos definir um objetivo individualizado, fazer reavaliações periódicas e, em cada consulta, verificar se o doente está a atingir a meta. Se não for o caso, devemos intensificar a terapêutica» Dr. João Jácome de Castro são arterial, a dislipidemia e o peso do doente. As novas recomendações parecem reforçar a ideia de que estamos a entrar num novo período: «Dispomos agora de fármacos que nos permitem não só controlar vários destes fatores em conjunto, mas, inclusive, modificar o prognóstico.» Também oradora nesta sessão, a Dr.ª Susana Heitor, internista no Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, na Amadora, concorda: «No passado, tratávamos os doentes, mas não conseguíamos alterar o prognóstico. Agora, temos terapêuticas e conhecimento que nos permitem não apenas melhorar a qualidade de vida dos doentes, mas também reduzir a mortalidade.» Neste âmbito, destacam-se as duas classes terapêuticas mais recentes: os inibidores do cotransportador de sódio e glicose de tipo 2 (SGLT2) e os agonistas do recetor do peptídeo-1 semelhante ao glucagon (GLP-1). «Além do controlo metabólico, estas duas classes proporcionam redução do peso e têm impacto positivo na progressão da diabetes a nível renal. Os inibidores do SGLT2, em particular, demonstraram benefícios ao nível da IC, reduzindo
as hospitalizações por descompensação desta patologia, mesmo nos doentes que não tinham este diagnóstico», afirma Susana Heitor. Por isso, acrescenta Carlos Simões-Pereira, «os inibidores do SGLT2 são hoje uma terapêutica com ampla aplicabilidade, dado que grande parte dos doentes com diabetes tem complicações ateroscleróticas a partir de determinada fase».
EXIGÊNCIA NOS OBJETIVOS TERAPÊUTICOS Nesta sessão com televoto, serão referidas as diferentes fases de evolução da DMT2, desde a pré-diabetes à diabetes com doença cardíaca estabelecida. No que toca às terapêuticas adequadas para cada fase, além das novas classes farmacológicas, também será discutido o lugar da metformina (nomeadamente nos casos em que é discutível se esta deve continuar a ser opção de primeira linha), dos restantes antidiabéticos orais e dos diferentes tipos de insulina. Segundo Jácome de Castro, há dois aspetos que nunca será de mais lembrar: a importância de maximizar a adesão à terapêutica e de combater a inércia clínica. «Entre as terapêuticas de que dispomos, devemos escolher aquelas que nos garantam, à partida, melhor adesão dos doentes. Tendo em conta as características de cada pessoa com diabetes, devemos definir um objetivo individualizado, fazer reavaliações periódicas e, em cada consulta, verificar se o doente está a atingir a meta estabelecida. Se não for o caso, devemos intensificar a terapêutica. Podemos ter os melhores fármacos à nossa disposição, mas de nada valem se não tivermos a vontade e a coragem de os utilizar no momento adequado ou se os prescrevermos e o doente não os tomar», remata o endocrinologista.
Nutrição: uma «arma» ao serviço da clínica Marcando a estreia deste tema no Update em Medicina, a sessão «Nutrição: dicas, mitos e factos», a decorrer hoje, entre as 17h30 e as 18h00, visa colmatar algumas das lacunas ao nível da formação médica em Nutrição e enfatizar a importância de incorporar a abordagem nutricional no dia-a-dia dos cuidados de saúde primários (CSP). Ana Rita Lúcio
D
efendendo que «já era altura de o Update em Medicina falar de Nutrição», a Dr.ª Fernanda Dias, membro da Comissão Científica deste congresso e especialista em Medicina Geral e Familiar (MGF) na Unidade de Saúde Familiar (USF) de Moscavide, em Loures, alega que a formação médica neste âmbito «é incipiente». «A não ser que, por iniciativa própria, os médicos invistam em formação pós-graduada, a Nutrição é pouco explorada na nossa formação de base», lamenta. De acordo com Fernanda Dias, as lacunas da formação médica neste campo são um dos fatores que contribuem para que as questões nutricionais estejam, muitas vezes, ausentes da prática clínica diária nos CSP. Com uma agravante, acrescenta a preletora: «Continuam ser raríssimas as USF que dispõem de nutricionista. Por isso, é essencial alertar os médicos de MGF para a necessidade de integrarem o aconselhamento nutricional nas suas consultas, dotando-os, para tal, de algumas noções elementares que podem fazer a diferença.» No manejo da hipertensão arterial, por exemplo, «é imperativo que o médico de família saiba explicar ao doente como ler os rótulos da composição nutricional dos alimentos que consome para perceber o respetivo teor de sal». Não obstante, este é o tipo de informação que «pode ser pertinente transmitir a todos os utentes, independentemente da
Dr.ª Magda Serras e Dr.ª Fernanda Dias
sua condição clínica». O «descodificador de rótulos» da Direção-Geral da Saúde (DGS) – ver tabelas abaixo –, que pode ser consultado em www.alimentacaosaudavel.dgs.pt, «é uma ótima ferramenta para auxiliar os médicos nessa missão», indica Fernanda Dias.
DESMISTIFICAR PARA MELHOR TRATAR Esta sessão conta também com a intervenção da Dr.ª Magda Serras, nutricionista no Instituto do Coração, em Carnaxide, que se propõe a «desconstruir alguns mitos associados à alimentação», contrapondo-os a «factos sustentados pela evidência científica». Esse exercício de esclarecimento exige que se «reforce a mensagem de que os médicos têm o dever de comunicar com toda a certeza, aos seus doentes, o que é ciência, rejeitando o que apenas resulta da crença popular». Na opinião de Magda Serras, «existem ainda desafios por vencer para que o tema da Nutrição seja devidamente trabalhado no âmbito dos CSP». Atualmente, «todas as guidelines de referência apontam a mudança de estilos de vida e a abordagem nutricional como os primeiros passos a dar para combater uma série de patologias e promover a saúde», frisa a nutricionista. Todavia, a Nutrição «não integra a componente curricular da formação médica e nem todos os médicos têm
oportunidade de frequentar cursos pós-graduados sobre esta temática». Ajudar a reverter esse cenário é um dos desígnios desta sessão do Update em Medicina, partindo da convicção de que os médicos de MGF são, muitas vezes, «os primeiros e únicos interlocutores a quem os doentes recorrem para esclarecer dúvidas do foro nutricional», assevera Magda Serras. É por isso que a nutricionista considera «fundamental munir estes profissionais de saúde com ferramentas e conhecimento adequado em Nutrição». Dando conta que esta sessão vai permitir «uma abordagem inicial e, nesse sentido, mais generalista sobre os tópicos centrais da Nutrição na atualidade», Magda Serras adianta alguns dos casos que serão partilhados com a assistência. «Durante vários anos, o ovo foi encarado como um alimento quase proibido. Depois, essa visão mudou radicalmente, passando a considerar-se uma escolha saudável e de consumo livre. No entanto, a evidência mais recente revela que o ovo deve ser consumido com alguma parcimónia», exemplifica. Outro caso é o da batata-doce: «No passado, o potencial deste tubérculo era subestimado, mas, atualmente, já é reconhecido como uma mais-valia, em termos nutricionais, quer pela sua composição quer pela forma como é metabolizado.»
Descodificador de rótulos da Direção-Geral da Saúde Alimentos por 100 g
Alto
Gordura (Lípidos)
Gordura saturada
mais de
mais de
17,5 g
Médio 3 e17,5 g entre
Baixo
3g
ou menos
Bebidas por 100 ml
Açúcares
Sal
5g
22,5 g
mais de
mais de
entre
entre
entre
1,5 g
1,5 e 5 g 5 e 22,5 g 0,3 e 1,5 g 1,5 g
ou menos
5g
ou menos
0,3 g
ou menos
Gordura (Lípidos)
Alto
mais de
8,75 g
Gordura saturada mais de
2,5 g
Açúcares mais de
11,25 g
Sal mais de
0,75 g
Médio 1,5 e 8,75 g 0,75 e 2,5 g 2,5 e 11,25 g 0,3 e 0,75 g entre
Baixo
1,5 g
ou menos
entre
0,75 g
ou menos
entre
2,5 g
ou menos
entre
0,3 g
ou menos
Mais informações em: www.alimentacaosaudavel.dgs.pt
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