OS EFEITOS DA CITAÇÃO À LUZ DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

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Umberto Machado de Oliveira* Os efeitOs da citaçãO à luz dO nOvO códigO de PrOcessO civil ThE EFFECTs OF ThE CiTaTiOn in liGhT OF ThE nEw CODE OF Civil PrOCEDUrE lOs EFECTOs DE la CiTaCión TEniEnDO En CUEnTa El nUEvO CóDiGO DE PrOCEsO Civil

Resumo: O ato de citação, praticado validamente, produz efeitos importantes no cotidiano da vida forense. Os processualistas com frequência abordam o tema sem a necessária profundidade. O novo Código de Processo Civil tratou o assunto de modo diferente do revogado. Todos os aspectos inerentes aos efeitos desse ato processual são abordados no presente artigo. Abstract: El acto de citación, practicado adecuadamente, tiene efectos importantes la vida diária forense. Los eruditos de procedimiento a menudo discuten el tema sin la profundidad necesaria. El nuevo código de Procedimiento Civil trata la materia diferentemente que revocada. En este artículo se discuten todos los aspectos inherentes a los efectos de este acto procesal. Resumen: The act of citation produces important effects in the daily life of the forensic. The procedure scholar often discuss the topic without the necessary depth. The new Code of Civil Process treated the subject of way different from the revoked one. All the aspects inherent in the effects of this processual act are boarded in the present article. Palavras-chave:

* Doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra - Portugal. Mestre em Direito pela UFG. Especialista em Direito Civil, Processual Civil e Constitucional pela UFG. Promotor de Justiça do MP-GO e professor da Faculdade de Direito da UFG.

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Citação; processo; prescrição; litigiosidade; litispendência. Keywords: Citation; process; prescription; litigation; lispendens. Palabras clave: Efecto; proceso; prescripción; procesal; litispendência.

intrOduçãO vamos tratar neste artigo dos efeitos da citação no novo Código de Processo Civil (lei n. 13.105, de 16/03/2015). após um período de dúvidas decorrentes de notícias sobre propostas de lei visando adiar sua vigência, o novo Código entrou em vigor no dia 18/03/2015. Os efeitos da citação, embora a doutrina muitas vezes aborde o tema sem maior detença, tem sua relevância no cotidiano do Poder Judiciário. Uma abordagem específica com o objetivo de traçar as linhas que demarcam a repercussão do ato citatório praticado validamente torna-se, assim, interessante em face do cenário de inovação jurídica que a entrada em vigor do novo diploma adjetivo descortina. efeitOs da citaçãO e sua classificaçãO O caput do art. 240 dispõe que “a citação válida, ainda quando ordenada por juízo incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor, ressalvado o disposto nos arts. 397 e 398 da lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)”. Percebe-se, logo de início, diferenças entre o novel dispositivo e o art. 219 do Código revogado, pois este fazia no caput referência expressa à interrupção da prescrição e o atual não faz. Também se nota uma ressalva expressa ao final da redação do caput do art. 240 que não constava do anterior. ainda, não indica mais o novo Código, como efeito da 246


citação, tornar prevento o juízo. Trata-se do assunto no art. 59 e, nesse ponto, a lição de Theodoro Júnior (2015, p. 240) é precisa para evidenciar a inovação: nesse sentido, dispõe o art. 59 que ‘o registro ou distribuição da petição inicial torna prevento o juízo’. no regime do Código anterior, a prevenção observava regras diferentes, conforme se aplicasse entre juízes da mesma circunscrição territorial ou de comarcas diversas. levava-se em conta ora o despacho da inicial (CPC/1973, art. 106), ora a realização da citação (CPC/1973, art. 219). O novo Código adota critério único e diferente do anterior. agora, em qualquer situação, o que importa é o registro ou a distribuição da petição inicial. Com essa medida processual, define-se o juiz da causa estabelecendo-se sua prevenção para todas as futuras ações conexas (nCPC, art. 59). a regra legal, portanto, é a de que a competência a ser prorrogada é a do juízo em que uma das causas ligadas por conexão ou continência for primeiro registrada ou distribuída (art. 59).

Extrai-se, pois, que a prevenção passou a ser regulada em regra própria e única, que leva em conta o registro e a distribuição da petição inicial, critério objetivo e que não enseja divagações doutrinárias. vale registrar que a citação, para produzir seus efeitos, tem que ser realizada validamente, ou seja, dentre as várias modalidades (pelos correios, por oficial de justiça, pelo escrivão, por hora certa, por edital e eletrônica) em que o ato processual citatório pode se consumar, é imprescindível que os requisitos legais específicos para cada modo previstos tenham sido obedecidos, sob pena de não se produzirem os seus efeitos. Todavia, se o juiz que ordenou a citação for incompetente, mesmo assim o ato produzirá seus efeitos. a incompetência do juízo não contaminará a prática do ato processual citatório por expresso tratamento legal em caráter excepcional, que, diante da importância do ato processual de citação, considera-o válido mesmo na hipótese de ter sido ordenado por quem seja incompetente para a causa. Os efeitos da citação são classificados pela doutrina em efeitos processuais e efeitos materiais. sobre esse aspecto Theodoro Júnior (2015, p. 554) anota importante mudança no novo Código: a litispendência e a litigiosidade são consideradas efeitos processuais da citação; a constituição em mora e a interrupção da prescri-

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ção, efeitos materiais. O Código anterior distinguia os efeitos processuais e os materiais, dispondo que os primeiros somente ocorreriam se houvesse perfeita regularidade do ato citatório e que os materiais operariam sua eficácia, mesmo quando a citação fosse ordenada por um juiz incompetente (art. 219, caput, segunda parte, do CPC/1973). O novo Código, contudo, não repetiu o entendimento, adotando um critério único para todos os efeitos da citação, sejam eles materiais ou processuais, os quais ocorrerão, ainda quando a citação for ‘ordenada por juízo incompetente’.

Essa lógica conclusão de Theodoro Júnior é baseada na própria redação do caput do art. 219 do Código revogado, composta de duas assertivas separadas por ponto e vírgula. a primeira assertiva seria: “a citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa”; e a segunda, após o sinal de pontuação referido, anotava: “e ainda que ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição”. Portanto, correta a interpretação no sentido de que somente esses dois últimos efeitos estariam consumados ainda que a citação fosse ordenada por juiz incompetente. inclusive, esse efeito de interrupção, ao tempo do Código revogado, já era estendido aos prazos decadenciais, conforme jurisprudência superior Tribunal de Justiça1. Todos os efeitos da citação serão, pois, objeto de análise em tópicos específicos. Começaremos pela indução da litispendência. a indução2 da litispendência

nesse sentido, ao julgar o ar 3.821/Ms, da relatoria do Ministro napoleão nunes Maia Filho, que versava sobre ação rescisória aforada perante juízo incompetente, o superior Tribunal de Justiça assim se posicionou: “(...) 1. Embora tenha a autora aforado com a ação rescisória perante Tribunal incompetente (TrF3), foi realizada, dentro do prazo decadencial, a citação da autarquia Previdenciária que, inclusive, contestou o feito, nada alegando quanto à incompetência do Juízo. Dessa forma, não há motivo para que sejam afastados os efeitos da citação, ainda quando ordenada por Juízo incompetente, especificamente o de interromper o prazo decadencial, conforme dispõem os arts. 219 e 220 do CPC. (...)”(ar 3.821/Ms, rel. Ministro napoleão nunes Maia Filho, 3ª seção, julgado em 28/03/2008, DJe 05/05/2008)

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Obviamente que, para analisar esse efeito, faz-se necessário primeiramente definir o que vem a ser litispendência. litispendência é, em palavras simples, a renovação de demanda que já se encontra em curso, ou na linguagem do novo Código de Processo Civil, “quando se reproduz ação anteriormente ajuizada”, ou seja, “há litispendência quando se repete ação que está em curso” ( §§ 1º e 3º do art. 337). O próprio Código já detalha os elementos que devem ser levados em conta para que uma ação seja considerada idêntica a outra: “quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido” (§ 3º do art. 337). O instituto visa evitar o desperdício de atividade jurisdicional em decorrência da possibilidade do trato da mesma causa por vários juízes e impedir o descrédito do Judiciário, que resultaria de eventuais pronunciamentos judiciários divergentes a respeito da mesma controvérsia jurídica (ThEODOrO Jr., 2015, p. 554)3. O que produz a litispendência não é o registro ou a distribuição da petição, como ocorre na prevenção, e sim a citação válida4. nesse sentido é que o superior Tribunal de Justiça entende que, se duas ações idênticas são propostas e a citação ocorre primeiramente na ação proposta mais recentemente, é esta que deve prosseguir, embora proposta mais tardiamente, e a outra mais antiga é que deve ser extinta5. há crítica na doutrina pela utilização do verbo “induz”, que é adotado desde o Código de 1939. isso porque o significado de induzir seria o de levar para e o Código de Processo Civil, inclusive o atual, ocorrida a citação está, ipso facto, produzida a litispendência. Portanto, o verbo correto seria “produz”. a documentação do ato citatório nos autos, como, por exemplo, a juntada do mandado, marcaria, apenas, o início do prazo para defesa. (alviM, 1998, p. 361). 3 nesse sentido, o superior Tribunal de Justiça já destacou que “a ratio essendi da litispendência visa a que a parte não promova duas demandas visando o mesmo resultado, o que, frise-se, em regra, ocorre quando o autor formula em face do mesmo sujeito, idêntico pedido, fundado da mesma causa de pedir”. nesse mesmo julgado reconheceu a possibilidade de litispendência parcial, a qual ensejaria a reunião dos processos por conexão, de modo a evitar o risco de decisões inconciliáveis, salvo se o anterior já houver sido julgado, caso em que incidiria a súmula 273 da Corte (“a conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado") e a ação ulterior deverá ter seguimento somente em relação ao fundamento que não houver sido objeto de decisão na ação anterior. (Ms 19.348/DF, rel. Ministro MaUrO CaMPBEll MarQUEs, PriMEira sEÇÃO, julgado em 25/02/2016, DJe 03/03/2016) 4 “Portanto, na litispendência ocorre uma repetição de uma ação em curso. O que produz a litispendência é a citação válida” (DEsTEFEnni, 2006, p. 136). 2

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Portanto, configurada a litispendência, “assistiremos à extinção da ação repetida sem resolução do mérito, prestigiando-se a tramitação da ação na qual primeiramente se deu a citação válida” (MOnTEnEGrO FilhO, 2007, p. 247). Para verificar a ocorrência de litispendência torna-se indispensável ter-se em mente os elementos da ação, pois são estes que identificam se uma causa é idêntica a outra. a doutrina de Chiovenda indica três elementos da ação, “os quais, se nos oferecem claramente, desde que se analise a propositura de uma demanda judicial, conforme tenha o autor formulado mais ou menos explicitamente”. assim Chiovenda (1998, p. 51-52) desenvolve seu raciocínio para definir os elementos da ação: (...) Diz o autor, por exemplo (em geral se omitem, mas se subentendem as palavras em parêntesis): a) pois que sou o proprietário do imóvel corneliano (e injustamente o possui Tício), requeiro (que se atue a meu favor a lei mediante) a condenação de Tício a restituir-mo; b) pois que emprestei 100 a Tício (e ele não mos restituiu), requeiro (que se realize a lei a meu favor mediante) a condenação de Tício a pagar-me 100; c) pois que vendi a Tício o imóvel por um preço inferior à metade do justo, requeiro (que a meu favor se atue a lei mediante) a rescisão da venda.

assim sendo, é possível imaginar manobra ardilosa do autor ao propor mais de uma ação e optar por promover com maior celeridade a citação do réu naquela que lhe aprouver. neves comenta essa particularidade com apoio em jurisprudência do superior Tribunal de Justiça.: “O termo ‘litispendência’ é equívoco, podendo significar pendência da causa (que começa a existir quando de sua propositura e se encerra com a sua exibição), ou, ainda, pressuposto processual negativo verificado na concomitância de processos idênticos (mesma ação). Existe corrente doutrinária que entende ser o art. 240, caput, do novo CPC (utilizado para o autor, a demanda já se encontra pendente desde o momento de sua propositura, sendo a citação válida, ato que induz a litispendência somente para o réu (sTJ, 3ª Turma, rEsp. 1.458.741/GO, rel. Min. ricardo villas Boas Cueva, j. 14/404/2015, DJe 17/04/2015). Para outra parcela da doutrina, o dispositivo legal valeu-se do termo em seu segundo significado. registrese que, aparentemente, o superior Tribunal de Justiça compartilha do entendimento dessa segunda corrente doutrinária, tendo posicionamento pacífico de que o efeito gerado pela citação determina a litispendência no sentido de processos idênticos (com a mesma ação), afirmando que a primeira citação é o determinante para se descobrir qual das ações idêntica deve ser extinga (sTJ, 3ª seção, Ms 8.997/DF, rel. Min. Og Fernandes, j. 26/08/2009, DJe 24/09/2009). Dessa forma, havendo duas ações idênticas em trâmite, mas em nenhuma delas tendo ocorrido a citação, aguarda-se o primeiro ato citatório, ainda que realizado em processo mais recente, extinguindo-se sem resolução do mérito o (s) outro (s) processo (s) (nEvEs, 2016, p. 384). 5

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Ou então: d) pois que Tício apresentou a cartório um título de dívida com a minha firma falsificada, requeiro (que a lei se atue a meu favor mediante) declaração de falsidade de tal documento. (...) Desses exemplos deduz-se que as ações constam de três elementos cuja especificação constitui a parte mais importante da ação judicial (CPC, art. 134): 1º) Os sujeitos, isto é, o sujeito ativo (autor), a quem pertence o poder de agir, e o passivo (réu), em face de quem se exerce o poder de agir (personae). 2º) a causa da ação, isto é, um estado de fato e de direito que é a razão pela qual se exerce uma ação, e que habitualmente se cinde, por sua vez, em dois elementos: uma relação jurídica e um estado de fato contrário ao direito (causa petendi). 3º) O objeto, isto é, o efeito a que tende o poder de agir, aquilo que se pede (petitum). O que imediatamente se pede é a atuação da lei, a qual, nas diferentes ações, se apresenta individuada em determinado ato (condenação a restituir o imóvel; condenação a pagar 100; rescisão da venda; declaração de falsidade dum documento). O objeto, pois, a cuja consecução se coordena a atuação da lei (imóvel a restituir; soma a pagar) denomina-se objeto mediato da ação.

Com a lógica matemática de sua exposição, Chiovenda facilita a compreensão dos três elementos inerentes a uma ação, sobre os quais as anotações da doutrina processual brasileira seguem a mesma linha, com o aperfeiçoamento que a ciência processual impõe6. Mais a frente Chiovenda discorre sobre a identificação do fenômeno da identidade de causa, dizendo que isso perpassa por duas operações distintas, “uma que tem por objeto a identificação do bem da vida a que tendem as ações confrontadas, a outra a identificação da pertinência desse bem” (ChiOvEnDa, 1998, p. 430). Quanto à identidade de sujeitos (eadem personae), afirma que “duas ações são diversas unicamente por não corresponderem à mesma pessoa ou não se dirigirem contra a mesma pessoa”. Completa diferenciando que a identidade da pessoa física nem sempre redunda identidade subjetiva de ações, conside-

Para não alongar em citações, podemos exemplificar com: rOCha, 2006, p. 170173; DiDiEr Jr., 2015, p. 287-288, 551-555; GOnÇalvEs, 2005, p. 93-99; ThEODOrO Jr., 2015, p. 175; 5) alviM, 1998, p. 213-219.

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rando que a mesma pessoa pode ter diversas qualidades, e duas ações só seriam subjetivamente idênticas quando as partes se apresentarem na mesma qualidade. O inverso seria de se considerar, ou seja, a mudança da pessoa física como sujeito de uma ação não tem como consequência que o direito trate a ação de modo diverso (pode haver sucessão na ação, assim a título universal como particular)7. no que se refere ainda à identidade de partes, cumpre anotar que o superior Tribunal de Justiça firmou seu entendimento no sentido de que “nas ações coletivas, para efeito de aferição de litispendência, a identidade de partes deverá ser apreciada sob a ótica dos beneficiários dos efeitos da sentença, e não apenas pelo simples exame das partes que figuram no pólo ativo da demanda8 ” e que "a demanda coletiva para defesa de interesses de uma categoria convive de forma harmônica com ação individual para defesa desses mesmos interesses de forma particularizada, consoante o disposto no art. 104 do CDC"9, de tal sorte que a ação coletiva não induziria à litispendência quanto às ações coletivas. Quanto à causa petendi10, sabe-se que ela é “a razão ou

Conclui de forma precisa a análise do tópico: “a diversidade de sujeitos produz diversidade de ações, mesmo quando é devida por diversos ou a diversos a mesma coisa, ou quando se pretende, em relação a diversos, o mesmo efeito jurídico. Temos exemplo do primeiro caso nas obrigações solidárias; do segundo caso, nos direitos potestativos correspondentes a diversas pessoas e tendentes à cessação do mesmo estado ou ato jurídico (direito de todos os sócios de impugnar deliberações da assembleia geral, CCom, art. 163; direito de diversos interessados em impugnar um ato administrativo perante o Conselho de Estado com função jurisidicional). no segundo caso, todavia, os efeitos podem ser especiais, uma vez que, devendo necessariamente o ato impugnável subsistir ou não para todos quantos lhe estão sujeitos (por sua qualidade de sócios ou de administrados), somente pode haver uma decisão, embora as ações sejam subjetivamente diversas; a identidade da qualidade substitui, nesta hipótese, a identidade da pessoa; a coisa julgada, constituída com respeito a um, exclui a ação dos outros. semelhantemente, na ação popular denominada supletiva, se bem que tenhamos tantas ações quanto são, por exemplo, os interessados numa obra pia, termos, ainda assim, uma só decisão, porque age cada um somente como “substituto processual” da entidade”. (ChiOvEnDa, 1998, p. 430-431). 8agrg nos EDcl no rEsp 1455777/rs, rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julgado em 03/09/2015, DJe 17/09/2015. 9 agrg no rEsp 1.360.502/rs, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 29.04.2013. 7

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o motivo pelo qual se exercita a ação” (alviM, 1998, p. 130). Deve-se expor na petição inicial não só a causa próxima - os fundamentos jurídicos, a natureza do direito controvertido – como também a causa remota – o fato gerador do direito, tendo em vista que o novo Código reiterou a acolhida da teoria da substanciação11, em detrimento da teoria da individuação. assim, exemplificando, nas ações pessoais, nas quais não há muita controvérsia a respeito da incidência dessa teoria, quando o pedido é o pagamento de dívida, deverá o autor expor que é credor por força de um ato ou contrato, e isso seria a causa remota, e que a dívida se venceu e não foi paga, e essa seria a causa próxima. no entanto, em se tratando de ações reais, a doutrina diverge, sendo que parte entende que suficiente a referência à causa próxima, que seria o domínio, dispensando-se a menção à causa remota, que seria o modo de sua aquisição (sanTOs, 2007, p. 172). Como bem observa Gonçalves (2015, p. 98), há grande divergência entre os doutrinadores quanto à denominação dos fatos e fundamentos jurídicos. Parte da doutrina atribui aos fatos a qualidade de causa de pedir próxima e aos fundamentos jurídicos a qualidade de causa remota (nelson nery Júnior), enquanto outra parte inverte (vicente Greco Filho)12. não obstante essa controvérsia, o critério tem sido utilizado Chiovenda, quando analisa a identidade de causa (eadem causa petendi), o faz apoiado no conceito de fato jurídico constitutivo do direito, conceituando o fato constitutivo como sendo aqueles que “dão vida a uma vontade concreta de lei e à expectativa de um bem por parte de alguém”. Exemplifica com um empréstimo, um testamento, um ato ilícito, um matrimônio. Exclui dessa concepção “a norma de lei invocada pela parte em juízo”, de tal sorte que a individuação e identificação da ação seria feita “por meio dos elementos de fato que tornaram concreta a vontade da lei, e não pela norma abstrata da lei”. isso implicaria, na visão dele, que “a simples mudança do ponto de vista jurídico (ou seja, a invocação duma norma diferente no caso de que um fato possa incidir em diferentes normas de lei) não importa diversidade de ações” (1998, p. 22 e 443). 11 Em contraposição à teoria da individuação, para a qual a determinação da demanda finca-se nos fundamentos jurídicos do pedido, e não pelos fatos, cuja descrição pode ser alterada no curso do processo. 12 nery Jr.: “iii: 6. Fundamentos do pedido. a petição inicial deverá indicar os fundamentos de fato (causa de pedir próxima) e os fundamentos de direito (causa de pedir remota) do pedido. O autor deve indicar o porquê do seu pedido” (nErY Jr., n; nErY, r., 2001, p. 757). Por sua vez, Greco Filho: “(...) a causa de pedir próxima sãos os fundamentos jurídicos que justificam o pedido, e a causa de pedir remota são os fatos constitutivos. (...)” (GrECO FilhO, 2003, p. 91). Essa confusão se 10

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pela jurisprudência para eliminar a hipótese de litispendência. ao julgar o recurso Especial n. 1.268.590/Pr, de relatoria do Ministro luis Felipe salomão, da 4ª Turma, (julgado em 10/03/2015, DJe 25/05/2015), o superior Tribunal de Justiça entendeu que não teria ocorrido a litispendência (entendida como pressuposto processual negativo que impede a admissibilidade do segundo processo em repúdio ao bis in idem), em caso de execução de saldo remanescente, levando em conta que, no caso, estaria verificada a diversidade das causas de pedir próximas, porquanto, na segunda execução, ela residiria no equívoco perpetrado pela exequente que, conquanto tivesse apresentado planilha de cálculos demonstrando que o valor da dívida convertido em moeda nacional era de r$ 10.282.907,08, fez constar na exordial da primeira execução a cobrança de r$ 4.008.692,55, que correspondia ao valor em dólares. Quanto ao pedido, a doutrina pacificada entende que ele se divide em imediato, no qual se veicula a pretensão processual consistente na prestação da atividade jurisdicional, e mediato, que vem a ser a tutela do bem da vida. Essa bifurcação do pedido é utilizada para se identificar estende à jurisprudência do superior Tribunal de Justiça, como ilustra parte da ementa dos seguintes julgados: “Ementa: (...) 2. a doutrina distingue entre causa de pedir remota e próxima. Esta, imediata, é a alegada violação do direito que se busca proteger em juízo. aquela (causa de pedir remota), mediata, é a fundamentação jurídica fática e que autoriza o pleito do autor. Desse modo, "os fundamentos jurídicos do pedido" a que faz referência o art. 282 do CPC são os fundamentos de fato, ou os fatos constitutivos do direito do autor - aos quais corresponde a causa de pedir remota -, e os fundamentos de direito - aos quais correspondem a causa de pedir próxima. (...)” (rEsp 1322198/rJ, rel. Ministro luis Felipe salomão, 4ª Turma, julgado em 04/06/2013, DJe 18/06/2013) “EMEnTa: (...) 2. É que a liberdade do julgador para qualificar os fatos expostos na inicial advém da Teoria da substanciação do Pedido, adotada pelo sistema Processual Brasileiro (artigo 282, iii, do CPC), segundo a qual se exige, para a identificação do pedido, a dedução dos fundamentos de fato (causa de pedir próxima) e dos fundamentos de direito (causa de pedir remota) da pretensão. rEsp 886.509/Pr, rel. Ministro luiz Fux, 1ª Turma, julgado em 02/12/2008, DJe 11/12/2008) Didier Jr. é bastante didático na explicação desse aspecto: “É possível distinguir, no pedido, um objeto imediato e um objeto mediato. Pedido imediato é a providência jurisdicional que se pretende: a condenação, a expedição de ordem a constituição de nova situação jurídica, a tomada de providências executivas, a declaração, etc. O pedido mediato é o bem da vida, o resultado prático que o demandante espera conseguir com a tomada daquela providência” (DiDiEr Jr., 2015, p. 565).

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se está ou não evidenciada a litispendência. Por exemplo, ao julgar o agravo regimental no recurso Especial n. 12.430/sC, de relatoria do Ministro arnaldo Esteves lima (1ª Turma, julgado em 19/06/2012, DJe 25/06/2012), o superior Tribunal de Justiça, considerando que a recorrente teria, na instância ordinária, trazido ao Judiciário, em três oportunidades (por meio de um mandado de segurança, que teria sido denegado; em ação ordinária, cujo pleito era o reconhecimento da prescrição administrativa, ainda pendente de recurso; e, nos autos do recurso, nos quais sua pretensão seria impedir o certame para preenchimento da vacância do cartório), a discussão sobre a sua manutenção na titularidade de serventia extrajudicial, da qual foi afastada, entendeu que, não obstante o pedido imediato fosse diverso, ambas as ações teriam idêntico pedido mediato – o retorno à titularidade do Ofício do registro Civil, Títulos e Documentos da Comarca de Balneário Camboriú – e, assim, estaria evidenciada a ocorrência da litispendência. nesse julgado, pois, embora houvesse diversidade na espécie da pretensão processual, entendeu-se presente a litispendência pelo fato do bem da vida ser idêntico. vê-se, pois, que a jurisprudência é sempre um fator determinante para fixação dos contornos que assumem os efeitos da citação, muitas vezes até em caráter contraditório como veremos adiante em julgados envolvendo a interrupção da prescrição. tornar litigiosa a coisa O segundo efeito, de caráter processual, produzido pela citação válida é tornar litigiosa a coisa: Tornar litigioso significa dizer que a coisa ou direito estarão vinculados ao resultado do processo, de forma que ao vencedor será entregue a coisa ou o direito independentemente de quem o mantenha em seu patrimônio no momento da execução. Dessa forma, é correta a lição doutrinária que aponta para a ineficácia da alienação da coisa litigiosa perante o vencedor da demanda, o que inclusive enseja ato de fraude à execução, nos termos dos arts. 790, v, e 792, i, do novo CPC (nEvEs, 2016, p. 385).

De tal forma que a litigiosidade implica que o bem jurídico 255


disputado entre as partes se torna vinculado ao resultado da causa, ou seja, fica vedado às partes alterá-lo, sob pena do cometimento de atentado (nCPC, art. 77, § 7º), nem o alienar sem incorrer nas sanções inerentes à fraude à execução (nCPC, art. 790, v). Do atentado resulta a obrigação para a parte de retornar ao status quo, com a proibição de falar nos autos até que a falta seja purgada (art. 77, § 7º). há ineficácia do ato de disposição como consectário da fraude à execução perpetrada com alienação da coisa quando o réu já tiver sido citado validamente, de forma que o bem alienado, “mesmo na posse ou propriedade de terceiro adquirente, continuará sujeito aos efeitos da sentença proferida entre as partes (art. 790 e 792 do nCPC). Frisa-se: o bem litigioso não é propriamente inalienável, mas, uma vez ocorrendo a alienação pelo réu citado validamente, permanece vinculado ao processo, estendendo-se os efeitos da sentença ao adquirente (nCPC, art. 109, § 3°). Da fraude13 à execução decorre a não oponibilidade do ato de alienação ao processo (ThEODOrO Jr., 2015, p. 554-555). Ocorrendo a alienação, pois, o novo Código determina a intimação do autor para se manifestar sobre a possibilidade de alteração no polo passivo, com a retirada do réu originário da relação jurídico-processual e o ingresso, em seu lugar, do terceiro adquirente (art. 109). aceitando o autor, consumado está o fenômeno da sucessão das partes, assumindo o novo titular da coisa ou direito o polo passivo. “Caso não concorde com a alteração, manter-se-á o réu originário no polo passivo, que passará a atuar em substituição processual, a fraude de execução é causa de ineficácia do negócio jurídico relativamente ao credor. Quer isto significar que o negócio jurídico é válido e existente, mas ineficaz. não há nenhuma ação para declará-la, pois, como se trata de ineficácia como matéria de ordem pública (já que o vício é de natureza exclusivamente processual), basta a simples menção ao juiz da causa que houve fraude de execução, para que ele determine que se faça a constrição judicial sobre o bem, em consonância com norma processual (art. 790, v). Poderia vir a ser reconhecida de ofício ou mediante alegação do interessado. ao contrário, a fraude contra credores é vício do negócio jurídico, tornando o ato anulável, nos termos do art. 171, inciso ii, do Código Civil, o que só poderá ocorrer mediante a propositura de ação pauliana ou revocatória. requisitos para essa ação: o credor seja quirografário; o crédito seja anterior ao ato de alienação; tenha havido dano ao direito do credor (eventos damnii), tenha havido ciência da consequência do ato (scientia fraudis) ou consenso entre o devedor e o adquirente (consilium fraudis). (nessa linha: sanTOs, 2008, p. 273).

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defendendo em norme próprio o interesse do adquirente, que poderá, nesse caso, intervir no processo como assistente litisconsorcial” (nEvEs, 2016, p. 385). Muito embora haja uma clareza do texto da lei quanto à litigiosidade, peculiaridades do caso concreto podem indicar a proteção dos interesses dos terceiros de boa-fé. assim é que o superior Tribunal de Justiça, interpretando o art. 42, § 3º, do Código revogado, de redação correspondente ao art. 109, § 3º, do atual, ao analisar recurso apresentado por adquirente de bem imóvel que busca a proteção possessória tendo em vista ordem de reintegração emanada do cumprimento de sentença oriunda de ação da qual não fez parte, entendeu que a coisa só se torna litigiosa se há lide pendente (litispendência), a qual se consuma, para o autor, com a propositura da ação e, para o réu, com a citação válida. Concluiu a Corte, que para o adquirente, o momento em que o bem ou direito é considerado litigioso varia de acordo com a posição ocupada pela parte na relação jurídico-processual que sucederia e, assim, se o bem é adquirido por terceiro de boa-fé antes de configurada a litigiosidade, não há falar em extensão dos efeitos da coisa julgada ao adquirente14. O superior Tribunal de Justiça, em diversos outros casos, tem temperado a incidência dessa consequência processual, ora exigindo que, “na ausência de registro, ao credor cabe o ônus de provar que o terceiro tinha ciência da demanda em curso”15, ora exigindo que o adquirente prove que desconhecia a existência de ação envolvendo o imóvel, “não apenas porque o art. 1º da lei n. 7.433/85 exige a apresentação das certidões dos feitos ajuizados em nome do vendedor para lavratura da escritura pública de alienação, mas, sobretudo, porque só se pode considerar, objetivamente, de boa-fé o comprador que toma mínimas cautelas para a segurança jurídica da sua aquisição”16. Mas foi no julgamento, pela Corte Especial do superior rEsp 1458741/GO, relator Ministro ricardo villas Bôas Cueva, 3ª Turma, julgado em 14/04/2015, DJe 17/04/2015. 15 rEsp 4.132/rs, relator Ministro sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, julgado em 02/10/1991, DJ 07/10/1991, p. 13970. 16 rMs 27.358/rJ, relatora Ministra nancy andrighi, 3ª Turma, julgado em 05/10/2010, DJe 25/10/2010. 14

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Tribunal de Justiça, do recurso Especial n. 956.943/Pr, de caráter repetitivo, com relatoria da Ministra nancy andrighi e que acórdão redigido pelo Ministro João Otávio de noronha (julgado em 20/08/2014, DJe 01/12/2014), que se firmaram os traços delineadores da incidência da fraude à execução: a) seria indispensável citação válida para configuração da fraude de execução, ressalvada a hipótese prevista no § 4º do art. 82817 do nCPC; b) o reconhecimento da fraude de execução dependeria do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente (súmula n. 375/sTJ); c) a presunção de boa-fé seria princípio geral de direito universalmente aceito, sendo milenar a parêmia: a boa-fé se presume e a má-fé se prova; d) não havendo registro da penhora na matrícula do imóvel, seria do credor o ônus da prova de que o terceiro adquirente teria conhecimento de demanda capaz de levar o alienante à insolvência, sob pena de tornar-se letra morta o disposto no art. 84418 do nCPC; e) conforme previsto no § 4º do art. 828 do nCPC, presumir-se-ia em fraude de execução a alienação ou oneração de bens realizada após a averbação referida no dispositivo. a jurisprudência firmada pelo superior Tribunal de Justiça com base no revogado Código é plenamente aplicável às disposições processuais atuais. constituir em mora o devedor Esse é o último efeito decorrente da citação previsto no caput do art. 240 do nCPC, “a citação válida... torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor, ressalvado o disposto nos arts. 397 e 398 da lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)”. Como observa neves (2016, p. 385), o efeito da constituição em mora decorrente da citação sofre uma “série de exceções no Código Civil, diploma que apropriadamente trata do tema”, e isso é a razão pela qual o novo Código incluiu a ressalva 17no acórdão é citado o § 3º, do art. 615-a, do revogado CPC, cuja redação é a mesma do § 4º, do art. 828. 18 no acórdão é citado o § 4º do art. 659, do revogado CPC, cuja redação é similar e idêntica na finalidade ao do art. 844, do nCPC.

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de não ser a citação que constitui o devedor em mora nas hipóteses previstas pelos arts. 397 e 398 do Código Civil. É um efeito de direito material que pressupõe a análise do conceito de mora19. O fato é que a mora ex re, ou de pleno direito, aquela que decorre do simples vencimento da obrigação nos termos do art. 397 do Código Civil ou da prática de ato ilícito, não necessita do ato citatório para sua configuração. nessa hipótese, é de se aplicar o brocardo dies interpellat pro homine (o termo interpela no lugar do credor). a mora que depende do ato citatório para sua concretização é a ex persona20 e 21, aquela em que a obrigação não tiver data fixada para o seu cumprimento, caso em que a citação “atua como equivalente da interpelação” (ThEODOrO Jr., 2015, p. 555).

“Mora é o retardamento ou imperfeito cumprimento da obrigação. Mora solvendi ou do devedor: configura-se quando o inadimplemento da obrigação se dá por parte deste. Mora ex re: mora em razão de fato previsto em lei. Ocorre quando há inadimplemento de obrigação positiva (dar e fazer) e líquida (valor certo), que tenha fixada para o seu cumprimento. O descumprimento acarreta automaticamente a mora, sem necessidade de qualquer providência do credor (o dia do vencimento interpela o homem, art.397, Código Civil). Ocorre também quando se tratar de obrigação negativa, desde o dia em que executar o ato de que se devia abster (art. 390, Código Civil). Por último, haverá mora ex re quando da prática de ato ilícito, desde o momento em que foi praticado (art. 398 do Código Civil). Mora ex persona: ocorre quando a obrigação não tiver data fixada para o seu cumprimento, dependendo de providência do credor. aqui, o devedor só se incorrerá em mora pela notificação, interpelação ou protesto. (art. 397, par. ún., Código Civil)” (DiDiEr Jr., 2015, p. 613). 20 Julgado bastante elucidativo do tema foi proferido pelo superior Tribunal de Justiça no agrg no arEsp 172.693/MT, da relatoria do Ministro Marco Buzzi, 4ª turma (julgado em 06/11/2014, DJe 17/11/2014), no qual assentou-se que “a prévia interpelação judicial para constituição em mora é necessária quando se trata de mora ‘ex persona’, isto é, quando não há termo previamente acordado para cumprimento da obrigação” e que, “em contrapartida, nos casos em que há obrigação positiva, líquida e com termo certo estipulado na avença, tem-se a mora "ex re", que independe de prévia interpelação”. 21 Medina, em nota de rodapé 1101, anota as lições de Ega Dirceu Moniz aragão, no sentido de que “se a mora do réu constitui o fundamento do direito em que o autor assenta o seu pedido, deverá ela preexistir ao ingresso em juízo e à própria citação inicial, uma vez que não poderia o autor fundar a sua pretensão em fato ainda não ocorrido. assim, a constituição em mora pela citação inicial operaria apenas com relação aos casos em que a ação proposta pelo autor não se funda na existência de mora do réu – pois em tal caso esta há de preceder o ajuizamento (Comentários..., cit. n. 236, p. 180-181). nesse sentido, decidiu-se que `a citação inicial somente se presta a constituir mora nos casos em que a ação não se funda na mora do réu, hipótese em que esta deve preceder ao ajuizamento” (sTJ, agrg no rEsp 862.646/Es, rel. Min. raul araújo, 4.ª T., j. 13.11.2012).”(MEDina, 2015, p. 384-385). 19

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vale ressaltar, contudo, que “nem sempre se admite que a citação supra a interpelação prévia, principalmente quando a ação é manejada não apenas para exigir os encargos da mora, mas especificamente para pleitear a resolução do contrato”(ThEODOrO Jr., 2015, p. 557). .nessa esteira é que a jurisprudência firmou-se no sentido de que, se a ação visa cobrar alguma prestação, a força interpelativa da citação, prevista no art. 240, opera. no entanto, se a pretensão busca a resolução do contrato por inadimplemento, ou seja, o rompimento do contrato descumprido, “a regra do direito material é que, inexistindo cláusula resolutória expressa, o exercício da pretensão rescisória deve ser precedido de interpelação judicial”22. Por fim, esse efeito pressupõe que o réu ainda não estivesse em mora quando da propositura da ação, pois, como bem observa Theodoro Júnior, se já estivesse anteriormente configurada, seja “por qualquer razão de direito, o efeito da citação será apenas o de interromper a prescrição, cujo curso se iniciara desde o momento, anterior ao processo, em que o demandado havia incorrido em mora” (ThEODOrO Jr., 2015, p. 555). interromper a prescrição23 Diferentemente do Código revogado, o atual não trata da interrupção da prescrição como efeito decorrente da citação válida no caput do art. 240. neste há menção apenas a três efeitos que a citação válida produz: induz litispendência; torna litigiosa a Conclui Theodoro Júnior a respeito do tema: “Com efeito, o Código Civil prevê que ‘a cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito’, mas ‘a tácita depende de interpelação judicial’ (art. 474). Por isso, nos casos de rescisão (CC, art. 475), a pretensão do contratante prejudicado nasce da mora do contratante faltoso, fato que deve necessariamente ocorrer antes do ingresso da demanda em juízo. a ausência desse requisito inviabiliza o pleito de resolução contratual, já que, para os fins do art. 475 do Código Civil, a falta de prévia constituição em mora ‘não é suprida pela citação”. 23 Tartuce ao tratar do conceito de prescrição, anota, inicialmente, que, com o intuito de não indicar que não se trata de um direito subjetivo público abstrato de ação, o atual Código Civil adotou a tese da prescrição da pretensão”. nos termos do art. 189 do Código Civil, violado um direito, nasce para o seu titular uma pretensão, que pode ser extinta pela prescrição. se o titular do direito permanece inerte, a ele é aplicada a pena da perda da pretensão que teria por via judicial. a prescrição, assim, 22

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coisa; constitui em mora o devedor. Mas logo no seu § 1º prevê que “a interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data de propositura da ação”, o que está agora, em sintonia com o Código Civil, em específico o seu art. 202, i, o qual, entre as hipóteses que elenca como causas interruptivas, estatui que “a interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á: i - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual”. Como observa Theodoro Júnior, o Código Civil, em seu artigo 202, i, considera a citação do devedor como fato hábil a interromper a prescrição, ainda que ordenada por juiz incompetente. Em assim sendo, estamos diante “de outro efeito de natureza material do ato citatório”. Observa Theodoro Júnior que esse efeito pode ser ele alcançado, também, “em citações das tutelas cautelares requeridas em caráter antecedente, que visem à conversão em posterior ação principal (nCPC, arts. 303 a 308)”(ThEODOrO Jr., 2015, p. 555). O Código Civil somente permite a interrupção da prescrição24, 25 e 26 uma única vez (art. 202) e, assim, a “citação não a afetará se alguma outra causa interruptiva houver ocorrido antes da proposiconstitui um benefício a favor do devedor, “pela aplicação da regra de que o direito não socorre aqueles que dormem, diante da necessidade do mínimo de segurança jurídica nas relações negociais”. Distingue as duas espécies de prescrição em extintiva e aquisitiva e, quanto a primeira, anota tratar-se de um fato jurídico stricto sensu justamente pela ausência de vontade humana, prevendo a lei efeitos naturais, relacionados com a extinção da pretensão”. ressalta ainda que na prescrição ocorre a extinção da pretensão sendo que o direito em si permanece incólume, só que sem proteção jurídica para solucioná-lo. Para corroborar essa assertiva, exemplifica com o fato de alguém pagar uma dívida prescrita, caso em que não poderá pedir a devolução da quantia paga, eis que existia o direito de crédito que não teria sido extinto com a prescrição, o que é inclusive regra expressa do art. 882 do Código Civil (TarTUCE, 2016, p. 459-460). 24 negrão anota julgados contraditórios do superior Tribunal de Justiça, ora admitindo a força interruptiva da prescrição decorrente de citação ocorrida em feito que tenha sido depois extinto sem julgamento do mérito, ora em sentido contrário: art. 240: 10e. “a citação válida interrompe a prescrição, ainda que o processo seja extinto sem julgamento do mérito” (rsTJ 93/156, “salvante as hipóteses do art. 267, ii e iii, do CPC”). no mesmo sentido rEsp 947.264, Min. nancy andrighi, j. 25.5.10, DJ 22.06.10; sTJ-4ª T., ag. Em rEsp 316.215-agrg. Min. luís Felipe, j. 11.6.13, EJ 18.6.13). (...). Contra: (...) art. 240: 11. “a citação realizada em ação ajuizada anteriormente, extinta sem julgamento do mérito, por inércia do autor (art. 267, ii e iii, do CPC),

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não tem o condão de interromper a prescrição” (sTJ-4ª T., rEsp. 523.264, Min. Jorge scartezzini, j. 12.12.06, DJU 26.2.07)”. (nEGrÃO et al., 2016, p. 317). Theodoro Júnior faz crítica, com razão, a posição do superior Tribunal de Justiça: “Com a devida vénia, não se entende como um ato perfeito e acabado, como a citação inicial, possa perder seu efeito natural, pelo fato ulterior da extinção do processo sem julgamento do mérito. não é ao processo que a lei confere a força interruptiva da prescrição, mas ao ato isolado da citação, por sua natural função interpelativa, que, aliás, pode ser exercida por vários outros atos isolados, judiciais e extrajudiciais previstos pelo direito material (Cód. Civil, art. 202). O processo pode interferir na duração do efeito interruptivo, fazendo-o durar por maior ou menor tempo antes de iniciar a recontagem da prescrição (Cód. Civil, art. 202, parágrafo único), mas não no fato mesmo da interrupção, cujo aperfeiçoamento é instantâneo e se confunde com o do próprio ato citatório. a extinção do processo, sendo evento muito posterior à citação, a nosso ver, se depara com a interrupção da prescrição já inteiramente consumada não há lei alguma que lhe confira eficácia retroativa para suprimir os efeitos materiais do ato jurídico perfeito operado por meio da citação inicial da demanda”(ThEODOrO Jr., 2015, p. 556). Mais recentemente, o superior Tribunal de Justiça parecer ter firmado no seguinte sentido: “(...) 1. É certo no sTJ que, mesmo quando a ação é extinta sem resolução de mérito, a citação válida - na forma da lei processual, interrompe a prescrição (ex vi do art. 202, i, do CC), excetuandose as hipóteses do art. 267, ii e iii, do CPC - o que não é o caso. Precedentes. 2. agravo regimental não provido”. (agrg no arEsp 733.368/Ma, rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª T., , julgado em 08/09/2015, DJe 17/09/2015). Ou seja, excetuando as hipóteses de abandono da causa pelo autor ou contumácia das partes, nas demais hipóteses de extinção sem resolução do mérito o efeito interruptivo da prescrição, provocado pela citação, válida, persistirá. 25 no julgamento do recurso Especial n. 822.914/rs, da relatoria do Ministro humberto Gomes de Barros, 3ª Turma (julgado em 01/06/2006, DJ 19/06/2006, p. 139), ficou decidido que o despacho do juiz que ordena a citação na ação cautelar tem força interruptiva do prazo prescricional: “(...) iv - PrEsCriÇÃO. inTErrUPÇÃO PElO DEsPaChO QUE DETErMinOU a CiTaÇÃO na CaUTElar. 1. a prescrição ocorre quando o titular do direito não exerce, no prazo legal, ação tendente a proteger tal direito. a inércia é o requisito essencial da prescrição. 2. O despacho do juiz que determina a citação na ação cautelar preparatória tem o condão de interromper o prazo prescricional referente à pretensão principal a ser futuramente exercida (art. 202, i, do novo Código Civil).” 26 O superior Tribunal de Justiça, ao julgar o agravo regimental nos Embargos de Declaração no recurso Especial n. 1.426.620-rs, da relatoria do Min. Marco aurélio Bellize, 3ª Turma (julgado em 05/11/2015, DJe 18/11/2015), registrou que “a jurisprudência desta Corte superior firmou-se no sentido de que a citação válida em ação coletiva configura causa interruptiva do prazo de prescrição para o ajuizamento da ação individual. (...)”. Já no recurso Especial n. 1.449.964-rs, da relatoria do Ministro herman Benjamin, 2ª Turma (julgado em 05/08/2014, DJe 13/10/2014), ficou decidido que, de acordo com a jurisprudência da Corte, “a ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público objetivando a nulidade dos atos normativos expedidos no sentido de não admitir prova de tempo de serviço rural em nome de terceiros interrompeu a prescrição quinquenal das ações individuais propostas com a mesma finalidade (art. 219, caput e § 1º do CPC e art. 203 do CCB)”.

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tura da ação”. Também em função disso, quando se sucederem diversas ações sobre a mesma obrigação, somente a primeira citação produzirá a interrupção da prescrição. O efeito prático da interrupção pela citação é que “o fluxo prescricional permanecerá paralisado durante toda a duração do processo, recomeçando a correr, por inteiro, do ato que lhe puser fim (Código Civil, art. 202, parágrafo único)”. arrematando, se a prescrição já estiver interrompida antes da citação, permanece ela sem andamento na pendência do processo, mas, uma vez encerrado este, a retomada não se dará a partir de zero, pois o lapso de tempo decorrido até o momento do ajuizamento da causa será computado. Essa seria, no dizer de Theodoro Junior, “a consequência necessária da reconhecida falta de força do ato citatório para interromper a prescrição, na espécie”(ThEODOrO Jr., 2015, p. 556). O novo Código adjetivo, na linha do anterior, impôs ao autor a obrigação de adotar, no prazo de 10 (dez) dias, as providências necessárias para viabilizar a citação, sob pena de, não o fazendo, excluir-se a aplicação da regra que, uma vez efetivada, os efeitos da interrupção retroagirão à data da propositura da ação. reiterou o novo Código a regra de que a parte não pode ser prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário. Mais: explicitamente o novo Código regra que o efeito retroativo, previsto no § 1º do art. 240, também se aplica aos prazos decadenciais (art. 240, §§ 1º a 4º). Cumpre anotar, por fim, que a interrupção da prescrição, na forma prevista no § 1º do artigo 240 do novo Código de Processo Civil, “retroagirá à data em que a petição inicial reunir condições de desenvolvimento válido e regular do processo, o que, no caso, deu-se apenas com a emenda da inicial, momento em que já havia decorrido o prazo prescricional”. vale dizer, na esteira do entendimento do superior Tribunal de Justiça, firmado na vigência do Código revogado, mas que se encaixa perfeitamente no cenário atual, se uma petição inicial contendo vícios for ajuizada, uma vez determinada a sua emenda, o momento em que for emendada e assim tornar-se apta a um desenvolvimento válido e regular do processo, é que será levado em conta para fins da mencionada retroação27. 263


ao julgar o agravo regimental no recurso Especial n. 1.423.716/PE (julgado 23/09/2014, DJe 01/10/2014), com relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, o superior Tribunal de Justiça reiterou o entendimento de que, em função da autonomia do processo de execução em relação ao processo de conhecimento, é de cinco anos, contados a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, o prazo prescricional para a propositura da ação executiva contra a Fazenda Pública, em conformidade com o entendimento sufragado na súmula n. 150/sTF, in verbis: "Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação". Convém anotar, no entanto, que, nos termos da súmula n. 383 do supremo Tribunal Federal, o lapso prescricional pode ser interrompido na data em que protocolado o protesto interruptivo, recomeçando a correr pela metade, resguardado o período mínimo de cinco anos28. cOnsideraçÕes finais

EDcl no rEsp 1527154/Pr, relator Ministro ricardo villas Bôas Cueva, 3ª Turma julgado em 27/10/2015, DJe 03/11/2015. 28 na espécie cuidava-se de demanda ajuizada pela associação dos Docentes da Universidade Federal do Pernambuco - aDUFEPE - em face da Universidade Federal do Pernambuco – UFPE -, na qual esta sustentou que a pretensão executória encontrava-se fulminada pela prescrição, pois havia transcorrido mais de 5 (cinco) anos entre o trânsito em julgado da ação de conhecimento (12/6/2000) e o ajuizamento da ação executiva (7/7/2011). Embora, à primeira vista, pudesse se pensar que assistiria razão à UFPE, dever-se-ia observar se a mora pela execução teria decorrido de culpa do exequente ou do executado, ou, ainda, pela mora do Poder Judiciário. algumas peculiaridades do caso levaram ao entendimento da não ocorrência da prescrição: 1º) embora a decisão exequenda tivesse transitado em julgado em 12/06/2000, ela teria se tornado apta à liquidação somente em 01/03/2004. Esta data é que teria dado início ao lustro prescricional. Ocorre que, em 21/01/2009, com o ajuizamento de Medida Cautelar de Protesto, prevista no art. 867 do revogado Código (disposição similar no nCPC, art. 726), teria sido interrompido o transcurso do prazo prescricional da pretensão executória, a teor do disposto no art. 202, ii, do Código Civil, de forma que seria incabível falar em prescrição da pretensão executória. 27

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O que se pode extrair das inovações introduzidas pelo novo Código de Processo Civil, em relação aos efeitos da citação, é que as mudanças representam avanços do ponto de vista redacional, além de atender à boa técnica processual. no entanto, da jurisprudência já consolidada pelo superior Tribunal de Justiça, em face do Código revogado, pode-se inferir que a aplicação das regras regulatórias dos efeitos da citação tem seus contornos delineados diante de especificidades do caso concreto, em alguns casos, inclusive, com evidente contradição, como no exemplo da interrupção do prazo prescricional em caso de ação julgada sem resolução do mérito. referÊncias alviM, Eduardo arruda. Curso de Direito Processual Civil. v. 1. são Paulo: Editora revista dos Tribunais, 1998. ____. Elementos de Teoria Geral do Processo. rio de Janeiro: Forense, 1998. DiDiEr Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. v. 1. 17. ed. salvador : Ed. Jus Podivm, 2015. GOnÇalvEs, Marcus vinicius rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. v. 1. 2. ed. são Paulo: saraiva, 2005. GrECO FilhO, vicente. Direito processual civil brasileiro. v. 1. 17. ed. são Paulo: saraiva, 2003. MEDina, José Miguel Garcia. Direito Processual Civil moderno. são Paulo: Editora revista dos Tribunais, 2015. nEGrÃO, Theotonio et al. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 47. ed. são Paulo: saraiva, 2016. nEvEs, Daniel amorim assumpção. Novo Código de Processo 265


Civil Comentado. salvador: JusPodivm, 2016. nErY Jr., nelson; nErY, rosa Maria de andrade. Código de Processo Civil Comentado. 5. ed. são Paulo: 2001. sanTOs, Moacyr amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil - Processo de Conhecimento. v. 1. 25. ed. são Paulo: saraiva, 2007. _____. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. v. 3. são Paulo: saraiva, 2008. rOCha, José de albuquerque. Teoria Geral do Processo. 8. ed. são Paulo: atlas, 2006. TarTUCE, Flávio. Direito Civil - lei de introdução e Parte Geral. v. 1. 12. ed. rio de Janeiro: Forense, 2016. ThEODOrO JÚniOr, humberto. Curso de Direito Processual Civil. v. 1. rio de Janeiro: Forense, 2015.

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