Exercício do Bom Amor X 9 poemas sem título de valter hugo mãe para outras tantas ilustrações de esgar acelerado
Traficantes Ilimitados Dezembro 2006
tenho do céu as melhores notícias, o vinho entornado dos rios, a lã fresca das árvores onde se formam os ninhos de amor, o cântico harmonioso das coisas felizes que circundam os anjos. tenho do céu a boca de lábios carnudos de deus
não te voltarei a ver. espera por mim apenas no coração, onde te farei sempre crescer e onde, acima das minhas forças, me trarás o amor e a felicidade de um dia te haver conhecido. bastar-me-ei obrigatoriamente com isso, e acreditarei que não enlouquecerás, para exerceres a piedade de fazer o mesmo por mim
imagina que o sol, um dia, ao invés de manter as flores a arder as desilude com falsas promessas de amor. o que seria de mim, tão romântico, se nessa altura, como queres, estivesse depositado nas tuas perfumadas mãos
trago-te a morte. obrigo que te deites no chão esquecida do corpo e me acompanhes sem reservas, sem mais nada. em breve estarás na eternidade, marcada por cada lembrança mas deixando crescer sobre ti a meticulosa vastidão do tempo que vai, apenas por crueldade, preservar-te infimamente a sensação de viver. assim é a morte
amar-te queima, como se nós anjos vivêssemos no inferno, cândidos, atarefados com sofrer por amor além dos suplícios impostos pelo diabo. amar-te queima, como se nós anjos voássemos em fogo, translúcidos, soltando faúlhas do coração carbonizando, viciados na dependência pela ternura. amar-te queima, como se nós anjos pudéssemos ainda ser o casal que fomos, adolescentes e loucos, obcecados por uma alegria que, mesmo doendo, perdura
procura-me por todos os lados, procura-me às escuras por todos os lados, estarei algures, fremindo, criando bichos entre os braços e as pernas, aguardando que me salves. só assim te amarei, se souberes descortinar o caminho para o lugar onde me escondo, com medo, com fantasmas, feito para ser amado apenas por quem, avistando-me no fundo do poço, me puder querer sem garantia de outra condição
sabes que o amor é feito de coisas bonitas que se dizem, coisas inventadas que te soam verdes de esperança, disfarces intencionais que te levam a crer em mim. não acredito no amor tolinho de quem é sincero, sou tão entregue à consciência pura do domínio que farei de cada coisa que te diga uma forma de te prender. e tu hás-de rastejar por mim até ao fim dos tempos, para me dares prazer, para me assistires, e eu nunca te substituirei, será essa a minha forma de te amar, será esse o meu garantido respeito
se eu te mostrar a minha luz interior podes abdicar de ser apenas uma fantasia e existir tangente ao meu corpo, pergunto. se eu te mostrar a minha luz interior, fazendo do coração coisa de muita intensidade exposta com coragem à tua ausência, podes abdicar de ser apenas uma fantasia e beijar-me ainda nesta tão fria noite, pergunto
saberemos nós como esconder o fogo no esguio trajecto das árvores. trazer de cada gesto uma timidez lúcida que se quer superar em vantagem do amor mais louco, mais violento. pudesse eu ser violento contigo agora, esquecer o coração avistado a partir do peito tão óbvio e amar-te só pelo lado mais prático, o corpo ao pé do meu corpo e o sexo sem outro feito, sem outro fim
desta brochura tiraram-se 100 exemplares, numerados e assinados pelos autores
X
© 2006 traficantes ilimitados (edição em papel) | © 2010 traficantes ilimitados / esgar acelerado / valter hugo mãe