Reflexões sobre a Educação Infantil

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REFLEXÕES SOBRE A EDUCAÇÃO INFANTIL E O PRIMEIRO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL Profa. Dra. Rita de Cássia Ribeiro Barbosa Universidade São Marcos Profa. Dra. Elisandra Girardelli Godoi Universidade São Marcos

No Brasil, o debate sobre o papel que a Educação Infantil deve cumprir, ou melhor, sobre as suas funções e a sua qualidade, ainda é motivo de dúvidas entre os profissionais das instituições que educam e cuidam das crianças de 0 a 5 anos de idade. Este fato pode ser interpretado em função da história recente deste campo de conhecimento no país, tanto em relação às políticas públicas quanto à produção de estudos e pesquisas no meio acadêmico. Isto significa que, por muito tempo, a criança não foi reconhecida como sujeito de direitos. A conquista do direito à educação das crianças pequenas, fora da esfera privada, foi consolidada pela Constituição de 1988, que a regulamentou como dever do Estado no âmbito municipal. Através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, incluiu-se a Educação Infantil como a primeira etapa da Educação Básica. O Estatuto da Criança e do Adolescente, de1990, já havia contribuído para a legitimação do bem-estar na infância e na adolescência: A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. (Art. 7°, p.17).

Juridicamente, os direitos infantis foram reconhecidos e incorporados pela sociedade em geral; porém, torna-se imprescindível a sua concretização, pois, a criança somente poderá vivenciar a infância, com toda a intensidade, após a efetivação do que está prescrito em lei, e, desse modo, ser criança “com todas as letras”. Considerando os avanços no plano teórico, somos provocados a realizar outros questionamentos: em que medida, na prática, esses direitos estão sendo respeitados e


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materializados? Será que todas as crianças, independentemente do sexo, idade, cultura, raça, classe social, religião e necessidades especiais, têm seus direitos garantidos pela atual política educacional? Apesar da regulamentação de tais direitos, a realidade brasileira é marcada por um divórcio entre a elaboração da legislação e a implementação da mesma. Este fato é o resultado histórico da iníqua estrutura política e econômica do país. A partir da década de 1990, a entrada em cena do neoliberalismo e dos princípios do Estado Mínimo impediu melhorias substanciais nas condições de vida dos grupos marginalizados. Campos (2002, p. 28), ao discutir as políticas nacionais para a Educação Infantil, faz a seguinte análise: A essas características estruturais nossas acrescenta-se a conjuntura dos anos 1990, quando as políticas econômicas de ajuste - com suas conseqüências, como a contenção do crescimento econômico e dos gastos sociais – são implantadas no país. Assim, o momento pósconstituinte acaba sendo o momento dos retrocessos nas áreas sociais e não o momento de realização do que a Constituição consagrava como avanços em termos de definições legais.

Desse modo, apesar do avanço na legislação, na prática, a concretização destes direitos ainda não está garantida para todas as crianças, como diz Arelaro (2005, p. 24):

[...] apesar de hoje a educação de 0 a 6 anos ser considerada “direito da criança”, existe número significativo de municípios no Brasil que ainda não oferece - diretamente ou por meio de convênios – nenhuma vaga para essa faixa etária. E essa organização é atípica quando se compara, historicamente, a proposta brasileira com a de outros países no mundo, em particular os do Ocidente.

Na mesma direção, Barbosa (2000, p. 6-7), ao discutir em sua tese de doutorado a rotina como categoria pedagógica na Educação Infantil, aponta para as conquistas legais desta área do conhecimento ao mesmo tempo em que denuncia a falta de investimentos nesta etapa da educação. Em suas palavras:

Nos últimos anos, o mesmo governo que apoiou a aprovação da lei, e que a divulga vem, contraditoriamente, criando políticas de


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financiamento da educação que não favorecem a ampliação e a qualificação da educação infantil, sendo esta secundarizada nos investimentos das verbas públicas. Poderíamos citar, por exemplo, a ausência da educação infantil nas verbas do Fundo Nacional para a Educação e também as políticas de formação docente que, apesar de afirmarem visar ao educador infantil, enfatizam a formação do educador do ensino fundamental.

Esse fato demonstra que, na verdade, ainda estamos distantes do reconhecimento dos direitos das crianças consagrados pelas leis. Ademais, é importante assinalarmos que a história da educação da infância, neste país, foi marcada por uma proposta assistencialista, principalmente para as crianças que compunham a classe social de baixa renda. Este dado é discutido por Kuhlmann Jr. (2001, p.182), ao analisar as conseqüências do tipo de educação designada às camadas populares: [...] no processo histórico de constituição das instituições préescolares destinadas à infância pobre, o assistencialismo, ele mesmo, foi configurado como uma proposta educacional específica para esse setor social, dirigida para a submissão não só das famílias, mas também das crianças das classes populares. Ou seja, a educação não seria necessariamente sinônimo de emancipação. O fato de essas instituições carregarem em suas estruturas a destinação a uma parcela social, a pobreza, já representa uma concepção educacional.

É interessante enfatizarmos a idéia do autor de que, a partir de uma perspectiva histórica, a pedagogia das instituições destinadas aos pobres é baseada na submissão.

A pedagogia das instituições educacionais para os pobres é uma pedagogia da submissão; uma educação assistencialista marcada pela arrogância que humilha para depois oferecer o atendimento como dádiva, como favor aos poucos selecionados para o receber. (KUHLMANN JR..,1999, p. 54)

O assistencialismo esteve diretamente relacionado a uma proposta de educação compensatória, que chegou ao Brasil por volta da década de 1970, cujo discurso veiculava que a pré-escola deveria suprir as “carências” e as “deficiências” das crianças provenientes das classes populares. Esta política foi apoiada pelos órgãos públicos e a pré-escola foi vista como a solução para “todos os males educacionais” (ABRAMOVAY e KRAMER, 1991).


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Essa abordagem tinha como pressuposto a teoria da privação cultural, uma doutrina que argumentava que as crianças das classes populares possuíam “deficiências” e, portanto, era necessário compensá-las por meio de uma intervenção precoce em termos educacionais. O discurso oficial promoveu e incentivou a implantação de programas pré-escolares compensatórios, passando a idéia de que a educação préescolar poderia resolver os problemas da educação, ou seja, a repetência e o fracasso escolar localizados na antiga primeira série do Ensino Fundamental.

Naquele

momento, o Ministério da Educação e Cultura contribuiu para reforçar essa visão. No artigo de Abramovay e Kramer (1991) há uma citação de um parecer do MEC a esse respeito: [...] as crianças passam pela escola, mas não são por ela influenciadas, a não ser por uma parca alfabetização e algumas informações desconexas. Não raro, apresentam-se destituídas das noções de lateralidade, de alto e baixo, sem coordenação motora, sem vocabulário, sem comunicação e sem sociabilidade. Isto obriga que as escolas, quando bem orientadas, o que ocorre em proporção aquém do desejável, percam alguns meses, no início do ano letivo, na tentativa de compensar em parte essas carências com a ministração de atividades preparatórias da alfabetização. É claro que o sucesso de tal procedimento deixa via de regra muito a desejar, dada a irreversibilidade de certas deficiências já instaladas na criança. É, pois, como terapêutica de tão dolorosas e inaceitáveis realidades que se coloca a necessidade do fortalecimento e da difusão da educação pré-escolar em todo o Brasil (MEC. Legislação e normas de educação pré-escolar, 1979, p. 24- 25).

Jobim e Souza (1991a) também assinalam que os discursos oficiais sempre reforçaram essa concepção:

Nos discursos oficiais, a educação pré-escolar surge como uma alternativa que irá resolver não só o problema da evasão e da repetência na 1ª série do ensino de 1º grau, como também de muitos outros relacionados às disparidades sócio-econômicas, culturais, existentes no país [...] uma pré-escola que tenha como objetivo prevenir o fracasso escolar da criança pobre desloca injustamente para ela a responsabilidade de uma incompetência que não está nela, mas sim no sistema educacional e na desigualdade social (p.14).

A mesma autora acrescenta que a educação compensatória já havia sido considerada uma proposta fracassada em outras nações e tinha recebido muitas críticas


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quando chegou ao nosso país; entretanto, no Brasil, conseguiu adeptos e adquiriu força, influenciando a organização do trabalho na Educação Infantil (JOBIM E SOUZA, 1991b). Considerando o avanço legal no campo da Educação Infantil, explicitado na Constituição de 1998 e na LDB de 1996, entre outros documentos, podemos perguntar: quais são as implicações da atual legislação nas ações do Ministério da Educação e na elaboração de propostas para a área em foco? Na tentativa de impulsionar debates no campo de estudo em questão, foram realizados diagnósticos e pesquisas a respeito da situação da Educação Infantil no Brasil. O MEC, no período de 1994 a 1996, mais especificamente, a Coordenadoria Geral de Educação Infantil, sob a direção da Professora Ângela Maria R. F. Barreto, lançou um conjunto de documentos1 que ficaram conhecidos como “cadernos”. O objetivo destas publicações foi o de intensificar a produção de projetos e propostas para a área que pudessem ser traduzidas em práticas que respeitassem e valorizassem a criança como sujeito de direitos, sem a intenção de uma educação escolar compensatória. A política proposta, em 1994, era composta por um conjunto de princípios. Em relação às diretrizes pedagógicas, a criança foi concebida como um ser humano integral, em processo de desenvolvimento, um sujeito social e histórico, pertencente a uma família marcada pelo meio, mas, também, atuante no mesmo. O cuidar e educar eram vistos como funções indissociáveis e complementares aos cuidados e educação realizados na família. Juntamente com estas diretrizes, muitos desafios se faziam presentes na área da Educação Infantil, tais como: falta de condições adequadas de trabalho, presença de profissionais leigos, pouca efetivação de propostas pedagógicas, permanência de crianças acima da idade pré-escolar freqüentando salas de pré-escola, baixa valorização e remuneração para os profissionais, número limitado de vagas que não atendia a demanda, escolarização precoce das crianças, inadequação dos espaços e materiais nos espaços educativos, entre outros problemas (BARRETO, 1995). Acreditando na necessidade de parâmetros para a educação das crianças pequenas, o MEC (BRASIL, 1995, p. 11), em um dos cadernos mencionados, apresentou critérios de qualidade para que a educação em creche respeitasse os direitos


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fundamentais das crianças. Destacamos as seguintes assertivas:

1.

Nossas crianças têm direito à brincadeira

2.

Nossas crianças têm direito à atenção individual

3.

Nossas crianças têm direito a um ambiente aconchegante, seguro e estimulante

4.

Nossas crianças têm direito ao contato com a natureza

5.

Nossas crianças têm direito à higiene e à saúde

6.

Nossas crianças têm direito a uma alimentação sadia

7.

Nossas crianças têm direito a desenvolver sua curiosidade, imaginação e capacidade de expressão

8.

Nossas crianças têm direito ao movimento em espaços amplos

9.

Nossas crianças têm direito à proteção, ao afeto e à amizade

10. Nossas crianças têm direito a expressar seus sentimentos 11. Nossas crianças têm direito a uma especial atenção durante seu período de adaptação à creche 12. Nossas crianças têm direito a desenvolver sua identidade cultural, racial e religiosa

Esta proposta poderia ter sido um referencial para discutirmos as políticas e as práticas pedagógicas para a infância. Entretanto, o caminho que vinha sendo traçado para a educação na primeira infância foi interrompido em 1998, quando mudou a equipe da Coordenadoria de Educação Infantil e a nova gestão publicou o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998). Como discutem Palhares e Martinez (1999), houve um “desvio de rota” no caminho que vinha sendo traçado. Esse documento, primeira proposta curricular para a área, foi definido de forma oposta ao movimento que vinha sendo construído. A participação da comunidade se limitou à emissão de pareceres sobre a versão preliminar do material, em curto período


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de tempo, sem debates e indicações dos conhecimentos que foram produzidos pelo MEC nos “cadernos” anteriormente publicados. O RCNEI (1998) está organizado da seguinte maneira: - um documento introdutório que pretendeu fundamentar a prática pedagógica na educação infantil; - um documento nomeado Formação Pessoal e Social que abordou a importância da socialização na formação da personalidade dos alunos na faixa etária de zero a seis anos, enfocando os procedimentos considerados necessários para a paulatina construção da Identidade e Autonomia, um dos eixos de trabalho propostos pelo Referencial; - um documento chamado Conhecimento de Mundo que explicitou seis eixos norteadores do currículo da Educação Infantil, visando ao desenvolvimento de linguagens diferenciadas: Movimento, Música, Natureza e Sociedade, Artes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Matemática. Destacou-se que esta divisão não deveria favorecer uma concepção estática entre os eixos mencionados. Essa seleção do conhecimento revela uma limitação da prática pedagógica na Educação Infantil, na medida em que o cuidar e educar ficaram restritos ao cumprimento dos conteúdos propostos pelos eixos de trabalho. Além disso, consagrouse uma visão de mundo fragmentada, a despeito das intenções proclamadas, uma vez que esses eixos, na verdade, representam as tradicionais disciplinas do Ensino Fundamental. Ter uma nomenclatura diferente não significa a realização de uma proposta efetivamente nova, pois, ao analisarmos a matriz curricular formulada, verificamos que ela não difere radicalmente da estrutura disciplinar tão criticada e mantida até hoje nas nossas escolas. Dessa maneira, a proposta está longe de ser aberta e flexível, pelo contrário é fechada e restrita. O documento em pauta foi alvo de várias análises, algumas reunidas em uma coletânea organizada por Faria e Palhares (1999) intitulada “Educação Infantil PósLDB: rumos e desafios”. A intenção das autoras foi a de traçar um debate a respeito das políticas e propostas que estavam sendo elaboradas para as crianças pequenas. Destacamos o artigo de Cerisara (1999), que faz uma leitura minuciosa a respeito dos pareceres encaminhados ao MEC, indicando pontos relevantes sobre esta


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proposta curricular. Ao discutir as incoerências e ambigüidades do Referencial, a autora mostra através de alguns pareceres que o texto, em alguns momentos, afirma certas idéias, negando-as em outros. Sobre a questão da limitação da estrutura, endossa a opinião de um dos pareceristas: A proposta, mesmo se dizendo aberta e flexível, acaba por enfraquecer a diversidade, empobrecer a cultura, minimizar a educação [...] Ela se diz flexível, mas não é. Apresenta suposta correspondência linear entre, objetivo, atividade, conteúdo e avaliação, que fica distante da prática (PARECER 17, p.38).

Em segundo lugar, como já mencionamos, a organização da proposta pedagógica para o cuidado e educação das crianças pequenas acaba antecipando o modelo escolar existente, assumindo um viés escolarizante. Sobre este fato, Cerisara (1999) traz a seguinte observação realizada em um dos pareceres: O aspecto de maior consenso e preocupação entre os pareceristas com relação ao RCNEI foi o de que a educação infantil é tratada no documento como ensino, trazendo para a área a forma de trabalho do ensino fundamental, o que representa um retrocesso em relação ao avanço já encaminhado na educação infantil de que o trabalho com crianças pequenas em contextos educativos deve assumir a educação e o cuidado enquanto binômio indissociável e não o ensino (p.28).

No momento em que a Educação Infantil incorpora o modelo de trabalho do Ensino Fundamental a qualidade do processo educativo na primeira infância fica comprometida. De maneira antecipada e precoce, as crianças são direcionadas a realizar atividades escolares tradicionais, o que revela um desrespeito aos seus direitos como, por exemplo, o direito à brincadeira, indicado pela Política Nacional de Educação Infantil (BRASIL, 1994, p. 18), quando afirmou que “[...] o brincar constitui uma forma privilegiada de aprender [...]”; por isso, deve ser uma ação dentro das diretrizes pedagógicas nesta etapa da educação. Outro aspecto importante de ser debatido refere-se à base teórica do Referencial, que tem na psicologia a sua maior área de suporte. Este olhar sobre a infância desvenda uma concepção universal e abstrata ao conceber a criança como um ser dissociado de um contexto histórico mais amplo, isto é, econômico, político, social e cultural.


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A insuficiência da psicologia para orientação das práticas educativas tem sido amplamente discutida entre nós: e quanto mais concordamos com uma posição que concebe o processo de desenvolvimento do sujeito/criança como algo socialmente determinado, mais se põe a necessidade de subsídios de áreas complementares tais como a sociologia, a antropologia, a linguagem, a história (Parecer 3, CERISARA, 1999).

Pensamos ser importante ressaltar o viés construtivista do documento, orientação comum em várias diretrizes curriculares elaboradas na época em questão. Paradoxalmente, o Referencial apresentou uma estrutura “tradicional” de currículo, ou seja, a sua concepção nada tinha de inovadora. Além disso, a ação intencional do professor no planejamento e na prática pedagógica com as crianças transmitiu a impressão de ser decisiva, no documento, para o desenvolvimento do ensino e da aprendizagem, sem abandonar o discurso de que a criança aprende por meio de hipóteses. O Referencial determinou capacidades abrangentes – compreendidas como objetivos – para o desenvolvimento integrado entre os aspectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivos, éticos, estéticos e sociais da criança. Na persecução dos objetivos estipulados, elencaram-se os conteúdos que deveriam ser trabalhados. Ainda de acordo com o volume introdutório: Nessa perspectiva, este Referencial concebe os conteúdos, por um lado, como a concretização dos propósitos da instituição e, por outro, como um meio para que as crianças desenvolvam suas capacidades e exercitem sua maneira própria de pensar, sentir e ser, ampliando suas hipóteses acerca do mundo ao qual pertencem e constituindo-se em um instrumento para a compreensão da realidade. Os conteúdos abrangem, para além dos fatos, conceitos e princípios, também os conhecimentos relacionados a procedimentos, atitudes, valores e normas como objetos de aprendizagem. A explicitação de conteúdos de naturezas diversas aponta para a necessidade de se trabalhar de forma intencional e integrada com conteúdos que, na maioria das vezes, não são tratados de forma explícita e consciente. (p.49)

Se, por um lado, a brincadeira foi inserida no documento, o que podemos considerar um avanço, por outro, ficou restrita ao desenvolvimento de capacidades, habilidades e objetivos didáticos. É a “didatização do lúdico”, de acordo com a expressão criada por Wajskop, em 1990, em sua dissertação de mestrado.


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Há uma separação entre o aprender e o brincar, como se a brincadeira não fosse um momento em que também ocorresse troca de experiências e conhecimentos. Parece que a brincadeira foi posta em segundo plano e só é valorizada se existe um objetivo escolar estruturado embutido nela. A dimensão lúdica do brincar transformou-se em um meio ou instrumento utilizado pela professora para desenvolver habilidades e trabalhar com conteúdos dirigidos. A brincadeira não é vista como um direito da criança, não é concebida no sentido de proporcionar-lhe experiências diversas, tais como o imprevisto, a produção de conhecimentos da cultura infantil, a autonomia, o prazer e a felicidade. O Referencial proposto pelo MEC para a Educação Infantil caminhou no sentido contrário no que se refere à valorização e respeito à infância, uma vez que os direitos das crianças não foram contemplados plenamente; o que se percebe é uma antecipação do modelo de escola do Ensino Fundamental. É importante assinalarmos que a concepção de conteúdo escolar havia sido alterada pela reforma educacional promovida durante a década de 1990. Naquela época, postulava-se, para todos os níveis da Educação Básica, a diferenciação do conceito de conteúdo, que deveria abranger, além dos conceitos, procedimentos, atitudes, valores e normas. A ampliação da concepção de conteúdo dizia ter como meta responder às novas demandas da vida em sociedade, geradas em nosso tempo, somada ao reconhecimento de que aprender é um processo contínuo. As exigências do mercado de trabalho e outras questões conjunturais julgadas candentes no presente estariam impondo a necessidade de formar cidadãos autônomos e participativos. Portanto, caberia à escola potencializar as capacidades de ordem cognitiva, afetiva, física, ética, estética e social dos alunos. Este tipo de educação teria início já na primeira infância. Presenciamos, assim, o revigoramento do mito da escola redentora, pois se reforçava o proeminente papel que a educação desempenharia na construção de um mundo mais justo. Tratava-se de “incluir” os párias da sociedade. Com efeito, a responsabilidade de dirimir as conseqüências perversas da situação de pobreza de grande parte da população do Brasil está sendo paulatinamente transferida da órbita das políticas sociais para o indivíduo. A retração do papel do Estado traz novamente à tona o discurso sobre a “igualdade de oportunidades”, em época de hegemonia do ideário neoliberal, premiando os considerados aptos


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intelectualmente e capazes de exercer múltiplas funções, para que, no futuro, a empregabilidade seja condição de manutenção da própria sobrevivência. Neste universo, aprender os conteúdos tidos como básicos torna-se um componente central da política educacional. A Educação Infantil está imersa nesta lógica. Presenciamos, na prática, uma “preocupação” em fazer com que a criança domine, cada vez mais cedo, a leitura, a escrita e as operações mais simples de cálculo. Dessa forma, se a ampliação do Ensino Fundamental de oito para nove anos é positiva, como qualquer determinação que configure maior garantia de direitos à população, o perfil compensatório desta medida pode ser apreendido no exame dos documentos oficiais. É a carência cultural causada pela pobreza a responsável pelas dificuldades de aprendizagem das crianças pequenas, que carregam, ao longo da sua vida escolar, as “deficiências” acumuladas. A proposta pedagógica para a Educação Infantil e a incorporação da criança de seis anos no Ensino Fundamental é justificada como uma tentativa de superar um discurso que difundiu o assistencialismo separado da educação. Buscou-se - e ainda procura-se - a construção de uma identidade localizada em outro extremo, exaltando a excelência educativa pautada no modelo escolar, como se este fosse o melhor parâmetro de qualidade. A permanência de crianças de seis anos no Ensino Fundamental hoje é fato, ou seja, é uma política que se efetivou. Com efeito, em 2006, a redação da Lei 11.274 modificou o Artigo 32 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A partir de então, definiu-se que o aluno ingressaria nos estabelecimentos escolares que ministravam o Ensino Fundamental aos seis anos de idade, em caráter obrigatório. Alguns incisos do Artigo mencionado afirmam a necessidade de que os educandos desenvolvam, ao longo da segunda etapa da educação básica, a habilidade de aprender, considerando relevante o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo, além da percepção adequada do ambiente natural e social. O estudo do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores que regem a sociedade em que vivemos deveria fazer parte do currículo. Ademais, o fortalecimento da capacidade de aprendizagem possibilitaria a aquisição de novos conhecimentos e a formação de atitudes que reforçariam os laços de solidariedade humana.


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O Ministério da Educação (MEC), a Secretaria de Educação Básica (SEB), o Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental (DPE) e a Coordenação Geral do Ensino Fundamental (COEF), publicaram, em 2004, um documento intitulado “Ensino Fundamental de Nove Anos: orientações gerais”, dizendo ter como objetivo incentivar políticas que pudessem promover transformações estruturais

nas

instituições

escolares,

no

que

se

refere

ao

processo

de

ensino/aprendizagem, avaliação, currículo, conhecimento e desenvolvimento humano. Ao mesmo tempo, postulava-se a necessidade de que não houvesse uma ruptura entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental e, nesta direção, reforçava-se a importância das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil na revisão da proposta pedagógica do Ensino Fundamental, que passaria a atender as crianças de seis anos: [...] não se trata de transferir para as crianças de seis anos os conteúdos e atividades da tradicional primeira série, mas de conceber uma nova estrutura de organização dos conteúdos em um ensino fundamental de nove anos, considerando o perfil de seus alunos. O objetivo de um maior número de anos de ensino obrigatório é assegurar a todas as crianças um tempo mais longo de convívio escolar, maiores oportunidades de aprender e, com isso, uma aprendizagem mais ampla. É evidente que a maior aprendizagem não depende do tempo de permanência na escola, mas sim do emprego mais eficaz do tempo. No entanto, a associação de ambos deve contribuir significativamente para que os educandos aprendam mais. Seu ingresso no Ensino Fundamental obrigatório não pode constituirse em medida meramente administrativa. O cuidado na seqüência do processo de desenvolvimento e aprendizagem das crianças de seis anos de idade implica o conhecimento e a atenção às suas características etárias, sociais e psicológicas. As orientações pedagógicas, por sua vez, estarão atentas a essas características para que as crianças sejam respeitadas como sujeitos do aprendizado. (BRASIL, 2004, p.17-18)

É interessante notarmos que se no âmbito formal o primeiro ano passou a pertencer ao Ensino Fundamental, do ponto de vista da prática pedagógica ainda está inserido na Educação Infantil. Por isso, as Diretrizes continuam sendo guias para o planejamento dos conteúdos que deveriam ser trabalhados com as crianças de seis anos. Recomenda-se atenção às singularidades dos alunos desta faixa etária, a não antecipação do currículo da antiga primeira série, ao mesmo tempo em que se estimula a alfabetização precoce. O fato do educando estar imerso em um “ambiente alfabetizador” já na Educação Infantil, ou seja, de ter acesso a situações em que a leitura e a escrita


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possuem usos reais de expressão e comunicação, seria um elemento facilitador para um processo de transição “natural” entre a primeira e a segunda etapa da Educação Básica. No entanto: [...] possibilitar o acesso aos diversos usos da leitura e da escrita não é suficiente para que elas [as crianças] se alfabetizem. É necessário, além disso, um trabalho sistemático, centrado tanto nos aspectos funcionais e textuais, quanto no aprendizado dos aspectos gráficos da linguagem escrita e daqueles referentes ao sistema alfabético de representação. (BRASIL, 2004, p.21)

Em 2006, o MEC publicou um conjunto de documentos2 a respeito da Educação Infantil, em especial, o documento intitulado “Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças de zero a seis anos à Educação”, com o objetivo de apresentar diretrizes gerais para este nível educativo. Ao fazer um balanço da realidade, mencionou dados do IBGE, de 2003, sobre o atendimento das crianças em creche e pré-escola. Do total de crianças entre 0 a 6 anos de idade, 37%, freqüentam uma instituição de Educação Infantil ou de Ensino Fundamental. Considerando a população entre 0 a 3 anos, a porcentagem de atendimento é de 11,7% e entre 4 a 6 anos, 68,4%. O documento em pauta fez referência ao Plano Nacional de Educação, de 2001, que definiu a ampliação da oferta de vagas da seguinte maneira: em cinco anos, pretendia atingir uma meta de 30% para o atendimento em creche (crianças de 0 a 3 anos) e 60% para a pré-escola (crianças de 4 a 6 anos) e, até o final da década, chegar a 50% para a creche e 80% para a pré-escola. (MEC, 2006, p.6). Em relação às propostas para a área da Educação Infantil, o mesmo documento anunciou vários desafios que foram traçados no início da década de 1990 e ainda permanecem como um problema: ampliação do número de vagas, investimentos na formação dos profissionais, entre outras questões, tais como a divulgação de parâmetros de qualidade e de padrões mínimos de infra-estrutura para o atendimento das crianças pequenas. Em 2007, o Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental (DPE) publicou cinco documentos sobre currículo com os seguintes eixos norteadores: “Currículo e Desenvolvimento Humano”; “Educandos e Educadores: seus Direitos e o Currículo”; “Currículo, Conhecimento e Cultura”; “Diversidade e


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Currículo”; “Currículo e Avaliação”. Destacamos que na própria apresentação do material ressaltou-se a existência de pontos de vista diferenciados nos textos escritos por diversos autores, com o objetivo de promover um processo de reflexão nas instituições escolares sob a perspectiva da multiplicidade de posições teóricas. Este argumento, também utilizado em outras ocasiões na elaboração de guias curriculares, põe em xeque a insistência em avaliações padronizadas que têm como meta explicitar a “qualidade” do ensino ofertado no país. Certamente, como qualquer outra mercadoria, a “qualidade” da educação deveria ser medida para que os clientes (alunos e pais) pudessem escolher entre o que melhor lhes convier. Aos que não têm condições financeiras de instalar os seus filhos nas instituições privadas de ensino restam às escolas públicas, consideradas, geralmente, ineficientes. A discussão sobre a suposta “ineficiência” dos estabelecimentos públicos não alcança as dimensões mais amplas da política social, ficando restrita ao interior da escola. Desse modo, nunca se atinge as causas do problema e, convenientemente, atribui-se o problema da “marginalidade” à formação insuficiente dos alunos, alimentando o mito da escola redentora, isto é, da educação como fator decisivo para a inserção dos indivíduos. A atual apologia do “Estado-mínimo” e a própria desarticulação da noção de cidadania fazem com que a reflexão individual sobre os padrões de conduta tidos como ideais para a superação da “marginalidade” ocultem os direitos sociais, desmantelados, há algum tempo, em todas as dimensões da vida cotidiana. No nível da retórica, pregase o ensino de atitudes que busquem a aceitação e a tolerância em relação ao outro em um contexto marcado pela diversidade cultural. Não por acaso, a ética tornou-se um tema central no processo de ensino/aprendizagem, perpassando toda a Educação Básica. Aprimorar a personalidade do educando, na medida em que este seja participativo, exercite a sua autonomia e desenvolva responsabilidade pessoal, desde a Educação Infantil, teoricamente, poderia contribuir para a construção de um mundo mais justo. A questão é que as instituições escolares estão enraizadas na sociedade que as criam e não podem ser consideradas de forma autônoma. Como poderia ser diferente? Se, no sistema capitalista, os interesses econômicos e produtivos predominam e são a base de sua existência, haveria espaço para lúdico, o


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lazer, o artístico, a fantasia, a criatividade, o movimento, o sonho, o prazer, o ócio, enfim, para que o homem desfrute dessas dimensões da vida? Em relação a esse aspecto Ianni (1996) assinala que, desde o princípio, o desenvolvimento do capitalismo foi permeado por um processo de racionalização que atinge a política, a economia, a educação, as relações sociais, a cultura, etc., visando a produtividade, o cálculo, a eficácia e o lucro: Ocorre que a tecnificação das relações sociais, em todos os níveis, universaliza-se. Na mesma proporção em que se dá o desenvolvimento extensivo e intensivo do capitalismo no mundo, generaliza-se a racionalidade formal e real inerente ao modo de operação do mercado, da empresa, do aparelho estatal, do capital, da administração das coisas, de gentes e idéias, tudo isso codificado nos princípios do direito. Juntam-se aí o direito e a contabilidade, a lógica formal e a calculabilidade, a racionalidade e a produtividade, de tal maneira que em todos os grupos sociais e instituições, em todas as ações e relações sociais, tendem a predominar os fins e os valores constituídos no âmbito do mercado, da sociedade vista como um vasto e complexo espaço de trocas. Esse é o reino da racionalidade instrumental, em que também o indivíduo se revela adjetivo, subalterno. (p.21)

Segundo

Marcellino

(1997),

presenciamos

o

“furto

da

infância”,

independentemente da criança ser menino ou menina, branca ou negra, rica ou pobre, os pequenos estão cada vez mais cedo assumindo responsabilidades que são dos adultos. Este fato significa sua inserção precoce na sociedade capitalista, objetivando o trabalho produtivo. Esta realidade é o resultado da concepção de criança presente em nossa época. Tornam-se cada vez mais comuns as cobranças realizadas nas instituições escolares de que os educandos devem manter máxima concentração nas atividades propostas; a dispersão é percebida como um “problema” de déficit de atenção e, conseqüentemente, uma “doença” a ser tratada. Rosemberg (1976) e Ferreira (1988) mostram que, na nossa sociedade, o adulto exerce um papel ativo, de emissor de cultura e conhecimentos, enquanto que a criança exerce um papel passivo, ou seja, de receptor. Este tipo de relação está presente desde o seu nascimento, em razão da dependência biológica na qual se encontra. Nesse sentido, a sociedade é pensada e construída para o adulto e, conseqüentemente, centrada nele. A partir dessa assertiva, reduz-se o processo de desenvolvimento humano apenas à criança, como se o adulto também não estivesse constantemente se transformando e


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crescendo. Ademais, concebe-se o mundo, o conhecimento, como pronto e acabado, restando à criança apenas o seu descobrimento, como se ela não pudesse ser sujeito e criadora da história. Rosemberg (1976) esclarece: "na sociedade centrada-no-adulto a criança não é. Ela é um vir a ser. Sua individualidade mesmo deixa de existir. Ela é potencialidade e promessa" (p. 1467). A criança é concebida como uma promessa, já que é um ser novo e, por isso, há muitas expectativas e idealizações sobre ela. Por outro lado, não podemos nos esquecer que ela não é só isso; é, também, um ser diferente, que tem suas potencialidades e especificidades enquanto tal. De acordo com Rosemberg (1976), este "vir a ser", para alguns, é visto como um estágio de animalidade, próximo à natureza e que deve ser superado através da educação, da adaptação da criança à sociedade, no sentido de prepará-la para o futuro, de humanizá-la, pois, como dissemos anteriormente, seria necessário superar tais “deficiências” para a formação de um ser humano “completo”. Seria a passagem da animalidade para a humanidade. Para outros, a criança é percebida como uma promessa e como projeção de ideais que não foram atingidos pelos adultos. A esse respeito, Carvalho e Beraldo (1989) demonstram que conceber a criança como um vir a ser é um modo futurista de encarar a infância. Em contrapartida, registram a existência de um outro ideário que caracteriza a criança como um ser incompleto e inadequado. Trata-se de uma visão “adultocêntrica”, na qual só o adulto é capaz. Para as referidas autoras, "[...] tanto o mito da incompetência como o do futurismo levam a priorizar o adulto como guia e modelador desse processo [...]" (p.57). A preparação para o futuro é identificada por Guattari (1987) como cada vez mais cedo e precoce. O autor ainda afirma que a iniciação da criança no mundo adulto, ou seja, o cumprimento dos papéis e funções próprias do indivíduo nas sociedades primitivas eram assumidas mais tardiamente do que ocorre hoje. Nas sociedades industriais, não há mais um período preciso, ou faixas etárias, em que se resguarde a infância, principalmente das crianças provenientes de classes sociais desfavorecidas. A conseqüência dessa visão social acaba negando a especificidade da criança e preparando-a cada vez mais cedo para ser um indivíduo produtivo e consumidor na sociedade atual (GUATTARI, 1987). Enquanto muitas crianças das classes populares são levadas mais cedo ao mercado de trabalho devido a vários fatores, como nos diz


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Dauster (1992), as crianças ricas também acabam tendo seu tempo livre comprometido, pois, muitas vezes, são matriculadas em vários cursos extra-escolares para tornarem-se adultos “preparados”. Portanto, há uma “dupla alienação da infância” (MARCELLINO, 1997). A escola, ao incorporar essa visão, contribui para reforçar a alienação da infância. No momento em que a política educacional antecipa a escolarização e vê a criança como aluno, trabalha num sentido oposto ao da valorização e do respeito aos direitos infantis. Assim, preparar e inserir a criança o mais rápido possível no mundo adulto parece ser a função da Educação Infantil e o desejo das famílias, que acreditam ser a escola a responsável pelo sucesso da criança na fase adulta. É a partir desta referência que as expectativas das famílias sobre a escola são construídas.

Quanto ao ensino propriamente dito, o que mais se espera é que as crianças cheguem à 1ª. série alfabetizadas. Há, no entanto, uma parcela de pais que colocam seus filhos nas escolas para serem orientados, desde o maternal, rumo à faculdade – um caminho de direção única. Ao sucesso! (FREIRE, 1989, p. 89).

Verifica-se uma grande expectativa por parte da família de que a escola eduque para o mundo produtivo, para o saber fazer; nela se deposita a esperança de uma mobilidade social, em um processo que não favorece a reflexão sobre o que seria o verdadeiro ato de educar. A hegemonia do ideário da globalização neoliberal favorece esta demanda. O curso dos acontecimentos parece ter assumido uma direção única, como se o caminho da história fosse linear. Parece não haver alternativas de vida e ao homem restaria resignar-se frente ao “destino”. No entanto, sabemos que esta doutrina, apesar de insistentemente divulgada, não é verdadeira.

[...] Estamos vivendo um período onde a desigualdade se acentua e, dessa maneira, a educação é colocada como a única via para o indivíduo garantir uma colocação no mercado de trabalho e ter uma vida melhor. Como se isso fosse suficiente. Esquece-se que nessa sociedade não há lugar e oportunidade para todos (não há trabalho para todos!), vivemos numa sociedade seletiva e excludente, onde o esforço pessoal não é garantia suficiente. (GODOI, 2000, p. 127).


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Nessa nova realidade, o Ensino Fundamental de nove anos traz diversas implicações, desde a exigência de investimentos em aspectos físicos e materiais para atender a criança de seis anos no espaço escolar, até a destinação de recursos relacionados a políticas de formação de professores e demais necessidades de cunho pedagógico. Podemos dizer que mesmo com o avanço das políticas públicas para a pequena infância, verificamos que as propostas educativas criadas para este momento histórico revelam que o caráter compensatório se faz presente. Para finalizar, vale ressaltar que a Educação Infantil é complementar à educação da família e uma opção da mesma; um direito da criança e, portanto, não se constitui como um momento obrigatório e como um pré-requisito para o seu ingresso à escola. Reiteramos que o fato de a Educação Infantil fazer parte da Educação Básica não subentende que deverá antecipar o modelo escolar, isto é, “Educação infantil não é ensino infantil” (FARIA, 2005, p. 137). Nenhuma mudança em direção ao bem-estar social poderá ser feita com escassos recursos públicos. Acreditar que programas educativos financiados por organizações financeiras multilaterais podem promover o acesso a condições dignas de vida é, no mínimo, um ledo engano. Faz-se urgente pensar em soluções pertinentes aos problemas da realidade do nosso país, sem perder a dimensão da totalidade, e reivindicar uma outra forma de globalização em que impere a solidariedade.


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ARELARO, Lisete Regina Gomes. Não só de palavras se escreve a educação infantil, mas de lutas populares e do avanço científico. In: FARIA, Ana Lúcia Goulart; MELLO, Suely Amaral (orgs.) O mundo da escrita no universo da pequena infância. Campinas: Autores Associados. 2005, p. 23-50. ABRAMOVAY, Miriam; KRAMER, Sônia. “O rei está nu”: um debate sobre as funções da pré-escola. In: JOBIM E SOUZA, Solange; KRAMER, Sônia. Educação ou Tutela? A criança de 0 a 6 anos. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1991, p. 21-33. BARBOSA, Maria Carmem Silveira. Por amor & por força: rotinas na Educação infantil. 2000. 278f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. BARRETO, Ângela M.R.F. Educação Infantil no Brasil: desafios colocados. Cadernos Cedes. Campinas, n. 37, p. 7-22, 1995. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Da Educação. Imprensa Oficial do Estado S.A. IMESP, São Paulo, 1993. BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Secretaria de Educação Fundamental. Critérios para um atendimento em Creches que Respeite os Direitos Fundamentais das Crianças. Brasília: MEC/SEF/COEDI, 1995. BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Da Educação Infantil, Lei n. 9394, D.O U. de dez. de 1996. BRASIL. MEC/SEB/DPE/COEF. Ensino Fundamental de Nove Anos – Orientações Gerais. Brasília, julho de 2004. BRASIL, MINISTÉRIO DO BEM ESTAR SOCIAL. Centro Brasileiro para a infância e adolescência. Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990. BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças de zero a seis anos à educação. Brasília/DF: MEC/SEB. 2006. BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Secretaria de Educação Fundamental. Política Nacional de Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF/COEDI, 1994. BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil. Volumes, 1, 2, 3, 1998. CAMPOS, Maria Malta. A legislação, as políticas nacionais de educação infantil e a realidade: desencontros e desafios. In: MACHADO, Maria Lúcia de A. (org.). Encontros e Desencontros em Educação Infantil. São Paulo: Cortez, 2002, p.27-33. CARVALHO, Ana Maria A. e Beraldo, Katharina E. Interação criança-criança: ressurgimento de uma área de pesquisa e suas perspectivas. Cadernos de pesquisa. São Paulo, n. 71, p. 55- 61, 1989.


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Notas

(Política Nacional de Educação Infantil, 1994; Critérios para um Atendimento em Creches que Respeite os Direitos fundamentais das crianças, 1995; Por uma política de formação do profissional de Educação infantil, 1994, entre outros). 2

BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, Parâmetros Nacionais de qualidade para a Educação Infantil (vol.1 e 2) Brasília/DF: MEC/SEB. 2006. BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, Parâmetros Básicos de Infra-estrutura para Instituições de Educação Infantil, Brasília/DF: MEC/SEB. 2006. BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças de zero a seis anos à educação. Brasília/DF: MEC/SEB. 2006.


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