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Adriano Figueredo Carneiro* Karina de Magalhães Rodrigues Figueredo** A SAÚDE MENTAL NO BRASIL SOB O ENFOQUE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 MENTAL HEALTH IN BRAZIL UNDER THE FOCUS OF THE FEDERAL CONSTITUTION OF 1988 LA SALUD MENTAL EN BRASIL BAJO EL ENFOQUE DE LA CONSTITUCIÓN FEDERAL DE 1988

Resumo: Discutem-se, atualmente, os índices alarmantes de brasileiros que sofrem com doenças relacionadas à saúde mental que debilitam a vida em comunidade. Os indicadores apontam que 23 milhões de brasileiros necessitam de algum tratamento relacionado à saúde mental (ESTADÃO, 2010, online). A saúde é um direito natural do ser humano, de maneira que o Estado é obrigado a atuar de forma positiva, ou seja, antecipando-se aos problemas, devendo implementar políticas públicas que cuidem da dignidade física e mental de seus nacionais, de maneira a promover a salubridade pública. A saúde é direito social, cabendo ao Poder Público reduzir os riscos de doenças mentais e demais transtornos, levando vida saudável ao povo, conforme consta do art. 6º da Constituição Federal de 1988 (CF/88). O presente trabalho caracteriza-se por ser um estudo bibliográfico, que tem por objetivo analisar e descriminar os direitos dos cidadãos brasileiros no que tange à saúde mental com base na CF/88 e na legislação infraconstitucional.

* Especialista em Ciências Criminais pela Universidade Cândido Mendes e em Segurança Pública pela Academia Estadual de Segurança Pública do Ceará. Capitão da Polícia Militar do Estado do Ceará. ** Especialista em Educação Psicossocial pela Universidade Vale do Acaraú e em Saúde Mental pela Universidade Estadual do Ceará. Psicóloga.

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Abstract: It discusses currently the alarming rates of Brazilians who suffer from mental health related illnesses that weaken community life. The indicators show that 23 million Brazilians need some treatment related to mental health (ESP, 2010, online). Health is a natural right of the human being, so that the state is obliged to act in a positive way, ie, anticipating problems and should implement policies that take care of the physical and mental dignity of their nationals, so the promote public health. Health is a social right, leaving the Government to reduce the risk of mental illness and other disorders, leading healthy life to the people, as contained art. 6 of the Constitution of 1988 (CF/88). This work is characterized by being a bibliographical study, which aims to analyze and discriminate the rights of Brazilian citizens regarding mental health based on CF/88 and constitutional legislation.

Resumen: Se discuten, actualmente, las tasas alarmantes de brasileños que sufren de enfermedades mentales relacionadas a la salud mental que debilitan la vida comunitaria. Los indicadores muestran que 23 millones de brasileños necesitan algún tratamiento relacionado con la salud mental (ESTADÃO, 2010, online). La salud es un derecho natural del ser humano, por lo que el Estado está obligado a actuar de una manera positiva, es decir, anticiparse a los problemas, además de deber aplicar políticas que se ocupen de la dignidad física y mental de sus ciudadanos, buscando promover la salud pública. La salud es un derecho social y cabe al Gobierno reducir el riesgo de enfermedades mentales y otros trastornos, llevando una vida sana a la gente, como está en el artículo 6 de la Constitución de 1988 (CF/88). Este trabajo se caracteriza por ser un estudio bibliográfico, que tiene como objetivo analizar y discriminar los derechos de los ciudadanos brasileños en materia de salud mental basado en la CF/88 y en la legislación constitucional.

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Palavras-chaves: Política, Saúde mental, Brasil. Keywords: Politics, Brazil, Mental Health. Palabras clave: Política, Brasil, Salud Mental.

INTRODUÇÃO

A escolha pelo tema “A saúde mental no Brasil sob o enfoque da Constituição Federal de 1988” nasceu da escuta do sofrimento psíquico e da subjetividade de sujeitos adoecidos, que traziam em suas histórias a fragilidade social, comunitária, familiar e profissional ao terem que lidar com seus processos de adoecimento mental e não encontrarem no Poder Público fonte de amparo ideal. O núcleo da presente pesquisa desponta a partir de questionamentos acerca da existência de tutela constitucional em matéria de saúde, da discussão de legislação infraconstitucional, redes de cuidado e políticas públicas que tenham como foco a saúde mental dos cidadãos, problemáticas estas que, se não cuidadas, dão sustentáculo ao aumento das doenças e transtornos mentais em nosso país, o que ora nos parece realidade. Tais adoecimentos certamente impactarão no equilíbrio das relações sociais vigentes em nosso país, passível até de conspirar contra o Estado Democrático e Social Brasileiro. No entanto, a pesquisa tenta trazer uma nova visão para delimitar e influenciar as políticas públicas em torno da saúde mental do ser humano, a fim de contribuir com a salubridade pública no país, aspecto este por demais discutido nas comunidades acadêmicas, científicas e profissionais da área. Discutem-se, atualmente, os índices alarmantes de 145


brasileiros que sofrem com doenças relacionadas à saúde mental que debilitam a vida em comunidade, de maneira que o Estado Federal, ou seja, o Brasil, assiste estupefacto a essa “onda” assustadora que compromete o equilíbrio da cidadania e da dignidade do ser humano. Os indicadores apontam que 23 milhões de brasileiros necessitam de algum tratamento relacionado à saúde mental (ESTADÃO, 2010, online). A saúde mental é um direito fundamental de segunda geração, ou seja, característico do estado do bem-estar social (estado assistencialista) emergido em meados do século XX, de maneira que o Poder Público é obrigado a atuar de forma positiva, ou seja, assistencialista, antecipando-se às doenças. Historicamente, as destinações orçamentárias voltadas para políticas de otimização dos atendimentos hospitalares nessa área são pífios. Segundo Gonçalves, Vieira e Delgado (2012, p. 56), no artigo intitulado “Política de Saúde Mental no Brasil: evolução do gasto federal entre 2001 e 2009”, nas Américas, 33,3% dentre os países que dispõem desse dado alocam mais de 5% de seu orçamento de saúde em saúde mental. Dos países americanos, 44,4%, entre eles o Brasil, gasta, apenas, entre 2% e 5% do seu orçamento em saúde mental. Esse é um dos principais problemas a serem enfrentados nos próximos anos pela Política de Saúde Mental no Brasil. É preciso aumentar a representação do orçamento da saúde mental no orçamento da saúde, num contexto político/econômico em que o próprio orçamento da saúde enfrenta obstáculos para o seu crescimento. O crescimento do gasto em saúde mental, por outro lado, mostra-se pouco menor que o crescimento do gasto total do Ministério da Saúde – aqui, o desafio da sustentabilidade da Política de Saúde Mental coloca-se de forma crucial (GONçALVES, VIEIRA e DELGADO, 2012). As doenças decorrentes de dificuldades na seara da saúde mental do ser humano estão entre as cinco maiores causas de morte no mundo, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (2000), pondo em risco o exercício pleno da cidadania em nosso país. A insalubridade mental é a terceira causa de morte entre jovens, ficando atrás de acidentes e homicídios (FOLHA, 2012, online). 146


No Brasil, 23 milhões de pessoas (12% da população) necessitam de algum atendimento em saúde mental. Pelo menos cinco milhões de brasileiros (3% da população) sofrem com transtornos mentais graves e persistentes (ESTADÃO, 2010, online). Em todo o mundo, mais de quatrocentos milhões de pessoas são afetadas por distúrbios mentais ou comportamentais. Os problemas de saúde mentais ocupam cinco posições no ranking das dez principais causas de incapacidade, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). O país conta com 1.513 CAPS, mas a distribuição ainda é desigual (ESTADÃO, 2010, online). São índices preocupantes para um Estado que tem como fundamento maior a cidadania e a dignidade da pessoa humana, conforme art. 1º da Constituição Federal (CF) de 1988. É direito do cidadão a plena saúde mental, conforme artigo 169 da Constituição Federal de 1988 (CF/88), que dispõe: [...] saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

É grande a luta pelo direito à saúde, por melhores formas de tratamento e por cuidados mais humanizados na área de saúde mental. Interrogou-se acerca da existência atual de legislação que regule a matéria, de políticas públicas e redes de cuidado que tenham como foco a saúde mental dos cidadãos, problemática esta que, se não cuidada, dá sustentáculo ao aumento das doenças e dos transtornos mentais em nosso país, quem sabe até aumentando os índices de morte, de maneira a ameaçar o Estado Democrático e Social brasileiro. Ainda, há inúmeras discussões a respeito dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, relativos à saúde, elencadas na Carta Garantista de 1988, ou seja, o pacto pela vida (Portaria GM/MS nº 325, de 21 de fevereiro de 2008). Importante frisar que a formulação de uma política de saúde mental ainda se mostra pouco consistente, na medida em que não 147


há consenso coletivo e as atuações profissionais são pautadas mais por concepções individuais (DOBIES e FIORONI, 2010). Por outro lado, o processo brasileiro de desenvolvimento da política de saúde mental e as peculiaridades regionais indicam desafios a serem enfrentados, de maneira que os CAPSi são a principal ação brasileira porque respondem à necessidade de ampliação de acesso ao tratamento para casos que até então estavam fora do sistema formal de saúde mental (COUTO, DUARTE e DELGADO, 2008). Assim, pretende-se, neste estudo, analisar e discriminar os direitos dos cidadãos no que tange à saúde mental no Brasil, com base na CF/88 e na legislação infraconstitucional, e, dessa forma, oferecer subsídios teóricos que promovam reflexões e avanços no campo do Direito da saúde mental.

SAÚDE MENTAL COMO DIREITO CONSTITUCIONAL

De acordo com orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS), podemos definir saúde como: “estado de equilíbrio e completo bem-estar físico, mental e social”. Ainda conforme a OMS, não há um conceito padrão para definir saúde mental. Certamente, se nós quiséssemos defini-la, estaríamos restringindo ao máximo sua amplitude de alcance e a real essência de tão importante assunto, mas, para o presente trabalho, com intenções didáticas, se faz necessária uma definição, mesmo que superficial. Conforme definição apresentada no sítio do portal da saúde da Secretaria de Saúde do Estado do Paraná, “saúde mental” é o equilíbrio emocional entre o patrimônio interno e as exigências ou vivências externas. É a capacidade de administrar a própria vida e as suas emoções dentro de um amplo espectro de variações sem, contudo, perder o valor do real e do precioso. É ser capaz de ser sujeito de suas próprias ações sem perder a noção de tempo e espaço. É buscar viver a vida na sua plenitude máxima, respeitando o legal e o outro (GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ, 2012, online). 148


O cidadão participante ativo das relações sociais de uma determinada comunidade deverá agir conforme um domínio apurado da realidade, até porque a paz social entre os indivíduos será alcançada na medida em que os concidadãos consigam fazer a diferença entre o real e o irreal, tenham atitudes positivas a seu próprio respeito, saibam lidar com as alterações emocionais do dia a dia, tenham certa resiliência para saber driblar e superar os obstáculos das vivências externas. Por outro lado, caso aconteça o desequilíbrio mental dos sujeitos participantes das relações sociais de determinada sociedade, se põe em risco a salubridade pública do local, ou seja, o estado ideal de sanidade de um lugar, em virtude do qual se mostram favoráveis as condições de vida de quantos os habitam. A salubridade pública, conforme De Plácido e Silva (2004, p. 1251), refere-se ao estado sanitário de um lugar ou aos requisitos indispensáveis à sanidade pública. Recebe o qualificado de público justamente por ser de interesse geral e comum, mostrando matéria que merece direta vigilância dos próprios poderes constituídos. Dessa forma, entende-se que é obrigação do Poder Público a prestação da saúde mental dos cidadãos e o estar permanentemente em constante vigilância quanto à implementação das Políticas Públicas voltadas à saúde dos que convivem no país, de maneira que o Estado deve atuar de forma proativa, prevenindo as incursões das doenças mentais nos sujeitos, atendendo e realizando os conceitos principiológicos insculpidos na CF/88. O acesso às redes de saúde mental espalhadas no país é direito fundamental dos cidadãos que estão aflitos e passam pelas dificuldades dos transtornos. Esse acesso tem que ser universal e efetivo, lembrando-se que sem preconceitos de qualquer espécie. O início do processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil é contemporâneo da eclosão do “movimento sanitário”, nos anos 1970, no qual se buscava mudança dos modelos de atenção e gestão nas práticas de saúde. Embora contemporânea, a Reforma Psiquiátrica tem sua história própria, é processo político e social complexo, que avança marcada por impasses, tensões, 149


lutas, conflitos e muitos desafios. A Reforma Psiquiátrica brasileira implementou novas propostas e possibilidades de assistência ao cliente com sofrimento psíquico, assegurando o exercício de seu direito à cidadania (MORAES et al., 2010). O ano de 1978 marca o início do movimento dos pacientes psiquiátricos em luta por direitos, humanização do cuidado em saúde, fim das violências e mercantilização da loucura. Buscava-se acabar com o modelo hospitalocêntrico crítica ao saber psiquiátrico e à hegemonia das redes privadas de assistência. Nesse senário de crítica aos modelos hospitalocêntricos, o II Congresso Nacional do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (Bauru, São Paulo, 1987) foi fundamental para o movimento, trazendo para o contexto social o lema “Por uma sociedade sem manicômios”. Tal movimento foi a pedra angular da ruptura com esse modelo e de criação do primeiro CAPS no Brasil, na cidade de São Paulo, no mesmo ano. Juntamente com a repercussão nacional, o processo de intervenção da Casa de Saúde Anchieta, local de maus-tratos e mortes de pacientes, traz a possibilidade de construção de uma rede de cuidado efetivamente substitutiva ao hospital psiquiátrico. No ano de 1989, dá-se entrada, no Congresso Nacional, ao Projeto de Lei do deputado Paulo Delgado (PT/MG), que propõe a regulamentação dos direitos da pessoa com transtornos mentais e a extinção progressiva dos manicômios no país. A CF/88, promulgada em 05 de outubro de 1988, institui o Estado Democrático e Social, o qual tem obrigação de cuidar da saúde das pessoas. Tem como principal fundamento a cidadania e a dignidade da pessoa humana, sustentáculos essenciais para a efetividade da saúde mental no país. O direito à vida é um precedente fundamental para a busca da felicidade humana, consagrado no caput do art. 5º da CF/88: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida [...]”. Num contexto de rediscussão do papel do Estado na saúde, de redemocratização e de desenvolvimento dos ideais da 150


reforma sanitária, a CF/88 institui o Sistema Único de Saúde (SUS) e seus princípios – universalização, integralidade, descentralização e participação popular (BORGES e BAPTISTA, 2008), destarte, criam-se condições para o acesso integral da população aos cuidados da saúde mental na área pública. Observou-se um avanço no país. Com o surgimento do Sistema Único de Saúde (SUS) a partir da CF/88, mudam-se completamente as ferramentas instrumentais e as políticas públicas de atenção à saúde mental. Essa mudança se deu com o nascimento da nova ordem Constitucional de 1988 e com a criação do Estado do bem-estar social. Com a emergência do Sistema Único de Saúde, a noção de território se tornou um princípio organizador dos processos de trabalho nas políticas de Atenção Básica e Saúde Mental (LEMKE e SILVA, 2011). Cabe à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios aplicar, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde mental, recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre alíquotas estabelecidas em lei específica, bem como sobre a arrecadação dos impostos estaduais e municipais, e, ainda, sobre a repartição das receitas tributárias dos entes federados, tudo proposto pela CF/88. Ou seja, a destinação legal do orçamento público para otimização das políticas públicas em saúde mental ocorre, mas é insuficiente. Os entes federados têm um papel relevante no planejamento e na efetivação de políticas públicas que envolvem a saúde mental. Simon e Baptista (2011, p. 2228) afirmam que a participação dos estados torna-se fundamental na formulação e adaptação regional da política, na construção de uma rede substitutiva de serviços, na coordenação das ações no território, no combate às desigualdades e na melhoria das condições locais com o fortalecimento da capacidade institucional nos municípios, principalmente nas regiões onde existem verdadeiros vazios assistenciais. Conforme art. 200 e seus incisos, CF/88, compete ao SUS: controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde mental e participar da produção de 151


medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos da área; executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde mental do trabalhador; ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde mental; participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico; fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; e colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. A Lei Federal n. 10.216/2001, seguindo os mandamentos constitucionais, propiciou a substituição do velho paradigma asilar, impedindo a expansão de leitos em hospitais psiquiátricos, por um novo paradigma, comunitário, integrado à sociedade e ao sistema geral de saúde, bem como proporcionou a retração das instituições asilares e sua substituição progressiva por estruturas comunitárias de cuidado, como o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), os hospitais-dia e as residências terapêuticas (DAL POZ, LIMA e PERAZZI, 2012). A referida Lei estabeleceu o fim das internações anônimas. Esse aspecto resultou da regulamentação da internação involuntária, sustentáculo da legitimidade jurídica do dispositivo asilar, com a obrigatoriedade da comunicação à autoridade judiciária das internações contra a vontade do paciente, visando preservar os direitos civis, resguardando-os de um ato de violência até então banalizado pelos hospitais psiquiátricos (DAL POZ, LIMA e PERAZZI, 2012). A configuração do Sistema Único de Saúde (SUS) e a instituição de seus princípios representaram a consolidação de um processo de luta pela democratização do acesso à saúde (SIMON e BAPTISTA, 2011). Assim, o direito à saúde mental é um direito social, inserido, como gênero, no art. 6º da CF/88: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, 152


a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Os direitos sociais, direitos de segunda geração, apresentam-se como prestações positivas a serem implementadas pelo Estado do Bem-Estar Social (Welfare State) e tendem a concretizar a perspectiva de uma isonomia substancial e social na busca de melhores e adequadas condições de vida, portanto, o direito à saúde mental é direito fundamental do ser humano. É obrigação do Estado Social realizar políticas positivas de acesso à saúde e inclusão de pacientes, priorizando a construção de hospitais públicos especializados e a capacitação dos profissionais da área. A prioridade primeira é recuperar os indivíduos e devolverlhes a dignidade, inserindo-os de volta às relações sociais vigentes, de maneira a garantir o pleno exercício da cidadania e diminuir os índices de mortes (como causa do suicídio) que afligem a sociedade brasileira. A saúde mental é direito de todos (princípio da universalidade) e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. No que tange às políticas acerca das drogas, paralelamente às ações do SUS observam-se, conforme ensina Andrade (2011, p. 4668), a atuação do Plano Emergencial de Ampliação do Acesso ao Tratamento e à Prevenção em Álcool e outras Drogas (PEAD), e, em 2010, o “O Plano Crack” - Plano de integração das ações voltadas para a prevenção, tratamento e reinserção social de usuários de crack e de outras drogas. O direcionamento das políticas públicas em saúde mental no Brasil, em sintonia com a CF/88, é pela participação da iniciativa privada no sistema, até porque isso aumentaria o número de redes que cuidariam do sujeito nesse aspecto. Dessa forma, conforme art. 199, § 1º da CF/88, as instituições privadas poderão participar de forma complementar do Sistema Único de Saúde, segundo as diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, dando preferência às 153


entidades filantrópicas e às sem fins lucrativos. Assim, aumentaríamos as redes de atendimento ao cidadão.

POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE MENTAL – LEI N. 10.216/2001

No Brasil existe, atualmente, a Política Nacional de Saúde Mental. Após doze anos de tramitação no Congresso Nacional, a Lei Paulo Delgado, Lei Federal n. 10.216/2001, é sancionada no país, e dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, além de redirecionar o modelo assistencial em saúde mental, privilegiando o oferecimento de tratamento em serviços de base comunitária. Tal modelo de política contempla uma rede de serviços e equipamentos diversificados, como: os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), os Centros de Convivência e Cultura e os leitos de atenção integral - em hospitais gerais. O art. 1º da sobredita Lei prevê que os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais são assegurados sem qualquer forma de discriminação, como “raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra”. Assim, tal dispositivo tem a finalidade de efetivar a inclusão dos pacientes ao tratamento, proporcionando o acesso à saúde. O art. 2o, parágrafo único, da mesma Lei, dispõe sobre os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, quais sejam, ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades; ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade; ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração; ter garantia de sigilo nas informações prestadas; ter direito à presença médica, em qualquer tempo, 154


para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária; ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis; receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento; ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis; ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental. É responsabilidade do Estado o desenvolvimento das políticas de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos necessitados, conforme disposto no art. 3º da Lei n. 10.216/2001. Existem cinco tipos de CAPS diferentes, cada um com uma clientela diferenciada (adultos, crianças/adolescentes e usuários de álcool e outras drogas), a depender do contingente populacional a ser coberto (pequeno, médio e grande porte). Conforme pesquisa realizada no sítio do Ministério da Saúde, são eles: CAPS I - serviços para cidades de pequeno porte, que devem dar cobertura para toda clientela com transtornos mentais severos, funcionam durante o dia; CAPS II - serviços para cidades de médio porte e atendem a pacientes na fase adulta, funcionam durante o dia; CAPS III - geralmente disponíveis em grandes cidades, que atendem a pacientes na fase adulta, funcionam durante 24 horas; CAPS i - serviços para crianças e adolescentes, em cidades de médio porte, que funcionam durante o dia; e os CAPS ad - serviços para pessoas com problemas pelo uso de álcool ou outras drogas, geralmente disponíveis em cidades de médio porte, funcionam durante o dia (PORTAL SAÚDE, 2012, online). Os CAPS são compostos por equipes interdisciplinares, de maneira que é compulsória a participação de outros profissionais da área da saúde, como psiquiatra, enfermeiro, psicólogo e assistente social, certamente para garantir acesso e cura para os pacientes. Pode-se citar, conforme divulgação no sítio do Portal da Saúde do Ministério da Saúde, as políticas públicas voltadas para 155


o atendimento em saúde mental no país, quais sejam, o PNASH – Psiquiatria e programa de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica, o Programa Permanente de Formação de Recursos Humanos para a Reforma Psiquiátrica, Supervisão Clínico-Institucional dos CAPS e Rede de Atenção Psicossocial, e o programa Nacional de Avaliação de Centros de Atenção Psicossocial – Avaliar CAPS. Os CAPS, por meio do modelo psicossocial, refletem a redução do número de internações e o incremento da autoestima do ser humano, a importância da inclusão da família e da sociedade no tratamento e a manutenção da liberdade dos usuários, a importância do papel político do CAPS no movimento da Reforma Psiquiátrica e o resgate da cidadania do usuário e a ressignificação do conceito de loucura, que é o mais importante (MELLO e FUREGATO, 2008). Segundo Andrade (2011, p. 4665) em “Reflexões sobre Políticas de Drogas no Brasil”, entre as ações desenvolvidas pela Coordenação Nacional de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas destaca-se a ampliação da rede CAPSad – Centro de Atenção Psicossocial em álcool e outras Drogas – como dispositivo de cuidados para a população de usuários de drogas a partir de 2002, a qual, embora ainda muito aquém da necessidade, em dezembro de 2010 contava com 258 Centros dessa natureza. Os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT) trazem, no campo da saúde mental, novos cuidados implementados pela política nacional de saúde mental. Os SRTs foram propostos como equipamento de cuidado destinado a pessoas que têm história de longa internação em hospital psiquiátrico e perderam os vínculos familiares e sociais, dessa forma estando potencialmente livres de “cronicidades” de toda ordem. Isso exigiria da rede de atenção e de todos os atores sociais envolvidos transformações e redimensionamentos para atender a suas demandas específicas (ROMAGNOLI et al., 2009). Todo esse ordenamento de políticas públicas visa empreender inovação em um serviço de saúde mental e concretizá-lo enquanto espaço de encontro genuíno, acolhimento, afetação, não anulação da diferença, autonomia, criatividade, 156


reflexividade e, sobretudo, produção de novas formas de cidadania (BOSI et al., 2011). Foi com a promulgação da Lei n. 10.216, em 2001, que as políticas de saúde mental no Brasil adotaram como uma de suas principais diretrizes a reestruturação da assistência psiquiátrica, investindo na construção de redes diversificadas e regionalizadas de cuidados em saúde mental, centradas na atenção integral e na redução progressiva da assistência hospitalar especializada (BRASIL, 2012, on line). Apesar de todas as políticas sobreditas, há recursos previstos às políticas de saúde mental no Brasil, porém são insignificantes. Tais informações trazem reflexões sobre as mudanças ocorridas no âmbito da política de saúde brasileira, e especificamente na saúde mental (SANTOS et al., 2011). Gonçalves, Vieira e Delgado (2011), em artigo intitulado “Política de Saúde Mental no Brasil: evolução do gasto federal entre 2001 e 2009”, mostram que os recursos para as Políticas de Saúde Mental no Brasil foram de 2,5% do orçamento federal da saúde nos últimos anos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 61,5% dos países da região europeia (países europeus herdeiros da época de ouro do WelfareState) gastam mais do que 5% do orçamento da saúde em saúde mental.

CONCLUSÃO

Diante das argumentações aqui apresentadas é possível afirmar que a legislação em matéria de saúde mental no Brasil avançou desde a Constituição Federal de 1988. A criação do Sistema Único de Saúde foi a pedra angular para o início dos trabalhos. O modelo de atenção e cuidado psicossocial proposto pela legislação infraconstitucional reflete a redução do número de internações e o resgate da subjetividade, da autoestima, da cidadania do usuário nesse novo modelo substitutivo do cuidado em saúde do ser humano, a importância da inclusão da família e 157


da sociedade no tratamento e a manutenção da liberdade dos usuários, a importância do papel político do CAPS como articulador da política de cuidado em saúde mental no movimento da Reforma Psiquiátrica, de modo a resgatar e a ressignificar o conceito de loucura. Observa-se que o movimento enfrenta desafios no campo da prática profissional, que compõem toda a rede, desde a educação, saúde e assistência social. As políticas públicas relativas à saúde mental no Brasil foram solidificadas a partir da CF/88, de modo que são orientadas por vetores principiológicos contidos no próprio ordenamento jurídico brasileiro, mormente na legislação infraconstitucional, a exemplo da Lei n. 10.216/2001 e demais normas que regulam a espécie. Por outro lado, há que se notar que recursos do orçamento público destinados à programação das políticas de saúde mental no país são pífios. Portanto, o Estado Brasileiro necessita destinar mais dinheiro do orçamento às políticas de saúde mental, a fim de que os cidadãos possam recuperar sua saúde e retornar ao convívio social, exercendo sua cidadania.

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