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ARTE E DOMINAÇÃO Introdução, obra de arte Vem comigo aí porque eu vou dá uma mastigada boa. O que eu fizer aqui ninguém fará mais por você. A obra mais polêmica de Bourdieu, fora das Ciências Sociais, tem como título As Regras da Arte. Eu me atrevo a dizer que foi o momento em que Bourdieu mais conseguiu provocar, digamos, de maneira positiva, estimulando os seus adeptos a continuar pesquisando e provocar todos aqueles que, de certa maneira, são herdeiros de uma forma espontânea de pensar. Entendam por forma espontânea de pensar uma forma idiota de pensar. É que Bourdieu ao invés de chamar as pessoas de idiota diz que ele é dotado de um pensamento espontâneo, isto é, pouco adestrado pelos rigores do pensamento científico. As Regras da Arte, obviamente, tem por objeto a arte, a beleza, a estética com ênfase na literatura. Bourdieu tinha fascinação pelo estudo do campo literário. Ele tava absolutamente convencido que o campo, o campo ou os campos de produção cultural são campos especialmente ricos pro estudo do sociólogo, porque são os campos que melhor conseguem esconder e travestir as verdadeiras molas propulsoras do seu funcionamento. Em outras palavras, os campos de produção cultural como o campo da pintura, o campo da música, o campo da literatura, são os campos onde o pesquisador tem que escavar mais pra encontrar os verdadeiros interesses daqueles que ali atuam, se manifestam. Encontrar os verdadeiros troféus e encontrar, portanto, as estratégias de conservação e dominação próprias daquele espaço, né? Em outras palavras, se você for comparar o campo literário com o campo político, o que é que você poderia dizer? Que qualquer idiota percebe que os profissionais da política mentem
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quando dizem agir em nome da humanidade, ou pelo bem do país. É mais do que evidente que eles agem em função dos seus próprios interesses, e a estrutura do campo político é facilmente percebida e perceptível por qualquer indivíduo que tenha dois neurônios. Agora, já o campo da literatura é diferente. Porque, de certa maneira, existe na manifestação cultural do escritor um distanciamento bastante significativo daquilo que ele realmente pretende com aquilo. Então, não é automático, não é fácil, não é imediatamente perceptível o que, de fato, estrutura e organiza o funcionamento daquele campo. Daí o desafio, e o que é mais legal, uma vez aceito o desafio, daí, as conseqüências contundentes e brutais, né? Dos resultados das pesquisas realizadas. Em outras palavras, um profissional da política estaria muito mais propenso a admitir que só pensa nele mesmo e na sua libido política do que um profissional da literatura. Eu me atrevo a dizer que o profissional da literatura é muito mais cheio de illusio e de ilusões sobre a natureza nobre do seu fazer, do que um profissional da política. Daí o interesse particular por esse tipo de campo. Mas pra gente chegar na arte em Bourdieu, a gente tem que situá-la num espectro mais amplo, e fazer aí uma varredura pra procurar entender onde é que Bourdieu se encaixa. Trazê-lo de pára-quedas do nada seria blasfemar contra a história das ideias e blasfemar contra a história das ideias é negar, digamos, a sua origem e da onde elas vem, propriamente. Bourdieu nunca tirou nada do nada, e, como ninguém, portanto, se Bourdieu conseguiu dizer as coisas que disse foi em grande medida porque foi leitor de muita gente, crítico de muita gente, aliado de muita gente e, portanto, toda investigação de contexto das ideias é sempre profícua pra entender o posicionamento deste ou daquele autor. É, então, a arte. Algumas ideias importantes.
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Eu me atrevo a dizer que existe um senso comum sobre a arte. Um senso comum sobre a arte que permite as pessoas irem até a Bienal e saírem dizendo: “Imagina se um carro vermelho cheio de pãozinho francês dentro é arte. Isso não é arte. A arte é...” E aí vem lá um exemplo qualquer de quadro ou de, né? Manifestação cinematográfica etc. e tal. Então, de certa maneira, o que eu estou querendo dizer é que quando você vive na sociedade, paraíso do pensamento espontâneo, né? As ideias do senso comum circulam com muita fluência. E é claro, curiosamente, poderíamos constatar uma coisa, as pessoas costumam dizer que arte ou gosto artístico não se discute. E, no entanto, se vocês pararem pra pensar, na verdade é só sobre isso que se discute. Em outras palavras, pelo senso comum, se você for ao Frevinho na Augusta o que você vai encontrar são debates acalorados sobre a qualidade do cinema e do filme que acabaram de assistir. Mas você não encontrará uma discussão acalorada sobre a pertinência do princípio de Arquimedes à luz do olhar de Einstein. Então, nesse sentido, toda vez que a sociedade diz que uma coisa não se discute, tipo política, não sei o que e não sei que lá, é porque é sobre isso que se discute mesmo. Toda negação é uma denegação, né? Toda negação social visa ocultar uma afirmação e, portanto, é isso o que importa, é disso que se discute. E eu poderia virar pro Onofre e dizer: “A sua camisa é o que é, e a beleza da sua camisa é o que é e isso não se discute”, porque eu estou querendo dizer exatamente o contrário; eu estou querendo dizer ou que ela é um espetáculo, ou que ela carece, digamos, de classe. Então, eu acho que dentro dessa perspectiva a história do pensamento caminha soberana, fazendo pouco caso das manifestações do senso comum. Só quem se interessa pelo senso comum é o cientista social, o resto não. E como o cientista social é coisa de ontem, né? A história do
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pensamento caminhou soberana e sabe-se lá o que as pessoas achavam no senso comum das ruas sobre o que arte queria dizer. Infelizmente não temos esse registro. Para os gregos o que é a arte? Ouça-me pra você, né? A arte para os gregos é um microcosmo e isso bastaria pra quem acompanha as minhas aulas a um certo tempo. A arte é um microcosmo, quer dizer, a arte é uma representação, é uma tradução, é uma materialização num pequeno pedaço de matéria do cosmos inteiro ou se você preferir, do macrocosmo. Em outras palavras, a obra de arte é obra de arte na medida em que coloca palpável, visível, perceptível para qualquer um o cosmos grande dificilmente perceptível por quem quer que seja. Perceba então que existe na arte, já ensina Aristóteles, uma ideia de representação, né? De colocar no lugar de, estar no lugar de simbologia, estar no lugar de, mas não é estar no lugar de qualquer coisa, não, é estar no lugar do Universo ordenado, estar no lugar da harmonia cósmica e, portanto, a arte para os gregos era a harmonia cósmica traduzida em miniatura pra que as pessoas que não são capazes de enxergar o cosmos como um todo possam ter uma ideia de como ele é em traduções menores, mais restritas e assim por diante. Ninguém explicaria isso melhor do que eu. Hoje não estou muito humilde não, mas é assim, dificilmente poderia explicar melhor. Sendo assim, puxando o fio do carretel, o que a gente conclui? Que o critério da obra de arte, o critério da artisticidade da manifestação humana é um critério objetivo. E qual, aonde ta o fundamento desse critério objetivo? Está no macrocosmo, está na objetividade do Universo. Então, uma obra de arte é obra de arte independentemente de você ter gostado ou não ter gostado, de você ter ido com a cara ou não, de você ter comprado ou não ter comprado, do que você sentiu, se você se alegrou, se você se entristeceu. Foda-se o observador, foda-se quem entrou em contato, foda-se quem encontrou. “O senhor podia parar de falar palavrão?” Foda-se, portanto, você. Se você gostou ou não, isso nada tem a ver com a obra de arte. Por quê? Porque o que
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importa na obra de arte é a representatividade no tamanho pequeno do que era o cosmos no tamanho grande.
Critério de objetividade Ora, meu amigo, se arte é transformar o grande em pequeno, e o critério é objetivo, o que uma obra de arte tem que ter? Me diga. Quando você transforma grande em pequeno, você não está pensando em escala, e escala tem o quê? Tem proporção, tem simetria, tem... Critérios típicos da matemática. A beleza da obra de arte está na sua capacidade de registrar uma certa proporcionalidade que sem ela seria difícil de perceber. Uma certa obra de arte, portanto, tem a condição de registrar uma certa harmonia universal que sem ela seria difícil de perceber. O critério, portanto, é um critério estritamente objetivo. E pra deixar claro que o critério é objetivo, perceba, do lado do receptor não importa se ele gostou ou não, do lado do artista não importa quem ele é. Tanto é assim que na produção artística tradicional o nome do artista não tem muita importância, né? Sociedades tradicionais são assim, as obras de arte são obras de arte, porque elas têm critérios objetivos de artisticidade e, portanto, quem assina a obra de arte não tem a menor importância. Os exemplos vão ao infinito. É, sábado eu estive no, em Campos do Jordão, e visitei o Palácio do Governador. Você entra pela porta e já tem seis ou sete quadros, e a moça diz: “Olha, bem, não é assinado viu?” “Por quê?” “Porque não” Não é porque não, é porque você tem sociedade... Eram quadros de sociedades primitivas do Peru. Ora, a sociedade primitiva tem mesmo essa característica. A subjetividade do artista, a singularidade do artista, a especificidade do artista, não tem a menor importância, porque o critério da obra de arte não está em quem faz, está em como é feito, no que é feito e qual é o propósito do que é feito. E o propósito da obra de arte no pensamento
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grego é claramente pedagógico, é claramente instrutivo, né? É através da proporcionalidade do pequeno em relação ao grande, através do pequeno eu entendo como é que o grande funciona. Então, estamos aí, eis a primeira grande ideia que eu gostaria que você entendesse, porque pra entender o Bourdieu depois é fundamental ter essas ideias claras. Em outras palavras, tanto a beleza quanto a arte elas são uma questão de imitação do Universo, portanto, não interessa muito quem fez e não interessa muito quem contempla, não faz a menor diferença, não faz a menor diferença. Existe uma objetividade do critério artístico, uma objetividade da beleza, ela independe de variáveis subjetivas no pensamento grego. Independe de variáveis subjetivas. Nada tem a ver com gostar ou não gostar, né? E nada tem a ver com quem gosta ou quem deixa de gostar, nada tem a ver, né? Muito bem, acho que é fundamental, porque depois quando chegarmos em Bourdieu vamos ter que lembrar disso aqui. Pois muito bem, o que aconteceu pra frente? Bom, o que aconteceu pra frente é que você tem dez séculos de arte religiosa, e de novo aqui vale a pena deixar claro que a ideia de arte a vida inteira sempre foi o que é arte, né? É a materialização num pedaço de matéria, desculpa aí o pleonasmo, mas é pra deixar claro, de uma ideia que o homem considera importante, de uma realidade ideal que o homem preza, então, é, nesse sentido, é normal que para os gregos a arte seja uma tradução do cosmos. É claro que depois que entra um Deus transcendente, o Deus é o que importa, o Deus é o que cria, o Deus é o que faz, o Deus é o que arrebenta, o Deus é que fez tudo, o Deus é a razão de ser de todo mundo, o Deus é etc. e tal, é claro que a arte passa a ser a materialização num pedaço pequeno de matéria do Deus transcendente que nos criou. Então, tranquilamente, nenhuma dificuldade. Ora, quando chega na modernidade, e eu preciso ir rápido, mas um dia eu vou dar um curso
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sobre a beleza ao meu estilo que podia se chamar: O Olhar do Clóvis sobre o Belo, hehe.
Modernidade: revolução científica e reforma religiosa Quando chega na modernidade o homem toma duas rasteiras espetaculares! E é claro que essas duas rasteiras são duas rasteiras que ferram o homem de todo jeito. Você imagina que do ponto de vista ético, se você perguntar pra um grego o que é justo, ele dirá que é o que é belo, porque o justo é o ajuste da conduta no todo cósmico, e o belo é o ajuste do corpo no todo cósmico. A justiça e a beleza são a mesma coisa. Então, você percebe que, é, quando o homem chega na modernidade ele toma duas rasteiras fantásticas, porque, de certa maneira, ele perde de um lado o cosmos, com a revolução científica, o Universo deixa de ser ordenado. E quando ele perde o cosmos, ele perde primeiro a realidade a ser conhecida, segundo o lugar aonde a ação, o fundamento da justiça da ação, e três o fundamento da beleza dos corpos. Quando você perde o cosmos, você perdeu o conhecimento, moral e beleza, os três fundamentos numa tacada só, porque para o grego o cosmos é cosmos, é cósmico, é ordenado. O que eu tiro daí? A conduta justa tem a ver com a harmonia do cosmos, o conhecimento tem a ver com a harmonia do cosmos e a beleza tem a ver com a harmonia do cosmos. Eu perdi o cosmos, eu perdi os três. Em outras palavras, não sei mais como conhecer, não sei mais o que é justo e o que não é justo, e não tenho mais a puta ideia do que é o belo e o que é a obra de arte, porque se a obra de arte era a tradução em pequeno da ordem grande, não tendo a ordem grande eu vou traduzir em pequeno o quê? Não tenho mais o que traduzir em pequeno. Do ponto de vista religioso a reforma não ajudou muito, porque na hora, no mesmo momento em que Copérnico, Galileu e Newton colocam em questão a cosmicidade do Universo, as
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reformas colocam em questão, digamos, o monopólio da exegese legítima do além. E aí ficamos sem um nem outro. Então, não é por acaso que a pintura holandesa, do começo da modernidade, pela primeira vez vai apresentar o próprio homem como objeto da obra de arte. E no lugar de ordens cósmicas e no lugar de figuras divinas, pela primeira vez a pintura holandesa vai nos trazer, lá no comecinho do pensamento moderno, o quê? Pessoas ordinárias, mulheres gordinhas, homens contemplando peitos, mulheres lendo romance, veja que não era a bíblia, mulheres lendo romance. Seria um elemento libertador, pela primeira vez o cotidiano era retratado na obra de arte. Então, eu espero que tenha entendido, isso não vem por acaso. Da mesma maneira que o homem se deu conta que pra decidir o certo e o errado da vida ele tinha que entrar num acordo; da mesma maneira que ele se deu conta que pra decidir o conhecimento sobre as coisas ele tinha que entrar num acordo, sobre métodos legítimos e métodos ilegítimos, ou se você preferir, métodos científicos e métodos não científicos, da mesma maneira ele tinha que entrar num acordo sobre o que é o belo. Então você tem um processo de subjetivação da arte, um processo de subjetivação da beleza, né? Que é absolutamente fundado pelo pensamento cartesiano. Não tem outro jeito, a partir de agora é nóis. É nóis pra decidir como vamos conhecer o mundo, é nóis pra decidir o que é o certo e o que é o errado, e é nóis pra decidir o que é o belo e o que não é o belo, por quê? Porque o fundamento da beleza que nos transcende ruiu. Frase de John Donne, poeta inglês. O fundamento da beleza que nos transcende ruiu, tudo está em estilhaços, nada se encaixa mais, perdemos as certezas do além, só nos resta nos entender entre nós. Não é muito isso que ele falou não, mas é esse o sentido. Não lembro mais, porque eu não gosto de decorar essas porcarias. Então, eu acho que você percebeu o quê? Você percebeu que a partir de agora é nóis. É nóis na moral, é nóis no conhecimento e é nóis na estética.
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– Professor, na moral eu entendi, vamos discutir o certo e o errado entre nós, os valores que vamos respeitar, etc. Na beleza também é. Agora no conhecimento daria pro senhor dar uma mastigada? Lógico. A partir da... Qual era o método grego de conhecimento? Qual era o método grego de conhecimento? Da contemplação. Por quê? Porque bastava contemplar e a verdade já estava no Universo. Verdade imanente às coisas. Era só olhar e a verdade saltava de dentro do Universo. Bastava contemplar. Ué, por quê? Porque o Universo é ordenado e sendo ordenado ele é lógico e sendo lógico ele é divino, né? Uma espécie de alinhamento. Uma espécie de correspondência grega entre o quê? Entre o logos, o cosmos e o teion: o divino, o lógico e o ordenado. Na hora que você descobre que não é ordenado, não sendo ordenado não é lógico, não sendo lógico não é divino e fodeu os três numa tacada só. E aí como é que eu vou conhecer o mundo? Vou conhecer o mundo fabricando eu mesmo o conhecimento. Construindo eu mesmo o conhecimento. E os pedagogos do século vinte descobriram o construtivismo. O pedagogo em relação ao filósofo está sempre cinco séculos atrás, e me parece pouco, né? Se você conversa com um pedagogo você percebe que cinco séculos parece pouco, né? Então, no século vinte precisou um Piaget, um suíço alucinado e meio nazista, que enlouqueceu todos os seus filhos, apesar de ser psicólogo infantil, a dizer que existe o método construtivista, porque agora quem constrói o conhecimento é o homem, coisa que no começo da modernidade, em 1500, já se tinha percebido na Filosofia. Agora é nóis, né? Eu poderia te dar um exemplo que eu adoro dar, porque é um exemplo marcante. Da mesma que Lavoisier, o pai da Química moderna, Newton é o pai da Física moderna, Claude Bernard é o pai da Biologia moderna. E o que faz Claude Bernard? Percebe que tem açúcar no sangue do
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coelho. Ele fala: “Da onde vem a porra do açúcar no sangue do coelho?”. Não adianta abrir o coelho, olhar o coelho, ver o sangue do coelho, não tem nada de autoevidente. Não tem nada de contemplativo. Eu nunca vou descobrir desse jeito da onde vem o açúcar no sangue do coelho. Então, eu pego digo: “Deve vim da cenoura”, tiro a cenoura, não é. “Deve vim do que...”, não. Tiro o pão, tiro a água, tiro tudo, tiro a trepada, tiro não sei que, e continua o sangue no coelho. Daí eu começo a tirar de dentro do coelho. E vou tirando. E quando eu tiro o fígado desaparece o açúcar no sangue do coelho. Eu descobri, então, que é o fígado que cria o açúcar no sangue do coelho. Percebeu? Quem fabricou o conhecimento fui eu. Eu que criei o nexo de causa e efeito. Eu que vi que tinha açúcar no sangue do coelho, e eu que liguei com a causa: o fígado. Eu que liguei. Não tem nada de óbvio, evidente, autoevidente, contemplativo ou porra nenhuma, sou eu que fiz, eu que construí o conhecimento, né? Construtivismo para os professores de plantão, coisa mais ou menos óbvia desde o começo da modernidade. Então, eu acho que você entendeu. Se o conhecimento sou eu que faço, se a moral sou eu que faço, não sozinho, mas o homem, então é claro que a beleza sou eu que faço. Aí não tem outro caminho, ficou claríssimo, a beleza sou eu que faço. Nós estamos chegando, a beleza sou eu que faço. Se não tiver essa explicação não tem como entender. A beleza sou eu que faço.
Estética Pois muito bem, eu espero que você entenda que a palavra estética vem daí, sensibilidade, né? Gozado, porque estética é uma palavra grega que quer dizer sensibilidade, mas a beleza só é uma questão de sensibilidade a partir do século dezoito, hehe. A estética é uma palavra grega, mas não havia estética entre os gregos. Eu já vi, nesse painel
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aí umas barbaridades, a estética dos gregos... É uma contradição nos termos, porque para o grego a beleza não era questão estética era questão cósmica, tá certo? Então tem a cósmica dos gregos, mas a estética é uma palavra que surge pra falar de beleza em 1750 com Baumgarten que escreveu A Estética, pela primeira vez em 1750, portanto, é claro, antecipar isso seria condenável. Pois muito bem, o que isso quer dizer? Quer dizer que a partir de agora a beleza é o que agrada aos sentidos, a beleza é o que agrada o homem, num primeiro momento, de uma maneira geral. A beleza... A beleza é o que agrada. Então, você percebe que existe uma subjetivação e, é claro, a obra de arte será obra de arte exatamente na medida de critérios que serão doravante subjetivos. Então, se o cara botou pãozinho dentro do carro e você acha que aquilo não é arte, a tua única chance de ter razão era se o Universo fosse cósmico e pão dentro do carro não tivesse a ver com a ordem cósmica. De Copérnico, Galileu e Newton pra cá, você perdeu. Por quê? Porque é uma questão de agradar. E, é claro, vai-se lá saber o que é que agrada. Provavelmente, ao próprio cara deve ter agradado muito pegar um carro e botado pão francês. Eu estou falando disso, porque esse foi um caso muito comentado da Bienal, de discussão sobre a obra de arte etc. e tal, então vai aí essa identificação. Muito bem. Nós podemos dizer e assistir na modernidade a dois tipos de revolução, anota aí, anota aí. Uma revolução do receptor e uma revolução do emissor. No caso da obra de arte o emissor é um artista. No caso do receptor é o espectador da obra de arte. Então, em relação aos gregos, nós temos dois tipos de revolução que eu doravante passo a explicar. No que diz respeito ao receptor, o estudo da beleza ele se traduz numa teoria tipicamente moderna que é a teoria do gosto. No que diz respeito ao artista, a produção artística do lado do emissor se traduz numa teoria tipicamente moderna que é a teoria do gênio.
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Então, você percebe que surgem duas teorias novas, uma pra falar do espectador da obra de arte moderna e a outra que é pra falar do artista da obra de arte moderna. Comecemos pelo artista. Quem é o artista moderno? Vem comigo! O artista moderno por acaso é aquele anônimo que fazia pequeno o que é grande? Uma espécie de japonês avant la lettre? Espécie de obsessão de pegar o macrocosmo e converter em microcosmo? Uma espécie de anônimo que se contentava em explicar como é a ordem universal num pedacinho de coisa? Não, o artista moderno não é mais isso. Então, eis aí a primeira ideia, o artista passa a ser alguém cuja identidade importa na arte. Isso aqui é fundamental pra nós. Em outras palavras, na hora de discutir o que é arte e o que é beleza, a pessoa que fez a obra de arte começa a importar e isso é a partir da modernidade e com destaque a partir do século dezoito. É quem fez a obra de arte que importa e muito. Eu vou te dizer informações que eu não sou muito especialista nisso, aliás, eu detesto quase tudo que a classe dominante entende como artístico. Detesto na mesma proporção que eu detesto a classe dominante, eu detesto as coisas de que ela gosta. Então eu ouvi dizer que as pessoas ouviam Bach nas igrejas sem saber quem era Bach. “Barrr”, né? Como dizem. “Baque” é coisa de francês. É “Barrr”. É, ouvia-se a música sem saber quem era. Na verdade não importava muito quem era, propriamente. E isso é até pouco tempo atrás. Em outras palavras, dependendo da sociedade em que você se encontra a figura do artista ela é tranquilamente anônima ou então a pessoa do artista passa a importar. Então é importante perceber que a modernidade não é um estágio da civilização que aconteceu de uma outra pra outra em todo lugar do mesmo jeito, entendeu? Em outras palavras, você tem sociedades primitivas até hoje.
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E o que é que caracteriza as sociedades primitivas do ponto de vista artístico? O fato do artista não ter a menor importância até hoje, como eu expliquei lá nos quadros de Campos do Jordão. Não tem a menor importância quem foi que fez. Então, o que caracteriza a modernidade é o fato do artista passar a importar. Normal, né? Se houve um giro antropocêntrico, se o cosmos dançou e se Deus, é, foi avacalhado pelos exegetas de plantão, então é claro, passa a valer o homem, o homem. E na hora que o homem passa a valer, o artista passa a contar. E o que passa a contar no artista? Quem ele é, o que foi que ele fez e assim por diante. Então, eis aí a primeira ideia, né? Na teoria do gênio. É, o primeiro passo da teoria do gênio é que na obra de arte a identidade do artista conta. Segundo aspecto. O segundo aspecto, e sem todos esses aspectos o estudo das regras da arte fica capenga, caduco, é que nas sociedades primitivas tradicionais, a obra de arte tinha como método oficial a imitação, a mimeses. Se você preferir, o plágio. Em outras palavras, o que era valorizado era a conservação, era a fazer o mesmo, né? Você pega aí, tem a arte de fazer kimono, pois a arte de fazer ki... É aqui tudo isso? – É. (aluna responde) Mas é curso... – É um sarau. (aluna responde) Ah, é um sarau? E sarau é coisa de karate, assim? Então, na hora de fazer kimono, sociedades primitivas, o que importa é que saia igualzinho e foda-se quem fez, né? Em outras palavras, o importante é imitar o que já tinha sido feito. O importante é fazer igual. O importante é plagiar.
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Perceba que loucura, né? Então, em sociedades, ouça-me! Em determinadas sociedades o que é valorizado é o plágio perfeito. Ouça-me! O que é valorizado é conseguir fazer igual e quem fez não importa, porque o que importa é a identidade, a semelhança, a coincidência entre as obras de arte. Pois muito bem, o que acontece na modernidade? Uma inversão radical dos processos. Em outras palavras, o artista que passa a importar ele passa a ser valorizado não pela sua capacidade de imitar, mas sim pela sua capacidade de inovar, de fazer diferente, de ser inédito, de fazer o que ninguém tinha feito antes, de fazer o nunca dantes imaginado e, portanto, o plágio, a contrário sensu, puta essa expressão... Às vezes tem coisas que impregnam como a lepra e um a contrário sensu, você me desculpe, é o tipo de ranço, krikrikri, por mais que eu tente me li... Eu já passei álcool e tudo, mas é, contrariamente, contrariamente, né? Se em sociedades primitivas inovar era objeto de punição, até morte, a subversão era paga com a morte, nas sociedades contemporâneas o plágio dá cadeia e a inovação é o quê? O fundamento da arte, propriamente, né? Me lembro de uma declaração aí de um tal de, de Duchamp, que não era o camisa cinco da seleção da França, mas era uma figura pomposa do começo do século e que ele dizia: “A arte é inovação”. E, e ele se gabava de ter mudado de estilo seis vezes num ano só. Em outras palavras, ele não só inovava em relação aos outros, mas ele inovava em relação a si mesmo. Então, percebe, que houve uma espécie de obsessão de fazer diferente. E essa obsessão de fazer diferente saiu do mundo da arte e contaminou o mundo da técnica como diz Heidegger, né? E aí ela tá presente no seu celular, né? Uma empresa que não fizer um celular novo por mês, ela morreu, por quê? Porque ela fabrica celulares pra sociedades primitivas, né? O mesmo. Então, é preciso fazer outro, não importa qual, outro, diferente. E assim essa perspectiva da inovação passa a ser critério fundante do pensamento artístico moderno.
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Kant Mas ainda não chegamos no gênio, propriamente. E, naturalmente, quem vai falar do gênio é Kant, e Kant tem uma definição de gênio que é importantíssima, e gênio pra Kant é aquele, perceba, que não segue escola nenhuma, mas que funda uma escola. O gênio pra Kant é aquele que não é herdeiro de ninguém, mas que deixa herança. O gênio pra Kant é aquele que não tira o seu dos outros, mas fornece pra todo mundo. O gênio pra Kant é aquele que rompe e depois mantém continuidade. O gênio pra Kant é aquele que não segue escola, mas faz escola; não segue doutrina, mas faz doutrina; não segue estilo, mas fabrica jeitos de fazer, consolida estilos. Esse é o gênio no pensamento kantiano. Bom, o que tá por trás dessa ideia? Simpático, aprendeu o que é gênio pra Kant. Quem falou que não aprendeu nada de útil, né? É, qual é a graça dessa ideia? É que ela tá impregnada no senso comum. Se você sair na rua e perguntar o que é gênio, a pessoa dirá, o garagista aí dirá: “A minha noção de gênio é a noção kantiana de gênio: é aquele que rompe com tudo e que faz escola”. Isso é o que você acha. Isso é o que qualquer um acha. O que Kant, aliás, de certa maneira, Kant é o pai fundador do senso comum depois dele e por isso talvez definisse gênio assim, porque estava convencido ser um gênio, né? Portanto, eu não sigo nada, mas deixei uma sequela eterna. Eis aí, o gênio é isso, aquele que faz diferente e todo mundo imita, isso poderia valer, por exemplo, pra dar aula, né? O gênio é isso, ele rompe. Agora, o que é bacana nessa história do gênio? É que o fundamento da genialidade está em atributos pessoais do artista que de certa maneira estão em ruptura com eventuais causalidades materiais que o tivessem determinando. Essa é a própria definição do gênio. A definição do gênio é a própria definição do idealismo.
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Não sei se você me entendeu. Quer dizer, porque, se eu te disser... Se eu te disser que eu dou aula do único jeito que eu poderia dar dados os professores que eu tive, eu acabei de te dizer que eu não sou gênio porra nenhuma. Na verdade, eu sou um subproduto do azar escolar a que eu fui submetido. Tá certo? É isso. Agora, se eu chegar e disser: “Olha, na minha vida...”, né? Veja só a construção biográfica de um gênio: “Eu tive professores horrorosos. Eu nunca tive ninguém que prestasse serviços como modelo. Eu sempre tive gente que me desencorajou. Eu nunca tive aonde aprender nada. Eu nunca nada, nada, nada, nada, eis que, apesar de tudo, apesar da matéria, apesar da vida, apesar das causas, apesar de tudo, eis-me cá perfeito e maravilhoso, é um milagre”. O gênio é o subproduto de uma ruptura milagrosa, encantada entre as causas materiais do mundo e o resultado espantoso daquele fulano, percebeu? Agora ficou claro isso, não? Tá perfeito ou não? Eu estou fuçando essas ideias sem nunca ter pensando isso muito antes, mas é absolutamente imprescindível entender que quando Bourdieu faz a sua Sociologia ele odeia Kant, assim. Quer dizer, é uma leitura que é uma obsessão antikantiana. Quer dizer, a ideia do gênio é alguma coisa que dá nó nas tripas e é gozado, porque Bourdieu teria tudo pra se apresentar como tal. Nasceu na casa do caralho; pai caixa de banco; estudou em colégios horrorosos; fez uma trajetória escrota; apareceu em Paris como um caipirão descendo da Gare dust Ritz, porque era lá onde chegavam os que vinham do sudoeste, porque foi de lá que eu cheguei vindo de Madri a primeira vez que eu fui. E carregando mala, aquela ilegitimidade, não tendo dinheiro pra pagar um táxi, tendo que ir de metrô, cheio de mala e o caralho e tal e tal. E apesar de tudo errado eu sou o maior sociólogo do mundo. Então, é claro, eu sou um gênio. Não é o que Bourdieu diz, Bourdieu diz: “A minha sociologia é a única que poderia ser e qualquer imbecil que tivesse no meu lugar faria a mesmíssima coisa
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que eu fiz”. Você, claro, você balança a cabeça, porque o senso comum é idealista, isso te revolta, é bem mais gostoso aceitar a posição de que existem pessoas que conseguem ir além da mais estrita materialidade. Somos assim, trouxas. Acreditamos mesmo que é possível transcender. Mas é lógico, Kant desenvolveu a teoria do gênio. Então, você tem aí o primeiro lado da revolução. O artista, ele deixa de ser um anônimo, imitador, plagiador e reprodutor de coisas transcendentes e passa a ser o cara, o cara. Ele é o inovador, o que rompe, o fodão, o espetacular, o impressionante. Por quê? Porque é gênio, consegue ser o que nenhuma causa material poderia explicar. E é claro, depois dele, quando a genialidade desaparece, tudo volta ao normal e ele fabrica escola, mas ele mesmo tirou as coisas do nada. Não há materialidade que ofereça fundamento a genialidade. Perfeito? Então, não se assuste ao ler As Regras de Arte, que a palavra gênio aparece muitas vezes, claro, em tom de chacota, entendeu? Em tom de deboche. Só mesmo um alucinado, demente poderia imaginar que por alguma razão transcendente... Quem sabe um santo, quem sabe ter nascido no dia de algum santo ajude a poder conseguir resultados além do que a materialidade poderia proporcionar. É, do lado do receptor. Ora, curiosamente o receptor, no pensamento grego, ele não participava, ele não tinha a menor importância. Eu vou até mais longe e aqui você vai anotar uma coisa, o espectador de uma obra de arte do pensamento grego poderia até não existir. Ele é tão desimportante, que ele estando ali ou não estando ali, a opinião dele não conta. E por que não conta? Porque o fundamento da arte não está nele, está no cosmos. Então foda-se, não tem a menor importância. Ora, com a hecatombe cósmica o receptor levanta o braço: pera aí agora eu passei a contar.
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Porque não teve o giro antropocêntrico? Agora a beleza não é negócio nosso? Agora a definição de arte não é coisa nossa? Então, a partir de agora eu passo a dar o meu palpite. E não há dúvida que a partir de agora a arte passa a ser alguma coisa que depende da aprovação do outro. Para pra pensar. Pô! Pensa comigo, do mesmo jeito que Descartes precisou combinar com você o eixo X e o eixo Y em torno do ponto zero, e aqui você tem um ponto P, dois e três. Então tá aqui, dois vírgula três e tal, mas eu tive que combinar que tem um eixo assim e um eixo assim, porque senão o ponto P estaria à deriva no infinito silencioso, nauseabundo, tétrico e aterrorizante e pra diminuir isso eu criei dois eixos, na hora da arte eu tenho que combinar com você. É isso. Na hora da arte eu tenho que me entender com você. E o que significa me entender com você? Eu faço e você aprecia e, é claro, como é um entendimento, a tua opinião tem que contar. É de uma clareza irritante. Não entendeu assim procura um curso técnico. Não é do ramo. Então, claro, a partir daí surge um problema. Nós estamos chegando, hein.
Critérios subjetivos do belo e do artístico Os critérios subjetivos do belo e do artístico. Porque afinal de contas se o receptor importa nessa definição conjunta do que é bonito e do que é arte, a partir da onde? O cosmos, fui, miou. Agora é nóis. Então, a partir de agora eu passo a apresentar quatro maneiras de entender isso aqui que eu vou batizar assim: o classicismo racional e aí, é praticamente cem por cento francês. A estética empirista, sensorialista fundamentalmente inglesa e que vai encontrar na França a expressão “Esthétique de la délicatesse”, segunda solução. Terceira solução a solução de Kant e a quarta solução é a solução sociológica, propriamente. Então, quatro. E você sabe que não tem muito mais
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do que isso não. Claro que aqui dentro tem ramificações, mas são quatro jeitos de pensar. O primeiro jeito: o que é o belo? Eu vou evacuar antes do intervalo, o belo é a tradução num pedaço de matéria de uma ideia entendida pelo homem como verdadeira. Eu vou repetir: o belo é a tradução num pedaço de matéria de uma ideia entendida pelo homem como verdadeira. E como é que você simboliza a verdade num pedaço de matéria? A maneira mais nobre são figuras geométricas. A figura geométrica sempre foi entendida pelo homem como a forma mais perfeita de representação da verdade. Então, é claro, o classicismo francês, só o verdadeiro é belo, só o verdadeiro é amável, só o verdadeiro é artístico, isto é um verso, aliás, horroroso como verso de um fulano chamado Boileau muito conhecido na época de Descartes, e que conseguiu resumir maravilhosamente o classicismo. O verdadeiro traduzido num pedaço de matéria. O verdadeiro. Então, você percebe o quê? Por que razão o verdadeiro agrada? Por que razão as pessoas concordam tantos com o que é bonito? Porque como Descartes dizia, a razão é mais ou menos bem distribuída entre todos e como todo mundo é capaz de entender o que é o verdadeiro, todo mundo é capaz de gostar daquilo que representa o verdadeiro como é o caso do jardim de Versailles. Exemplo maravilhoso de produção artística clássica. O jardim de Versailles é a melhor forma de você entender o entendimento da estética classicista, propriamente. A ideia de que você tem através de uma tentativa de tradução de uma ideia verdadeira a condição da beleza e da obra de arte. Você sabe que você pode encontrar também uma teoria clássica do belo na música, desde que você tenha a pretensão de fazer música para traduzir através de ondas sonoras uma ideia considerada verdadeira. É a teoria, o nome característico dessa forma de pensar é um sujeito chamado Rameau, que
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tem uma, existe uma produção sobre a obra de Rameau imensa. Qual era a pretensão de Rameau? Fazer uma música matemática, uma música verdadeira, uma música que traduzisse a verdade, porque só a verdade poderia conseguir aquilo que é o desejo de todo artista, a universalização de uma ideia de beleza por ele materializada e traduzida ali. Segunda solução é a sensorialista ou empirista. No lugar de me agradar porque é verdadeiro, no lugar de me agradar porque é racional, no lugar de me agradar porque é lógico, no lugar de me agradar porque faz sentido, no lugar de me agradar porque me convenceu, a estética sensorialista agrada os meus sentidos, o meu corpo, as minhas inclinações, os meus apetites, o meu tesão, o meu embalo, o meu swing, enfim, o meu biorritmo, o meu dinamismo, o meu tesão. A estética sensorialista, portanto, nos agrada, mas não pela via da verdade e sim pela via do prazer, né? Da alegria do corpo. É bom e é bonito aquilo que alegra. Tanto a moral quanto a estética são uma questão de alegria do receptor. É belo aquilo que produz um encantamento junto ao receptor.
HUME e KANT Então eu poderia perguntar pra você: O que você acha da música Clementina de Jesus do Tiririca? Quer que eu cante um pouquinho? Você conhece? Não conhece. Não, não é Clementina é Florentina: “Florentina, Florentina, Florentina de Jesus, por que que tu me ama, por que tu me seduz?” Muito bem. Então você levanta a mão e diz: “Isso é uma bosta”. Por quê? Percebeu que ficou por aí. Eu é que não gostei. Mas eu acho que você percebeu que na hora que você diz eu não gostei, você abriu a possibilidade de outro ter gostado. Se o critério é gostar... Eu, por exemplo, adoro o Tiririca, tudo que ele faz, tudo que ele faz. E a maneira como ele zomba então do resto eu acho fascinante. Meu candidato pra tudo a partir de agora é o Tiririca.
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Então, claro, por quê? Por que você percebe a dificuldade? Porque você entende que isso de que é bonito aquilo que alegra faz um puta sentido, mas você tem uma pergunta a responder. Se você puser o Santoro aqui do meu lado, Santoro é o, como é o nome? Porque tem um monte de Santoro. – Rodrigo. (aluno responde) Rodrigo. Puser o Rodrigo Santoro aqui e perguntar quem é mais bonito, você terá cem a zero. Aí fala: “Pô, se somos tão diferentes de corpo e tudo depende da alegria de cada corpo, não é possível que dê cem a zero. Eu, eu podia ter pelo menos um voto ou dez, ou quinze, ou trinta, mas não”. Então a pergunta é: se é uma questão de estética, se é uma questão de sensibilidade, se é uma questão de alegria, como justificar tanta coincidência? Como justificar tanta hegemonia? Como justificar tanta unanimidade? Não é não, né? Pegue aí a nossa patroa, dona daqui, Maria Fernanda, e bota ela do lado de alguém que passar aí. E aí você vai ter cem a zero de novo. Como justificar tanta proximidade? Como justificar tanta coincidência se tudo é uma questão de alegria? Não sei se você percebeu, para os gregos isso não teria problema nenhum, a beleza está na Maria Fernanda porque ela é mais representativa da harmonia cósmica do que a Araci de Almeida. Então, todo mundo coincide, porque é um dado objetivo da realidade. O cosmos foi pro saco, a coisa veio pra nós. Você dizer: “A beleza da Maria Fernanda é mais verdadeira do que a beleza de Araci de Almeida”... Simetria, coisas de verdade, difícil de ver ali círculos. Eu não vejo círculos a não ser quando tem a interferência da cirurgia plástica, não enxergo muito. Mas na hora do prazer podia ter discrepância, por que não tem?
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David Hillman tem uma solução. Ele diz o seguinte, David Hillman, nada como um escocês, quer dizer um inglês que toma whisky pra resolver o problema de maneira assim no concretão, e o que ele diz: “Escuta, a gente é diferente, mas vamos combinar, a gente é diferente, lógico, mas o que nós temos pra observar o mundo? Nós temos dois olhos, um nariz com duas fossas, uma boca e eventualmente dedos pra apalpar, mas o que a gente apalpa do mundo é pouquíssimo. Cheiro, diz Hillman, as grandes cidades estão destruindo o nosso olfato”, no que ele tem total razão, a gente não sente mais cheiro de porra nenhuma. O ouvido pra beleza na música, né? Mas dos corpos tal. Então, no final das contas pra beleza o que a gente tem? Dois olhos. E esses dois olhos enxergam mais ou menos a mesma coisa, porque os que enxergam bem não têm auxílio de nada, os que enxergam mal, eles puseram essas porras que ajudam a enxergar. A gente enxerga mais ou menos a mesma coisa. Então, percebeu? Por mais diferente que a gente seja na hora de observar o mundo, a gente conta com os mesmos parcos instrumentos, razão pela qual é normal que a gente concorde pra burro sobre a beleza das coisas. A origem da concordância está justamente na pouca diferença da nossa competência sensorial. A nossa natureza é igualmente limitante da observação do mundo e por isso somos, de certa forma, concordantes na hora de decidir sobre o que é bonito e sobre o que é feio. E Hillman ainda diz: “Tem dois ou três que são particularmente talentosos pra sentir coisas do mundo. São pessoas especiais, pessoas especiais. Talentosos, naturalmente talentosos pra sentir coisas do mundo. E esses dois ou três não fazem verão, são como uma andorinha. E é por isso que no concretão a maioria vê as mesmas coisas e vê beleza mais ou menos com os mesmos olhos”, David Hillman. A origem da padronização estética está na padronização da bifocalidade ocular. Beleza? Tô provocando você, porque quando vier depois do intervalo vai ficar mais fácil a gente posicionar o nosso autor.
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E tem Kant, que de certa maneira é o mais alucinado de todos, porque para Kant o belo não é nem o verdadeiro, nem o aprazível, mas é a reunião furtiva e inesperada dos dois. Nossa, ficou até melhor eu falando do que... O belo nada mais é do quê? Eu não vou dizer o que ele disse por que tudo o que ele escreve é incompreensível, mas eu vou dizer o que ele quis dizer. Ele quis dizer: existe beleza toda vez que a realidade na sua crueza real parecer fazer sentido para quem a observa, e parecer fazer um sentido aprazível pra quem a observa. “Não entendi”, então eu vou dar um exemplo. Claro que Kant não dá o exemplo, mas eu dou. Você tá olhando pro céu, pode ser? Em Serra Negra e aí vem uma nuvem. E aí você diz: “Nossa, parece... 'o que pode parecer uma nuvem? ' Parece um coelho”. Então eu pergunto a você: alguém por acaso fez a nuvem em forma de coelho? Não. Essa é a crueza do real, a nuvem é o que é. Mas pra você parece fazer sentido. É claro que não é verdade, mas pra você parece fazer sentido. E quando a realidade parece fazer sentido pra você e você se encanta com isso, é porque nós estamos diante de alguma coisa bela. A beleza é uma combinação do estético sensível e do racional significado, sentido e assim por diante. Em outras palavras, não é qualquer prazer que tem origem na beleza, mas é o prazer decorrente de um sentido ou de um significado que atribuímos às coisas do mundo. Você pode pegar um romance, e quando você começa a interpretar o romance e esse romance tem pra você um certo sentido que te encanta, esse romance é uma obra de arte, ele é belo. Quando você pega um quadro e você atribui sentido ao quadro, aquele quadro pra você parece ter aquele sentido e aquele sentido te alegra, ha! Você tá diante de uma obra de arte, aquilo é belo pra você. Eu acho que você entendeu. Existe na perspectiva da beleza kantiana uma componente racional de sentido e significado e uma componente empírica, sensorial que é, digamos, a alegria
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que aquele significado proporciona. Como sempre Kant tenta conciliar o racionalismo, no caso da estética, o classicismo e o empirismo, no caso da estética, o sensorialismo. Não há como ter beleza se não houver juízo racional, isto é, atribuição de sentido e alegria com a atribuição de sentido. Em outras palavras, quando é que a aula do professor Clóvis é bela, e é uma obra de arte? Quando ela faz sentido pra você e você se alegra com esse sentido. Perceba então que não há na beleza a possibilidade de ser só uma questão de verdade ou de razão e ser só uma questão de prazer sensorial. Não, é preciso que haja os dois.
Concepção de Bourdieu Muito bem, eis o momento em que nós chegamos na quarta concepção. E o que é que vai nos propor Pierre Bourdieu? Se você preferir eu posso até sistematizar pra você. Para os gregos, o fundamento do belo aqui está no cosmos, depois dos gregos está no homem, né? O belo, o fundamento do belo está no homem só que no classicismo razão, depois o fundamento do belo está no homem sensorial. Para Kant, o fundamento do belo está no homem sentido, no sentido de significado, né? Sentido mais sensação. E é claro que para Bourdieu o fundamento do belo está no homem enquanto exercício de poder. No homem social, no homem que manda. A definição do que é arte não é nem uma questão de verdade, nem uma questão de sensibilidade, nem uma questão de sentido e muito menos uma questão cósmica, mas a definição do que é belo e do que é artístico é uma definição social, é um fato social. E, portanto, conforme até alguns aqui já reconheceram antes, dependendo da sociedade em que você está o belo e o feio serão resultado de enfrentamentos, de lutas entre agentes mais ou menos autorizados a participar dessa definição.
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No caso da arte o campo artístico, de uma maneira geral, é na verdade constituído por vários campos ou subcampos, como quiser chamar. E, portanto, é claro que a definição da arte legítima, a definição do que é de bom gosto, a definição do que é genial não tem muito a ver com os atributos objetivos deste ou daquele agente do campo, mas tem a ver com as condições sociais que esse agente encontra pra apresentar as suas manifestações e paulatinamente ir conseguindo um capital que é um capital propriamente artístico, né? E que tem a ver com o reconhecimento dos pares, e que tem a ver com o reconhecimento daqueles que estão autorizados a reconhecer uma obra artística legítima. Razão pela qual você não consegue propriamente discutir o que é uma obra de arte legítima, por exemplo, uma pintura como sendo uma, um grande quadro se você não levar em consideração o quê? Se você não levar em consideração a posição ocupada por quem pintou , e se você não levar em consideração o quê? É, o reconhecimento desta posição ocupada por quem pintou e, portanto, por tabela, da manifestação daquele pintor naquele momento. Claro está que o campo não é um espaço de conservação absoluta. Claro está que como em qualquer campo tem estratégias de subversão. Estratégias de subversão que na arte costumam se ganhar nomes diferentes dependendo de onde você está. Mas quando você tem coisas como Avant Garde, né? Quando você tem maneiras de fazer arte que não são as dominantes num determinado momento, elas sim se enquadram numa lógica de campo, elas são subversivas e, evidentemente, como subversivas elas poderão pouco a pouco ir ganhando legitimidade de tal maneira a irem se tornando cada vez mais legítimas e dominantes. E aí, é claro, aquilo que era subversivo vai se tornar conservador. Então, quando Bourdieu estuda a alta-costura, por exemplo, como uma forma particular e privilegiada de manifestação artística própria dos franceses, ele estuda lá Pierre Cardin, Yves Saint Laurent, e Paco Rabanne e não sei que e tal, e o que ele mostra? Ele mostra as múltiplas estratégias que só são compreensíveis dentro de uma lógica de campo.
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Em outras palavras, a roupa que a modelo está vestindo não tem por razão explicativa a genialidade do costureiro, mas as necessidades sociais que levaram o costureiro a conservar, como todo dominante sabe fazer, quer a subverter como é o que resta a quem não tem legitimidade, não tem capital naquele campo. Em outras palavras o valor social da moda só é compreensível dentro de um jogo, dentro de um espaço, dentro de uma relação complexa de agentes sempre mutável, sempre cambiante, sempre à mercê de transformações e de subversões, mas que obedece uma lógica que, claro, o professor Clóvis não participa dela, e o que o professor Clóvis acha da roupa que as modelos usam, é, o que é quase sempre nota zero, né? É, tudo que eu já vi de desfile, eu nunca vi muito porque eu não me interesso por isso, mas tudo que eu já vi de desfile, é pra mim o desfile de coisas “inusáveis” em quaisquer situação que eu já tenha presenciado e, portanto, eu não sei bem o que aquilo quer dizer. Mas é normal, porque eu, o meu palpite ele não vale nada naquele campo, nada. E, portanto, o que eu achar também é socialmente desprezível. No campo da alta-costura, no campo da pintura, no campo da literatura, no campo da moda, no campo da música, no campo da história em quadrinho, no campo do cinema, a minha opinião é nula. Por quê? Porque eu não sou agente qualificado a participar da definição sempre provisória da arte legítima, da arte nobre, da arte de bom gosto, da arte que é produzida por artistas geniais, artistas fantásticos, artistas de primeiro time, artistas dominantes do campo. Acho que você percebeu que dentro dessa perspectiva é só através de uma análise de disputas poderosas de poder entre os artistas, que você conseguirá entender, o que a verdadeira razão da produção da arte. Não é possível, né? Existe uma tendência, ouça-me! Existe uma tendência a você estudar a obra de arte por ela mesma e isso é ignorar a sua natureza social, e isso é desconhecer o único
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fundamento possível pra encontrar valor pra aquela obra de arte. Já que o cosmos, evidentemente, ele não existe. A pretensão de que o belo possa ser o verdadeiro esbarra num problema enorme para o homem. É que o homem nunca encontrou o verdadeiro e, portanto, ter a beleza atrelada à verdade é tê-la atrelada ao nada. Ora, dizer que a beleza alegra faz sentido, desde que você entenda que o belo, o que se entende por belo na sociedade, não é o que alegra qualquer um, porque qualquer um não dá palpite. Qualquer um não importa, qualquer um não conta, qualquer um não interessa, o belo tem que agradar a quem tiver que agradar. E é por isso que quando você tem um chefe de cozinha e ele vai receber a visita de alguém que tem legitimidade pra julgar a sua obra, existe toda uma consternação no restaurante. Quando não é alguém legítimo pra julgar a sua obra foda-se quem vai comer, é um carroceiro, é um desatualizado, é um desautorizado, é um ilegítimo, é um bosta; se você fizer xixi em cima do prato dá na mesma, ele nem vai perceber e assim por diante. Perceba então que existe, de certa maneira, um senso do jogo, um senso prático do jogo que deixa claro para os artistas que o valor da sua obra depende de quê? Do ponto de vista de agentes qualificados, agentes autorizados, agentes legítimos, agentes, portanto, competentes pra definir o valor daquilo. E não é todo mundo, não é a sociedade, mas é quem manda, é quem manda no campo, é quem detém o poder. Em outras palavras, o valor social da arte tem a ver com um certo exercício de poder de definir qual é a arte legítima num determinado momento e num determinado lugar. Em outras palavras, a qualidade da obra de arte nada tem a ver com a sua substância. Nada tem a ver com o que é feito. E por quê? Porque a história deixa isso muito claro, o que era lindo antes é medonho hoje. O que é medonho hoje era lindo antes. Em outras palavras, se hoje nós rejeitamos Tiririca isto é apenas o resultado de o quê? De um
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certo aprendizado social, histórico, político a que fomos submetidos. Fosse outra sociedade, fosse outro momento histórico, fosse outra situação, e o Tiririca, que não passa de um trovador como Paio Soares Taveirós, seria literatura legítima do mais alto gabardine em 1480, quando Paio Soares Taveirós cantou a cantiga da ribeirinha e você teve que decorar se você quis passar na USP. Portanto, meu amigo, diante da arrogância de se considerar autorizado pra dizer o que é o filme que presta e o filme que não presta, o que é o quadro que presta e o quadro que não presta, o que é a música que presta e a música que não presta, perceba que você só reproduz uma dorsa, você só reproduz um entendimento legítimo. Você não passa de um lacaio do senso comum. Uma espécie de capacho dos juízos autorizados, do ponto de vista dos legítimos, porque se você levanta aqui e disser: “O que eu gosto é de Debi e Loide”, que é o meu caso, você tá fodido, você será chacinado. E por que eu me atrevo a dizer? Porque eu tenho legitimidade num espaço que me permite. E até porque eu não tenho pretensão de julgar cinema. Tem aqui o meu amigo Sérgio Rizzo, que é meu amigo, colega de velório, eu o vi uma vez quando morreu a mãe dele, agora eu vi outra vez quando morreu a minha mãe, a gente só se encontra em velórios. O meu amigo Sérgio Rizzo, ele é autorizado pela Folha de São Paulo pra julgar o filme. Ele escreve sobre isso. Ele faz isso desde que eu o conheço. Faz mais de vinte anos que ele escreve sobre cinema. E quando ele escreve as pessoas leem, e, portanto, existe o quê? Condições institucionais, sociais e materiais pra ele dizer o que ele pensa. Mas o que ele pensa não vale mais do que eu penso, a única coisa é que a sociedade o consagrou e a sociedade me consagrou pra dizer qual é a vida que vale a pena ser vivida, assunto muito mais relevante do que um simples filme de cinema.
Legitimação do belo Acho que você entendeu, estamos submetidos a uma luta pela definição daquilo em que
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podemos opinar. E quando você olhar pro espelho e perguntar no que será que o meu ponto de vista importa? He, e você constatar que não há nenhum seguimento de nada em que o teu ponto de vista mereça ser ouvido, saiba, não é que você é uma anta, é que você é uma anta social. Quer dizer, você é um indivíduo desqualificado pela sociedade. Isso não quer dizer que você tenha QI baixo ou que você... Nada disso, porque os jogos de construção social de legitimidade eles transcendem a tua força de vontade, transcendem a tua coisa, transcendem não sei o que e tal. E se o Sérgio Rizzo, como colunista da Folha, quiser ir lá na ECA, Escola de Comunicações e Artes, e falar de cinema com os professores de cinema da USP, o que é que o professor de cinema da USP diria pra ele? “Eu lamento, você não passa de um jornalista, aqui você não abre a boca. Aqui a gente discute cinema num outro patamar”. Posso te dar um exemplo, tipo Ismail Xavier. Ismail Xavier é um dos caras, né? Ele é meu colega da, da USP e ele é dá aula sobre cinema em Hollywood, certo? Ele dá, quer dizer, ele é um indivíduo com renome internacional e ele fala sobre cinema num patamar, e dá onde veio o reconhecimento dele? Da sua trajetória acadêmica, do seu reconhecimento, ele é o nome de cinema do Brasil, é, desde que ele tá aí há vinte, trinta anos, ele é uma autoridade pra falar em qualquer instância internacional sobre cinema, ele é, portanto, um cara e tal e coisa. E é claro, Ismail Xavier não se senta com um jornalista pra falar sobre cinema. Sérgio Rizzo sabendo disso, o que foi que foi fazer? Fez mestrado em cinema com Ismail Xavier. Fez doutorado em cinema com Ismail Xavier e agora dá aula de cinema na USP sobre cinema. Então, agora, Sérgio Rizzo foi se dotando de capital social. Ele não é só alguém que joga o jogo do jornal do cinema, sabe? Tem críticos de cinema que disputam entre eles, são todos nervosinhos assim, e se vestem de maneira esquisita e tal e coisa e tal, mas o Sérgio Rizzo se dispôs a jogar um outro jogo, que é o jogo do cinema que fala da Academia. Curiosamente o objeto é o mesmo, mas o jogo é outro. E um não joga o jogo do outro. O Ismail Xavier jamais vai escrever sobre o filme do tipo domingo à tarde, leve a sua mulher pra ver,
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como chama? Julia Roberts e Robert De Niro em não sei quê. Ele não vai fazer isso. Não vai. E, então, você percebe que apesar do objeto ser o cinema, você pode ter diferentes esferas de consagração de autores sociais, e de agentes de campo pra falar em campos diferentes sobre o mesmo assunto. Pouco a pouco você vai se familiarizando com a ideia de que a arte é uma questão social. Pouco a pouco você vai se familiarizando com a ideia de que o conteúdo da obra de arte não tem valor intrínseco, mas tem um valor político. E eu poderia dar um milhão de exemplos nesse sentido, mas vamos citar pelo menos um pra mostrar que funciona assim. Adoniran Barbosa, quando era Adoniran Barbosa dos Originais do Samba, era um cantor brega. Adoniran Barbosa, portanto, tinha, ocupava a mesma posição social no campo da música popular que ocupa o Raça Negra, o Netinho, o Fundo de Quintal, o Katinguelê, etc. e tal. Tá perfeito? Tá ótimo? Muito bem. Aí Elis Regina cantou Adoniran Barbosa. E aí o que aconteceu? A música de Adoniran Barbosa ganhou um outro valor. Continuou a mesma, mas o valor social mudou, porque Elis Regina contaminou de legitimidade àquela música. E ele saiu do fundo de quintal onde ele estava e passou a ser Cult, de tal maneira que o Arnesto me convidou pro samba ele tava no Brás, não é mais música de emprega doméstica e de carraceiro, porque agora você ouve em Elis Regina nas casas mais instruídas do país. Acho que você percebeu, a música, a letra continuou a mesma o que mudou foi o valor social da obra por conta do quê? De uma nova intérprete, uma nova intérprete, legítima e autorizada pelas esferas dominantes. Se quiser eu dou outro exemplo. Dalto. Lembra do Dalto. Oh, Onofre, você é nosso amigo, cara! O Dalto, não se lembra? – Parcamente.
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Palhaço, parcamente! Parcamente. Querem que eu cante Dalto? Hum! Porque esse é o tom. Já, já matou quem é? Mas se um dia eu chegar muito estranho, deixa essa água no corpo lembrar nosso banho. Dalton no Chacrinha. Depois tem aquela: Os seus olhos são espelhos d'água, brilhando você pra qualquer um. Dalto é cantor de Ibirapuera período vespertino, porque o Ibirapuera, você sabe, ele é dividido em dois, até ao meio-dia é a elite da Nova Conceição, depois do meio-dia é quando chega o pessoal que veio de longe, e aí a elite da Nova Conceição sai. O Dalto só cantava depois do meio-dia. É de uma contundência espetacular. Dalto era Ibirapuera seis da tarde, velho. Lusco-fusco, pessoal nosso, amigo nosso, Dalto, entendeu? De repente Dalto foi gravado por Marina Lima e de repente o valor social de Dalto mudou. E aí Dalto sumiu como Dalto, mas a música de Dalto é de autoria de Dalto, cantada por Marina Lima tá na sua “cedezeira”, aquilo que você não ouviria... Mas, olha, você mandaria a Geofrásia: “Desliga essa merda, Geofrásia. Meu Deus, empregada doméstica é gente sem gosto, coisa cafona, brega e asquerosa”. Pois a mesma música entrou na sua disqueteira, porque o seu valor foi redefinido pela Marina Lima. Quer que eu continue, eu continuo. E aí você percebe que basta mudar alguma coisinha pra que a mesma coisa ganhe outro tipo de valor. E eu poderia ficar aqui eternamente mostrando pra você que muitas... Até o processo inverso, quando a cultura pop erudita vira cultura de massa. Nossa a Globo tentou fazer isso várias vezes, com algum sucesso, com, por exemplo, o BoiBumbá, etc. e tal. Quer dizer, o Boi-Bumbá é folclore, folclore é coisa de gente com alto capital cultural, né? Folclore, folclore não existe. Folclore não existe. Folclore é coisa de tese da USP, certo? Ou por acaso você já se encantou com a história do Boi Barrica? Ninguém conhece porra nenhuma, né? Folclore é coisa de especialista. Aí a Globo pega o folclore, que é coisa de especialista, e faz disso cultura de massa. A hora que ele faz isso cultura de massa, ele tira da mão do especialista e joga isso na mão do popular. E aí o que acontece? Você massifica o que era absolutamente erudito. E basta pra isso uma deliberação
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de marketing, de política editorial, e você muda completamente o valor da obra de arte, você tira a obra de arte de um lugar e põe em outro lugar com duas ou três articulações. E aí, é lógico, você se dá conta de que o valor da obra de arte é dependente do lugar aonde ela tá, de quem tá por trás de, dos espaços frequentados, dos agentes responsáveis e assim por diante. Em outras palavras, é lindo aquilo que os legítimos consideram lindo. É artístico aquilo que os artísticos consideram lindo e, portanto, tudo é uma questão de identificação de quem tá autorizado a definir a beleza num determinado espaço.
Marx, classe social e beleza O que já tinha dito Marx antes? Que a definição do belo é uma questão de classe. Mas Marx está para Bourdieu como a roda está para Lamborghini. A classe social tem a ver com a beleza? Tem. Mas dentro da classe dominante você tem fissuras. Nossa! Ou não tem, heim? Afinal de contas, você pega um burguês que trabalha na Paes de Barros. Conhece a Paes de Barros? Gente nossa. Paes de Barros na Mooca, sujeito trilhardário vende carro importado na Mooca, certo? Altíssimo capital econômico. Capital cultural sofrível, né? Ele não é você, velho. Ele não é você. E se for você tudo bem, heim! Então, quer dizer, ele não é você. Então, você percebe que na classe dominante você tem fissuras. Por quê? Porque Bourdieu dirá, e eu poderia ficar dando esse curso aqui até a morte, né? Mas Bourdieu dirá o seguinte: no final das contas, muito mais importante do que burguês e proletário é perceber que dentro das classes dominantes e dominadas, você tem o quê? Espaços absolutamente ou muito autônomos de definição do que é bonito e do que é feio, do que é justo e do que é injusto, do que é belo e do que é, do que é aceitável e do que não é aceitável e assim por diante.
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Então, Bourdieu dirá: capital cultural e capital econômico. Então, se você pegar a classe dominante e jogar aqui, você consegue estabelecer um mapeamento de comportamentos que deixa claro que uma lógica de classe tem um limite fodido na hora de explicar o comportamento das pessoas. Maior capital cultural, menor capital econômico. Maior capital econômico. Quer que eu dê exemplos? Posso dar exemplos? Então, vamos lá. Vamos dar exemplos, né? Vamos pegar um indivíduo de alto capital cultural, não, ao contrário, vamos pegar o que importa. Complemente Onofre. Imagine um indivíduo de alto capital econômico e baixo capital cultural. Imaginou? Imaginou um comerciante? Né? Um comerciante. Muito bem. É, em quem que ele vota? Diga em quem ele vota? Indivíduo riquíssimo, comerciante e que tem o ensino médio. Em quem que ele vota? – Na direita. (aluno responde) Na direita. Na direita. Por isso eu já botei na direita. Aliás, Bourdieu também, né? Então aqui ó? Alto capital cultural, alto capital econômico. Baixo capital cultural, direita. Agora podemos pegar um caso oposto. Podemos pegar um caso oposto? E o caso oposto, o melhor caso oposto que você pode encontrar, você encontra diante de você. Alto capital cultural, pelo menos institucionalmente é indesmentível. Alto capital cultural e zerado de grana. Roubado que foi pelo Ali Babá do mundo hospitalar. Zerado de grana. Eu pergunto, esse cara vai votar em quem? No Maluf? Então, você veja quantos são os eleitores do Maluf no curso de História da USP, né? Pega lá os professores da Faculdade de Ciências Sociais da USP e vê quantos votam no Maluf. Nenhum. Entendeu? Nenhum. É isso que tá, não é tendencial, é nenhum. Agora, e vendedor de loja de carro na Paes de Barros em quem o sujeito vai votar? Então, nenhum vota no PT. É nenhum. Eu acho que você entendeu, fica claro, é uma regra social fodida. É um determinismo
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poderoso, velho. Poderoso. Não é uma brincadeira. É que é assim. E lá na França. Lá na França tem um bandido chamado Jean-Marie Le Pen. Ele é direita só que é sério, porque aqui no Brasil, nem, nem isso. O cara ele é de direita, mas não sabe bem como ele faz pra ser escroto. Então, ele acaba ficando meio bizarro, né? Ele conta piada e tal, mas ele não é racista, racista tipo Le Pen que disse que tinha que pegar todo mundo que tem Aids e botar numa ilha, né? Não, aqui não, né? O único de direita fodido que nós tivemos com alguma lucidez na história recente foi o Enéas, né? Enéas. Apesar de toda a caricatura ele, ele tinha noção do que era ser um conservador. E por isso ele propôs, num debate pra prefeito de São Paulo, a mesma coisa que o Le Pen propôs, pegar todos os soropositivos, como chama? Os soropositivos e botar numa ilha. Ora, eu te pergunto então, eu te pergunto então, nessa discriminação de direita esquerda, preocupação típica de um francês, pra nós é até, como a política, né? Nem é muito importante. Mas eu continuo, alto capital cultural e baixo capital econômico. Eu te pergunto, domingo à tarde, o que esse fulano vai fazer? Pois é, cara. Pois é. Então eu pergunto, você tem duas opções, Faustão, Faustão e você tem, vai, vou botar aqui, é, Museu de Xilogravura... Ué, está no guia, por que não? Museu de Xilogravura, né? De Antônio Costella. Eu preciso perguntar? Você quer que eu pergunte não, quem é que vai fazer o quê? Né? Agora eu te pergunto, e quando é baixo capital econômico e baixo capital cultural? E quando é alto capital econômico e alto capital cultural? Não existe, lamento. Esse caso é um caso... Isso foi só uma maneira de te provocar. É, mas eu espero que você tenha entendido que os eixos capital econômico e capital cultural, que tem a ver com reconhecimento de saber e reconhecimento de grana, e nem tem a ver muito com patrimônio efetivo, tem a ver com que as pessoas acham e o que você acha que você tem. Pois muito bem, capital econômico e capital cultural são eixos poderosíssimos na hora de identificar.
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E Bourdieu, ele num livro chamado A Distinção, ele faz um milhão de perguntas. Por exemplo, ele conclui que um indivíduo com o mais alto capital cultural e mais baixo capital econômico tende a comer massa fresca no domingo enquanto um indivíduo de mais alto capital econômico e mais baixo capital cultural come pizza. E aí ele vai estudar a frequência aos museus. Chegamos. Chegamos, né? Museu de Xilogravura, está aqui. E o que é que você percebe? É que a frequência aos museus na França, ela tem a ver com um alto capital econômico, mas tem a ver com um baixo capital cultural. Desculpa, ao contrário. A frequência aos museus tem a ver com um alto capital cultural e um baixo capital econômico. Portanto, coincidentemente, quem frequenta museu é quem vota a esquerda. Agora é claro, e turista? Turista não. Turista não. Então, curiosamente, quem é que visita o Louvre, hehe? Se for brasileiro, costuma ser alto capital econômico e baixo capital cultural e vai conviver com os franceses que tem características rigorosamente opostas, os dois coabitam. Eu me lembro quando eu era garçom e eu trabalhava num bar chamado Café de Lucsambur e aí veio uma família. Família Bourdieu clássica. Fazendeiro de rancharia, ventre protuberante, ouro espalhado pela família toda, um jeito assim de uma masculinidade campesina, né? E uma mulher ornando. Uma mulher ornando. Tava lá a família, aí eu cheguei, certo? Aí o moleque falou pro pai: “Vamos ver agora o teu francês”. E eu, que se hoje já sou um ressentido fodido, na época eu queria matar um fulano como esse. Por quê? Porque eu tinha uma bolsa e me roubaram a bolsa e eu não sei por quê, né? Porque tem uns viados que roubam o dinheiro da gente e aí cortam as bolsas e eu fiquei lá tendo que fazer papel de garçom, porque alguém meteu a mão e eu não tenho nada com isso, então, eu realmente odiava. Mas tá ok, uma família de brasileiro vamo lá, claro, eu não vou fazer dele a vida fácil, né? Aí cheguei: “Monsieur”, né? Aí, é, o cara: “Ge”, aí ele parou um pouco e disse: “Ve”, aí o menino
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falou: “Tá um pouco lento, heim pai”. Aí ele falou: “Croissant”, aí eu falei: ah, vou tumultuar a vida do cara, né? Aí o cara olhou pra mim com a cara lívida, o filho exultou: “É um bosta o meu pai”. Arrogância do alto capital cultural e o zero de capital econômico. E a mulher ali, ali... – Ao contrário. (aluna comenta) É, é sempre ao contrário, é. Muito bem. Muito bem. Aí eu virei às costas, de qualquer maneira eu vou trazer o que eu quiser. Quando eu virei às costas ele falou: “Francês viado do caralho”. Aí eu voltei, trouxe um monte de porcaria pro cara, né? E aí: “Eu não pedi nada disso”. Eu, “Monsieur”. Aí, é claro, quando eu virei a mulher virou e ainda teve a manha de dizer pra ele aí: “Eu acho que esse cara não é viado não”. E ela, apesar de ser, de ter um marido que é uma porta, a mulher sabe das coisas, né? Ah, velho, haha. “Por que você diz que ele não é viado?” “Não, é uma intuição minha”. Nossa, a mulher, aquilo dava um caldo, velho. Você dava aí uma polida, botava ela pra ver duas três aulas, nossa, a mulher ficava um espetáculo. Aí saíram eles. E depois que eles saíram e ele me xingou: “Ah, filho da puta, essa raça do caralho” não sei que e tal, porque sentiu o peso da falta de capital cultural, que aborrece, né? Aí quando ele já tava assim numa distância tranquila de uns dez metros, eu peguei e falei: “Ei”, aí viraram todos, “Não vai no Louvre hoje não que está fechado, deixa pra ir amanhã senão vocês vão perder tempo”. “Ah, valeu!”, hehe. Aí um olhou pro outro e assim eu percebi tal, mas aí eu já entrei e eu não vi propriamente o que aconteceu. Até hoje eles devem estar tentando entender o que picas aconteceu.
Os processos de socialização e as regras da arte
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Nossa, Bourdieu é muito legal. Sabe por quê? Porque, justamente, ele denuncia o tempo inteiro aquilo que nós do pensamento espontâneo costumamos achar de uma obviedade sem a menor razão de explicar. Bourdieu é isso, uma figura que te ajuda a entender aquilo que pra você não tem o que entender, é o óbvio. Então, Bourdieu denun... “Tá, tá vendo isso que você acha óbvio, pois é, pois tem uma lógica que explica bastante interessante pra qual você nunca tinha prestado atenção, que a sociedade aonde você vive e a maneira como ela trabalha você. E aí na festa da democracia em que você vai manifestar livremente a sua vontade no exercício do voto, você não passa de um subproduto da socialização que foi a sua, porque no final se quem vota a esquerda e vota a direita tem a ver com variáveis que não são as suas, é claro que na hora de votar você mostra tudo menos o que você queria. Você é um resultado dos teus processos de socialização”. Eu espero que você tenha entendido que dentro dessa perspectiva, que é a nossa, né? Na hora de definir as regras da arte, as regras da arte pra Bourdieu não são exatamente a maneira de segurar no pincel. Não são exatamente a forma certa de tirar fotografia. Não é exatamente a técnica adequada pra se pintar um quadro. A regra da arte nada mais é do que as regras que permitem ter sucesso na luta, na luta social pelo pertencimento ao campo artístico, pela dominação no campo artístico e por dispor de capital suficiente pra ser, pra ter voz e ter legitimidade pra participar da definição do belo num determinado espaço. Quanto aos outros, não se preocupe, estão do lado de fora esperando que os autorizados definam o quanto aquilo vale pra poderem fazer a fila no cinema. E assim o Oscar, o Oscar é o espaço que vai definir pra você se vale a pena você fazer fila ou não. E o valor do filme já está dado, cabe a você ir lá e gostar. E você tem que gostar do que é legítimo gostar, porque assim você vai parecer que tem bom gosto, parecer que é inteligente,
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parecer que é sensível, parecer que merece ocupar a posição que pleiteia ocupar. Vá assistir filmes iranianos, é muito legal, porque isso vai te colocar no meio dos que assistem filmes iranianos. São super cult, super lúcidos, super legais, embora todos detestem completamente os filmes que assistem, eles percebem que aquilo é condição de discriminação, condição de distinção, coisa que você busca o tempo inteiro pra conseguir uma existência social, conseguir ser definido, conseguir ser encontrado, conseguir, portanto, viver na sociedade sendo reconhecido, sendo identificado e assim por diante. E quando você diz que odeia pagode, não é bem que você odeia pagode, você odeia ser reconhecido como pagodeiro. Quando você diz que odeia funk, não é bem que você odeie funk, você odeia ser reconhecido como funkeiro, porque o que você quer mesmo é ser reconhecido como alguém super sofisticado, super chique, super fino. Melhor gostar das coisas que essas pessoas que já são reconhecidas como tal dizem que você tem que gostar. Não se preocupe, não requererá muito esforço, porque pouco a pouco por Habitus você acabará se acostumando ao prazer, ao prazer de ser um fantoche daquilo que os dominantes decidirem como sendo legítimo pra você. E assim, Bourdieu morreu em 2002. Um dos homens, que na minha opinião, teve a maior lucidez sobre a explicação da vida humana na sociedade sem ter mergulhado muito na psique e nos inconscientes e nas entranhas e nos imaginários e nos caralhos, mas estudou apenas relações de poder e isso foi suficiente pra explicar tanta coisa. Se você um dia se dignar a lê-lo vai perceber que é muito difícil de entender o que ele diz, mas na hora que você começa a entender, ele tem coisas pra contar pra você que são de uma fertilidade muito grande, porque não se esgotam nos universos que ele estudou, mas Bourdieu com a sua generosidade permitiu que você se servisse dos instrumentos dele pra estudar realidades que ele não poderia ter estudado, porque já não mais está.
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Portanto, o conceito de campo te ajuda a entender o campo jurídico brasileiro, a luta do CNJ com o STF sem que Bourdieu nunca tenha vindo ao Brasil. Eis aí a riqueza do seu trabalho. Não é exatamente pelo que ele concluiu da sociedade francesa, mas é pelos recursos epistemológicos que ele deixa pra que você possa fazer o mesmo e descobrir coisas sobre as quais ele não se debruçou e não se interessou. Aqui então a gente encerra esse curso sobre a obra de Pierre Bourdieu. Tantas outras coisas poderiam ter sido ditas, tantas outras coisas poderiam ter sido analisadas como a opinião que tem Bourdieu sobre a mídia etc. e tal, mas infelizmente fizemos uma seleção de alguns temas que me pareciam nesse momento mais relevantes. Eu encerro então hoje a minha participação aqui nesse semestre, aparentemente, e, portanto, desejo aí a vocês que sempre me acompanham um ótimo final de ano com os cursos que tão por vir, e o ano que vem quem sabe a gente não monta alguma coisa legal pra fazer aqui na. Muito obrigado pela sua atenção e até um próximo encontro.
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