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LEGITIMIDADE
Ideias filosóficas Alguns dos nossos colegas tão lá assistindo Luc Ferry. O fato de terem escolhido Luc Ferry em detrimento de Bourdieu pode ser interpretado de muitas formas. São personalidades muito diferentes, mas pra quem está estudando o campo como nós, eu tenho a impressão que essa feliz coincidência ajuda muito a entender duas figuras, eu não vou dizer que se detestavam, porque quando Bourdieu foi dominante, Luc Ferry era insignificante. Então não chegaram na verdade a se enfrentar, e Luc Ferry ainda tem que comer muito feijão pra fazer cócegas no prestígio que conseguiu Bourdieu pelo mundo. E essa introdução me permite então começar a nossa aula, o tema de hoje central é legitimidade, procurando mostrar que Bourdieu tinha uma obsessão que era a de estudar as ideias filosóficas a partir de uma lógica sociológica. Em outras palavras, os filósofos sempre tentaram blindar a história do pensamento filosófico. Blindar no sentido de torná-lo infenso a uma investigação sociológica da filosofia. E o que isso que dizer? Na verdade Meditações Pascalianas é um livro sobre isso, sobre a tentativa de fazer uma sociologia da filosofia. As ideias filosóficas, quando elas são apresentadas, elas são apresentadas pelos seus autores como sendo o mais fiel produto de suas inteligências, de suas investigações pessoais, de suas, é, inquietações, e por que não dizer da sua busca da verdade pessoal. Dessa maneira o pensamento de qualquer filósofo, ele pode ser estudado filosoficamente através dos seus textos.
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Então na faculdade de Filosofia, o professor pega um parágrafo de Aristóteles e pede pro aluno falar sobre aquele parágrafo, explicar, interpretar, comentar. Mas o aluno esta autorizado a falar sobre aquele parágrafo internamente. É o que na faculdade eles chamam de leitura estrutural do texto. Em outras palavras, fale o que quiser sobre o texto desde que a partir do texto e dentro do texto. Isso é revelador de uma preocupação da Filosofia em fazer acreditar aos seus novos agentes, que o pensamento filosófico deve ser interpretado por ele mesmo. Ora, quando você propõe uma sociologia da filosofia, o que você deve considerar de imediato é que não é possível entender o trabalho dos filósofos sem entender, em primeiro lugar, o que eles queriam com aquilo, quais seus interesses. E os interesses são de todas as ordens. Esse tipo de investigação sobre o que o cara queria com aquilo é o tipo de investigação herética, porque afinal de contas se eu estou estudando Aristóteles, eu só estou estudando o pensamento de Aristóteles, eu devo me ater ao que ele disse, e não tenho que me preocupar com o que ele queria com aquilo. Na verdade, a resposta filosófica óbvia, ele queria encontrar a verdade. O que a sociologia dirá é, hehe, não é que não, é, todo mundo tem interesses na hora de pensar. Motivações que são pessoais. Motivações que são do agente. E é claro que sendo assim, toda sociologia da filosofia é na verdade uma genealogia. Uma genealogia quer dizer um estudo da origem daquele pensamento a partir dos interesses do pensador. Verdade seja dita, essa recomendação surge na própria filosofia com o pensamento de Nietzsche. Não é por acaso que Bourdieu é muito citado pelos filósofos que falam de Nietzsche, porque Nietzsche entendeu que tudo que você produz do ponto de vista intelectual está diretamente relacionado ao teu tesão pelas coisas. Se você preferir, a tua libido. Se você preferir, a
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tua potência de agir. O corpo busca a alegria do corpo e a alma busca a alegria da alma, diria Spinosa. E, portanto, o pensamento, como toda e qualquer atividade humana, é vontade de potência. É potência que busca mais potência, é tesão que busca mais tesão. E, portanto, ninguém pensa de bobeira ou em nome da verdade. As pessoas buscam é a própria alegria. É dentro dessa perspectiva que Bourdieu vai escrever um famosíssimo texto, né? Não há atos desinteressados, né? A perspectiva é essa: se eu quero saber o que uma pessoa faz, eu quero, eu tenho que entender o que ela queria com aquilo, se eu quero saber o que uma pessoa pensa eu tenho que entender o que ela queria com aquilo. Eu, por exemplo, só penso pra dar aula. No final das contas eu não tenho nenhum apreço pelas ideias que eu ensino. Nenhum. Se eu tiver que dizer o contrário do que eu digo, eu diria sem o menor problema. Tanto que eu faço, dei aula de Platão, depois de Marx, quer coisa mais sem, né? O que tiver que fazer eu faço. E por quê? Porque isso aqui pra mim é dinheiro. Pronto, tranquilamente. Aliás, o professor Sponville diz exatamente a mesma coisa e eu estou aqui, não só imitando, mas concordando ao imitar. É isso. Claro que se alguém tiver que me aplaudir eu vou gostar, mas depois do pagamento. Sem o pagamento o aplauso eu dispenso. Eu só penso por causa do dinheiro. Mas isso é problema meu. Eu sei que eu estou diante de abnegados que vivem em nome de valores transcendentes e nobres, mas no meu caso não tive a chance, tenho que trabalhar pra viver e trabalhar é ganhar dinheiro e eu ganho dinheiro falando, falo o que tiver que falar. Se é Nietzsche é Nietzsche, se é o outro é o outro, e não tenho apego nenhum pelas coisas que eu falo. E tudo isso que eu estou falando pode te chocar um pouco, mas é claro, isso é o que
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se recomenda fazer na hora de perguntar por que o fulano disse o que ele disse. Eu só penso pra dar aula. Tanto que a hora que eu percebi que livro não dá dinheiro eu perdi... Eu não consigo escrever. Não consigo, não consigo. – Ah, eu pensei que o senhor fosse diferente. Bom, portas e janelas para os mais desesperados. Eu sou diferente de você, trabalho pra ganhar dinheiro.
Atribuição de sentido E por que eu estou te chocando? Porque seria de se esperar que o professor fosse diferente do bancário ou do banqueiro. Mas o que Nietzsche e Bourdieu tão tentando dizer é que não. É que na verdade são todos interessados. O que varia um pouco é o que se quer com aquilo. E é claro que a história do dinheiro foi uma provocação, porque quando Nietzsche manda fazer a genealogia do pensamento Bourdieu parte daí, e avança enormemente nessa ideia. Isso significa que o filósofo quando ele pensa, ele quer alguma coisa e eu preciso saber o que ele quer pra entender por que ele pensa o que ele pensa. Não basta saber que ele quer alguma coisa, eu preciso saber o que. Porque o seu pensamento terá diretamente a ver com o que ele pretendia com aquilo. Então, é claro que a busca dos desejos das pessoas acaba sendo a coisa mais importante que alguém pode fazer pra descobrir por que ela vive como ela vive, e por que ela pensa como ela pensa. E a grande, a grande trans... O ponto diferencial de Bourdieu em relação a Nietzsche aqui, aonde Bourdieu vai além, é mostrar que eu só vou conseguir descobrir o que as pessoas querem, eu só vou conseguir fazer a genealogia verdadeira do pensamento se eu entender que o que as pessoas querem é um fato social, é um produto social.
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Em outras palavras, é uma definição social. Os objetos de desejo não são veleidades individuais, mas têm o seu valor definido socialmente. Então, é claro que nesse ponto que fica óbvio que se eu quero entender por que um banqueiro pensa como ele pensa, eu tenho que investigar, eu tenho que fazer uma sociologia do banco. Se eu quero entender por que um jornalista diz o que diz, eu tenho que fazer uma sociologia do jornalismo. E se eu quero entender por que um filósofo diz o que ele diz, eu tenho que fazer uma sociologia do filósofo, por quê? Porque só fazendo isso eu vou descobrir o que um filósofo quer quando ele filosofa. E pra fazer uma sociologia do filósofo, eu tenho que identificar o espaço aonde ele transita, os agentes que ele encontra, as pessoas que ele combate e aqueles com quem ele eventualmente se associa para combater. Em outras palavras, é só através do campo filosófico, conforme eu ensinei no nosso encontro anterior, que eu conseguirei identificar o que o filósofo quer. E conseguindo identificar o que o filósofo quer eu consigo identificar por que ele diz o que ele diz. Em outras palavras, toda interpretação de um texto pelo texto ignora o que importa. E o que importa pra atribuir sentido a um texto? O que importa é o que esta fora do texto, porque todo sentido ou significado, necessariamente esta fora daquilo que se pretende significar. Conforme eu já ensinei pra vocês um milhão de vezes, quando eu pergunto qual é o sentido de Santos é porque eu não estou em Santos, porque se eu estiver em Santos não tem sentido perguntar qual é o sentido de Santos no sentido de direção. E o sentido no sentido de significado também é a mesma coisa. O significado de uma coisa necessariamente não é uma coisa, mas é outra. Eu só significo uma coisa com outra. E, portanto, se eu quero saber qual é o sentido daquele texto não é no texto que eu vou encontrar. E eu só vou encontrar o sentido do texto fora do texto. Eu só vou encontrar
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o sentido no texto numa lógica de produção de sentido que é social. Em outras palavras, o que Bourdieu diz é que só uma sociologia séria da produção filosófica permite dar conta da compreensão da produção filosófica como um todo. O que Bourdieu esta dizendo, de maneira bastante atrevida, é que o filósofo não tem condição de atribuir sentido aos textos filosóficos. Ele não tem os instrumentos adequados pra atribuir sentido à própria filosofia. Aliás, o que Bourdieu diz é que o matemático não sabe o que é a matemática, porque o sentido da matemática está fora da matemática e o matemático está dentro da matemática. Como o filósofo está dentro da filosofia. E só quem olha de fora consegue enxergar o jogo e a lógica de produção de sentido que o campo permite encontrar. Sei que parece doido, mas é muito interessante, né? Então, quer dizer, quando você pede pra um jurista atribuir sentido a um texto de uma sentença, o que ele vai falar é mais do mesmo; o que ele vai pregar é girar em círculos, aliás, com poucos recursos, porque o jurista costuma ter menos recursos do que o resto dos pensantes. Então, ele acaba dizendo obviedades de maneira mais evidente ainda. Por quê? Porque ele não tem instrumentos pra olhar de fora. E o que significa olhar de fora? Significa dotar-se de procedimentos metodológicos de recuo pra falar como Bachelard, né? Pra falar como Foucault, né? Recuo metodológico pra poder olhar o objeto, o quê? É, dentro de uma perspectiva de significação possível. Quando eu estou dentro eu não consigo fazer isso. Em outras palavras, a interpretação legítima do texto filosófico não é realizável pelo filósofo, como a interpretação legítima do texto jurídico não é realizável pelo jurista. Por quê? Porque o jurista, de certa maneira, trata o texto jurídico pelo texto jurídico, é o que ele chama de dogmática jurídica; o filósofo trata o texto filosófico pelo texto filosófico; o matemático trata a matemática pela matemática e na verdade pra você entender o que aquilo quer dizer, você precisa usar instrumentos que não são nem
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matemáticos, nem jurídicos, nem filosóficos, mas são instrumentos das ciências sociais.
Identidade Então, é claro, quando Bourdieu fala do campo jurídico como um espaço estruturado de posições com dominantes, dominados, pretendentes, portas de entrada, exames da OAB, concursos públicos e eixos de consagração que permitem o posicionamento reflexivo de uns agentes em relação aos outros, né? Das condições de legitimidade, do prestígio desta ou daquela área do direito em relação à outra, e, portanto, do direito como um espaço, é, privilegiado e específico de distribuição de capital jurídico dentro daquele espaço. Da mesma maneira que quando você vê o Estado de São Paulo fazendo pouco do troféu ganho pelo Jornal Nacional nos Estados Unidos, de melhor reportagem no Morro do Alemão, aparentemente, né? Aparentemente, trata-se de um problema jornalístico. É, mas, é muito fácil de perceber que por detrás de um pretexto jornalístico está um conflito, né? Pela definição do jornalismo legítimo, pela definição do que é sensacionalismo e do que não é sensacionalismo, pela definição do que é um bom jornalismo e do que não é um bom jornalismo, até que ponto é possível fazer um bom jornalismo na televisão, o que significa um bom jornalismo televisivo e etc. Portanto perceba, por detrás de uma luta aparente existe sempre uma luta real. Por detrás de um conflito aparente, que este será jurídico, filosófico, jornalístico, publicitário e etc., está o verdadeiro interesse. E o verdadeiro interesse, só é possível ser identificado a partir de uma investigação sociológica que é o que Bourdieu se dispõe a fazer. Então, é claro que um indivíduo como esse é um mala. E eu chamo Bourdieu de mala e Max Weber chama o sociólogo de desencantador do mundo, né? É uma maneira de chamar mala, é o desencantador do mundo.
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Por quê? Porque por detrás do que você vê está o que você não vê. Gozado, porque Platão também dizia isso. Só que pra Platão o que você vê é ilusório, pro sociólogo também. He, só que por detrás do ilusório tem a realidade das verdades absolutas e para o sociólogo tem a realidade, digamos, dos interesses absolutos, das ambições pessoais que estão por trás de toda e qualquer articulação. Então, por detrás de tudo há interesses. Claro que esse é o primeiro degrau da minha investigação sobre legitimidade. É claro que eu dizer que o ministro do STF tem interesses que estão por trás da sua sentença, é alguma coisa que você engole bem. De certa maneira, o Brasil é um país que avacalha a Sociologia, porque no Brasil não precisa ser um fino sociólogo pra perceber a putaria que tem por trás das coisas que tão sendo ditas, né? Não, não precisa ser nada, não precisa ser nenhum Bourdieu pra entender que aquilo que você tá vendo não é o que você tá vendo. Agora, alguém poderia perguntar de lutas humanitárias extraordinárias, né? Tipo Gandhi, Martin Luther King, Madre Teresa de Calcutá, o abade Pierre e essas pessoas que passaram a sua vida dizendo coisas bonitas. Então, é claro que essas pessoas poderiam ser apresentadas como exemplo de desinteresse. E, evidentemente, que talvez essas pessoas sejam os melhores exemplos de uma ação interessada. Afinal de contas, toda vez que você se apresenta pra lutar por uma causa que não é só sua, é óbvio que você tem um lucro social imediato que é o lucro social de alguém que luta por causas que não são só suas. Quer dizer, alguém que já se apresenta como sendo alguém capaz de lutar por uma causa nobre e isso por si só já é, do ponto de vista social, recompensador e valorizante. Como se não bastasse, o fato de você defender causas que transcendam aparentemente aos teus interesses mais comezinhos, de certa maneira, faz parte de uma identidade que você cultiva com ganhos sociais evidentes, afinal de contas, é muito útil pra você que você se comporte de
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maneira alinhada com aquilo que você diz que é ou então com aquilo que os outros pensam que você é. De certa maneira, que muitas vezes nós nos pegamos envoltos em manifestações nobres em grande medida pra pertencer a coletivos que defendem causas nobres e com isso conviver com pessoas que defendem causas nobres, e com isso ser tomado por alguém que também defende causas nobres, quem sabe encontrar até uma mulher que defenda causas nobres e ter filhos de casal que defendem causas nobres e com isso os ganhos são evidentes, porque nós acabamos de nos apresentar e nos definir como pessoas bacanas. Não é legal? Afinal de contas, se você encontra alguém num bar que chega pra você e diz: “Eu só penso no meu pinto. O que eu quero é me dá bem. Eu não quero que os outros se fodam a não ser que estejam no meu caminho. Se não tiverem no meu caminho que vivam como tiverem que viver, porque eu não me incomodo com os outros. O que eu quero é me dá bem”. Esse alguém disse a única verdade que poderia dizer, mas é possível que você se levante e mude de mesa, porque o que você espera talvez, é que esse alguém venha com palavras bonitas, coisas legais, coisas que transcendam a sua, ao seu ganho imediato e assim é que nós costumamos nos apresentar, como pessoas bacanas. Eu costumo até dizer que me incomodo com os meus alunos, né? É, quando eu tenho que mentir muito, né? E aí funciona assim, eu acabo até aplaudido no final, porque sei convencer. Se bobear sou capaz até de acreditar no que estou dizendo, e aí então é que fica mais bacana. Você acredita ser o que é, os outros também, e você age pra justificar uma identidade, uma definição de si que já está consagrada por você e pelos outros. E dizer que isso é desinteressado é realmente uma idiotice espetacular. Nesse sentido, Madre Teresa de Calcutá é uma mulher, uma estrategista de marketing pessoal, leitora do Kotler, né? Leitora dos mais agudos construtores de cases de sucesso pessoal,
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né? E ela conseguiu convencer o mundo inteiro e talvez ela tenha se convencido também, eu digo talvez, não excluo a possibilidade de ser uma cínica completa, né? Mas talvez ela tenha se convencido de que ela é uma pessoa boa. E não tem nada mais insuportável do que uma pessoa que se apresenta como sendo uma pessoa boa. E aí então, os outros também concordam, a mídia concorda, o mundo concorda. Ela já faz uma postura de uma pessoa boa, né? Ela já se veste como uma pessoa boa, ela usa um cajado de uma pessoa boa, ela vive em ambientes onde pessoas boas frequentam e os doentes dizem que é uma pessoa boa. Nossa, que beleza, alinhamento espetacular. Um caso de sucesso. Madre Tereza de Calcutá. Eu até apostaria em viver como ela se me garantissem a glória planetária que ela conseguiu. Até porque não teria muito diferença, muita diferença em termos de ganho financeiro: diz que é pobre e eu por acaso com meus mil e oitocentos reais da USP sou o quê? E ninguém faz festa pra mim. Vou lá me foder, sem garganta, não sei o que e tal, agora, porque não, não tem véu na cabeça, não usa um cajado, não faço cara de penitente e não enfio mão em lepra, sou menos por quê? Provocação típica de Bourdieu. Você hoje deve estar olhando pra mim em tom de desespero, mas é que nós estamos nos aproximando do autor, cara. Isso aqui não é violino, velho, pra você sair daqui feliz. Isso aqui é o desencantamento do mundo, cara. Não é, né? Vai pegar meia dúzia de trouxa que te engana o tempo inteiro, junta com a mídia mais outros palhaços, constroem uma identidade, e ainda fazem acreditar que é uma pessoa que viveu para os outros. E o que é mais legal, é capaz dela convencer até mesmo na porta de entrada do paraíso, ela convence os caras lá que ela passou a vida vivendo para os outros etc. e tal, porque tamanha a força da crença coletiva que isso leva de roldão e o que parece ser acaba sendo, porque a sociedade tem essa prerrogativa de convencer mesmo e tornar óbvio aquilo que pode sempre ser
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investigado como uma ação interessada.
Subversão do campo Agora, é claro, você poderia estar pensando assim: Mas Bourdieu faz das pessoas, pessoas asquerosas. Não, de jeito nenhum, de jeito nenhum, muito pelo contrário. Bourdieu parte de premissas que colocam o homem no seu lugar, porque o resto é que é fantasioso. E qual é o seu lugar? É o mesmo lugar da girafa, do porco e de qualquer coisa que vive. Alguém preocupado com a própria potência; alguém preocupado com a própria alegria; alguém preocupado com o próprio tesão. Quando uma girafa sai de pinto duro pra comer outra girafa, o que ele quer é enfiar na outra girafa, tá certo? Agora, no caso do homem, qual é a diferença do homem pra girafa? É que no caso do homem o que ele pode desejar, né? É menos uma questão só de reprodução sexual e é um pouco mais sofisticado do que isso. Em outras palavras, tem um título, entendeu? Tem um troféuzinho, tem um reconhecimento, tem um aplauso, tem uma pecha de inteligente, uma pecha de bom professor, uma pecha de bom jornalista, um aplauso, um Oscar e não sei que, e que faz com que o homem, digamos, ele se entretenha com coisas que ele aprendeu a perseguir, ele aprendeu a perseguir por conta da sua trajetória. Então, a história do homem é a história do direcionamento da sua libido pra troféus sociais que ele está autorizado a perseguir. E o que é mais fodido disso? É que isso é uma forma odiosa de canalização energética que faz com que você tenha que ir atrás do que todo mundo vai, por quê? Porque senão você não tem com quem conversar, e é claro, quando você canaliza a tua energia pra ser Oscar, Grammy, é, Jabuti ou qualquer bosta dessa, você esta deixando de perseguir outras coisas que eventualmente poderiam resultar mais relacionadas com as tuas aptidões mais genuínas, mais originais, mais naturais, eu poderia dizer.
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E é aqui que a sociedade trabalha no sentido de obnubilar você, né? E levar você a considerar óbvia uma certa busca, né? Aonde você trabalha que nem um cavalo, não sei o que: “Porque eu sou diretor não sei do que, de que empresa, CEO, quiquicou, fififou, cinquenta pau de salário, não sei que e tal.” Nego querendo puxar o teu tapete, te botam num jogo e você começa a jogar uma porra de um negócio que só tem sentido, é, ali, velho, só tem sentido ali, você olha de fora, tão te matando, tão te matando. Então, é claro que a sociologia de Bourdieu ela não é depreciativa do homem, pelo contrário, o que ela busca é uma redenção, o que ela busca é uma libertação, o que ela busca é abrir os olhos, pra você não se vê pilhado, né? Por esquemas que te onstrangerão, né? A gastar quase toda a tua energia com coisas que a sociedade apresentou como sendo valiosas em si mesmo. Tendo dito tudo isso, o conceito de legitimidade a partir de agora fica muito mais acessível pra nós. Não é possível entender Bourdieu sem entender o que é legitimidade. Porque é claro que quando nós estudamos os campos na aula passada e nós mostramos que no campo acadêmico a Marilena Chaui tem um caminhão de capital, e que o campo é um espaço de distribuição de capital extremamente regular e heterogêneo e, portanto, você terá centenas de milhares de professores de Filosofia que só tão autorizados a aplaudir a Marilena ou comprar seus livros pra indicar pros seus alunos, porque o campo acadêmico é um campo de concentração impressionante de capital acadêmico, entendendo o capital acadêmico como reconhecimento e prestígio dos pares para os jogadores que se tornam pouco a pouco dominantes dentro daquele espaço. Então, é claro que sempre haverá a pergunta, como que isso se sustenta? Foi aonde eu terminei na aula passada. Afinal de contas, eu disse pra você: os dominantes tenderão a adotar estratégias de conservação do campo, e os dominados tenderão a adotar estratégias de subversão do campo.
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Então, a única pergunta que alguém pode fazer é, é: “Como é que não há uma subversão por segundo, já que os dominados subversivos são muito mais numerosos do que os dominantes não subversivos?” Então, é claro, o que eu tentei mostrar pra você, já no final da aula, mas deixei um pouco pra esse encontro, é que à medida que você vai tendo condições de subverter você vai perdendo o interesse de subverter. Só tem interesse de subverter quem não tem condição de subverter. Em outras palavras, quem não tem capital tem todo o interesse em redefinir as condições sociais de distribuição do capital. À medida que você vai ganhando capital, você começa a perder o interesse em mudar as condições de distribuição do capital. E o que eu mostrei pra você? É o caso do campo acadêmico que eu contei. Você vai prestar mestrado, você tem uma bibliografia, aquela bibliografia já está ali definida, e você diz: “Por que eu tenho lê esses livros e não outros?” É porque aqueles são os dominantes do campo. À medida que você vai acumulando capital, pouco a pouco você vai ganhando condições de impor as suas regras, mas pouco a pouco você vai perdendo o interesse de mudar as regras. E à medida que você se torna um dominante aí você perde completamente o interesse de mudar as regras e isso garante aos espaços sociais uma extraordinária estabilidade. Bourdieu sempre dizia que a sociologia é preocupada com as mudanças e que ele era o sociólogo das permanências. E na verdade, procure observar bem: há quanto tempo os dominantes do campo jurídico são os mesmos? Há quanto tempo os dominantes do campo jornalístico são os mesmos? Sabe, quando eu comecei a estudar jornalismo o dominante do campo jornalístico chamava Clóvis Rossi, hoje ele continua chamando Clóvis Rossi. Ele trabalhava na Folha, que era cam... Espaço dominante do campo jornalístico, ele continua trabalhando na Folha, continua dominando, né? A Folha, o Estadão, o Globo, não sei que.
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Em outras palavras, se você me disser que a pós modernidade é um espaço em que tudo muda numa velocidade espantosa, pois perceba, aparentemente tudo muda e nada muda, gozado. Quem vai ser campeão paulista? São Paulo, Corinthians, Palmeiras ou Santos, né? Quem é que vai ser não sei quê? Quem é que vai ser presidente do Brasil, não é? É, são duzentas milhões de pessoas, mas você já sabe que ou a Dilma se reelege ou o Lula volta, prefiro nem destacar uma terceira hipótese, você entendeu? Eu não sei se você percebeu que tudo muda pra caralho, mas se você for olhar os espaços de poder existe uma conservação espetacular... Quem são os publicitários fodidos quando eu comecei estudar comunicação? Washington Olivetto, Nizan Guanaes, Celso Loduca, não sei que, blablabla. Hoje eles são os mesmíssimos caras nas mesmíssimas agências, isso é... Eu acho que você percebeu, existe uma estabilidade espetacular nos espaços de poder. Por quê? Porque quem subverte, hehe, quem pode subverter não subverte e quem quer subverter não tem como.
Legitimidade Nesse ponto é que o conceito de legitimidade aparece. A certeza de Bourdieu é que se um dominado é dominado é porque ele enxerga na sua condição alguma vantagem. Ouça-me! A sociedade não suportaria se o dominado considerasse a sua posição insuportável. E é exatamente por que isso não acontece que os campos sociais apresentam notável estabilidade. E por que o dominado, digamos, acharia bom a sua condição, ou enxergaria ali alguma coisa que lhe é vantajosa ou pelo menos benéfica, já que ele é dominado? É porque, de certa maneira, toda a trajetória social é revestida de uma expectativa de acúmulo de capital que, de certa maneira, o jogador vai aprendendo a projetar e aprendendo a vislumbrar o alcance de troféus
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intermediários; ganhos de pequeno porte; degraus que acumulados permitirão chegar num ponto mais alto de tal maneira que você se você está no G15, que é o imbecil zero, a pior posição possível, passar para o G14 é uma vitória, é o objeto da tua ambição. E o campo será tanto melhor estruturado quanto mais ele conseguir que todos os seus agentes vislumbrem a possibilidade de um ganho a médio prazo através das suas atividades. Em outras palavras, o que o campo precisa ter pra ser um campo que funcione? O campo precisa fazer todos os seus agentes acreditarem que dá pra chegar lá. Quer dizer, não basta ter a ilusio do valor do troféu. É preciso ter a ilusio da possibilidade de alcançar o troféu. É preciso que todos os agentes sintam essa condição. Claro que não será óbvia. Claro que não será remota, mas existe, deve existir essa possibilidade. E é isso que torna a dominação aceitável. A legitimidade, a ideia de legitimidade é um atributo do exercício do poder. É o poder que é legítimo. E o poder é legítimo quando ele é exercido por alguém entendido como autorizado para exercê-lo. E quando é que alguém é entendido como autorizado para exercê-lo? Quando este alguém ocupa uma posição social que o autoriza a exercer. Em outras palavras, eu jamais conseguirei entender por que as relações de poder e de dominação acabam patrocinando uma sociedade com grande nível de estabilidade, se eu não entender os processos de definição das posições sociais e do “autorizamento” da ocupação dessas posições sociais por esse ou aquele agente jogador daquele jogo. E é por isso que de certa maneira um poder será legítimo quando reconhecido. E, portanto, quem confere legitimidade ao exercício do poder é o dominado; é o outro; é o par; é o que reconhece; é o que autoriza; é o que se submete a; porque o poder não é substância. O poder não é substância nas mãos de quem exerce. O poder é reconhecimento outorgado por quem a ele se submete. Então, é claro, isso se dá em qualquer situação? Não. É por isso que existem poderes não
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legítimos. E quando é que o poder não é legítimo? Quando ele não é aceito como autorizado. Quando quem exerce o poder não é entendido como autorizado pra exercê-lo. E quando é que isso acontece? Quando esse alguém não ocupa uma posição de direito. Em outras palavras, toda vez que uma situação de fato que autoriza o poder, ela se transforma num poder legítimo, ela só fará isso se esta situação de fato esconder o arbitrário da gênese da sua condição por intermédio de um regulador, que mascarando essa situação de fato, torne o exercício do poder aceitável. – Não entendi porra nenhuma. É simples, olha aqui. Vamos pegar uma situação de fato. Uma família que tenha “duzentos pau” de renda por mês. É uma situação de fato, não? É ou não é? É? Essa família que tem “duzentos pau” por mês põe os seus três filhos no colégio St. Paul's. É uma situação de fato ou não? Hein? Então. E esses do St. Paul's vão até o ensino médio. No ensino médio eles vão pra Londres. Em Londres, eles vão estudar na London School of Economics. Tá perfeito, não? Aí você fala: “Como é que esse cara vai exercer o poder?” Eu não posso chegar e dizer: “Eu ganhei pra caralho. Botei meu filho numa escola cara. Mandei meu filho. Investi dinheiro pra caralho etc. e tal, entendeu? Então ele tem que mandar”. Isso não é aceitável. Então, aqui vai ter um crivo. Eventualmente, um processo seletivo, quem sabe no Banco de Boston. E aí esse cara formado na London School of Economics e que fez estágio no Lloyds Bank, ele já vai entrar aqui ganhando cinquenta pau por mês. Não é legal? Em algum momento foi dado o pulo do gato. Essa situação de fato, em algum momento ela foi convertida numa situação de direito e o poder que esse indivíduo vai exercer, ele jamais será ancorado numa situação de fato, mas numa situação de direito. Eu abri um processo seletivo, concorreu o cara do Lloyds Bank, mas concorreu
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o fulano que estudou em Ribeirão Preto, que nem eu, nasci na Vila Tibério, né? Cinco anos em orfanato, né? E aí depois tal. Só que você não pode dizer: “Pô, o cara que estudou no St. Paul's vai ganhar de você.” Então você arma um concurso pra esse ganhar desse. E aí a situação de fato se torna uma situação de direito e aí ninguém mais pode reclamar. Não é bacana? Hehehe. Explicação fodida. Entendeu ou não? E você sabe o que é legal? É que esse palhaço daqui, do orfanato, ele não tem acesso a todo o caminho. Na hora que ele for contar, ele vai contar: “Pô, chegou o cara A, chegou o cara B, cheguei eu e eu perdi”. E, portanto, ele vai assinar embaixo o processo seletivo, conferindo assim legitimidade a esse exercício do poder do “cinquenta pau”. Que na verdade, o processo seletivo o que fez? Maquiou o arbitrário do exercício do poder. Então, no lugar de eu colocar uma situação de fato como justificadora de um exercício de poder, eu crio um mecanismo que torne essa situação de fato socialmente aceitável... E você sabe por quem que ela é aceitável? Ela é aceitável pelo cara A, pelo B e pelo C, os três tão de acordo. Por quê? Porque foram dadas iguais condições e ganhou o A. O A é o bom. O B e o C foram pior. Não é legal? Funciona assim a legitimidade. E, portanto, todo o poder legítimo, ele só é legítimo porque em algum momento foram escondidas as condições materiais que de fato proporcionam aquele exercício de poder por condições juridicamente aceitáveis, socialmente aceitáveis e que conferem aparente equidade e lisura no processo dando assim condições de exercício de um poder tolerável por todos. Não é bacana? Ah, vai. Você pega e põe lá: Alckmin, Martha, Collor, Maluf e depois você põe Zé de Abreu, Canindé Pegado, não sei quem, não sei que lá. Aí você diz: “Ah, todos puderam concorrer. Todos puderam concorrer”, entendeu? Eu dou aquela maquiada bala no processo, todos puderam
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concorrer. E aí, claro, quem tem mais voto ganha. Você tem aí um processo de legitimação que esconde o arbitrário que esta no início do processo. E qual é o arbitrário? O fato de você ter partidos poderosíssimos, que tem um dinheiro do caralho, que tem o apoio das empresas, que tem não sei o que e o outro que não tem porra nenhuma. Você esconde isso com o quê? Com uma aparente equidade do processo. Então, você percebeu que existem instâncias e na sociedade que tem o papel de legitimar, quer dizer, tornar “engolível” situações fáticas injustas e, e, o direito, é... Então, eu acho que nesse momento você começa a entender o seguinte: o branco não tem que mandar no preto, mas o branco não manda no preto desse jeito. Pro banco mandar no preto arma-se um esquema em que o branco ganha e o preto perde, numa situação aparentemente justa. E aí tudo parece aceitável para o branco que ganhou e para o preto que perdeu. A mulher não tem que mandar no homem. Eu viro e falo: “Olha é o seguinte, eu sou homem, eu mando, entendeu? E você que é mulher obedece”. Não, não funciona assim. Não precisa ser assim. Claro que dependendo da tosquice você segura o poder na porrada, mas nós estamos falando de legitimidade. E o que é legitimidade? É justamente exercer o poder sem precisar bater, porque é a situação em que todo mundo concorda. E quando é que todo mundo concorda? Quando você pega e monta um esquema em que, por exemplo, as condições do exercício profissional tornam a maternidade muito mais complicada, tornam não sei que coisa, e não sei que lá, e aí, agora os caras... Tem uns que parem, tem outros que não parem. Os que parem se fodem. Não é que o homem tem que mandar na mulher é que as condições materiais são tais que o lugar, né? Da mulher acaba sendo fora da coisa funciona assim. E se quiser sair pro pau junto tem que abrir mão de parir, né? Porque e tal e coisa. Bom, então você percebeu, hoje em dia a mulher já abriu mão de parir e com isso é preciso
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encontrar novas formas de legitimação da dominação masculina, porque essa daí a mulher já venceu propriamente. Ela já venceu, vencendo a obsessão por ter filho em muitos casos. E eu poderia citar aqui um milhão de exemplos, por que eu tenho que mandar e você tem que obedecer, né? Não é porque a situação de fato exige é porque haverá uma situação de direito que regulariza, que legitima e que, portanto esconde a, a verdadeira situação de fato. Eu espero que você tenha entendido que o processo de legitimação, né? Do exercício do poder é, portanto, um processo simbólico, é, portanto, um processo tipicamente social que faz com que o reino animal da força bruta se torne socialmente aceitável, né? E entendido como justo nas relações de poder. Eu não, eu não mando em você porque existe uma situação material que me autoriza. Eu mando em você porque existe um fator socialmente reconhecido por todos, que me coloca numa posição de superioridade em relação a você. E é por isso, que de certa maneira o dominado é o primeiro a chancelar, porque ele é o primeiro a aceitar as condições sociais de legitimação do exercício do poder. É claro que nem sempre é tão fácil, nem sempre é tão fácil. É perfeitamente possível que você levante a mão e diga: “Epa! Aqui tem truta”, né? Vamos imaginar, por exemplo, que exista uma universidade pública. Essa universidade pública oferece cursos gratuitos e de qualidade, pelo menos no que diz respeito aos meus. Aí, é claro, você pega e fala: “Pô, a universidade é de graça e tem os melhores professores, é lá que eu vou estudar”. É pública, né? Aberta pra todo mundo. Ah, mas não cabe todo mundo. Então o que eu faço? Eu monto um exame de vestibular. Perceba que eu não digo: “Olha, os filhos de família rica que estudaram em melhores escolas terão mais chance”. Seria odioso. Eu monto um vestibular. Eu não digo: “Olha, aqueles que estudaram em cursinho caro terão mais chance”. Seria insuportável. Eu monto um vestibular. Eu não digo, eu não digo as condições de fato, que de fato
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selecionam. Eu crio uma situação de equidade e aí eu legitimo o ingresso de uns e o não ingresso de outros, certo? Claro que tem furo. Por exemplo, em Letras tem trinta por cento de escola pública, hehehe. Pra você vê, como dizia meu pai: “Pobreza atrai pobreza”. Quer dizer, vai fazer o que com Letras? Diga... – Mas se você cria cotas pro estudante... [aluna pergunta] Agora é aonde eu ia chegar imediatamente. Então, é claro que alguém levanta a mão e diz: “Tem sacanagem aí”, porque você só pode criar um exame pra sair todo mundo pau a pau se todo mundo teve as mesmas condições de se preparar, e nós sabemos que o nosso Brasil é a sociedade injusta padrão, então não dá. Então, tudo bem. Então vamos dar uma maquiada na coisa e vamos criar um processo legitimador que dê conta da situação de fato pelo menos um pouco. Então existe luta e é aqui que eu queria chegar. As instâncias de legitimação do poder são objeto de luta. Elas não são aceitas de uma vez por todas. Não é assim tão fácil e tão simples, senão seria mamão com açúcar sempre. E não é mamão com açúcar sempre. Em outras palavras, sempre haverá luta pelas condições materiais de legitimação de exercícios de poder de fato. Ou seja, aqueles que porventura não têm condição de exercer o poder poderão questionar os processos legitimadores, denunciando assim o arbitrário que esta sendo escondido por trás deles. Entendeu o arbitrário? O arbitrário é o homem mandar na mulher, o branco mandar no negro ou o St. Paul's mandar no rapaz da escola pública. Esse é o arbitrário. Esse arbitrário é escondido por processos de legitimação, mas alguém sempre poderá denunciar os processos de legitimação como sendo tratantes e falsiadores da disputa, propriamente. Então, na verdade, os processos de legitimação são alvo de disputa, propriamente; são objeto de luta. Então estamos avançando, né?
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Processos de legitimação de poder De certa maneira, a gente poderia então dizer que existe uma luta pelos símbolos. Existe uma luta pelos símbolos, quer dizer, uma luta pelos sentidos sociais, uma luta pelos significados das instituições, uma luta, é, pelo que as coisas querem dizer. A verdadeira luta social é a luta, né? Pelos processos simbólicos de legitimação e de consagração de uns, é, em detrimento de outros. Essa é a verdadeira luta, tá certo? Eu costumo sempre dar um exemplo, que está por trás desse exemplo do vestibular, que é o exemplo da universidade pública. Então, o que é universidade pública? É aquela que entra todo mundo como na Argentina ou na França, né? É assim? Ou é como em Porto Rico, que a universidade pública de Porto Rico é paga. Ela só é dita pública porque qualquer um que quiser pagar pode pagar, quer dizer... Pra nós é engraçado, mas eles acham isso... Percebeu? Existe uma luta pelo entendimento das coisas. Existe uma luta pelo sentido das coisas. Existe uma luta pelo significado das coisas. Por quê? Porque quando você consegue fazer impor o seu significado, você imediatamente consegue fazer impor os processos de legitimação que garantem esse significado. É essa a perspectiva. Porque na hora que eu consigo definir o que é universidade pública e eu consigo convencer todo mundo do que é universidade pública, é claro que o processo de entrada na universidade pública vai ter que estar alinhado com o entendimento maior do que é universidade pública. Portanto perceba que a luta social não é um dando porrada no outro, mas é uma luta pelos sentidos das coisas, pelo que as coisas querem dizer. E, é claro, que na hora que você diz que a verdadeira luta social é pelo que as coisas querem dizer, você imediatamente se dá conta que nós estamos desigualmente preparados pra essa luta. Em outras palavras, se a luta é ideológica, se a luta é pelo sentido das palavras, é claro que a
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luta fica reservada a dois ou três. Por quê? Porque existe uma imensa leva de gente que não só não tem competência objetiva pra participar dessa luta, como está convencido de que não tem essa competência objetiva. Portanto existe uma incompetência objetiva e subjetiva, é o que Bourdieu chama de “desposse”, né? traduzindo. Quer dizer, eu sou despossuído das condições de participação do jogo. Eu sou despossuído das condições de argumentação no jogo e, portanto, se você quer me perguntar sobre política pergunta pro meu marido, porque esse negócio de política não é comigo é o meu marido que sabe de política aqui dentro de casa. E você percebe que isto é uma forma de você manifestar que você não joga o jogo por falta de condições de jogar o jogo. Então, você entende que, de certa maneira, a dominação ela passa por uma luta, mas por uma luta que a grande maioria perde por W.O., por falta de condições de participação. E quando você convida pra que as pessoas participem, a la Habermas, falta só o resto, né?
Habermas e a legitimidade
Então, você tem dois grandes pensadores na segunda metade do século XX, Habermas e Bourdieu. E um não concorda com o outro. Claro que Habermas é mais conhecido nas faculdades de Direito e Bourdieu em lugares menos dominantes. E o que Habermas nos dirá? Que o espaço público é o espaço legítimo de discussão para deliberações coletivas e que o objetivo de toda a sociedade é a sua emancipação, quer dizer, tomar conta de si mesma. E pra que a sociedade consiga tomar conta de si mesma ela precisa do espaço público. Em outras palavras, o espaço público é ao mesmo tempo meio e fim, né? Que ele chama de círculo virtuoso. É debatendo que eu vou conseguir melhorar o debate, e melhorando o debate
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que eu vou conseguir emancipar, e emancipando eu vou poder debater cada vez mais. Oh, do caralho, só falta um violino. Então, vamos debater, quem vem? Mas nem na Alemanha, vai dizer: “Ah, porque aqui é o Brasil”. Na França aí, eleições presidenciais, se você deixar, né? Alguém fala: “Ah, mas a gente participou do diretas já”. Foi a golpes de Fafá de Belém, Zezé Di Camargo e Luciano, etc. e tal, você enche o Anhangabaú com ou sem diretas já. Porque aquele mesmo cara com a bandeira, “eu quero votar” e o caralho é o que não votaria se tivesse eleição amanhã facultativa, certo? Tira a obrigação... Não sei se você já parou pra pensar que aqui a gente é obrigado a votar. A gente é obrigado a participar da festa da civilidade, né? É obrigado. Porque deixa livre pra você vê os cara pintada. Deixa livre pra você vê o espírito de civilidade. Deixa livre pra você vê o interesse pela coisa pública. Deixa livre. Então, é claro, é por isso que tem que obrigar. Então, essa é a vitória de Bourdieu contra Habermas. Quer fazer um espaço público onde todo mundo debata, então, é claro, seria preciso que as pessoas tivessem, um: condição de debater; dois: motivação pra debater. No final são dois lados da mesma moeda, as pessoas não querem debater porque não sabem debater, e não sabem debater porque não debatem. Não tão preparadas pra isso. Além do mais, nós não temos aqui uma escolaridade que prepare pra isso, nem a de elite. Aliás, as nossas escolas de elite são uma bosta. Lá na Índia, é um país horroroso, mas a educação de elite forma um prêmio Nobel por ano lá. Aqui, zero, velho. A nossa educação de elite é horrível. É claro que a outra é pior, mas do ponto de vista da participação no espaço público é zero pros dois. E nós temos uma sociedade desarticulada, a ponto de, você pega um cara aí de exemplo: “Quem que eu vou eleger pra presidente?” Quem eu quiser. “Então eu vou pegar o maior desafio do mundo, você”, sou eu.
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Daí ele fala: “Eu vou eleger você”. E enrola, velho, é espetacular. E cadê o adversário? Não tem adversário, né? Tem o outro lá de Guaratinguetá... Quer dizer, são piores ainda. Uma meleca total. E aí você não consegue assistir o debate, não tem debate, eles não discordam em nada, eles não sabem, é um horror. Então você percebe o quê? Que o que Bourdieu denuncia é que o exercício do poder se dá por falta de resistência. E não é assim? Os caras cagando lá em cima e você o que faz, assistindo aulinha? Não tem resistência. E não tem resistência por quê? Porque há um despreparo importantíssimo para que o debate sobre as condições de legitimação do poder fosse um debate que, efetivamente, questionasse os processos de legitimação do poder. Muito bem. Vamos parar cinco minutos, depois a gente volta.
Consagração de atributos Bom, eu espero que vocês tenham entendido que os processos de legitimação eles são, de certa forma, é, respeitadores das particularidades de cada campo. Em outras palavras, aquilo que legitima no campo acadêmico não legitima no campo jurídico, que não legitima no campo jornalístico e assim por diante. Isto é, os critérios de distribuição de capital específico dos campos, de certa maneira, é devedor das condições particulares de legitimação e de consagração específicas a cada campo. É frase clássica, né? Eu já tô começando a falar como ele, de certa forma, né? Então, é claro que, o que isso quer dizer? Isso quer dizer que pra alguém, se converter num dominante do campo não há regras genéricas, o que há são espaços sociais concretos que tem uma história e que ao longo dessa história esses espaços consagraram meios de consagração. Então, o que eu quero dizer com isso? Que as instâncias de legitimação não estão lá desde sempre, não estão lá para sempre, mas elas são o produto de uma história social do campo.
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Olha, só pra você ter uma ideia do quanto isso é pertinente: dentro do campo jurídico você tem o STF, e o STF há muito tempo é a nossa Corte Suprema. Mas a história recente do STF é claramente dividida em dois. Quando eu estudei Direito, antes da Constituição de 88, o STF não valia nada ou não valia uma canela do que ele vale hoje. E por quê? Porque, de certa maneira, a nova Constituição consagrou novos mecanismos de consagração jurídica, e entre eles esta Corte específica. Então, eu queria mostrar a você que nós estamos aqui no coração daquilo que Bourdieu chama de estruturante e estruturado, né? É o dialético por excelência. O que ele quer dizer com isso? As instâncias de legitimação elas estruturam o campo, né? Você é dominante, você é dominado, você tem mais capital, você tem menos capital e assim por diante. Mas ao mesmo tempo as relações do campo, elas estruturam as instâncias de legitimação, que não são para sempre, mas estão à mercê do quê? Do que acontece no campo. Então, A determina B e B determina A. Falamos do exame da OAB. Houve época que esse exame era uma falácia. E, portanto, o que acontecia com o exame sendo uma falácia? O ingresso no campo jurídico tava facultado a qualquer estudante de direito. Ora, o que acontece quando isso acontece? O que acontece quando isso acontece é que você tem que botar a porteira em outro lugar. Por quê? Porque como não tem pra todo mundo em lugar nenhum, isso quer dizer, os troféus são poucos e os competidores são muitos, se você abre a porteira num canto em algum lugar você tem que fechar a porteira, porque senão você compromete o jogo. No caso das faculdades argentinas, você deixa todo mundo entrar no primeiro ano, só que só passa pro segundo ano cinco por cento dos que entraram no primeiro ano. Então, você percebeu? Você tirou a porteira do vestibular e botou a porteira mais pra frente. Em outras palavras, cada
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campo tem as suas formas de seletividade. E as formas de seletividade são formas de legitimação do poder. Indo mais longe. À medida que você consagra formas de legitimação, você também consagra atributos a serem legitimados. Preste atenção no que eu vou lhes dizer, porque é possível que alguns de vocês tenha feito faculdade de administração etc. e vocês não tem culpa. Você tem na faculdade de Administração coisas como liderança, aliás, não só na faculdade, mas depois tem cursos de liderança nas empresas, escritórios que oferecem programas de liderança, e palestrantes que oferecem liderança e vende, velho, vende que é uma beleza. Então, parte-se de que premissa? Da premissa de que todo líder tem um certo número de atributos e que, portanto é preciso fazer com que uma pessoa tenha esses atributos, porque na hora que tiver esses atributos será líder. O que faltou explicar? Faltou explicar que esses atributos são movediços e estão ao sabor da lógica do campo e o que era do caralho ontem é uma bosta hoje. E se você se preparou pra ser líder ontem, hoje você é patético, e, por... Não sei se você me entendeu, por quê? Por que o que é ser líder? O que é ser líder? É exercer o poder legitimamente. Claro, sempre haverá um americano patético pra dizer que têm níveis de liderança um, dois, três, com não sei o quê, não sei que lá. Mas ser líder é exercer o poder legitimamente, com o reconhecimento do dominado. Ora, malandro, eu te digo, Marilena Chaui é líder, ela não tem um único atributo, entendeu? Desses aí pra ser CEO da Ford, né? Nenhum deles, nenhum, nem inglês ela fala, né? Nenhum. Então, o que você percebe? Que dependendo do campo que você teve, os atributos da liderança serão uns ou outros. E dependendo do momento da história do campo, os atributos serão uns ou outros. Em outras palavras, um atributo pessoal poderá ser condição de exercício legítimo do poder, ou poderá ser um atributo completamente ilegítimo para o exercício do poder. É isso. Tudo depende da história e da geografia da sociedade. Tudo depende da onde você
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está e quando você está. Porque o Collor foi eleito presidente por você, claro, que não votou no Lula que eu sei. Você votou no Collor? Claro. E votaria de novo, porque é o eterno retorno. Só que o Collor agora ele tem que vim penteado diferente. Como é que ele veio penteado em 89? Diz, assuma, velho, não tem problema, nós estamos aqui pra jogar blabla... Assuma! Como é que ele veio penteado em 89? Ele veio penteado como piloto de Ferrari, piloto de Jet Ski, lutador de karate, foi isso. E que mais? Uma trajetória política pífia. É, consumidor de entorpecente. É, trajetória em estados, digamos, de performance de gestão, é desprezível. E que mais que ele tinha? Ah, caçador de marajás. Caçador de marajás, que é uma espécie... Caçador de marajás, admita, é título de novela, né? Caçador de marajás, que não cai bem? Caçador... E não é da Globo, porque a Globo, é, é mais competente do que isso. É Record, assim, poderia ser uma coisa mexicana: O Caçador de Marajás. Pois muito bem, com karate, jet ski, Ferrari, asa delta e caça marajás, ele ganhou teu voto. Percebeu? Ué, se eu for montar um programa de liderança em cima do Collor de 89, hoje eu não elejo ninguém, nem mesmo ele pro Senado, que ele ficou em terceiro em Alagoas, tá certo? Então, você percebeu que os predicados mudaram. Os predica... Os atributos do líder mudaram dentro do mesmo campo político, num espaço de vinte anos. Então não vou... Então, o que eu quero dizer? A concepção substancialista da liderança... Sabe, entendeu? Concepção substancialista quer dizer, o líder tem que ser, é, o líder tem que ter isso, é uma concepção que é desmentida pela óbvia índole social do fenômeno da liderança. A liderança é um fato social e como todo fato social não pode prescindi da investigação sociológica sobre a sua condição. Por quê? Por que quais são os atributos que um presidente tem que ter pra ser um bom presidente? É o que aquela sociedade naquele momento disser que tem que ser, entendeu? Num determinado momento a Alemanha, a Alemanha, um dos países de maior competência
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na formação educacional do mundo, consagrou Aldolf Hitler como líder supremo. Foi ou não foi? E consagraria outra vez. E que atributos têm esses caras? É só deixar ele começar a falar. É, atributos, é militarescos, truculentos, de agressividade, de destruição do outro, de invasão, de coisa. Mas tudo bem, eu acho que você percebeu, dependendo da época, dependendo do lugar, o líder terá uns atributos e não outros, às vezes, opostos entre si. Um programa de liderança só pode ser uma investigação social das condições da legitimidade do poder, portanto não há programa de liderança. Não há programa de liderança.
Dominação Sendo assim, se a legitimidade tem a ver com o reconhecimento, é muito interessante você perceber que a ideia da legitimidade pode se capilarizar pela sociedade. E o que isso quer dizer? Isso quer dizer que existe legitimidade possível toda vez que houver relação de poder. E, é claro que a relação de poder ela pode estar no estado, mas ela pode estar muito fora dele, propriamente. Então, de certa forma, o fenômeno da legitimidade ele é mais visível com os holofotes da mídia, porque a mídia participa das condições simbólicas de consagração do mandatário, né? Tomadas de posse. E todo o cortejo simbólico do campo político, absolutamente holofotizado pela mídia, são parte fundamental do processo de legitimação daquele mandatário. Mas existem situações sociais, a imensa maioria delas, em que você tem exercício de poder, você tem legitimidade, você tem reconhecimento e você tem, digamos, recursos simbólicos muito menos sofisticados, muito menos visíveis, muito menos óbvios de identificação. De certa maneira, o que vai dizer Bourdieu é que os processos de dominação serão tanto mais eficazes quanto mais naturalmente eles fizerem ignorar a perspectiva arbitrária que os fundamenta.
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Eu vou repetir, esse é o tipo de frase pra você soltar no bar. O que eu vou repetir? Na hora que professor Clóvis vai entrar na sala de aula tem lá dois, duas trombetas lá: po po poooo! né? Aí entra primeiro o Mário Vitor: “Dentro de cinco minutos entrará na sala de aula o professor Clóvis”. E aí começa aquela verborragia curricular. E aí finalmente entro eu. E você vai dizer: “Que palhaçada é essa?” hehe. Foi o que eu assisti na São Francisco. No ano passado indo na classe de um amigo meu de Direito Financeiro, primeiro entraram os assistentes, foram entrando em fila, todos engravatados, e ele mesmo não entrava, falei: “Caralho, errei de sala”. Não, não, aquilo era o cortejo, e finalmente entrou ele. Então, claro, aí você tem o quê? Mecanismos ostensivos de legitimação simbólica. O que é que Bourdieu ensina? Que os processos de dominação mais eficazes são aqueles em que mais naturalmente você tem uma aceitação do exercício do poder. Em outras palavras, são aqueles que mais dispensam a ostentação da ruptura simbólica em nome de uma aceitação tácita do exercício do poder. Em outras palavras, é o tipo do cara que entra, eu vou, quer, quer ver o exemplo contrário? Professor Franklin, né? Vocês já devem ter, os que me conhecem sabem da admiração que eu tenho pelo professor Franklin. Professor Franklin anda pelo corredor e ele anda perto da parede, e ele vai assim e tal, de preferência pra não ser visto. Eu como já sei disso gosto de interrompê-lo, né? “Professor Franklin!” e aí ele... E eu: “Professor, que alegria encontrá-lo” e tal e coisa, e ele, puta velhinho “Que bom, olá Clóvis, tudo bem” e tal, aí, coisa e vem assim e não sei que, etc. Lá na USP é a mesma coisa. Aí ele entra e começa a falar. Não tem trombeta, não tem saxofone, não tem assistente, não tem assistente engravatado, não tem coisa, não tem tapete vermelho, não tem porra nenhuma e,
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no entanto, existe ali da parte dos alunos um reconhecimento infinito, de uma, de uma legitimidade estupenda, pra deixá-lo usar aquele tempo e falar tudo o que ele tem que falar. Então, é claro, a pergunta que qualquer um poderá fazer é: “Da onde cargas d'água isso vem”. E é aqui que Bourdieu é realmente Bourdieu: os processos de eficiência máxima de legitimação, eles pressupõe a conversão do reconhecimento da dominação em forma de Habitus, tema da nossa, do nosso último encontro. Em outras palavras, toda vez que você tiver que questionar por que esse cara esta mandando, e toda vez que quem manda tiver que demonstrar a justeza da sua dominação, é sinal que essa dominação é frágil, se bobear, está por um fio, porque os processos de dominação eficazes são aqueles em que o dominante não diz nada, anda perto do muro e o dominado não precisa de nenhuma trombeta para reconhecer a posição social ocupada pelo dominante e a sua autoridade pra tomar a palavra e falar.
A relação dominantes x dominados Acho que você percebeu, este processo de dominação advém do quê? De uma socialização compartilhada de esquemas e disposições de pensar, de agir e de sentir, que são compartilhados, e, portanto, de um processo de aceitação recíproca que escapa completamente a um cálculo custo benefício consciente do tipo: “Por que eu vou deixar ele falar, por quê? Quem é você pra falar?” Quanto mais eu tiver que demonstrar que eu tenho direito de falar, menos legítima é a minha dominação e o meu direito de falar. Quanto mais for óbvia e evidente a minha autoridade pra exercer o poder, mais legítimo é o meu poder, menos retumbante será o recurso simbólico para assegurá-lo. Por quê? Porque se a legitimidade tem a ver com o reconhecimento do dominado, este reconhecimento será tanto mais eficaz quanto menos percebido ele for. E quando é que ele é
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menos percebido? Quando ele é visceral, inconsciente. Ele é tácito, ele é óbvio, ele é... É como o padre na igreja, né? Ele é da esfera do socialmente encarnado. E é nesse ponto que a gente só pode concordar com Bourdieu. A legitimação nada mais é do que uma grande concordância entre dominantes e dominados. E o que ele chama de grande concordância? Não é uma concordância assim: eu digo e você concorda com que eu digo, não. É uma concordância de maneiras de pensar, mas é uma concordância de maneiras de sentir; é uma concordância de maneiras de agir; é uma concordância de maneiras de se portar; é uma grande concordância. Em outras palavras, Bourdieu está absolutamente convencido de que o exercício legítimo do poder pressupõe um processo de legitimação que contamina dominantes e dominados num mesmo Habitus, num mesmo jeito de ser, num mesmo jeito de se portar. E isso dispensa, de longe, demonstrações enfadonhas sobre por que eu tenho que mandar e você tem que obedecer. Dirá Bourdieu: toda vez que a legitimação passar para a esfera da demonstração, ela está em vias de ser questionada e subvertida. E, portanto, todo o processo de dominação, ele dispensa completamente toda a justificação do exercício do poder.
Deslegitimação Ora, nesse ponto, eu queria dizer... quer dizer, é muito difícil mastigar mais do que eu estou fazendo, porque toda vez que a gente esbarra no Habitus, aliás, tudo com Bourdieu faz alusão a coisas de difícil exemplificação. Mas eu espero que você tenha vivido ao longo da sua trajetória situações sociais em que você se dá conta de ter pisado na bola, cometido uma heresia, e você, portanto se sente mal por ter feito isso. E esse sentir-se mal, estar mal na sua pele, dizem os franceses, nada mais é do que um erro, um erro. Um erro de comportamento social. Se a socialização tivesse sido mais perfeita, o alinhamento entre a expectativa social do seu comportamento e o seu comportamento seriam mais perfeitos, como uma orquestra sem maestro.
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Mas como as socializações não são perfeitas porque nada é perfeito, existe a possibilidade do erro. Essa possibilidade do erro será tanto maior quanto menor for, digamos, a naturalidade da inscrição naquele universo. Quer dizer, quanto mais novato você for, quanto menos habituado você estiver ao comportamento social dentro daquele universo. É por isso que o debutante, é por isso que o calouro, é por isso que o recém-ingressado é tomado por idiota, é feito como idiota, é ridicularizado como idiota, por quê? Porque falta a ele o senso prático, “le sens pratique”. E o que é o sendo prático? É a competência para agir de maneira alinhada com as expectativas sociais sem precisar pensar. Aquele que precisa pensar pode até acertar na hora de agir, mas ele é lento, ele é paquidérmico, ele é esquerdo. Entendeu o que eu quis dizer? O Luc Ferry tá aí e eles me chamaram pra jantar com ele ontem. Eu não fui. Eu poderia resumir: não tava a fim, seria ótimo. Mas não é bem não tá a fim. Eu sei o que é. Eu conheço o tipinho e o tipinho é frequentador de espaços sociais que eu não frequento. Não sei se você entendeu? Ou ele vai tá deslocado ou eu. A chance de ser eu é maior, questão de capital, é matemático. Então, já... Como é que eu sei que eu vou me dar mal? Pelo tipo de restaurante que eles já escolheram. Ninguém convidou pra vim no Sujinho. Ninguém convidou pra ir no Degas da Alameda, da Teodoro Sampaio. É uma porra fresca ali na Bela Cintra e tal, deve ter três ou quatro copos na frente, eu já vou ter que pensar. Eu acabo acertando, mas eu, por exemplo, já não bebo vinho, já é ruim. Eu gosto de Coca-Cola, eu também não gosto de água. Coca-Cola já não entra em nenhum daqueles copos ali, então você começa a ficar esquerdo e tal. Agora, é claro, como eu conheço toda essa bosta, eu não vou, eu não vou me apequenar, pelo contrário, eu vou sair... Então, eu vou ser desagradável, né? Eu vou deslegitimar as regras, entendeu? Né? Eu vou, aí não tem jeito.
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Eu vou ser Bourdieu e Bourdieu é foda, aonde ele entra ele é um elefante numa loja de louça, né? Que nem o, fui jantar, fui passar o Natal, velho, na casa do Mafezoli, que é outro desses caras que você não sabe bem... É, é uma identidade fluida, né? São caras que não são muito homem, também não são... Figura estranha, escapadiça. Aí fui lá passar, tava sozinho e tal, fui com um amigo e não sei que. Aí começa, tal: “Vamos começar tomando o vinho tal”. Eu falei: “Eu não bebo”. Aí o cara veio e me constrangeu, ele já tá no país dele, na casa dele, não sei que... “Eu bebo Coca-Cola”, “Aqui não entra Coca-Cola”. Eu falei: “Ah, então serve qualquer bosta aí, me dá água mesmo, é que a água daqui é muito ruim, me dá água da torneira que eu acho que é o mais tolerável e tal”. Aí começou a vim com um discurso da superioridade do vinho em relação à Coca-Cola, né? Aí não dá pra aguentar, daí eu falei pra ele: “Deixa ver se eu entendi: o vinho e a Coca-Cola tem então um valor imanente?” Não sei se você me entendeu. “É, dá onde veio o valor do vinho, tá na uva? Aonde tá o valor, na uva? Uva vale mais do que a Coca-Cola? Dá onde você tirou e tal”. Como não tem valor imanente, o que dirá Bourdieu? É que tomar vinho e tomar Coca-Cola só podem ser valorados socialmente. E, portanto, é claro, quem toma vinho toma vinho por conta do quê? Por conta de tudo o que o vinho significa, tá certo? E Coca-Cola? Tudo o que a Coca-Cola significa. Então, é claro que aí a luta é uma luta por símbolos, né? E aí, porra, eu tenho tanto horror a vinho quanto às pessoas que se servem do vinho pra se posicionar na sociedade. “Amigo, vai estudar e não me enche o saco, velho. Vá se...”. “Ah, porque esse é o conhaque não sei que e tal”, aquela coisa, né? E eu sinto que ia acontecer a mesma coisa. Por quê? Né? Você poderia imaginar o seguinte: eu tomo vinho e você tome o que quiser, não te parece, não te parece normal, hein? Eu tomo vinho e você toma o que quiser. Acontece isso em algum lugar? Não acontece, porque existe uma luta social pela definição
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dos hábitos legítimos. E eu sou representante do quê? Sou representante da minha história. E eu não estou disposto a abrir mão da minha história. Por quê? Porque a minha história é do caralho, velho. Nenhum francês de merda vale uma canela da minha história. Então não vai vim com echarpe e o caralho, vim tirar sarro da minha cara, porque eu vou... “Pera aí, em que língua você quer debater pra começar? Porque você só fala essa bosta dessa sua língua morta, eu converso com você na língua que você quiser. Quer na sua? Então vamos”. E aí, claro, aí já criei confusão. É preferível não ir, até porque é convidado daqui, não sei que e tal. Mas eu conheço o tipo, vai querer impor a sua cultura, né? Existe uma luta social pela definição dos habitus legítimos. Qual é a característica da nossa elite? Engolir toda essa parafernália que vem de fora, essa bosta toda e tal e fazer essa reverência toda o que é um pouco insuportável. Então, é claro que esta mudando, mas é lento demais. Luta pelos símbolos; luta pelo o que quer dizer; luta pelo valor das coisas; luta pelos sentidos e pelos significados. Luta, o tempo inteiro luta, luta. E, é claro que nessa luta cada um vai querer fazer da sua história a história legítima. E pra fazer da sua história a história legítima você tem que deslegitimar tudo o que não é você. Não sei se você me entendeu. Deslegitimar tudo o que não é você.
Homologia, alianças É claro, e aqui vai mais um ponto. Os espaços de consagração e de legitimação, eles são internos aos campos, isso já aprendemos, eles são dependentes de Habitus adquiridos dentro do campo, isso já aprendemos, mas eles também contam com alianças fora dos campos. E é o que Bourdieu chama de homologia. E eu vou fechar a aula com o conceito de homologia. É muito legal. Aqui você tem um campo. Aqui você tem um outro campo. Esse campo tem dominantes e dominados. Esse também. Então existe uma especificidade desse campo, regras, troféus e o caralho, e uma especificidade desse campo. Mas existe uma iniciativa muito salutar que é a iniciativa de você fazer com campos externos alianças estratégicas.
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E por que ela é eficaz? Ué, não falamos que os circuitos de consagração serão tanto mais eficazes quanto maior a distância social do objeto consagrado? Nada melhor do que pegar alguém fora do jogo pra me dar suporte. E aí Bourdieu será genial. Aliança entre campos, dominante com dominante, hehe, e dominado com dominado. Exemplos, muitos. Não preciso... O primeiro mais óbvio é a homologia entre campo político e campo econômico. Acho que você percebeu, o mundo trata melhor quem se veste bem. Muito bem, esse do campo político com o econômico é muito “coiso”, né? E o partido do Zé de Abreu? É patrocinado pelas Cuecarias Garça de Ribeirão Preto, né? E tem também o apoio da borracharia Osvaldão de Carapicuíba, etc. e tal, por quê? Porque funciona assim. É nóis, mano! Entendeu? É, nóis. Sou solidário com o colega lá etc. e tal. Bom, mas quer outro exemplo eu dou. Outro exemplo espetacular de homologia estratégica é o exemplo da parceria da Rede Globo com a igreja católica. Parceria que tem o padre Marcelo a sua figura mais emblemática. A Rede Globo é dominante do campo das mídias e a igreja católica é dominante do campo dos bens imateriais, né? Espaços autorizados de venda de salvação. Então você tem a Globo aqui e aqui você tem a igreja católica, e essa parceria é uma parceria de uma fertilidade e de uma contundência espetacular, até porque ela se opõe a uma parceria homológica no segundo andar que é Record Universal. Olha que legal. Você quer mais, não? Milhões de exemplos de parceria entre dominantes de diversos campos, mas eu vou citar mais um. Caso curiosíssimo de homologia entre o campo econômico e o campo acadêmico pra quem queira duvidar da competência de Bourdieu, essa é a menos previsível de todas as homologias. Todo o departamento tá aqui, todo. É o que tem de melhor. Tá todo mundo aqui, dos velhos aos novos. Todos aqui. Espetacular, um desfile. E eu te pergunto: isso aqui veio da onde? Isso aqui veio de Marx, né? Essa divisão homológica em dominantes e dominados por campos acaba nos
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aproximando de uma divisão da sociedade por classe. Só que agora a definição de classe é outra. A definição de classe não é mais uma definição exclusivamente econômica. A classe social dos dominantes é uma classe que recorta os campos transversalmente e recupera dominantes e que colocam, portanto, a Marilena como burguesa. Claro, agora não chamaria mais burguesa, mas é, quer dizer, o dominante agora é dominante em todos os campos. Ao passo que pra Marx, né? O que acontecia? O campo que importa é o campo econômico e a fronteira é burguês proletário como classe social. E aí, claro, existe uma luta aqui tal; aqui você tem de novo uma perspectiva sociológica riquíssima, né? E através de uma análise completamente diferente, mas chegamos a uma situação semelhante que é uma situação da sociedade dividida em quem esta por cima, conservadores, quem esta por baixo, subversivos. E é normal que conservadores ajudem conservadores a conservar e é normal que subversivos ajudem subversivos a subverter. Eu não falei, cara, dos processos de transmigração, como poderia citar o caso de Luan Santana. He, eu não sabia que era tão bem formados em música, mas desculpem, é que Luan Santana é o artista brasileiro que mais ganha hoje. Então, por isso. O que é que Bourdieu dirá? Você tem um campo da produção cultural. Um eixo do campo da produção cultural é esse eixo que fez as pessoas suspirarem. É o comercial versus erudito. Perceba que a dicotomia não é popular e erudito. Caetano Veloso tá aqui junto com Chico Buarque é popular erudito. O comercial é avaliado em função do quê? Em função da grana. Ora, perceba que este campo cortado pelo eixo erudito comercial é um campo que mantém com o campo das mídias uma relação mais complexa do que simplesmente uma relação de homologia, por quê? Porque o erudito esta aqui, um show por ano, Caetano Veloso não sei aonde e o comercial também esta aqui. Em outras palavras, o campo dos dominantes da mídia pega os
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dominantes eruditos e os dominantes comerciais pra ele. Curiosamente, pra você sair de um comercial chinfrim pra um comercial bem sucedido, você precisa do ingresso no campo das mídias. Curiosamente, é graças ao ingresso nos campos da mídia que você consegue alavancar. E é graças a alavancagem que você entra no campo da mídia. Em outras palavras, os meios de comunicação são estruturantes e estruturados pelas carreiras dos cantores de índole comercial, né? Não sei se você entendeu. É uma coisa completamente dialética mesmo. Quer dizer, pra ganhar dinheiro eu tenho que estar na Globo, mas pra entrar na Globo eu tenho que ter dinheiro. Fundamentalmente é isso. Em outras palavras, existe um ponto aqui que é um ponto que você não sabe aonde começa e onde termina. É o que Bourdieu chama de “structurant et structuré ». Em outras palavras, o eixo erudito comercial é estruturante do campo, da produção cultural, e é estruturado pelo campo da produção cultural ao mesmo tempo. Mas isso a gente continua na próxima aula.
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