Tiessa Rocha Ribeiro Guimarães* Wander Carneiro Coelho** DIREITO PENAL MÍNIMO MAIS EFICIêNCIA AO ORDENAMENTO PENAL MINIMUM CRIMINAL LAW MORE EFFICIENCY TO CRIMINAL LAW EL DERECHO PENAL MÍNIMO MÁS EFICIENCIA AL ORDENAMIENTO PENAL
Resumo: O presente estudo visa abordar o direito penal mínimo sob o enfoque da criminologia crítica. Em um momento inicial será feita uma breve exposição sobre a criminologia crítica, apontando as suas características e o seu momento histórico, para então analisar o minimalismo penal, destacando suas principais características, sua incidência na legislação brasileira e, por fim, os motivos que acarretam a sua maior efetividade ao ordenamento penal. Abstract: The present study aims at addressing the Minimum Criminal Law under the lights of critical criminology. In an initial stage will be carried out a brief exposure on critical criminology, pointing out its characteristics and its historical moment, and after that, to analyze the criminal minimalism, highlighting its main characteristics, its impact on Brazilian Law and finally, the reasons that led to its greater effectiveness on the Criminal Law. Resumen: El presente estudio tiene como objetivo tratar el derecho penal * Especialista em Direito Público pela Uniasselvi e em Criminologia pela UFG. Advogada. ** Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Gama Filho, em Investigação Policial pela UCB e em Criminologia pela UFG. Agente de Polícia Civil do DF.
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mínimo desde el punto de vista de la criminología crítica. En una primera etapa se hará una breve presentación de la criminología crítica, señalando sus características y su momento histórico, para entonces analizar el minimalismo penal, destacando sus principales características, su incidencia en la legislación brasileña y, por fin, las razones que llevan a su mayor eficacia en el ordenamiento penal. Palavras-chaves: Criminologia crítica, minimalismo, efetividade. Keywords: Critical criminology, minimalism, effectiveness. Palabras clave: Criminología crítica, minimalismo, eficacia.
INTRODUÇÃO Elegeu-se, para a elaboração deste artigo e dentro do estudo da criminologia, a criminologia moderna, também denominada de crítica, cujo objeto está centralizado na criminalização, saindo assim da criminalidade. A sociedade capitalista tem se revelado produtora da criminalidade e a classe dominante, na maioria das vezes, define o fato criminoso segundo os seus próprios interesses. Nesse sentido, verifica-se que a prisão tem se revelado verdadeiro fracasso como medida de controle dos delitos, uma vez que não cumpre os objetivos de prevenção geral e especial, pois não tem gerado a ressocialização e reintegração dos ex-detentos na sociedade, sendo, dessa forma, incapaz de evitar a reincidência. O minimalismo penal prega a utilização do direito penal apenas como ultima ratio, isto é, quando os demais ramos do direito forem insuficientes. Aliás, sempre que possível é preferível aplicar outras áreas do direito, como, por exemplo, o direito administrativo ou o direito civil, a utilizar-se do direito penal, revelando, assim, um 82
caráter subsidiário e fragmentário ao direito penal. Nessa direção deverá seguir a legislação penal e processual penal e objetiva-se citar alguns institutos em que é nítida a incidência do minimalismo. Resta evidenciado que o aumento de leis e a ampliação do rol de condutas tipificadas como criminosas, como vem acontecendo no ordenamento pátrio, não vem solucionando a questão criminal brasileira e é crescente o descrédito com o sistema penal. O nosso legislador diversas vezes queda-se influenciado por fatos midiáticos e, desse modo, novas leis acabam surgindo. A questão não é o excesso de leis, e sim a efetividade da justiça: a sociedade quer que os crimes, especialmente os mais graves, sejam punidos. Talvez então a solução seja adotar, no Brasil, o direito penal mínimo, punindo rápida e eficazmente os delitos mais sérios e deixando as infrações de ínfima lesividade para a esfera administrativa. Não se pode deixar de lado importante tema, aliás, assunto sempre em voga não apenas para a comunidade jurídica, mas para a sociedade como um todo. A questão da segurança pública deve ser tratada por todos de uma maneira global e é nesse sentido que o atual projeto de reforma do Código Penal, de iniciativa do senado, atualmente em discussão por renomados pensadores do direito, cuja entrega está prevista para maio de 2012, está sendo ansiosamente aguardado. Esse projeto tem por finalidade codificar a legislação penal em um texto único contendo uma parte geral, uma parte especial e legislação extravagante. Tarefa árdua, posto que o atual ordenamento penal conta com cerca de 118 leis especiais que definem tipos penais e com 1600 delitos. Vale destacar que o atual código, de 1940, já não atende aos anseios da sociedade, uma vez que conta com crimes que já estão em desuso e com outros fatos que vem lesando a população, como, por exemplo, os cybercrimes, ainda não são tipificados. Acredita-se que o que sanará o conflito social e significará uma verdadeira implementação de justiça é um código penal enxuto, que contenha apenas os crimes realmente praticados e efetivamente punidos. Derver-se-ia adotar, no ordenamento pátrio, os postulados do direito penal mínimo.
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DIREITO PENAL MÍNIMO SOB O ENFOQUE DA CRIMINOLOGIA CRÍTICA Ao longo dos tempos, vários estudos foram realizados sobre o crime, fenômeno social que aflige a sociedade desde seu princípio. A criminologia crítica, também denominada por alguns autores de “criminologia radical”, enxergou o direito penal como manifestação de poder, contudo, não se acomodou com a realidade, como se observa na criminologia do consenso. Ela buscou compreender o funcionamento do poder detalhadamente (VERAS, 2010, p. 172). Ryanna Pala Veras (2010, p. 127) contextualiza historicamente a criminologia crítica como: A criminologia crítica, como teoria que apresenta uma análise sociológica de índole marxista do fenômeno criminal, surge nos Estados Unidos e na Inglaterra, na década de 1960. Motivouse historicamente pelo mesmo contexto que impulsionou as escolas conflituais: a tensão social interna e o panorama conturbado da política internacional.
Os fundamentos deste pensamento se materializam na crítica às posturas clássicas da criminologia do consenso, insuficientes para entender o fenômeno criminal como um todo. O pensamento marxista sustentava as bases desse raciocínio, vendo o delito como algo dependente do modo de produção capitalista. De forma irônica, Marx afirma que o crime produz professores e livros, o sistema de controle social, como, por exemplo, juízes, promotores, policiais, etc., evoluem procedimentos técnicos e impulsionam as forças produtivas. Para o marxismo, a lei penal depende do sistema de produção e o direito não é uma ciência, mas sim uma ideologia, não possuindo o homem livre arbítrio, estando submetido a um vetor econômico intransponível (SHECAIRA, 2008, p. 326). A atenção da nova criminologia, a criminologia crítica, se voltou especialmente para o processo de criminalização, entendendo ser este um dos maiores nós teóricos e práticos das relações sociais de desigualdade pertencentes à sociedade capitalista. Os adeptos da criminologia crítica partem de um enfoque materialista e estão certos de que só uma análise radical dos mecanismos 84
e funções do sistema punitivo podem possibilitar novos caminhos para o controle social do desvio (BARATTA, 2002, p. 197). O minimalismo penal e o abolicionismo penal estão situados dentro da escola crítica, contudo, o presente abordará apenas o direito penal mínimo, e sua base histórica se encontra no início do século XX, onde seus autores, inspirados pelo marxismo, entendem que o capitalismo seria a base da criminalidade, pois ele leva o homem ao egoísmo, e consequentemente o faz delinquir. Porém, somente seriam perseguidas as condutas delitivas praticadas pelos menos favorecidos, deixando-se de lado a criminalidade praticada pelos poderosos, criando um verdadeiro processo de estigmatização da população marginalizada, que tem como intuito desenvolver um pavor da criminalização e do cárcere para manter a estabilidade da produção e da ordem social (PENTEADO FILHO, 2010, p. 61). A criminologia crítica é para muitos a evolução do estudo criminológico, saindo de raízes biológicas para analisar mais profundamente o fenômeno social. Nesse sentido, pode-se afirmar que ocorreu uma mudança no objeto de estudo da Criminologia: A Criminologia crítica é construída pela mudança do objeto de estudo e do método de estudo do objeto: o objeto é deslocado da criminalidade, como dado ontológico, para a criminalização, como realidade construída, mostrando o crime como qualidade atribuída a comportamentos ou pessoas pelo sistema de justiça criminal, que constitui a criminalidade por processos seletivos fundados em estereótipos, preconceitos e outras idiossincrasias pessoais, desencadeados por indicadores sociais negativos de marginalização, desemprego, pobreza, moradia em favelas etc; [...] (HASSEMER apud SANTOS, 2005)
Segundo os críticos, um fato é denominado criminoso quando há interesse da classe dominante. Da mesma forma, as pessoas são rotuladas criminosas quando esta definição for útil à classe dominante. Afirmam que as pessoas das classes mais altas não são rotuladas como criminosas devido ao controle sobre os meios de produção, que consequentemente lhes dão o controle do Estado e da aplicação da lei (SHECAIRA, 2008, p. 328). Ainda, conforme o entendimento do professor Sérgio Salomão Shecaira (2008, p. 329), para os radicais a divisão entre 85
classes sociais cresce na medida em que as sociedades capitalistas se industrializam, ao passo que as leis penais aumentam de forma progressiva para manter uma estabilidade temporária, mascarando o confronto entre as classes. Para William Chambliss (apud ANITUA, 2008, p. 658), um dos primeiros criminólogos críticos norte-americano, “a sociedade capitalista produz e requer um elevado índice de criminalidade e esta criminalidade é o resultado das imposições culturais, relacionadas ao consumo, e das necessidades materiais, fomentadas pelo processo de extração de mais-valia”. O desvio criminal não se concentra na classe proletária e nos delitos contra a propriedade: o comportamento criminoso se distribui por todos os grupos sociais e causa mais nocividade à sociedade aqueles praticados pelas classes dominantes, como, por exemplo, os crimes de colarinho branco, que são mais graves do que a criminalidade perseguida (BARATTA, 2002, p. 198). A criminologia crítica, também conhecida como criminologia dialética, é censurada, uma vez que analisa e aponta defeitos apenas nos países capitalistas e não avalia o crime nos países socialistas. Na verdade, sustenta a reorganização da sociedade, acabando com o mecanismo de exploração econômica (PENTEADO FILHO, 2010, p. 97). Para a elaboração de uma política criminal das classes subalternas seria necessária uma interpretação distinta dos fenômenos de comportamento socialmente negativo encontrados nas classes subalternas e nas classes dominantes. Necessária se faz a distinção entre política penal e política criminal, sendo a primeira a resposta do Estado, exercendo sua função punitiva à criminalidade e a segunda como política de transformação social e institucional. O direito penal, dentre todos os instrumentos de política criminal, seria o mais inadequado. A tutela penal, por um lado, deveria ser reforçada em áreas de interesse essencial para a sociedade, sendo dirigida para enfrentar a criminalidade econômica, os desvios criminais em órgãos estatais e a criminalidade organizada como um todo. Por outro lado, é preciso contrair ao máximo o sistema punitivo, aliviando a carga negativa exercida pelo direito penal sobre as classes menos favorecidas (BARRATA, 2002, p. 201-202). 86
Convém ainda reconhecer o fracasso do cárcere como medida de controle da criminalidade e de reinserção do criminoso na sociedade. Diante disso, essa nova criminologia propõe a derrubada dos muros do cárcere, por meio do incremento de medidas alternativas, da ampliação das formas de suspensão condicional da pena, da introdução de novas formas de executar a pena em liberdade, etc. (BARATTA, 2002, p. 203). A igualdade formal dos homens perante a lei esconde a grande desigualdade material existente, pois a classe dominante é a responsável pelo discurso realizado pelo direito penal, que reforça e reproduz um sistema de desigualdades sociais. Conforme entendimento do professor Nestor Sampaio Penteado Filho (2010, p. 61), é possível resumir as principais características da teoria crítica como: A concepção conflitual da sociedade e do direito (o direito penal se ocupa de proteger os interesses do grupo social dominante); reclama compreensão e até apreço pelo criminoso; critica severamente a criminologia tradicional; o capitalismo é a base da criminalidade; propõe reformas estruturais na sociedade para redução das desigualdades e consequentemente da criminalidade.
Enfim, se percebe que a criminologia crítica possui propostas diferenciadas de política criminal, visando sintetizar a aplicação do direito penal e tornar mais humano e sociável o sistema penal, iniciando-se com as concepções minimalistas e atingindose o alvo da abolição do sistema penal (SANTOS, 2005).
DIREITO PENAL MÍNIMO Os postulados minimalistas foram desenvolvidos especialmente na Europa meridional. Essa corrente tem como ideal reduzir a atuação do direito penal, daí porque a utilização do nome minimalismo. Sua grande proposta é reduzir, em curto prazo, a aplicação do direito penal, tendo em vista, segundo seus autores, que se este for aplicado de forma extremada poderá 87
trazer consequências mais gravosas do que benefícios: “O delito não existe por “natureza”, mas sim por definição legal; nesse sentido, “o delito é criado pela lei e, em última instância, pelo próprio homem” (SHECAIRA, 2008, p. 338). Os minimalistas entendem que o sistema de exploração na sociedade capitalista permeia toda a criminalidade, devendo isso ser revisto para que se deixe de dar importância à criminalidade de rua (furto, roubo, etc.) para refletir sobre uma criminalidade dos oprimidos, do racismo, da discriminação sexual, dos crimes do colarinho branco, etc. (SHECAIRA, 2008, p. 339). Importa destacar que, do ponto de vista teórico, existem três modelos de minimalismo, sendo um como meio para o abolicionismo, diferente de minimalismo como fins em si mesmo e do minimalismo reformista. Destacam-se, dentro da criminologia crítica, notadamente a respeito do minimalismo penal, os seguintes pensadores: Alessandro Baratta e Luigi Ferrajoli (Itália) e Eugenio Raúl Zaffaroni (Argentina) (ANDRADE, 2006). Para Zaffaroni (apud VERAS, 2010, p. 154), um dos grandes focos da política criminal é a intervenção mínima, que se traduz em uma menor intervenção, obtida por meio da descriminalização e do princípio da oportunidade da ação penal. É importante que se alcancem maneiras diversas para resolver os conflitos de formas reparatórias e conciliatórias ou então deixá-los a cargo das esferas informais de controle. O que não se deve é abdicar da intervenção penal para outras entidades que utilizem os mesmos modos punitivos já adotados. Shecaira (2008, p. 339-340) também propõe sugestões para uma política criminal minimalista, como, por exemplo, a de que para acabar com a criminalidade é necessário transformar bruscamente a sociedade; reduzir a esfera de atuação do direito penal e expandir outras áreas; buscar um direito penal que garanta direitos humanos fundamentais, pela aplicação do direito penal como ultima ratio, de seu caráter fragmentário e de sua natureza acessória. Nesse sentido, verifica-se que é preciso uma política criminal punitiva de intervenção mínima, defendendo que apenas as infrações penais mais danosas à sociedade, que acarretem grande mal, é que devem ser mantidas, visando, assim, resguardar 88
o sistema penal. No entanto, os fatos que forem ser enfrentados pelo sistema penal deveriam ser mais severamente combatidos, a fim de se alcançar melhores resultados no enfrentamento da criminalidade (COELHO, 2001). A intervenção penal mínima, também denominada de direito penal mínimo, é uma opção em face da constatação da deslegitimação do sistema penal. Almejando-se a descriminalização opta a legislação pela aplicação cada vez menor da pena privativa de liberdade em detrimento da elevação da utilização das penas alternativas. Crê-se que o minimalismo vem se tornando programa transitório para o abolicionismo (SILVA, 2003). Assim, os pensamentos minimalistas estão baseados nas seguintes ideias: [...] se deve diminuir o espaço de intervenção penal do Estado na sociedade, e de que os apenamentos devem ser repensados, evitando-se, quando possível, as penas privativas de liberdade. Ou seja, primariamente dever-se-ia diminuir a quantidade de hipóteses previstas como crimes, resguardando-se como tal apenas as mais graves, entendida como as que violentem de maneira direta ou indireta, mas com efeitos significativos nos direitos humanos fundamentais. Para além disso, para as hipóteses restantes como crimes, dever-se-ia, na medida do possível e adequado, evitar as penas privativas de liberdade. Não se confunde com o princípio da intervenção mínima, ele vai além, faz restrições das penas privativas de liberdade. (COELHO, 2001)
Imperioso se faz mencionar que a adoção do direito penal mínimo acarreta a redução da seara penal, pois muitos assuntos ficariam melhor abordados e trariam resultados mais eficazes se tratados em outras áreas que não a penal. Preservar-se-iam as intervenções e punições penais sobre condutas que em outras esferas não teriam suficiente resposta jurídica, por sua gravidade no contexto da vida social. Nessa direção o minimalismo torna-se a solução mais inteligente dentro desse novo enfoque jurídico criminológico (COELHO, 2001). Direito penal mínimo e sua presença no ordenamento brasileiro O direito penal mínimo vem caminhando a passos lentos no ordenamento pátrio, mas já é possível sentir a sua presença. 89
Segundo entendimento de Vera Regina Pereira de Andrade (2006), o minimalismo é uma ideia que já vem sendo aplicada na legislação brasileira ora por meio do princípio da intervenção mínima, ora por meio da utilização da prisão como ultima ratio e ainda por meio da adoção de penas alternativas. Nesse sentido, a crimes graves aplica-se a pena de prisão e a crimes leves (por exemplo, crimes de menos potencial ofensivo) aplicam-se penas alternativas. Com a reforma penal e penitenciária de 1984 é possível vislumbrar no Brasil a adoção dos postulados minimalistas. É o caso das penas alternativas (atual lei 9.714/98), dos juizados especiais criminais estaduais (lei 9.099/95). Dessa forma, nota-se a influência no direito penal do princípio da intervenção mínima, também denominado de princípio da subsidiariedade, princípio constitucional implícito que determina que o direito penal só deve ser aplicado em último caso, quando os demais ramos do direito forem insuficientes, não devendo o direito penal se ocupar demasiadamente da vida dos cidadãos, ceifando sua liberdade e autonomia. Nesse sentido, “o direito penal é considerado a ultima ratio, isto é, a última cartada do sistema legislativo, quando se entende que outra solução não pode haver senão a criação de lei penal incriminadora, impondo a sanção penal ao infrator” (NUCCI, 2009, p. 80). A respeito do tema, ainda ensina Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 81): Caso o bem jurídico possa ser protegido de outro modo, deve-se abrir mão da opção legislativa penal, justamente para não banalizar a punição, tornando-a, por vezes, ineficaz, porque não cumprida pelos destinatários da norma e não aplicada pelos órgãos estatais encarregados da segurança pública. Podemos anotar que a vulgarização do direito penal, como norma solucionadora de qualquer conflito, pode levar ao seu descrédito e, consequentemente, à ineficiência de seus dispositivos.
As penas alternativas à prisão derivam de uma nova tendência mundial de expansão do direito penal, inspirando-se em ideais reabilitadores e em princípios como o da intervenção mínima (APOLINÁRIO, 2010). As penas alternativas ou penas restritivas de direitos como definidas na legislação penal são expressamente definidas em lei, 90
sendo o seu objetivo impedir o encarceramento de determinadas pessoas, condenadas por crimes mais brandos, proporcionandolhes outras formas de cumprimento de pena por meio da restrição de alguns direitos (NUCCI, 2009, p. 418). Assim, pode-se afirmar que as penas alternativas ou restritivas de direitos “estão intimamente ligadas a uma tendência moderna de abrandamento do rigor punitivo do Estado, e reflexões garantistas colocam-nas à frente do que se revela uma nova postura penal” (MARCÃO, 2004, p. 199). Convêm ainda ressaltar, a respeito das penas alternativas, que: A aplicação das penas restritivas de direitos leva em conta a presença de requisitos objetivos e subjetivos, revelando importante medida de política criminal, com justa e adequada punição longe do cárcere, observada a proporcionalidade, destinando-se àqueles condenados que praticaram infrações penais sem revelar acentuada periculosidade ou severo desvio de personalidade, que não reclamam resposta penal mais enérgica. [...]. (MARCÃO, 2004, p. 200-201)
Destarte, a lei 9.099/95 (juizados especiais criminais) foi considerada pela maioria um avanço na legislação penal e processual penal brasileira, uma vez que fortaleceu as penas alternativas à prisão e as difundiu, passando a ter grande aplicação e utilidade no ordenamento penal, prevendo tratamento diferenciado e mais célere às infrações de menor potencialidade ofensiva, por meio de mecanismos como a conciliação, transação penal, fixação imediata de uma pena restritiva de direitos ou de multa e ainda estabelecendo a possibilidade de suspensão condicional do processo (APOLINÁRIO, 2010). Percebe-se que a própria sociedade vem rechaçando a imposição de penas descomedidas aos delitos de menor potencialidade ofensiva. Assim, vem sendo crescente os mecanismos despenalizadores, com a finalidade de se evitar abusos e excessos. Com esse espírito entrou em cena a lei dos juizados especiais, a lei 9.099/95, com a possibilidade de transação penal e imposição de penas alternativas e suspensão condicional do processo. A respeito das penas alternativas, um exemplo clássico de sua incidência ocorre na legislação penal especial, qual seja a lei 91
de drogas (lei 11.343/06), em seu artigo 28, que estabelece penas restritivas de direitos ou multa aos usuários de drogas, e de maneira alguma se tolera a imposição de penas privativas de liberdade (NUCCI, 2010, p. 169). Com relação aos crimes ambientais, os tribunais também vêm adotando os ensinamentos do direito penal mínimo e da insignificância. Nessa linha é o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª região (apud NUCCI, 2010, p. 106-107): [...] Somente a expressiva ofensa ao bem jurídico relevante adentra na esfera penal e, mesmo assim, quando outros ramos do Direito não forem adequados para a proteção do bem jurídico. O direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico, de modo que não há falar em adequação típica diante de lesão irrelevante. A inexistência de qualquer espécime recolhido pelo réu não coloca em risco o equilíbrio ecológico, revelando-se insignificante no âmbito jurídico-penal. O maior perigo à biodiversidade nas regiões costeiras não provém das comunidades tradicionais, mas das grandes embarcações de pesca que desrespeitam zonas limítrofes de preservação. A aplicação do instituto da insignificância, em casos similares ao presente, não deixa desprotegidos os bens tutelados pela norma jurídica, pois a apreensão do equipamento de pesca resulta efetivo prejuízo ao acusado, de modo a coibir condutas idênticas a até mesmo a sua reiteração. (ACR 2007.72.01.004540-6-SC, 8.ª T., rel. Maria de Fátima Freitas Labarrére, 26.08.2009, m.v.)
Deduz-se, diante dos exemplos expostos, que o minimalismo já é tendência no ordenamento jurídico brasileiro, consolidando a cada dia mais o princípio da intervenção mínima, corroborando a ideia de que para uma melhora e eficácia da justiça criminal certos assuntos deveriam deixar de ser tutelados pelo direito penal e passar à proteção de outras esferas do direito. Direito penal mínimo: mais eficiência ao ordenamento penal A sociedade ainda não está preparada para o abolicionismo pregado por alguns doutrinadores e a importância de mecanismos de sancionamento penal mostra vitalidade e compatibilidade constitucional. Os bens jurídicos lesados sem resposta geram estímulo ao retrocesso, isto é, à justiça pelas próprias 92
mãos e ao descrédito na força da democracia para manter a paz. Assim, o Estado Democrático de Direito não pode prescindir da tutela dos bens jurídicos que ele próprio estabelece. A anomia penal, ou seja, a ausência de leis penais, acarreta a sensação de impunidade, e não de liberdade, como já se chegou a pensar: “A fraqueza do Estado em proteger seus cidadãos, especialmente diante da criminalidade violenta, organizada e financeira deslegitima o respeito que os direitos humanos, de todos, devem sempre merecer” (GONÇALVES, 2012, p. 28-29). O princípio da insignificância, elaborado por Claus Roxin (apud CACHO, 2012, p. 31), fornece elementos ao minimalismo penal. Assim: Só pode ser castigado aquele comportamento que lesione direitos de outras pessoas e que não seja simplesmente pecaminoso ou imoral. À conduta puramente interna, puramente individual - seja pecaminosa, imoral, escandalosa ou diferente -, falta a lesividade que pode legitimar a intervenção penal.
O direito penal mínimo representará uma maior efetividade, como se observa no anteprojeto do novo Código Penal, que visa descriminalizar algumas ações que já não são mais recriminadas pela população e a criminalização de certas condutas que são rejeitadas pela sociedade, mas ainda não estão tuteladas no ordenamento penal, trazendo então para a futura estrutura do código uma lógica jurídica. É preciso ter uma legislação que seja coerente com os problemas da sociedade brasileira e, além disso, que esta seja eficaz, atual e suficiente para o controle da criminalidade. É também importante que a política criminal que há de vir abarque as várias correntes científicas modernas com seus dogmas relacionados (CACHO, 2012, p. 30). No sentido de que novas leis não são o melhor caminho para se enfrentar a criminalidade é o entendimento do renomado desembargador e doutrinador Guilherme de Souza Nucci em entrevista concedida à revista jurídica Consulex (2012, p. 7): Estou plenamente convencido de que, no Brasil, o Direito Penal está superinflacionado, embora, no começo de minha carreira também achasse que tínhamos poucas leis. Não podemos perder de vista, entretanto, que nosso processo penal
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é bastante garantista. Sua essência está voltada à liberdade individual, mesmo porque a maioria de seus princípios basilares está na Constituição Federal.
Na sociedade brasileira o encarceramento parece ser uma tradição, sendo a pena vislumbrada apenas no cárcere e não se admitindo outras formas de aplicação da pena. Se não há prisão, a sociedade acredita que houve impunidade. O judiciário muitas vezes difunde essa cultura por meio de discursos como o direito penal do inimigo (ODON, 2012, p. 33). Os postulados do direito penal mínimo seriam muito eficientes no ordenamento pátrio, porque não possibilitam que os delitos graves fiquem impunes. A impunidade não está relacionada à quantidade de leis, no Brasil existe uma grande quantidade de leis em vigor, não sendo esta a questão. É necessário um Estado bem aparelhado capaz de apurar e punir, pois a sociedade está cansada de presenciar a impunidade de estupradores, corruptos, ladrões e traficantes (NUCCI, 2012, p. 8). A punição efetiva não exige um ordenamento repleto de leis, e sim um Estado que apresente resultados no combate das infrações mais graves com um processo sério, ágil e objetivo. Nesse sentido, é melhor utilizar o poder judiciário para apurar e punir um homicídio rapidamente, deixando questões pormenorizadas para a esfera administrativa, como é o caso, por exemplo, do ato obsceno (NUCCI, 2012, p. 7). A respeito da variedade e da multiplicidade das normas ensina Norberto Bobbio (1999, p. 5-6): El número de reglas que cotidianamente encontramos em nuestro camino, como seres que actuamos hacia fines, es incalculable; es tal que enumerarlas sería tan fatigoso como vano contar los granos de arena de uma playa. El iter de cada acción nuestra, por modesta que sea, está contramarcado por um gran número de proposiciones normativas que resulta dificilmente imaginable para quien actúa sin darse cuenta se las condiciones en las que lo hace.
Com o fito de organizar as leis extravagantes em um texto codificado e descriminalizar algumas condutas está sendo elaborado o projeto do novo Código Penal, tendo como objetivo 94
o princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, limitando o poder incriminador do Estado de Direito e estabelecendo que a criminalização de uma conduta só é devida se for meio essencial e indispensável para a proteção de determinado bem jurídico. Portanto, a fim de evitar o excesso de crimes é importante ter em mente que se outros meios de controle social forem capazes de tutelar os bens jurídicos violados, a sua criminalização será inadequada e desnecessária (CACHO, 2012, p. 31). A sociedade brasileira está infiltrada pela criminalização, defende Nucci (2012, p. 7): O leigo acredita, erroneamente, que mais leis resultam na diminuição das práticas criminosas. O fato é que temos uma infinidade de condutas, classificadas como crime, que não são punidas. Com todo o respeito ao legislador pátrio, considero improcedente a tipificação dos delitos de charlatanismo (art. 283, CP) e de curandeirismo (art. 284, CP). Em 23 anos de magistratura, nunca julguei esse tipo de crime. Acertadamente, a previsão de mendicância do Decreto-Lei nº 3.688/41 (art. 60) foi revogada, pois afrontava os princípios da Constituição Federal, mas a vadiagem (art. 59) ainda é contravenção penal cuja inconstitucionalidade demonstro em Princípios Constitucionais Penais e Processuais. A lei, nesse ponto, é elitista, pois admite que o sujeito que possui renda incorra na vadiagem, presumindo que poderão praticar o roubo aqueles que não comprovem meios bastantes de subsistência.
O controle social nunca foi verdadeiramente aplicado na sociedade brasileira, sendo aqui o controle social extremamente penal e ainda racista, desigual, sexista, etnicista, autoritário e discriminatório. Contra a desordem sempre foi adotada a repressão (GOMES, 2012, p. 35).
CONCLUSÃO O atual sistema punitivo já demonstrou que não é capaz de conter a crescente onda de violência que se estabelece no seio de nossa sociedade. Fica evidente que simplesmente aumentar o
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número de crimes previstos na legislação ou o rigor com que são punidos os já existentes não soluciona o problema da criminalidade e da insegurança causada por ela, além de não recuperar o infrator e tampouco evitar a reincidência. Diante disso, a criminologia crítica resolveu estudar o fenômeno da criminalização, passando a entender que o fato definido como crime serve a interesses de uma classe dominante dentro da sociedade capitalista. Chegaram à conclusão de que somente uma parcela da sociedade é rotulada como criminosa, pois aqueles que possuem o controle sobre os meios de produção, e consequentemente o controle sobre o Estado e a aplicação da lei, jamais serão rotulados como criminosos. Ora, não é somente nas classes mais baixas que ocorre o chamado desvio criminal, estes estão presentes em todos os grupos sociais e os que causam mais prejuízo para a sociedade e deveriam ser punidos com mais rigor são justamente os praticados pelas classes dominantes, como, por exemplo, os chamados "crimes de colarinho branco". A teoria do direito penal mínimo surgiu com a intenção de reduzir a atuação do direito penal, afirmando que sua aplicação de forma exagerada traria resultados mais graves do que benefícios à sociedade, pois o delito não existe na natureza, ele é criado pelo homem e, como já vimos, serve a interesses de alguns poucos. A sociedade capitalista fomenta a criminalidade e por isso deve rever seus valores, deixando de dar importância para uma criminalidade de rua e passando a dar mais enfoque à criminalidade dos oprimidos, como, por exemplo, ao racismo e crimes do colarinho branco, crimes estes que causam prejuízo a uma grande parcela da sociedade e por tal motivo devem ser punidos com mais rigor. Ao optarmos pela intervenção penal mínima, estaríamos decidindo descriminalizar as condutas menos lesivas à sociedade e reconhecendo que o sistema punitivo atual não atinge seus objetivos. A pena privativa de liberdade ficaria restrita apenas a alguns crimes, notadamente aqueles considerados graves, e haveria larga aplicação de penas alternativas.
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