12 minute read

Soberania de Deus1

Next Article
Introdução

Introdução

1

Soberania de Deus

Advertisement

É verdade que vocês planejaram aquela maldade contra mim, mas Deus mudou o mal em bem para fazer o que hoje estamos vendo, isto é, salvar a vida de muita gente. (Gênesis 50.20 – NTLH)

Parece não soar bem em nossos dias pós-modernos falar a respeito do governo de Deus sobre os seres humanos. A sociedade pós-moderna é avessa à autoridade, e isso é claramente perceptível com a perda de força das instituições tradicionais como a família, a escola e o governo.

Em nossa sociedade humanista cujo deus é o ser humano e cujo profeta é o livre arbítrio, falar sobre um Deus que governa cada detalhe do Universo e sabe inclusive quantos fios de cabelo temos em nossa cabeça, é um completo absurdo! Para alguns, Deus é uma invenção da mente humana, para outros Deus é alguém muito distante e ocupado que se preocupa somente com as grandes questões mundiais e não tem tempo para relacionar-se particularmente com cada pessoa.

Um dos lemas mais valorizados hoje é a liberdade e por consequência a valorização da diversidade e das escolhas. Portanto, dizer que por Deus foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles ainda existia (Sl 139.16), se torna algo completamente inconcebível! Muitos irão dizer que este é um pensamento da Idade Média. Ninguém aceita mais a ideia de um Deus impositivo e inflexível que determina o futuro, afinal, onde ficaria o livre arbítrio? Onde ficaria a liberdade, considerada tanto pelos filósofos quanto por Hollywood como a mais sublime virtude da humanidade?

O mais intrigante, contudo, é que falar sobre a soberania de Deus torna-se um desafio até mesmo no contexto cristão moderno, infectado por uma teologia positivista que coloca o ser humano no centro e o faz protagonista do seu próprio futuro. É muito comum hoje nas igrejas o apelo pelo “condicionamento” de Deus por atitudes humanas, tais como campanhas de oração, de jejuns, de ofertas específicas, de ofertas de milagres, entre outras, além do que se compra como “sagrado” para alcançar o milagre. Essa prática religiosa coloca o cristão como agente do milagre e faz de Deus refém das atitudes humanas.

A história do pecado é basicamente uma questão de glória. A essência

do pecado nada mais é do que buscar a própria glória em vez de buscar

a glória de Deus. O alvo do pecador é a celebração da sua fama. Desde

as tribos mais primitivas, com seus coloridos exuberantes, suas pinturas hierárquicas e seus penachos de cores diversas, até os membros “civilizados” das universidades, dos tribunais, dos concílios religiosos e das reuniões de diplomatas com seus fraques, togas, becas e batinas enfeitadas, há sempre uma busca pela singularidade da glória humana. Todos estes exuberantes procedimentos visam sublinhar de modo característico a individualidade e a honra a que estamos expostos. Esta tendência de enaltecimento ou reconhecimento das pessoas é muito comum nas igrejas atuais. 5

No entanto, a meu ver, não existe uma verdade bíblica mais reconfortante do que a soberania de Deus. Prefiro saber e crer que a minha vida está nas mãos de Deus e não nas minhas, porque eu sou falho, limitado e impotente. Sou infectado pelo vírus do egoísmo, da cobiça e da vaidade. Habito em um corpo corruptível, fico velho, doente e com o tempo tudo escapa de minhas mãos. Sou infectado também pelo vírus da mentira, da infidelidade e da aparência, portanto sou inconstante. Deus não! Deus é o oposto disso tudo. Ele é Santo e Fiel, portanto é constante. Ele não muda, é confiável. O que prometeu certamente cumprirá. Ele é grande, é o Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra, e, principalmente... Ele é o Deus Pai. Aliás, ele é o Aba, o pai na forma mais carinhosa, próxima, familiar. Você prefere ter sua vida em suas mãos ou nas mãos de Deus?

Talvez tenhamos aprendido que a onipotência, a onipresença e a onisciência de Deus têm tão somente a função de nos vigiar. Talvez tenhamos aprendido desde a tenra infância a enxergar Deus como um policial a nossa espreita. Principalmente aqueles que frequentaram uma igreja desde a infância aprenderam logo nos primeiros anos a cantar:

Cuidado olhinho o que vê, Cuidado boquinha o que fala, Cuidado mãozinha o que pega, Cuidado pezinho onde pisa, O Salvador do céu está olhando pra você”.

Introjetamos que essa soberania de Deus é castradora, corretiva e até mesmo opressiva.

No entanto, um dos aspectos mais sublimes da soberania de Deus é que ela é amorosa. Perceba uma coisa quando o salmista diz:

Ó Senhor Deus, tu me examinas e me conheces. Sabes tudo o que eu faço e, de longe, conheces todos os meus pensamentos. Tu me vês quando estou trabalhando e quando estou descansando; tu sabes tudo o que eu faço. Antes mesmo que eu fale, tu já sabes o que vou dizer. Estás em volta de mim, por todos os lados, e me proteges com o teu poder. Eu não consigo entender como tu me conheces tão bem; o teu conhecimento é profundo demais para mim (Sl 139.1-6 – NTLH).

Ele está completamente estupefato com o cuidado protetivo de Deus! Portanto, a soberania de Deus não é para vigiar, punir ou castigar, mas para cuidar! Deus nos criou à sua imagem e semelhança e tem por nós o mais alto apreço entre todas as coisas criadas.

Quando olhamos para a soberania de Deus na perspectiva do seu amor, entendemos então que o governo dele sobre a nossa vida é altamente benéfico. Deus não é coercitivo, mas amorosamente condutivo. Pense em um pai que guia uma criança de 2 anos. Ora ele permite que ela ande por certos lugares, ora bloqueia seu caminho e muda os rumos dos seus passos. Neste sentido podemos interagir com a vontade de Deus com sensibilidade e humildade ou com desdém e soberba. Logicamente que os resultados dessa interação serão diferentes, mesmo porque a soberania de Deus não anula a lei da semeadura, ou seja, colheremos aquilo que plantarmos.

O amor de Deus não é autoritário, mas é cuidadoso. O que muitos pensam ser imposição, na verdade é cuidado. Certa vez uma menina de 12 anos disse aos pais que iria sair com seu namoradinho. Ela havia sido criada com muita liberdade. Tomou banho, se aprontou e se despediu dos pais. Passados alguns minutos os pais a escutaram chorando na frente da casa e acharam que o namorado havia dado um fora nela. Mas, aos prantos, aquela menina disse: “Vocês nunca dizem não para mim!” Na verdade, ela não se sentia amada por seus

pais. A liberdade que os pais achavam que era amor, na verdade, para a menina, era desamor.

A história de José, filho de Jacó, narrada entre os capítulos 37 e 50 de Gênesis, é um belo exemplo dessa soberania amorosa de Deus. José, o preferido pelo pai entre seus irmãos, ganhou a inveja e o ciúme deles. Certo dia, estando todos eles no campo, distantes da casa do pai, resolveram dar cabo da vida de José. Porém, alimentados pelo temor, não o mataram, mas o venderam como escravo a uma caravana de mercadores que seguia para o Egito. Ao pai disseram que José havia sido devorado por um animal selvagem. Chegando ao Egito, depois de passar por incríveis revezes, José tornou- -se vice-governador, ficando abaixo apenas de Faraó, o rei. Mais tarde houve um grande período de fome na terra de Israel e os irmãos de José foram enviados por Jacó para o Egito a fim de comprar alimentos. Nessa época, o administrador geral do Egito era José. Agora, ele tinha tudo para armar uma grande vingança a seus irmãos, mas aconteceu algo muito interessante. Ele os perdoou, reencontrou seu pai, e teve a oportunidade de socorrer e suprir sua numerosa família israelita. Já no final da narrativa bíblica José disse: É verdade que vocês planejaram aquela maldade contra mim, mas Deus mudou o mal em bem para fazer o que hoje estamos vendo, isto é, salvar a vida de muita gente (Gn 50.20 – NTLH). Por que José não se vingou de seus irmãos? Não tenho dúvidas de que ele agiu dessa maneira porque entendeu que tudo de ruim que lhe acontecera, na verdade, fazia parte de um maravilhoso plano de Deus.

Quando temos o entendimento da ação soberana de Deus agindo no mundo, passamos a enxergar a vida na perspectiva da meta narrativa histórica. Não enxergamos apenas o “aqui e agora”, mas olhamos o “aqui e agora” dentro de uma grande narrativa histórica, a que chamamos de “História da Salvação”. Sendo assim, a Bíblia

tem apenas uma história, enxertada de diversos dramas e tramas, e com eventos complexos, mas que servem tão somente para compor a história da salvação. Deus usa todos os eventos históricos, pequenos ou grandes, particulares ou públicos, para cumprir seus eternos decretos divinos na meta narrativa histórica.

A história da humanidade – e, de fato, minha própria história individual de fé – está incluída dentro do grande drama da história do universo. 6

O ateísta crê que Deus não existe. O deísta crê que Deus criou o Universo, fixou as leis que o regem e virou as costas para ele, e, sendo assim, o mundo caminha por si mesmo. Mas nós, os teístas, cremos que Deus, além de criar e regular as leis naturais, continua conduzindo a história do mundo, continua interagindo com os serem humanos. Para Calvino, a providência divina estava inseparavelmente ligada à criação, sendo em si mesma um tipo de continuação do processo criativo. Portanto, não há como falar de sofrimento sem o olharmos sob a perspectiva da soberania divina. Não há como dissociar a “minha história” da “história de Deus”.

A Confissão de Fé de Westminster, baseada na Bíblia, descreve brilhantemente a grandiosidade de Deus, mas, ao mesmo tempo, sua proximidade:

Deus é imutável, imenso, eterno, incompreensível, onipotente, onisciente, santíssimo, completamente livre e absoluto, fazendo tudo para a sua própria glória e segundo o conselho da sua própria vontade, que é reta e imutável. É cheio de amor, é gracioso, misericordioso, longânime, muito bondoso e verdadeiro remunerador dos que o buscam... (Cap. 2, I).

Saiba, ao mesmo tempo em que Deus está conduzindo a história do mundo, ele também está conduzindo a sua história. Ao mesmo tempo em que Deus está preocupado com a fome, a miséria e as guerras no mundo, ele também se preocupa com o “pão nosso de cada dia”, como Jesus nos ensinou a orar. O profeta Isaías disse:

Pois o Altíssimo, o Santo Deus, o Deus que vive para sempre, diz: “Eu moro num lugar alto e sagrado, mas moro também com os humildes e os aflitos, para dar esperança aos humildes e aos aflitos, novas forças” (Is 57.15 – NTLH).

Todo e qualquer sofrimento que enfrentamos nesta vida deve

ser entendido, enfrentado e superado através dessa perspectiva, a

da soberania divina. Ora, se Deus nos ama, nos trata como filhos

e nos acompanha em todos os momentos; então o sofrimento que

nos pegou de surpresa e assola nossa vida não é um acidente, uma

má sorte, ou até mesmo o destino. Tudo que enfrentamos nessa

vida, seja consequência do nosso pecado, das nossas más escolhas,

ou mesmo aquilo que chamamos de “fatalidade”, ainda assim está

dentro do plano maior de Deus para a nossa vida. Calvino, ao dis

correr sobre a providência divina, disse: “... por trás do sofrimento

que experimentamos, que em si mesmo não é bom, mas mau, em

sua justiça, sabedoria e amor Deus permanece o Pai que prometeu

que nunca nos deixaria ou abandonaria.” 7

Deus sabe e permite tudo o que está se passando conosco; e, por nos amar, conduzirá nossa vida em todos os momentos. Ele fará até mesmo com que o mal que enfrentamos, de alguma forma, se transforme em bem. Um homem nesta Terra que viveu de perto essa verdade foi o apóstolo Paulo, e depois de várias experiências de sofrimento, chegou à seguinte conclusão: Pois sabemos que todas

as coisas trabalham juntas para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles a quem ele chamou de acordo com o seu plano (Rm 8.28 – NTLH). Paulo tinha plena consciência de que Deus é atemporal, não está preso ao tempo. Assim sendo, Deus enxerga a nossa existência como um todo e não somente o momento presente. Todos aqueles que amam Deus e que mantêm um relacionamento com ele, são conduzidos a experimentar esse plano amoroso e completo, que inclui alegrias e tristezas, mas que no final coopera para o seu bem.

Todo e qualquer sofrimento que enfrentamos está inserido em uma história maior, em uma história de amor, na história de Deus. É importante que você saiba disso e, sendo assim, descubra qual o propósito do momento que você passa hoje dentro da grande história da salvação. A fé bíblica nos ensina que o sofrimento, diferentemente do fatalismo, é, de fato, avassalador, é real e quase sempre injusto. Porém, não estamos sozinhos nessa caminhada. Se o enfrentarmos de maneira correta podemos experimentar uma nova, maior e melhor dimensão existencial e espiritual em nossa vida.

É bem verdade que, em nossa limitação humana, jamais entenderemos como algumas experiências nesta vida poderão ter contribuído para algum bem. No entanto, todos os dias Jesus continua nos dizendo:

“Por acaso não é verdade que dois passarinhos são vendidos por algumas moedinhas? Porém nenhum deles cai no chão se o Pai de vocês não deixar que isso aconteça. Quanto a vocês, até os fios dos seus cabelos estão todos contados. Portanto, não tenham medo, pois vocês valem mais do que muitos passarinhos” (Mt 10.29-31 – NTLH).

Atribulados, sim! Desamparados, não!

Aplicação pessoal:

1. Que visão você tem de Deus? Talvez você pense em Deus como um velho ranzinza de barba branca. Ou como um “policial celeste” pronto a puni-lo pelos seus pecados. Mas você pode considerá-lo como um pai, de quem você pode se aproximar com confiança no momento que desejar. 2. Saiba que toda grandeza e poder que Deus tem são usados por ele para protegê-lo e abençoá-lo. Como um pai guia uma criança pequena, ele usa da sua força e da sua autoridade para guiá-lo pelo melhor caminho, mesmo que você não entenda dessa maneira. 3. Lembre-se, a sua história encontra-se na grande história de salvação do Deus que governa a História. Não foque sua vida apenas no presente, mas entenda o presente momento à luz de uma história maior, a história do amor de Deus por você! Assim, você poderá encontrar o belo no feio e o bem no mau.

Oração:

“Senhor, eu sou tão pequeno, frágil e limitado que não consigo prever ou enxergar um palmo adiante do meu nariz. Por graça, segura em minhas mãos e me conduz pelo melhor caminho, e neste trecho, dá-me paciência e fé para crer que, na tua bondosa soberania, tu tens o melhor para mim! Por Jesus Cristo, assim seja!”

This article is from: