Ana Cecília Rosário Ribeiro* A intervenção do Ministério Público nos contrAtos de eMPréstiMos consignAdos reAlizAdos Por PessoA idosA e AnAlfAbetA ThE INTERvENTIoN oF PUbLIC MINISTRy IN PAyRoLL LoANS CoNTRACTS MADE by ELDERLy AND ILLITERATE CITIzEN LA INTERvENCIóN DEL MINISTERIo PÚbLICo EN LoS CoNTRAToS DE PRéSTAMoS PoR NóMINA DE SUELDoS hEChoS PoR PERSoNAS MAyoRES y ANALFAbETAS
Resumo: Hodiernamente, a população idosa e analfabeta tem sido vítima frequente da atuação de pessoas inescrupulosas, que se aproveitam de sua falta de informação e boa-fé para com ela realizar contratos de empréstimos em consignação, que comprometem parte significativa de suas rendas. Após a celebração dos contratos, os cidadãos idosos e analfabetos afirmam desconhecer o seu teor, restando ao promotor de justiça recorrer às tutelas ressarcitória e reintegratória. Evidente que, neste contexto, torna-se inviável uma tutela efetivamente preventiva dos danos aos idosos e analfabetos. Com este foco de prevenção das condutas ilícitas, um questionamento nos aflige: a assistência do Ministério Público à pessoa idosa e analfabeta na concretização de um empréstimo consignado é imprescindível à realização do princípio da dignidade da pessoa humana e está ancorada nas normas consumeristas e do Estatuto do Idoso? Abstract: Actually, the elderly and illiterate citizen have been frequent victims of unscrupulous people who take advantage of their lack of information and good faith to perform with them payroll loans contracts, which undertake significant part of their income. After the conclusion * Doutoranda na PUC-SP, mestre em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa (diploma revalidado pela UFPE) e especialista em Direito Civil pela UNIFACS. Professora assistente da UESPI. Promotora de justiça do MP-PI.
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of the contracts, elderly and illiterate citizens claim unknown their contents, being the prosecutor the one in charge of appealing to their guardianships and restitution. It’s clearly, in this context, that it becomes impossible to attain an effectively preventive guardianship of the damage to the elderly and illiterate. With this focus on prevention of illegal conduct, a questioning ails us: is the assistance of Public Ministry to the elderly and illiterate citizen in delivering a payroll loan essential to the realization of the principle of human dignity and is it anchored in the consumer’s rules and the Elderly Statute? Resumen: En los días actuales, las personas mayores y analfabetas han sido víctimas frecuentes de las acciones de gente sin escrúpulos, que se aprovechan de su falta de información y de su buena fe para cumplir con estos acuerdos de préstamo en consignación, que llevan a cabo una parte importante de sus ingresos. Después de la celebración de los contratos, los ciudadanos de edad avanzada y los analfabetos afirman no conocer su contenido, dejando al fiscal la función de usar las tutelas resarcitoria y de restitución. Es evidente que, en este contexto, se hace imposible lograr una tutela efectivamente preventiva de los daños a las personas mayores y analfabetas. Con este enfoque en la prevención de la conducta ilegal, un cuestionamiento nos aflige: la ayuda de los fiscales a las personas mayores y analfabetas en la entrega de un préstamo de nómina es esencial para la realización del principio de la dignidad humana y se basa en las reglas consumeristas y del Estatudo de los Ancianos? Palavras-chaves: Idoso, contrato, consignação, tutela preventiva. Keywords: Elderly, contract, payroll, preventive guardianship. Palabras clave: Personas mayores, contracto, préstamos de nómina, tutela preventiva.
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o olhAr constitucionAl dAs Atribuições do ProMotor de justiçA As atribuições institucionais do Ministério Público delineadas na Constituição Federal brasileira estão em consonância com as vertentes principiológicas moldadas no texto constitucional, sobretudo, apresentam íntima relação com o princípio da dignidade da pessoa humana. Tal afirmação é evidenciada na medida em que o promotor de justiça atua na defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, conforme apregoa o artigo 127, caput, da Carta Constitucional, direitos que apresentam íntima relação com a preservação da dignidade da pessoa humana. Percebe-se, pois, primeiramente, que a atuação do Ministério Público nos casos que digam respeito à pessoa idosa e analfabeta precisa estar ancorada no permissivo constitucional de defesa dos interesses individuais indisponíveis. Deste modo, a atuação do promotor de justiça implica na análise da presença deste requisito. é importante salientar que nos contratos de consignação em pagamento, realizados em benefício de pessoa idosa e analfabeta, a atuação judicial do promotor de justiça, ou mesmo a sua participação extrajudicial, visa assegurar o direito à vida digna, direito indisponível da pessoa idosa. Um segundo requisito alternativo que precisa ser analisado pelo representante do Ministério Público, nas lides de interesse de pessoa idosa, é a presença da proteção do interesse social e as condições de desfavorecimento da pessoa idosa. Pois bem, a fiscalização da atuação das instituições de crédito ou mesmo a assistência do Ministério Público nos contratos de empréstimos consignados realizados por pessoa idosa e analfabeta representa um viés de um direito social do idoso (direito à aposentadoria), sobretudo o analfabeto, que importa e merece ser objeto de uma atuação combativa do parquet. Assume, pois, o Ministério Público relevante papel nas demandas, sobretudo as extrajudiciais, cuja finalidade precípua consiste na defesa dos interesses dos idosos hipossuficientes, na medida em que incrementa o direito do idoso analfabeto ao acesso à informação ampla e irrestrita, assistindo-o no que for necessário para a tomada de uma decisão firme e segura, de modo a garantir que não tenha futuramente a sua dignidade comprometida. 59
Nessa ambientação, a legitimação ministerial para a assistência à pessoa idosa analfabeta decorre também da Lei orgânica Nacional do Ministério Público. Essa norma dispõe, em seu artigo 32, II: “compete aos Promotores de Justiça, dentro das esferas de atribuições: [...] II- atender a qualquer do povo, tomando as providências cabíveis”. Nesse contexto, a atuação do promotor de justiça torna-se ainda mais relevante diante da inexistência de assistência judiciária gratuita, em grande parte dos municípios brasileiros. Ademais, é de clareza solar que a dicção do artigo 32, II, da Lei orgânica do Ministério Público, comporta uma atribuição do promotor de justiça independente de qualquer atendimento ao público prestado por meio da Defensoria Pública, dispensando, inclusive, no que toca à atuação do parquet, a análise da condição econômica do cidadão. A necessidAde de uMA AtuAção PreventivA do ProMotor de justiçA coMo forMA de eficáciA diretA do PrincíPio dA dignidAde dA PessoA huMAnA A proteção do patrimônio pela legislação civilista não pode ser estudada de forma estanque e isolada dos princípios e valores constitucionais que terminam por determinar o conteúdo e a abrangência de institutos de natureza essencialmente patrimoniais. Percebe-se, outrossim, que na medida em que ocorre a evolução e o aperfeiçoamento da ciência jurídica essa aproximação entre as normas de Direito Privado e os princípios do Direito Público é ainda mais ressaltada e evidente, inviabilizando a segmentação dos institutos em categorias estanques e sem qualquer permeabilidade. A despeito da realidade anteriormente delineada, a atividade do intérprete do Direito ganha mais realce nos tempos atuais, uma vez que, além de definir a norma aplicável ao fato que lhe é apresentado, torna imperioso, na maior parte das vezes, ajustá-la ao ordenamento, o qual só pode ser compreendido como um todo unitário e integrante de um sistema. ora, considerando a unidade do ordenamento jurídico, o princípio da dignidade da pessoa humana permeia e baliza todos os institutos do Direito, mesmo os necessários e utilizados para travar 60
relações jurídicas cujas essências são privadas. Isso decorre do fato de que a consagração do ser humano, como valor supremo do ordenamento jurídico, é uma conquista do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual passa a imprimir o valor da “dignidade” aos diversos institutos e princípios jurídicos. Dessa ideia pode-se concluir, na mesma senda do professor Cristiano Chaves de Farias (2005, p. 97), que “o Direito Civil não mais assegura apenas o direito à vida, mas, necessariamente, reconhece e tutela o direito à vida digna”. De igual forma, extrai-se que eleger como prioridade a vida humana digna passa a ser também função dos intérpretes e aplicadores das normas jurídicas, já que quando o constituinte brasileiro proclamou a dignidade da pessoa humana no artigo 1º fez “da pessoa humana fundamento e fim da sociedade e do Estado” (MIRANDA, 2000, p. 180). A dignidade da pessoa humana foi eleita pelo legislador constituinte brasileiro de 1988 como um dos cinco fundamentos da República Federativa do brasil1. Ao adotar tal premissa, o legislador constituinte terminou por elevar a pessoa humana ao topo do ordenamento jurídico, de modo a protegê-la e garantir a efetividade de todos os direitos que nela se fundamentem; ainda, determina sempre a interpretação que mais realize esse intuito de proteção e garantia de direitos à pessoa humana como forma de preservação de sua dignidade. Nesse contexto, verifica-se que ao se esculpir a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do brasil todo o ordenamento jurídico, inclusive a própria Constituição Federal de 1988, precisa absorver esse sentimento a fim de que se possa, de fato, concretizar esse ideário de exaltação da pessoa humana enquanto valor supremo da ordem jurídica nacional. Silvio Romero beltrão percebe e afirma, de forma lapidar, que, em razão da adoção da dignidade da pessoa humana enquanto fundamento da República Federativa do brasil, não existe qualquer valor que seja superior ao da pessoa humana. De maneira sintética, elucida: Em face do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, 1 Art. 1º da Constituição Federal do brasil: “A República Federativa do brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; Iv - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;v - o pluralismo político”.
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pode-se dizer que a pessoa é o bem supremo da ordem jurídica, o seu fundamento e seu fim. Sendo possível concluir que o Estado existe em função das pessoas e não o contrário, a pessoa é o sujeito do direito e nunca o seu objeto. (bELTRÃo, 2005, p. 23)
Acrescenta-se, outrossim, que o princípio da dignidade da pessoa humana permeia o ordenamento jurídico com um conteúdo de igualdade, impedindo interpretações sugestivas de eliminação de um ser humano em benefício de outro. Esse conteúdo de igualdade precisa ser compreendido no seu sentido material de modo a desigualar os que se encontram em posições distintas, sobretudo em situação de vulnerabilidade. Aqui, insere-se a pessoa idosa e analfabeta, cidadã em posição de desigualdade e vulnerabilidade em face das instituições de crédito. Assim, a razão está com Canotilho e vital Moreira (2007, p. 199-200), segundo os quais: A República baseada na dignidade da pessoa humana assume como deveres públicos a protecção de pessoas em situações especiais propícias a graves atentados a essa dignidade (refugiados, detidos, deportados, deslocados, mentores de minorias étnicas). é também a dignidade que justifica a imposição de deveres públicos e comunitários (republicanos) de defesa da vida e integridade do ser humano contra práticas eugênicas de selecção de pessoas, transformação do corpo ou de partes do corpo em fonte de lucro, ou contra a venda forçada pelo vendedor pobre de órgãos do corpo a favor do comprador rico, alteração da identidade genética do ser humano mediante clonagens reprodutivas do ser humano e tráfico de seres humanos.
vale referir que a dignidade da pessoa humana consiste em um princípio que representa um conteúdo mínimo a ser protegido pelos ordenamentos jurídicos que os consagra. Logo, a presença do princípio da dignidade da pessoa humana já enuncia um conteúdo de valores invulneráveis que fazem do homem comum não o homem ideal2, um ser especial. é esse conteúdo invulnerável de Direitos que Ressalta Jorge Miranda (2000, p. 184) que “[...] a dignidade da pessoa é da pessoa concreta, na sua vida real e quotidiana; não é de um ser ideal e abstracto. é o homem ou a mulher, tal como existe, que a ordem jurídica considera irredutível, insubstituível e irrepetível [...]”.
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a doutrina denomina de direitos fundamentais. Constata-se, portanto, que o princípio da dignidade da pessoa humana dá origem aos chamados direitos fundamentais, como leciona Frediano José Momesso Teodoro (2007, p. 159): Dos direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana é o cerne, o principal pilar cuja função é suportá-los. Se os direitos fundamentais são a síntese de todas as demais normas constitucionais, a dignidade humana é a síntese destes direitos, é o fundamento das normas fundamentais. é o respeito que se deve dispensar a todas as pessoas, em relação à vida, às liberdades e à integridade física e psicológica. A dignidade da pessoa é o sinal de preservação de seus valores fundamentais perante a sociedade. Está na dignidade a garantia do exercício dos demais direitos.
Enfim, é fácil verificar que a doutrina não ignora o fato de o legislador constituinte brasileiro ter elegido o princípio da dignidade da pessoa humana enquanto fundamento da República Federativa do brasil. Entretanto, como bem adverte Mário bigotte Chorão (1994, p. 421), assegura-se conveniente observar se a legislação ordinária e as demais normas constitucionais imprimem conteúdo a esse princípio personalista, de modo a serem fiéis a todas as consequências que surgem a partir da consagração da dignidade da pessoa humana enquanto norte da legislação. Caso contrário, entendo que ao intérprete caberá a imperiosa missão de propiciar este estreitamento entre o público e o privado de modo a balizar os institutos privatísticos com o novo paradigma da dignidade da pessoa humana. Em apertado resumo, a eleição da dignidade da pessoa humana nos ordenamentos jurídicos como um princípio fundamental a ser respeitado coloca no centro da ordem jurídica a pessoa humana, titular de direitos fundamentais. é nesse contexto, e atuando nesse novo paradigma, que defendo a imposição de um tratamento distinto à pessoa idosa e analfabeta que manifeste o desejo de realizar um contrato oneroso, capaz de comprometer parte de sua renda mensal e que irá submetê-la a altas taxas de juros. Por conseguinte, defendo que os contratos de empréstimos consignados, negócio jurídico bilateral e essencialmente oneroso, não podem ser estudados, compreendidos 63
e aplicados, como atualmente vem sendo, de forma dissociada de outras leis esparsas que também integram o ordenamento jurídico, tampouco de modo a descurar da realidade constitucionalmente eleita pelo legislador constituinte. Por essa razão, a Constituição Federal, o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso devem, necessariamente, serem os nortes utilizados pelo aplicador do Direito, de modo a diminuir o hiato existente entre as leis civis e o princípio da dignidade da pessoa humana. Atuam, pois, a Constituição Federal, o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso, por seus princípios e normas, para resguardar a pessoa humana e barrar as inúmeras fraudes e lesões que vem constantemente ocorrendo nos empréstimos consignados realizados por pessoas idosas e analfabetas. A AtuAção extrAjudiciAl do ProMotor de justiçA coMo forMA de gArAntir o direito à inforMAção AMPlA e irrestritA Ao consuMidor idoso e AnAlfAbeto e A Proteção do sujeito MAis vulnerável dA relAção jurídicA Fruto da permeabilidade dos institutos de Direito Privado pelas normas que visam proteger a pessoa humana, mitigando o princípio da autonomia da vontade, o Código de Defesa do Consumidor elenca o direito à informação ampla acerca do produto e dos serviços. ocorre que se observa, na prática, que a pessoa idosa e analfabeta tomadora do empréstimo não tem acesso à informação posterior à celebração do contrato, o qual na maior parte das vezes é retido pelo corretor, e quiçá acesso à informação prévia à assinatura contratual. Nesse passo, constata-se que o idoso analfabeto também não recebe informações completas relacionadas às regras referentes a taxas mensais de juros, acréscimos moratórios, e nem sobre o valor, o número e a periodicidade das prestações e a soma total a pagar pelo empréstimo. Ademais, acresço a seguinte observação: mesmo no caso de a empresa prestadora fornecer todas as informações necessárias para suprir a pessoa idosa e analfabeta, apenas uma minoria, com 64
a ajuda de familiares ou amigos, teria condições de avaliar tais dados antes de tomar um empréstimo. Nesse cenário, a consequência que a falta da ampla informação representa, especialmente às populações idosas e de baixa renda, é o endividamento. Isto porque, como é notório, a ausência de informações detalhadas do contrato de empréstimo consignado, ou mesmo a inviabilidade de análise de tais dados por não compreensão por parte do idoso analfabeto, acarretam a assunção de uma dívida por aquele que não detém qualquer margem para endividamento. Igualmente, merece realce o fato de que a população idosa e analfabeta também tem sido vítima de atos ilícitos praticados por instituições financeiras pagadoras de benefícios. Importa consignar que muitas empresas substituíram, sem autorização prévia do consumidor, o cartão para recebimento do benefício por um cartão de crédito. Tal procedimento da instituição financeira acarreta um aumento da dívida do aposentado analfabeto, o qual termina contratando de forma indireta novos serviços, devidamente taxados. verifica-se, portanto, que a instituição financeira, além de não informar o consumidor acerca dos detalhes do produto ou serviço fornecido, prevalece-se da ignorância do consumidor para forçar-lhe a adquirir um produto que não tem interesse. Na verdade, muitas vezes o consumidor sequer tem conhecimento de estar adquirindo algo diverso ou complementar ao empréstimo. Merece destaque, para cumprir o objetivo deste ensaio, que o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 39, Iv, menciona que constitui prática abusiva e vedada “prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus próprios produtos ou serviços”. Ao omitir aspectos dos produtos e serviços fornecidos ou na hipótese de “venda casada” sem informar acerca do produto ou serviço acessório, a instituição financeira incorre em publicidade enganosa, pois, à luz do artigo 37, §§ 1º e 3º do Código de Defesa do Consumidor, a publicidade é enganosa: § 1°. é enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir
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em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. § 3°. Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.
Pois bem, como demonstrado nas normas pretéritas, o dever de informação da instituição financeira é amplo. Isto porque é garantido ao consumidor (parte mais vulnerável da relação) acesso irrestrito aos dados do produto ou serviço. Nesse passo, deixar de informar ao consumidor idoso e analfabeto sobre dado essencial do produto ou serviço constitui publicidade enganosa na modalidade omissiva. Esse dever de informação deriva do Princípio Consumerista da boa-fé objetiva, ao qual se agrega o Princípio da Confiança, apresentando os deveres anexos da lealdade e veracidade. Assim, o fornecedor, que detém conhecimentos técnicos da operação de crédito ofertada, tem o dever de aconselhar o consumidor leigo. Esse dever de informar está previsto no art. 52 do CDC, segundo o qual: Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre: I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional; II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros; III - acréscimos legalmente previstos; Iv - número e periodicidade das prestações; v - soma total a pagar, com e sem financiamento.
o dever de informação é descumprido por grande parte dos fornecedores de crédito no brasil, especialmente no que toca às taxas de juros, com mais destaque para a taxa anual de juros, que, via de regra, é omitida. Interessante asseverar que esse dever de informação abrange não somente a obrigação de comunicar a taxa anual dos juros, mas também obriga a instituição de crédito a certificar-se que a informação prestada foi devidamente assimilada e compreendida pelo consumidor, sobretudo o idoso e analfabeto, 66
parte reconhecidamente vulnerável no contrato de empréstimo consignado. De simples constatação, pois, que a publicidade relacionada à concessão de crédito apresenta uma exigência maior e mais ampla, na medida em que tem por dever prestar informação completa sobre todos os dados do contrato. Dessume-se, dessa forma, que descumprir os deveres anteriormente retratados importa em afronta direta ao Princípio da boa-fé objetiva, que norteia todas as relações consumeristas no brasil e, portanto, macula essa negociação de nulidade. Entretanto, a proteção à parte mais vulnerável dessa relação consumerista não pode estar adstrita à via judicial, no nosso modo de entender. é preciso mais. Por essa razão pugnamos pela imperiosa necessidade de atuação extrajudicial do promotor de justiça, ainda na fase de concretização do contrato, esclarecendo e dirimindo todas as dúvidas do consumidor e funcionando como agente de transformação social, na medida em que sua assistência ao cidadão idoso e analfabeto determinará um incremento da informação e, por conseguinte, a realização de contratos sem vícios de vontade, representando uma diminuição nas demandas judiciais. Por sua vez, o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) prevê, no artigo 10, a obrigação do Estado e da sociedade de “assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis”. Da mesma forma, o § 2º do artigo 10 da Lei 10.741/2003 traz o direito à inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, a qual abrange a “preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, idéias e crenças...”. o § 3º do mesmo artigo traz expresso o dever de todos de “zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”. há, pois, íntima relação entre as normas anteriormente expostas do Estatuto do Idoso e do Código de Defesa do Consumidor, que determinam, no nosso modo de sentir, que ao promotor de justiça cabe o mister de orientar e assistir o idoso analfabeto na realização de um empréstimo consignado, de modo a garantir a preservação de seus interesses.
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A cAPAcidAde jurídicA do idoso AnAlfAbeto e A necessidAde de intervenção MinisteriAl é cediço que o idoso analfabeto é detentor de personalidade e capacidade jurídica, na medida em que a senilidade não constitui causa de diminuição ou perda da capacidade em nosso sistema constitucional. Desse modo, a pessoa idosa, ao contrário do adolescente, é sempre presumivelmente capaz. Na verdade, afirmar algo diferente disso é atentar contra o texto constitucional que traz, de forma expressa, o princípio da isonomia entre as pessoas. ocorre que, logo que surgiu o Estatuto do Idoso, houve uma interpretação alargada do artigo 75 deste diploma legal, de modo a considerar indispensável a intervenção do Ministério Público, na qualidade de custos legis, em todo e qualquer processo que envolvesse a pessoa idosa. Essa intervenção do promotor de justiça ocorreria mesmo nas demandas, nas quais se discutissem meros interesses patrimoniais disponíveis, apenas pelo fato da presença de pessoa idosa. Assim, o entendimento supra não considerava a capacidade ou incapacidade do idoso, em cada caso concreto, ou a disponibilidade ou indisponibilidade do direito, ou mesmo não haveria necessidade de se perquirir acerca da existência de situação de risco para determinar a intervenção do parquet. Na verdade, o Estatuto do Idoso tem por fim realçar a importância das pessoas com mais de 60 (sessenta) anos, sem discriminá-las, mas inserindo-as no contexto social. Diante das finalidades institucionais do Ministério Público3, a interpretação supra não prevaleceu na doutrina, já que o promotor de justiça não pode agir como patrono de pessoa capaz, ainda que idosa, em processo referente a direito disponível. Prevalece atualmente, no seio do Ministério Público, a tese de atuação ministerial nos processos envolvendo idosos, em situação de risco, pois exigir a intervenção do parquet em demandas que versem sobre direitos patrimoniais disponíveis com a presença de idoso sem risco apenas lançaria sobre a pessoa idosa a pecha de incapaz. 3
Dispõe o artigo 128, § 5º, II, "b", da Constituição Federal:
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Entendemos, fundado no artigo 74, inciso II, do Estatuto do Idoso4 que a atuação extrajudicial do Ministério Público nos contratos de consignação em pagamento é justificada pela presença primeiramente do idoso em situação de risco, já que analfabeto, o qual não compreende o teor do contrato que assina, bem como pela proteção de direito social e individual de cunho indisponível. Nesse contexto, vê-se que a atuação do Ministério Público na proteção dos idosos tem por fim garantir tanto a preservação dos seus direitos sociais como os direitos individuais indisponíveis. Digo isto com a experiência de oito anos de Ministério Público exercidos exclusivamente nas cidades do interior do Estado do Piauí, tratando diuturnamente com a judicialização de contratos de empréstimos consignados realizados com pessoa idosa e analfabeta que desconheciam, na maior parte das vezes, totalmente o teor da relação travada. Percebe-se, na maioria das vezes, que os contratos de consignação em pagamento realizados com pessoa idosa e analfabeta terminam, em grande parte das vezes, por comprometer parte significativa da renda familiar do idoso, com repercussões em sua saúde, aposentadoria, alimentação e moradia, pois, mesmo respeitando o percentual de endividamento, são os idosos incapazes de realizar operações matemáticas simples. Somente realizando essas operações matemáticas é possível identificar o valor que o idoso analfabeto pode dispor mensalmente, levando em consideração todas as suas despesas fixas. ora, estamos falando de operações matemáticas simples, as quais visam estabelecer quanto pode o idoso analfabeto dispor mensalmente. Sequer me atrevo a mencionar o total desconhecimento por parte deste das famigeradas taxas de juros a serem pagas pela obtenção do empréstimo consignado. Nesse trilhar, a grande novidade consiste na imposição da assistência ministerial mesmo antes da judicialização do caso, atuando o promotor de justiça extrajudicialmente, de modo a evitar o nascimento de demandas judiciais. Essa atuação do Ministério "Compete ao Ministério Público: [...] II- promover e acompanhar as ações de alimentos, de interdição total ou parcial, de designação de curador especial, em circunstâncias que justifiquem a medida e oficiar em todos os feitos em que se discutam os direitos dos idosos em condições de risco".
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Público poderá inibir a ocorrência dos inúmeros prejuízos já evidenciados atualmente ao idoso analfabeto, os quais colocam em perigo até mesmo a sua vida digna, na medida em que esses contratos terminam por comprometer parte significativa das suas aposentadorias. Urge, pois, que o Ministério Público atue preventivamente em defesa da pessoa idosa e analfabeta, como mecanismos de sua proteção, de modo a evitar a judicialização de demandas que visam declarar a anulabilidade de contratos de empréstimos consignados, realizados por pessoa idosa e analfabeta, por defeitos dos negócios jurídicos. referÊnciAs bELTRÃo, Silvio Romero. Direitos da personalidade de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Atlas, 2005. CANoTILho, J. J. Gomes; MoREIRA, vital. Constituição da República portuguesa anotada. v. I. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. ChoRÃo, Mário bigotte. Direito e inovações biotecnológicas (A pessoa como questão crucial do biodireito). O Direito, Lisboa, ano 126, III e Iv, jul.-dez. 1994. FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil. Teoria Geral. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo Iv. Direitos Fundamentais. 3. ed. rev. e atual. Coimbra: Editora Coimbra, 2000. TEoDoRo, Frediano José Momesso. Aborto eugênico, delito qualificado pelo preconceito ou discriminação. Curitiba: Juruá, 2007.
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