A JUSTIÇA TERAPÊUTICA NA REDUÇÃO DOS DANOS SOCIAIS

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Ageu Ribeiro da Silva* A JUSTIÇA TERAPÊUTICA NA REDUÇÃO DOS DANOS SOCIAIS THERAPEUTIC JUSTICE IN SOCIAL HARM DEDUCTION JUSTICIA TERAPÉUTICO EN REDUCCIÓN DE DAÑOS SOCIALES

Resumo: O presente estudo visa analisar a sistemática da Justiça Terapêutica, trabalhando conceitos e princípios necessários à melhor compreensão, o surgimento, as teorias que a originaram, passando pelos aspectos legais de ingresso no programa e, finalizando, com os procedimentos adotados pela equipe médica e o tempo ao qual o participante estará sujeito. Ainda, busca demonstrar que a finalidade do programa é a ressocialização do infrator-abusador/dependente de drogas, de modo a retirá-lo da marginalidade, adotando medidas direcionadas ao desenvolvimento humano, de forma a incentivar a educação, cultura, lazer, esportes, trabalho, convívio familiar, escolar e social. Abstract: This study aims to analyze the systematic of the Therapeutic Justice, working concepts and principles necessary for better understanding, the appearance, the theories that originated it, passing through the legal aspects to join the program and, finalizing, the procedures adopted by the medical team and the time that the participant will be subjected to the treatment. Also seeks to demonstrate that the goal of the program is to re-socialize the law violator/drug abuser/ drug addict, by somehow able to take him off the marginality, adopting actions directed to the human developing, in order to encourage the education, culture, recreation, sport, employment, family, educational and social life. Especializando em Residência Jurídica em Direito Penal e Processo Penal pela Escola de Direitos Humanos e Uni-Anhanguera. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás.

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Resumen: Este estudio tiene como objetivo analizar el esquema de la Justicia Terapéutico, trabajando sus conceptos y principios necesarios para una mejor comprensión, la apariencia, las teorías que dieron origen, pasando por los aspectos jurídicos de entrar en el programa y terminando con los procedimientos adoptados por el equipo médico y el tiempo que el participante está sujeto. Aún así, trata de demostrar que el propósito del programa es la rehabilitación del delincuente - abusador / fármaco dependiente, con el fin de sacarlo de la marginalidad, la adopción de medidas encaminadas a un desarrollo humano con el fin de fomentar la educación, cultura, ocio, deportes, el trabajo, la vida familiar, escolar y social. Palavras-chave: Drogas. Penas alternativas. Reinserção social. Tratamento. Keywords: Drugs. Alternative Sentences. Social Reinsertion. Treatment. Palabras clave: Drogas. Penas Alternativas. Reintegración Social. Tratamiento.

INTRODUÇÃO A Justiça Terapêutica é um programa com um conjunto de medidas criado pela Corregedoria-Geral do Rio Grande do Sul, com a finalidade de ser uma alternativa à pena privativa de liberdade aos infratores-abusadores/dependentes de drogas, de forma a buscar a sua reinserção social e a romper o binômio droga/crime. Trata-se de uma política de redução de danos sociais, possuindo uma intervenção informativo-educativa, tais como cuidados de saúde ou tratamento com terapia individual ou grupal, convivência social com família, prestação de serviço à comunidade, entre outras ações e outros tipos de ações terapêuticas. O intuito é validar os bons comportamentos, motivar o abandono 172


às drogas, reinserir o reeducando na sociedade. O estabelecimento de programas sociais ajuda a minimizar a violência social e permitem que muitas pessoas restabeleçam uma vida digna. Colocar o infrator-abusador/dependente de drogas em um presídio brasileiro nem sempre é a melhor opção, pois este não oferece condições mínimas para o cumprimento das finalidades da pena, quais sejam, retributiva, preventiva, ressocializadora e reeducativa. A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, no art. 5º, inciso XLIII, equiparou o tráfico de drogas aos crimes considerados hediondos e, ainda no inciso LI, autorizou a extradição de brasileiros naturalizados, caso comprovado o envolvimento com o tráfico de drogas. Também, no art. 243, previu a expropriação de terras e confisco de bens decorrentes do tráfico de drogas. Com a finalidade de regulamentar o inciso XLIII, art. 5º, da Constituição Federal, foram editadas algumas leis, permanecendo, até o presente momento, a Lei n. 11.343 de 2006, a qual, no art. 1º, institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre as Drogas SISNAD, bem como, no art. 3., inc. II e III, prescreve como finalidade a prevenção do uso indevido, atenção à reinserção social de abusadores e dependentes de drogas e a repreensão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas. Com fundamento nas finalidades constantes na Lei n. 11.343/06, empregou-se um conjunto de políticas e práticas com o objetivo de reduzir os danos associados ao uso de drogas psicoativas em pessoas que não podem ou não querem parar de usar drogas. Essa redução de danos (RD) tem como objetivo reduzir as consequências à saúde, à economia e à sociedade, e são pragmáticas, possíveis, efetivas, seguras e custo efetivas. Essas ações são realizadas pelo Estado, com a cooperação de todos os entes federados (União, Estados e Municípios), em conjunto com órgãos não-governamentais, visando à melhoria das condições de vida do abusador/ dependente de drogas. Todas as medidas adotadas são direcionadas ao desenvolvimento humano, de forma a incentivar a educação, cultura, lazer, esportes, trabalho, convívio familiar, escolar e social.

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RETROSPECTIVA HISTÓRICA DA JUSTIÇA TERAPÊUTICA DRUG COURTS As “Drug Courts” são tribunais especializados criados nos Estados Unidos da América para atingir os delitos relacionados ao consumo de drogas, visando dar um tratamento em que recupere o infrator-abusador/dependente de drogas. Os Estados Unidos da América sempre combateram de uma forma rígida o consumo de drogas, contudo, quanto mais pessoas eram encarceradas por questões relativas às drogas, mais a reincidência aumentava. Diante dessa constatação e da percepção da formação de um ciclo interminável, foram desenvolvidos estudos visando a alternativas à prisão. Destarte, em 1989, no Estado da Flórida, conceberam a primeira “Drug Court”. No sistema das “Drug Courts” os consumidores de drogas flagrados com pequenas quantidades de entorpecentes e que não tenham cometidos crimes graves, têm a faculdade de eleger entre ingressar em um programa de tratamento oferecido pelo governo ou serem processados pelos trâmites tradicionais. O tratamento não se trata de uma medida de segurança, pois tem como alvo infratores imputáveis selecionados, que possuem a faculdade de anuir ao programa ou se submeter ao processo penal convencional, apesar de que a liberdade é o grande fator sedutor das Drug Courts, uma vez que se os infratores não aderirem ao programa geralmente continuarão encarcerados. (LIMA, 2011, p. 97)

Conforme as “Drug Courts”, foram apresentando resultados significativos e positivos, reduzindo de forma drástica a reincidência e o consumo de entorpecentes, foram sendo reproduzidas nos demais Estados e territórios, sob a administração americana, além de ter sido criadas “Drug Courts” especializadas em jovens, família e indígenas. Os tratamentos utilizados no programa são feitos de uma maneira em que os participantes vão progredindo de acordo com os monitoramentos realizados. Entre os tratamentos, há sessões 174


de terapia individual ou em grupos, podendo ocorrer até mesmo internação. Nas audiências destinadas a verificar a evolução dos participantes no programa, os mesmos podem receber incentivos, prêmios ou punições a depender das constatações feitas. Os incentivos vão de progressão de fase com menos monitoramento, elogios públicos, pelo juiz, aplausos e prêmios como brindes, bolos, ingressos de jogos, inserção em programas habitacionais, dentre outros. As cerimônias de conclusão do programa são comemoradas formalmente com discursos, certificados, lanche, testemunho dos concluintes, visitas de políticos e representantes da sociedade. Já as penalidades incluem reprimendas nas audiências onde vários clientes participam, submissão deles a permanecer durante horas no fórum, regressão de fase terapêutica, períodos curtos de prisão e em casos graves o término do programa, com o consequente retorno ao curso normal da ação penal interrompida ou prisão com o cumprimento da condenação. (LIMA, 2011, p. 107)

Concluindo o programa de forma satisfatória, os participantes podem ter a pena reduzida ou até mesmo a extinção. Destarte, muitos autores quando discutem a origem da Justiça Terapêutica, referem-se as "Drug Courts" como uma inspiração para a sua concepção, tendo em vista a forte influência dos padrões norte-americanos em todo o globo terrestre. CONTRIBUIÇÃO DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE A corrente oposta aos autores que veem as “Drug Courts” como inspiração para a implantação da Justiça Terapêutica, pregam que o programa é genuinamente brasileiro, derivando do Estatuto da Criança e Adolescente. O Brasil, seguindo a forte repressão às drogas praticada pelos Estados Unidos da América, foi enrijecendo as leis relativas ao controle das substâncias psicoativas, mas, em contrapartida, por causa das inúmeras convenções internacionais, que buscavam um tratamento mais digno aos consumidores de entorpecentes, o combate às drogas foi substituído por prevenção e 175


repressão, buscando oferecer tratamentos médicos, psicológicos e assistenciais. O marco inspirador para a Justiça Terapêutica foi o Estatuto da Criança e Adolescente de 1990, que possibilitou a aplicação de medidas socioeducativas quando houver o consumo de drogas e a prática de atos infracionais em que o potencial ofensivo seja pequeno. Diferentemente do que se costuma afirmar foi o Estatuto da Criança e do Adolescente, e não as Drug Courts norte-americanas, a fonte inspiradora do movimento brasileiro batizado “Justiça Terapêutica” por um grupo de representantes do Ministério Público gaúcho capitaneados pelos procuradores de justiça Ricardo Oliveira Silva e Luiz Achylles Petiz Bardou, assessorados por Carmem Có Freitas. Eles entenderam ser possível trasladar as normas do ECA referente ao álcool e outras drogas, aos adultos que praticassem delitos de algum modo relacionados a essas substâncias, seja pelo consumo por si próprio, pela prática de delitos sob o efeito, seja na prática delituosa para aquisição de drogas. (LIMA, 2011, p. 142)

A referida inovação encontra-se no artigo 112, inciso VII, do supracitado estatuto, que trouxe a possibilidade de aplicação das medidas socioeducativas previstas no artigo 101, que prevê a orientação, apoio e acompanhamento temporário, inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente, bem como a requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial, inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento para alcoólatras e toxicômanos, para crianças e adolescentes autores de atos infracionais, incluindo aqueles que tenham envolvimento com drogas. Destarte, o Estatuto da Criança e do Adolescente foi a grande revolução no tratamento com os menores infratores na condição de abusadores/dependentes de drogas no Brasil, pois buscou romper o binômio droga/crime por meios de tratamentos e não de encarceramento.

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JUSTIÇA TERAPÊUTICA A Justiça Terapêutica é um programa que tem como objetivo reinserir socialmente os infratores abusadores/dependentes de drogas, de modo a evitar a aplicação de pena privativa de liberdade. A Justiça Terapêutica pode ser compreendida como um conjunto de medidas que visa a um novo entendimento pelos operadores do direito e sociedade em geral, dos infratores usuários ou dependentes de drogas. Estes passam a ser reconhecidos como pessoas portadoras de um transtorno emocional […] com direito a tratamento, não se transformando unicamente em apenados. (BICCA; PULCHERIO; SILVA, 2002, p. 217)

O programa foi a evolução e o resultado de diversos projetos criados no Rio Grande do Sul, após a adaptação das normas relativas às drogas constantes no Estatuto da Criança e do Adolescente para os imputáveis. Primeiramente, cita-se o programa criado em 1996 com a denominação “Projeto Consciência”, que utilizava técnicos da saúde, serviço social e operadores do Direito, que buscavam ensinar nas escolas sobre as drogas. Posteriormente, já em 1998, como consequência, nasceu o programa “RS (Rio Grande do Sul) sem drogas” que visava ao aperfeiçoamento dos operadores do direito com os profissionais da saúde para que pudessem ter ações conjuntas. Em seguida, em 1999, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul juntamente com o Ministério Público fortaleceram e ampliaram ainda mais a justiça criminal com a terapêutica, objetivando diminuir a criminalidade e a reincidência dos infratoresabusadores/dependentes de drogas. Destarte, em 2000, a Corregedoria-Geral do Rio Grande do Sul adotou o projeto “Justiça Terapêutica”, estendendo sua abrangência para as varas de família e da infância e juventude, bem como para as comarcas do interior. Ainda, no mesmo ano, foi criada a Associação Nacional de Justiça Terapêutica (ANJT) com sede no Rio Grande do Sul. Após a experiência positiva no Rio Grande do Sul, o 177


programa “Justiça Terapêutica” alastrou-se para os demais estados do Brasil. A respeito da nomenclatura "Justiça Terapêutica", é a união dos aspectos legais - Justiça - em conjunto com a ciência médica - Terapêutica -, pois visa a que os participantes entendam o caráter ilícito das infrações cometidas e compreendam o problema relativo às drogas, buscando a solução de dois problemas. DIREITOS HUMANOS: O ALICERCE PARA A JUSTIÇA TERAPÊUTICA Os direitos humanos são integrados por um conjunto de direitos pautados na liberdade, na igualdade e na dignidade, visando assegurar uma vida digna. Contudo, não há como determinar um rol taxativo de direitos mínimos para se ter uma vida digna, por causa da diversidade das necessidades humanas, podendo variar pelo contexto de uma época, pelas crenças, pela cultura da região, entre outros fatores. Os valores que representam os direitos humanos são retratados, de forma implícita ou explícita, nas Constituições ou em tratados internacionais. Os direitos humanos representam valores essenciais, que são explicitamente ou implicitamente retratados nas Constituições ou nos tratados internacionais. A fundamentalidade dos direitos humanos pode ser formal, por meio da inscrição desses direitos no rol de direitos protegidos nas Constituições e tratados, ou pode ser material, sendo considerado parte integrante dos direitos humanos aquele que – mesmo não expresso – é indispensável para a promoção da dignidade humana. (RAMOS, 2014, p. 37)

Apesar da existência de diferenças em relação aos direitos mínimos, há quatro ideias-chave ou marcas distintivas em comum: universalidade, essencialidade, superioridade normativa e reciprocidade. A universalidade consiste no reconhecimento de que os direitos humanos são direitos de todos, combatendo a visão estamental de privilégios de uma casta de seres superiores. Por sua vez, a

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essencialidade implica que os direitos humanos apresentam valores indispensáveis e que todos devem protegê-los. Além disso, os direitos humanos são superiores a demais normas, não se admitindo o sacrifício de um direito essencial para atender as “razões de Estado”; logo, os direitos humanos representam preferências preestabelecidas que, diante de outras normas, devem prevalecer. Finalmente, a reciprocidade é fruto da teia de direitos que une toda a comunidade humana, tanto na titularidade (são direitos de todos) quanto na sujeição passiva: não há só o estabelecimento de deveres de proteção de direitos ao Estado e seus agentes públicos, mas também à coletividade como um todo. Essas quatro ideias tornam os direitos humanos como vetores de uma sociedade humana pautada na igualdade e na ponderação dos interesses de todos (e não somente de alguns). (RAMOS, 2014, p. 37/38)

Destarte, não há restrições na aplicação dos direitos humanos, pois são direitos de todos; são fundamentais para dar dignidade à vida humana; devem sempre prevalecer às demais normas, mesmo que os direitos humanos não estejam positivados; e, por fim, não sujeitam apenas o Estado e os agentes públicos, mas toda a coletividade. PRINCÍPIOS NORTEADORES Da legalidade O princípio da legalidade, também conhecido como princípio da reserva legal, garante que não pode ser aplicada qualquer pena e nem pode ser considerado crime se não existir previsão legal definindo o fato praticado como ilegal. Esse princípio é relativo à pena, exigindo previsão legal para haver a cogitação de condenação e a aplicação da pena respectiva, encontrando-se dentro do conjunto de teorias penais e processuais penais denominado de garantismo penal, estabelecido pelo jurista italiano Luigi Ferrajoli. Conforme Guilherme de Souza Nucci (2014, p.175), extraemse três significados do princípio da legalidade: Ao cuidarmos da legalidade, podemos visualizar os seus três significados. No prisma político é garantia individual contra eventuais abusos do Estado. Na ótica jurídica, destacam-se os sentidos lato e

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estrito. Em sentido amplo, significa que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II, CF). Quanto ao sentido estrito (ou penal), quer dizer que não há crime sem lei que o defina, nem tampouco pena sem lei que a comine. Neste último enfoque, é também conhecido como princípio da reserva legal, ou seja, os tipos penais incriminadores somente podem ser criados por lei em sentido estrito, emanada do Poder Legislativo, de acordo com o processo previsto na Constituição Federal.

Destarte, por meio do princípio da legalidade observa-se que há uma limitação ao jus puniendi, pois, diante da ausência de previsão legal, fica o Estado impossibilitado de agir. Cabe-se ressaltar que não há disposição legal que vede a aplicação de tratamento terapêutico ao infrator-usuário ou infrator-dependente de drogas imputável, assim, podemos aplicar a analogia in bonam partem, visto que esta não se contradiz com o como o princípio da legalidade. Analogia in bonam partem, é aquela pela qual se aplica ao caso omisso uma lei favorável ao réu, reguladora de caso semelhante. É possível no Direito Penal, exceto no que diz respeito às leis excepcionais, que não admitem analogia, justamente por seu caráter extraordinário. (MASSON, 2014, p. 362/363)

Destarte, não há, por analogia, restrições na utilização do Estatuto da Criança e do Adolescente na aplicação de tratamento terapêutico ao infrator-abusador/dependente de drogas imputável, tendo em vista que este tratamento é mais benéfico, pois propõe a solução de dois problemas: que entendam o caráter ilícito das infrações cometidas e que compreendam o problema relativo às drogas. Da proporcionalidade O princípio da proporcionalidade emergiu na passagem do Estado absolutista para o Estado liberal, com o intuito de limitar a atuação dos governantes, de forma a manter um equilíbrio em suas ações.

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Em sua concepção originária, a proporcionalidade fora concebida como limite ao poder estatal em face da esfera individual dos particulares; tratava-se de estabelecer uma relação de equilíbrio entre o “meio” e o “fim”, ou seja, entre o objetivo que a norma procurava alcançar e os meios dos quais ela se valia. (ESTEFAM; GONÇALVES, 2012 , p. 101)

Dessa forma, o princípio da proporcionalidade busca nada mais do que a harmonia nas ações do Estado, de forma a evitar penalidade excessiva ao grau de responsabilidade e, em contrapartida, a proteção deficiente. No Direito Penal brasileiro, esse princípio é utilizado para assegurar uma proporcionalidade entre o delito cometido e a pena a ser aplicada, visando coibir qualquer excesso punitivo estatal ou uma punição irrisória. Chamado também “princípio da proibição de excesso”, determina que a pena não pode ser superior ao grau de responsabilidade pela prática do fato. Significa que a pena dever ser medida pela culpabilidade do autor. Daí dizer-se que a culpabilidade é a medida da pena. (JESUS, 2011, p. 53)

O princípio da proporcionalidade é encontrado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, no artigo 8º, o qual afirma que “a lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias”. Dessa forma, praticado um ato que seja considerado ilícito, nasce um poder-dever do Estado para punir o infrator, mas, ao determinar a reprimenda a ser aplicada, o Estado deve impor uma pena compatível com o delito praticado, de forma que seja justa e suficiente a ressocializar o infrator, ou seja, não pode ser exagerada e desnecessária, bem como não pode ser insignificante. USO, ABUSO E DEPENDÊNCIA DE DROGAS Não é raro encontrarmos os termos “usuário”, “abusador” e “dependente de drogas” como sinônimos, mas há uma diferença bem significativa entre esse termos, e tratá-los do mesmo modo é um grande equívoco.

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O uso de drogas pode ser considerado como qualquer consumo de substâncias psicoativas. Esse consumo pode ser para o mero uso recreativo, esporádico ou ocasional. Em se tratando do uso abusivo ou nocivo, o consumo traz como consequência algum prejuízo biológico, psicológico ou social. Uso nocivo é o uso continuado de uma substância psicoativa causando danos à saúde do indivíduo. Esse dano pode ser físico (alterações hepáticas, gastrite, vômitos), mental (episódios depressivos, apagamentos, esquecimento, alteração da coordenação motora), ou abranger outras áreas da vida do indivíduo como a família (desavenças), trabalho (atrasos, faltas), sociedade (“porres" em festas, ser inconveniente). A intoxicação aguda não é evidência suficiente de dano à saúde, exceto se for continuada. (BICCA; PULCHERIO; SILVA, 2002, p. 8)

Já em relação à dependência, psicológica ou física, esta provoca consequências mais drásticas para o usuário que não tem o controle sobre o consumo. Dependência é a necessidade física ou psicológica da substância psicoativa, que, pelo uso continuado, leva ao hábito. A compulsão é também uma das características da dependência. Com a evolução da neuropsiquiatria percebe-se que algumas drogas que até há pouco pensava-se que causassem apenas dependência psicológica, também têm um componente biológico. Apesar disso, cabe a definição: Dependência psicológica - é uma característica de todas as drogas de abuso. É definida como a necessidade da droga pelo usuário, para atingir um nível máximo de funcionamento ou sentimento de bemestar. É difícil de quantificar a situação objetivamente, sendo de uso limitado para o diagnóstico. […] Dependência física - é a adaptação fisiológica do organismo ao uso crônico da1 SPA. A síndrome de abstinência ocorre quando surgem sintomas fisiológicos na diminuição ou retirada abrupta da droga. (BICCA; PULCHERIO; SILVA, 2002, p. 9)

Para Flávio Augusto Fontes de Lima (2011, p. 49), “é preciso que se distingam os padrões de usuário de substâncias psicoativas, pois um número considerável deles mantém um padrão de uso de drogas compatível com uma vida socialmente aceitável e produtiva”. 1

A sigla “SPA" significa Substâncias Psicoativas.

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POLÍTICAS DE REDUÇÃO DE DANO Redução de dano é um conjunto de políticas e práticas utilizadas de forma a possibilitar a diminuição dos danos causados pela prática de algo que causa ou possa causar danos. Utiliza-se de ações de proteção, cuidado e autocuidado, facultando ao indivíduo a possibilidade de alterar sua conduta frente à situação de vulnerabilidade. Há divergências quanto à origem, mas tem-se que o ápice dessa forma de abordagem deu-se devido devido à grave crise da proliferação da aids2, principalmente pelo uso de drogas injetáveis, na década de 1980 (Lima, 2011, p. 73). Hoje a política de redução de dano é largamente utilizada em relação aos abusadores ou dependentes de drogas, mas o foco principal não é o abandono do consumo de entorpecentes, mas diminuir os danos que as drogas causam ao usuário ou dependente e aos grupos sociais de que fazem parte. Os defensores das estratégias de redução de danos diferenciam-se da tradicional abordagem, no sentido de não se contentarem tão-somente com a abstinência completa, mas admitirem que o indivíduo possa conviver com a sua droga de edição de modo menos danoso ou a substitua por uma menos maléfica, tudo visando à diminuição dos fatores de riscos sobre o agente. Como exemplos de fatores de risco, apontam-se problemas policiais, com a justiça penal e com o meio social em que ele interage. (Lima, 2011, p. 75)

Dessa forma, temos que a redução de dano tem por objetivo a prevenção aos danos e não a prevenção ao consumo de drogas, por isso incide sobre pessoas que não podem ou não querem parar com o consumo de drogas.

AIDS é uma sigla originada do inglês, cujo significado é Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (acquired immunodeficiency syndrome). É o estágio avançado da doença causada pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV).

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CONDIÇÕES LEGAIS PARA O INGRESSO NA JUSTIÇA TERAPÊUTICA APLICAÇÃO DA JUSTIÇA TERAPÊUTICA A Justiça Terapêutica é aplicada a qualquer pessoa que tenha praticado uma ou mais infrações penais, desde que o cometimento de tais infrações estejam relacionadas com o abuso/dependência de drogas, sejam lícitas ou ilícitas. A partir do momento em que o infrator-abusador/dependente de drogas torna-se um participante do programa, não há qualquer alusão em seu atendimento à sua situação com a Justiça, seja sobre a fase processual ou sobre os delitos pelo qual esteja respondendo. O infrator-abusador/dependente de drogas pode ser encaminhado ao programa através de várias vias: juizados e varas criminais, que direcionam os infratores-abusadores/dependentes de drogas que optaram pelo tratamento vinculado ou não a direitos legais; setor interdisciplinar penal, que direciona infrator-abusadores/dependentes de drogas que estejam cumprindo penas e medidas alternativas; demanda espontânea, quando o abusador ou dependente de drogas procura o setor buscando apoio; e, demanda familiar, que é quando os familiares procuraram apoio para abusador ou dependente de drogas. MOMENTO DE INGRESSO NO PROGRAMA Fase pré-sentencial A participação do infrator-abusador/dependente de drogas nessa frase processual pode ocorrer como condição da transação penal, que ocorre nos crimes e contravenções penais de competência dos Juizados Especiais Criminais, conforme o artigo 76 da Lei n. 9.099/95.

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Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, a ser especificada na proposta” (art. 76, caput). Superada a fase da composição civil do dano, segue-se a da transação penal. Consiste ela em um acordo celebrado entre o representante do Ministério Público e o autor do fato, pelo qual o primeiro propõe ao segundo uma pena alternativa (não privativa de liberdade), dispensando-se a instauração do processo. Amparada pelo princípio da oportunidade ou discricionariedade, consiste na faculdade de o órgão acusatório dispor da ação penal, isto é, de não promovê-la sob certas condições, atenuando o princípio da obrigatoriedade, que, assim, deixa de ter valor absoluto. (CAPEZ, 2012, p. 613)

Ainda, como condição, nos casos em que seja aplicável a suspensão condicional do processo, que ocorre nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, conforme prevê o artigo 89 da Lei n. 9.099/95, vale destacar: Trata-se de instituto despenalizador, criado como alternativa à pena privativa de liberdade, pelo qual se permite a suspensão do processo, por determinado período e mediante certas condições. Decorrido esse período sem que o réu tenha dado causa à revogação do benefício, o processo será extinto, sem que tenha sido proferida nenhuma sentença. Está previsto no art. 89 da Lei n. 9.099/95, pelo qual se admite a possibilidade de o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, propor a suspensão condicional do processo, pelo prazo de dois a quatro anos, em crimes cuja pena mínima cominada seja igual ou inferior a um ano, abrangidos ou não por esta lei, desde que o acusado preencha as seguintes exigências legais: não estar sendo processado ou não ter sido condenado por outro crime + estarem presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do CP). (CAPEZ, 2012, p. 622)

Por fim, o programa pode ser aplicado como medida cautelar diversa da prisão, ou seja, suprindo a prisão preventiva, conforme previsto no artigo 319, inciso VII, do Código de Processo Penal. Mesmo nas situações em que a lei a admite e ainda que demonstrada sua imprescindibilidade, a prisão preventiva tornou-se excepcional, pois somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (CPP, art. 282, § 6.), dentre as previstas no art. 319 do CPP. Sendo possível alternativa menos invasiva,

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a prisão torna-se desnecessária e inadequada, carecendo de justa causa. […] A liberdade provisória pode vir ou não acompanhada da imposição de algum ônus. Neste ponto, há discricionariedade para a autoridade judiciária avaliar a sua necessidade. Por isso, a lei diz que o juiz imporá, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 (cf. CPP, art. 321, segunda parte). (CAPEZ, 2012, p. 299, 300 e 345)

Dessa forma, podemos perceber que a Justiça Terapêutica é utilizada como uma condição para que o infrator-abusador/dependente de drogas possa valer-se dos benefícios mencionados, de forma a evitar a persecução penal ou a prisão provisória. Fase pós-sentencial Após proferida a sentença, a participação do infratorabusador/dependente de drogas pode se dar como condição da suspensão condicional da pena (sursis), conforme previsto no artigo 77 do Código Penal. Sursis é a suspensão condicional da execução da pena privativa de liberdade, na qual o réu, se assim desejar, se submete durante o período de prova à fiscalização e ao cumprimento de condições judicialmente estabelecidas. […] Além dessas condições legais, o art. 79 do Código Penal permite ao magistrado especificar, na sentença, outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do condenado. (MASSON, 2014, p. 1.864 e 1.874)

Também pode ocorrer condição para que seja concedido o livramento condicional, de acordo com o artigo 85 do Código Penal. Livramento condicional é o benefício que permite ao condenado à pena privativa de liberdade superior a 2 (dois) anos a liberdade antecipada, condicional e precária, desde que cumprida parte da reprimenda imposta e sejam observados os demais requisitos legais.

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A liberdade é antecipada, condicional e precária. Antecipada, pois o condenado retorna ao convívio social antes do integral cumprimento da pena privativa de liberdade. Condicional, pois durante o período restante da pena (período de prova) o egresso submete-se ao atendimento de determinadas condições fixadas na decisão que lhe concede o benefício. E precária, pois pode ser revogada se sobrevier uma ou mais condições previstas nos arts. 86 e 87 do Código Penal. (MASSON, 2014, p. 1.909/1.910)

Ademais, quando houver a substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direito consistente em "limitação de fim de semana", encontrada no artigo 43, inciso VI, ambos do Código Penal, deve-se observar o seguinte: O art. 48 do código penal estabelece que a pena restritiva de direitos de limitação de fim de semana deve ser cumprida pelo período de 5 (cinco) horas aos sábados e domingos em albergue ou outro estabelecimento adequado. Poderão ser ministrados cursos, palestras ou atribuídas atividades educativas. Entende-se que há possibilidade de interpretação da norma prevista no art. 48 do código penal, no sentido de ser ministrado tratamento ao indivíduo. (LIMA, 2011, p. 78)

Nessas opções, a aplicação da Justiça Terapêutica é uma condição para que o infrator-abusador/dependente de drogas possa valer-se dos mecanismos usados como alternativa à pena privativa de liberdade, de modo a buscar a sua recuperação e ressocialização fora dos presídios. A participação no programa poderá ocorrer de forma autônoma ou cumulada por ocasião da substituição das penas privativas de liberdade pelas restritivas de direito, ou ainda como requisito para a concessão de benefícios como regime aberto domiciliar, livramento condicional, suspensão da pena, ou outros que o juiz possa conceder. Sem vinculação com o processo criminal Essa possibilidade garante a aplicação em todos os crimes, mesmo que o infrator-abusador/dependente de drogas não faça jus ao benefício legal, desde que a medida se faça suficiente 187


para a sua recuperação, tenha o infrator-abusador/dependente de drogas concordado com às propostas da equipe técnica e não esteja em regime fechado. OPÇÃO OU COERÇÃO? As políticas de redução de dano são de ingresso voluntário por parte dos usuários ou dependentes de drogas, o que não poderia ser diferente na Justiça Terapêutica. Apesar de alguns estudiosos afirmarem que o tratamento é compulsório, o que descaracterizaria a redução de danos, deve-se observar que é faculdade do infrator-abusador/dependente de drogas aceitar ou não os benefícios substitutivos da pena privativa de liberdade propostos pelo membro do Ministério Público ou pelo Juiz. Assim, cabe ao infrator-abusador/dependente de drogas decidir se aceita ou não as condições impostas para a aplicação dos benefícios legais, de forma que, caso não aceite, terá continuidade a persecução penal, com a possível condenação e encarceramento. Essa faculdade em aceitar o compromisso de participar do programa é de extrema importância, visto que predomina o entendimento de que, para se ter um bom desenvolvimento e com a possibilidade de reinserção social, é necessário que o participante queira essa mudança em sua vida, de forma que a compulsoriedade não atingiria os fins almejados. ESTRATÉGIAS DA JUSTIÇA TERAPÊUTICA COM O INFRATORABUSADOR/DEPENDENTE DE DROGAS EQUIPE DA JUSTIÇA TERAPÊUTICA Para que o participante do programa tenha um bom desenvolvimento, necessário se faz a interdisciplinaridade da 188


equipe atuante no programa Justiça Terapêutica. A equipe do programa é composta por diversos profissionais, das mais variadas áreas de atuação, como assistentes sociais, médico psiquiatra, psicólogos, terapeutas corporais, psicólogos, pedagogos, musicoterapeutas e grupos de autoajuda. Essa equipe terá como função o acompanhamento, desde a avaliação da necessidade do tratamento, passando pela escolha do tipo de intervenção a ser proposta e a fiscalização do tratamento, finalizando com o relatório final do tratamento. Cabe ressaltar que é a equipe médica que propõe a intervenção a ser adotada, o que irá depender das características do indivíduo que irá se submeter ao tratamento, e não os integrantes do Poder Judiciário, restando a estes unicamente o acompanhamento através dos relatórios emitidos pela equipe responsável pelo tratamento. A realização do tratamento poderá ser realizado na rede pública como na rede privada de saúde e ainda poderá conter variados grupos de apoio. FASES DO TRATAMENTO O programa é composto por etapas e em cada fase do tratamento tem-se uma abordagem e um tratamento diferenciado, de forma a provocar o resultado pretendido através da evolução gradativa do participante da Justiça Terapêutica. As fases a serem adotadas no programa dependem de cada equipe que trabalha na Justiça Terapêutica. Diante disso, nas fases elencadas a seguir, pega-se como referencial o programa implantado no Estado de Goiás, exposto em uma cartilha3 de divulgação realizada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (Biênio 2013 - 2015). A primeira fase do tratamento é o momento de acolhimento do infrator-abusador/dependente de drogas que aceitou participar da intervenção terapêutica, de forma a criar um vínculo Disponível em: <http://www.tjgo.jus.br/docs/institucional/projetoseacoes/justicaterapeutica/DOC_cartilha_divulgacao.pdf>. Acesso em: 13 fev. 2015.

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com a equipe responsável pelo seu tratamento. Após o procedimento de acolhimento, passa-se para a avaliação do participante, oportunidade em que se verificará o contexto histórico psicossocial, como sua situação sócio-econômica, convivência familiar, relacionamento com o consumo de drogas e as consequências em sua vida e na de seus familiares, suas carências e demandas em relação à educação, saúde, trabalho, entre outros aspectos. Ainda na fase de avaliação, o psicólogo avalia de uma forma mais específica e detalhada as possíveis causas que motivaram o participante ao consumo de drogas, bem como detectar o grau de envolvimento com as drogas, quais as drogas que consome e qual o seu compromisso com o possível abandono das drogas. O procedimento de avaliação é a parte mais significativa de todo o processo, pois pode, caso se tenha uma avaliação bem feita, conscientizar o participante de sua problemática e o incentivar a buscar mudanças, por isso pode acarretar em diversas entrevistas, podendo chegar, em algumas situações, ao lapso temporal de até três meses. Após o findar das entrevistas destinadas à avaliação do participante, é produzido um relatório denominado de Sumário Psicossocial, onde é apresentado uma síntese técnica sobre o proveito em submetê-lo, ou não, ao programa, e mais informações que se façam necessárias sobre o seu encaminhamento. Esse parecer técnico deve ser apensado ao processo de que o participante seja parte, para que o Juiz possa ter conhecimento e possa homologar. Os métodos adotados durante o tratamento são construídos mediante uma meditação crítica com o participante sobre a função que desempenha em seu convívio familiar, social, sobre seus direitos e obrigações, sobre seu comprometimento consigo mesmo, com a Justiça e com a comunidade de qual faz parte. Após a conclusão da avaliação do participante, já na segunda fase, o mesmo é encaminhado para o tratamento, que foi escolhido pela equipe que o avaliou, em uma entidade especializada externa, ou mesmo nos serviços internos do programa, e, juntamente, é enviada uma cópia do parecer emitido sobre o participante do programa.

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O tratamento é executado em grupos de reflexão ou de forma individual, sendo que o método tradicional são as reuniões nos grupos de reflexão e, excepcionalmente, desde que não seja dependente físico ou psicológico e não possa frequentar as reuniões em grupos, poderá ser feito atendimento individual. Após o participante iniciar o tratamento, na terceira fase, o mesmo é acompanhado através dos grupos de acompanhamento ou individual, mensalmente ou bimestralmente, informando ao juízo que determinou o tratamento, de forma a que o mesmo tenha ciência dos resultados até então obtidos e da frequência do participante. Na quarta e última fase do programa, já findo o prazo imposto nas condições do benefício legal que determinou a participação na Justiça Terapêutica, o qual o infrator-abusador/ dependente de drogas acordou, ou então quando a equipe certificar a aptidão do participante em continuar as mudanças sem que seja necessário a intervenção da Justiça Terapêutica, é produzido um relatório final em que constam os métodos utilizados e quais os benefícios conseguidos com o tratamento, seja no aspecto psíquico ou social do participante. OUTRAS ATIVIDADES Além dos métodos de tratamento com o participante já elencados, há a possibilidade de os seus familiares serem convidados a integrar os grupos de orientação de familiares. Ainda, existe o acompanhamento institucional, no qual as equipes integrantes da Justiça Terapêutica realizam visitas às instituições de tratamento externo, tendo como foco aproximar as equipes das instituições e da Justiça Terapêutica Por fim, ainda, há reuniões entre os profissionais que compõe a equipe da Justiça Terapêutica, de modo a compartilhar vivências nos programas, buscando, assim, aperfeiçoar o programa.

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TEMPO DE TRATAMENTO O período de tratamento com toda certeza é uma questão conflituosa, pois encontramos de um lado a questão de que a terapia não tem prazo definido e, do lado oposto, encontramos que a Justiça Terapêutica é uma condição para a concessão de um benefício a que o infrator-abusador/dependente de drogas faça jus. Logo, esse benefício tem prazo estipulado. Dessa forma, verificamos que o prazo dependerá do acordo firmado, quando foi proposto o benefício em favor do infrator-abusador/dependente de drogas, ou seja, não se enquadra na proposta da terapia, pois, depois de cumprindo o prazo do benefício, o participante deixará o programa. Ainda, vale mencionar que a equipe responsável pelo tratamento do participante pode, quando perceber que o mesmo já possui condições para continuar se tratando sem integrar a Justiça Terapêutica, conceder-lhe alta do tratamento. CONCLUSÃO Pode-se perceber o avanço no tratamento com as pessoas que consomem drogas, visto que busca dar dignidade ao abusador ou dependente de drogas, o que há pouco tempo não acontecia, e trabalha com a sua reinserção na sociedade que tanto o oprime. Assim, pode-se evitar o encarceramento do infrator-abusador/dependente de drogas, pois não possibilitará a sua recuperação, bem como não conseguirá a sua reinserção na sociedade, pelo contrário, provavelmente, impulsionará a escola do crime. Em outra vertente, podemos observar que a Justiça Terapêutica é uma forma remediada de trabalhar o problema, pois percebemos que a atuação se dá após constatar que o indivíduo praticou uma infração e seja abusador/dependente de drogas. Dessa forma, é claro que o Estado, como garantidor de direitos, deve buscar mais programas, principalmente, trabalhando na prevenção ao consumo de drogas e não apenas depois 192


que o indivíduo aderiu ao consumo das substâncias. Também cabe ressaltar que através da conscientização sobre o consumo de drogas, devemos quebrar estereótipos sobre as drogas, como, por exemplo, de que quem usa droga é bandido, que a maconha leva ao consumo de drogas consideradas piores, entre outros. No trabalho de conscientização, devemos refletir se realmente essa guerra às drogas, adotada pelos Estados Unidos da América e aderida por grande parte do Ocidente, é em benefício da sociedade ou não passa do aspecto econômico. Ainda, a conscientização deve trabalhar com uma abordagem não intimidadora, trabalhando benefícios e malefícios das drogas à sua saúde e aos problemas que causa à sociedade e ao Estado. De forma a não relacionar drogas à criminalidade, pois muitos consumidores de drogas têm uma vida considerada dentro dos padrões considerados normais. Como exemplo clássico, temos o indivíduo que consome uma “cervejinha” no fim de semana para relaxar, e que nem por isso é um criminoso. É certo que hoje ainda vivemos em uma sociedade que marginaliza os usuários, abusadores e dependentes de drogas consideradas ilícitas, mas que, ao mesmo tempo, consome drogas para acordar, dormir, relaxar, agitar, estudar, transar, trabalhar e em várias outras atividades do dia a dia. Dessa forma, é notável que a violação dos direitos humanos dos usuários, abusadores e dependentes de drogas dá-se principalmente em razão da desigualdade social e econômica na qual ainda vivemos, que culmina no preconceito a determinadas classes sociais, etnia ou gênero e orientação sexual e religiosa. Esse binômio droga/crime é um conflito muito maior do que qualquer violação a normas penais, é fruto de uma desigualdade social, pois estamos em uma sociedade em que falta educação básica, falta saúde, entre carência de outras coisas mínimas para se ter uma vida digna. Enquanto se tiver uma concepção reducionista do crime, pela qual ele é compreendido unicamente como uma infração à norma penal, desprovida de qualquer conflito e qualquer drama humano, serão infrutíferas, em sua maioria, as medidas que pretendam “ressocializar” os infratores dessa norma. O crime é expressão de conflitos. Portanto,

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não é a infração à norma que deve ser resolvida, mas os conflitos que ela expressa. E para se enfrentarem e resolverem esses conflitos, uma longa caminhada deve ser feita, uma caminhada sem fim, que dura enquanto durar a humanidade. Uma caminhada de descoberta de valores, de superação de antinomias, de descoberta de si mesmo e do outro, uma caminhada de reconciliação e de perdão. (SÁ, 2010, p. 167)

Assim, enquanto houver desigualdade social no globo terrestre, encontrado-se a riqueza na mão de poucas pessoas, viver-se-á essa guerra contra o usuário, abusador e dependente de drogas ilícitas, que, na maioria dos casos, não teve/tem acesso à educação, informação, saúde, lazer e ao mínimo que devia ser garantido e efetivado ao ser humano. Ainda para agravar a situação temos o sensacionalismo do noticiário ao qual estamos expostos, que condenam usuários, abusadores ou dependentes de drogas ilícitas e, raramente, as lícitas, assim formando a opinião da massa manipulada que também passa a condená-los. Enquanto isso, deveriam buscar uma forma de romper com essa marginalização, de trabalhar com a inclusão social, de buscar a diminuição da desigualdade social. Mas, como estão alojados em sua área de conforto, passam a responsabilidade unicamente para o Estado, que está mais preocupado com o capital do que com o social. Dessa forma, muito mais que a implementação da Justiça Terapêutica, que já é algo significativo, é necessário a mudança da sociedade através da educação. Assim, quem sabe, gerações futuras serão menos egoístas e perceberão que fazem parte de um todo, e que, sendo assim, qualquer um que esteja em desarmonia afeta o todo. Desse modo, buscarão ajudar o próximo em vez de condená-los, cumprindo, assim, o maior ensinamento das religiões, amar ao próximo como a ti mesmo. Destarte, a Justiça Terapêutica é o primeiro passo para uma caminhada que será longa e árdua, mas que há de ser alcançada quando a maioria dos seres humanos presentes no globo terrestre revoltarem-se contra o sistema em que nos encontramos atualmente.

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