Texto traduzido e impresso com a autorizaçao do Zentralsterilisation-Central Service, Volumen 6, 1998, 159-165.
M. S. Favero
Status Atual da Tecnologia de Esterilização1
Diversos novos sistemas de esterilização a baixa temperatura têm sido usados cada vez mais para esterilizar dispositivos médicos. Esses sistemas são oxidantes no modo de ação, usam agentes esterilizantes em baixas concentrações, não deixam resíduos tóxicos, possuem tempo de processo curto e excelente compatibilidade com os materiais dos dispositivos médicos. O Sterrad 100 S será usado como um exemplo do processo de validação empregado nos Estados Unidos pelo Food and Drug Administration (FDA). Este processo é um tanto conservador ao aplicar condições múltiplas de pior caso para assegurar um alto grau de segurança. O aparecimento e o reaparecimento de doenças infectantes preocupam os agentes de saúde pública no mundo inteiro, e esse temor é devido aos agentes patogênicos responsáveis serem muito resistentes à esterilização e aos procedimentos de desinfecção, fazendo com que procedimentos novos ou modificados de desinfecção e esterilização sejam necessários. Isso não é verdade. Os procedimentos convencionais de desinfecção e esterilização são cautelosos e mais que adequados para processar os dispositivos médicos utilizados em pacientes, com essas novas doenças, ou para descontaminar as superfícies ambientes. As recomendações para a desinfecção e esterilização dos instrumentos expostos aos pacientes que apresentam a Doença de Creutzfeldt-Jacob (CJD) são excessiva e desnecessariamente cautelosas. As recomendações disponíveis nos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC - Centers for Disease Control and Prevention) fornecem procedimentos realísticos para o reprocessamento de instrumentos expostos aos pacientes com CJD.
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Historicamente, os dispositivos médicos projetados para serem reprocessados nos hospitais são esterilizados por calor - principalmente em autoclave a vapor. Há um número crescente de dispositivos e instrumentos médicos, que não podem ser esterilizados por calor e que devem ser esterilizados em sistemas a baixa temperatura, ou ser desinfectados por germicidas químicos líquidos. O gás de óxido de etileno e, em quantidade limitada, o formaldeído têm sido utilizados para a esterilização de dispositivos, como também o glutaraldeído, formaldeído e ácido peracético têm sido empregados nas desinfecções de alto nível. Nos últimos 8 anos, vários sistemas novos de esterilização a baixa temperatura têm sido muito utilizados para esterilizar os dispositivos médicos, incluindo: Vapor de Peróxido de Hidrogênio, Gás de Dióxido de Cloro, Gás Ozônio, Ácido Peracético Líquido, Produto Químico/Plasma e Peróxido de Hidrogênio/Plasma. Esses sistemas tendem a ser oxidantes no modo de ação, utilizam concentrações relativamente baixas de agente esterilizante, não deixam resíduos tóxicos, apresentam uma excelente compatibilidade com os materiais dos dispositivos médicos e possuem um tempo de processo curto. A eficácia de todos os sistemas de esterilização a baixa temperatura, incluindo o óxido de etileno, pode ser reduzida pela carga orgânica e salgada, bem como pela carga microbiana nos dispositivos médicos. Consequentemente, a limpeza acaba fazendo parte de todos os processos de esterilização. Os dispositivos devem ser limpos antes da esterilização.
2. Palavras-chave: Esterilização a baixa temperatura, plasma de peróxido de hidrogênio, surgimento de doenças infectantes, priônios, Doença de Creutzfeldt-Jacob
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Práticas e Tendências na Ciência da Esterilização
Critérios do FDA para os Esterilizadores
Os fabricantes dos sistemas de esterilização a baixa temperatura são muito cautelosos ao projetar os ciclos de
Este texto é baseado em uma palestra dada por ocasião do Encontro da “International Hospital Hygiene Association" (IHHA), em 18/04/1997, em Hamburgo.
Dr. Martin S. Favero, Advanced Sterilization Products, Johnson and Johnson Medical Inc., 33 Technology Drive, Irvine, CA 92618-9824, USA.
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esterilização, o que inclui: a consideração de que a carga microbiana em um 6 dispositivo seja de 10 , consistindo em esporos bacterianos mais resistentes ao processo; a colocação de esporos, nos testes em desafio, em locais menos acessíveis do dispositivo; a utilização de esporos em suspensão e secos em "sujeira", tais como soro e/ou sais; a aplicação de condições de uso simulado e a documentação de 6 logs de exterminação em um meio ciclo; a documentação de que um ciclo produz 6 logs de -6 exterminação, com uma probabilidade de 10 de que 1 esporo sobreviva.
O Sterrad 100 S tem a capacidade de operar dois ciclos diferentes. O tempo do ciclo padrão é de aproximadamente 55 minutos. Um segundo ciclo pode ser usado para esterilizar endoscópios flexíveis de fibra ótica e opera, aproximadamente, em 72 minutos. A eficácia do processo foi estabelecida ao demonstrar o nível de -6 garantia de esterilidade (SAL) de, no mínimo, 10 com esporos de Bacillus stearothermophilus. O sistema também passou no “AOAC Sporicidal Test”, conforme definido em “Official Methods of Analysis of the Association of Official Analytical Chemists” e demonstrou ter capacidade de esterilizar, definitivamente, os dispositivos médicos que contêm áreas de difusão restritas, tais como os lúmens e superfícies unidas.
Na realidade, a maioria dos dispositivos médicos possui uma carga 3 microbiana menor que 10 ; 8 os endoscópios GI têm uma carga microbiana de 10 9 a 10 ; a limpeza reduz a carga microbiana em 3 a 5 logs; a carga microbiana é composta por bactérias vegetativas, vírus e fungos; os esporos, se existirem, compõem menos de 1% da carga.
Um extensivo programa de teste foi realizado, com mais de 100 fabricantes de dispositivos médicos, para estabelecer a compatibilidade do material dos dispositivos com o processo do Sterrad. Para o esterilizador original Sterrad 100, mais de 300 dispositivos médicos reesterilizáveis foram testados e mais de 95% desses dispositivos demonstraram ser compatíveis. Menos de 5% dos dispositivos testados demonstraram ser incompatíveis e há somente uma pequena lista de materiais, tais como alguns sulfitos e nylons (poliamidas) que não são compatíveis. As avaliações de 46 companhias, documentando a compatibilidade dos dispositivos médicos com o sistema de esterilização Sterrad, encontram-se disponíveis aos usuários e essa lista é constantemente atualizada e ampliada.
A natureza cautelosa dos ciclos de esterilização, em combinação com a limpeza dos dispositivos, garante a segurança ao paciente e está em conformidade com as diretrizes do Food and Drug Administration (FDA), bem como com as dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).
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Esterilização por Plasma de Peróxido de Hidrogênio
O esterilizador Sterrad 100 S será usado como um exemplo para ilustrar o processo de validação. Este esterilizador de plasma de peróxido de hidrogênio foi desenvolvido pela Advanced Sterilization Products (ASP), uma companhia Johnson & Johnson Co., Irvine, E.U.A. Este esterilizador utiliza uma combinação de plasma de gás e vapor de peróxido de hidrogênio a baixa temperatura para esterilizar rapidamente a maioria dos instrumentos e materiais médicos sem deixar resíduos tóxicos. A tecnologia pode ser usada para esterilizar uma grande variedade de dispositivos médicos, atualmente esterilizados por vapor, óxido de etileno ou formaldeído, e é particularmente adequada para a esterilização de instrumentos sensíveis ao calor e umidade, desde que a temperatura da carga não exceda aos 50 °C e a esterilização ocorra em um ambiente com baixa umidade.
Aparecimento de Doenças Infectantes e Priônios
As doenças infectantes são a principal causa de morte no mundo inteiro. Em 1992, o Instituto de Medicina fez uma advertência, declarando que os Estados Unidos, bem como muitos outros países, tinham se tornado, injustificavelmente, complacentes com as estratégias da saúde pública para controle de doenças infectantes. Diversos fatores sociais, geográficos, ecológicos e ambientais permitiram o reaparecimento e a propagação de novos como também de antigos agentes infectantes. HIV/AIDS, doença dos Legionários, síndrome do choque tóxico, hepatite C, D, E, F e G, doença de hantavírus, tuberculose, cólera, coqueluche, criptosporidiose e a peste pneumônica estão entre os agentes e doenças que causaram milhões de casos e mortes no mundo inteiro. As doenças infectantes, tais como a tuberculose, cólera, AIDS, diarréia hemorrágica e insuficiência renal causadas pelo E. coli 0157:H7 -, peste bubônica e peste
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pneumônica, dengue, malária e o reaparecimento do vírus a febre do Vale Rift causaram milhões de casos de doenças.
dispositivos médicos, reconhecidos por serem usados em pacientes com diagnósticos de CJD, são extraordinariamente cautelosas.
O uso excessivo de antibióticos resultou em bactérias M.tuberculosis, estafilococos, enterococos, pneumococos e gonococos resistentes a vários medicamentos. Técnicos laboratoriais foram desafiados a aplicar a mais nova tecnologia desenvolvida para rapidamente detectar e caracterizar os novos agentes e, em vários casos, foram muito bem-sucedidos. As novas vacinas para patogênicos, tais como a hepatite A e B, podem, eventualmente, controlar essas doenças. Entretanto, existem sérias deficiências na infra-estrutura da saúde pública nos Estados Unidos, bem como na maioria dos outros países, para detectar e controlar adequadamente muitas dessas doenças. Consequentemente, comprometimento e planos estratégicos dedicados são necessários para acompanhar as mudanças sociais, geográficas e ambientais que propiciam o aparecimento e a propagação de novos agentes infectantes.
Como exemplos temos: os ciclos-padrão de autoclave (121 °C por 15 minutos) são prorrogados para 1 a 2 horas; na França, a recomendação é de 134 °C por 18 minutos; na Holanda, é de 134 °C por 3 minutos durante 6 ciclos consecutivos. Outras recomendações incluem a exposição ao hidróxido de sódio 1N, que é corrosivo, por 30 a 60 minutos, ou a exposição ao hipocloreto de sódio a 2,5 5% (alvejante) por 30 a 60 minutos. Muitas dessas recomendações são destinadas a qualquer dispositivo usado em pacientes com suspeita de CJD, enquanto que outros são destinados a qualquer dispositivo que seja exposto ao sistema nervoso central ou ao cérebro de qualquer paciente.
Associado ao aparecimento de novas doenças infectantes está o temor de que os agentes patogênicos responsáveis sejam muito resistentes aos procedimentos de esterilização e desinfecção e, que para isso, sejam necessários procedimentos de esterilização ou desinfecção novos ou modificados. Isso não é verdade. Os procedimentos convencionais de desinfecção e esterilização são cautelosos ao considerar a presença de organismos resistentes, como os endosporos bacterianos e as microbactérias, e são mais que adequados para processar os dispositivos médicos usados em pacientes com essas novas doenças, ou para descontaminar superfícies ambientes. Recente é a preocupação com os priônios. A incidência da doença de Creutzfeldt-Jacob (CJD) nos Estado Unidos, e na maior parte do mundo, não alterou-se. Entretanto, em parte devido aos recentes registros de encefalopatia bovina (doença da vaca louca) na Inglaterra, o assunto tem sido discutido com mais freqüência. O CDC não tem nenhuma recomendação oficial para o processamento de instrumentos usados em pacientes com CJD. As recomendações usadas nos Estados Unidos são originárias da comunidade de pesquisa de priônios, que durante anos tem realizado experimentos, indicando que os priônos, incluindo o agente do CJD, são resistentes ao calor e a vários germicidas químicos. Devido à inerente resistência do agente aos métodos físicos e químicos de inativação e devido ao resultado invariavelmente fatal da CJD, a maioria das recomendações para processar os
Além disso, os fabricantes de alguns tipos de dispositivos médicos recomendam que esses dispositivos sejam descontaminados através da exposição ao hidróxido de sódio ou ao alvejante doméstico, autoclavados e, então, descartados. Dois fabricantes de endoscópios flexíveis de fibra ótica recomendam que, se os dispositivos forem usados em pacientes com diagnóstico ou suspeita de CJD, tais dispositivos devem ser descontaminados pela imersão em alvejante, autoclavados por períodos de tempo prolongados e incinerados ou devolvidos para o fabricante para a disposição. Esse grau de cautela não é garantido pela e nem baseado na epidemiologia da CJD. Os princípios de transmissão da infecção por dispositivos médicos ou fomitos são desconhecidos e considera-se que todas as situações incluem os cenários de pior caso. De fato, os tecidos têm seu grau de infectividade variado, dependendo do teor do priônio. Com base na epidemiologia dos episódios iatrogênicos e nosocomiais da CJD, fica claro que somente as exposições, no caso de serviços de atendimento aos pacientes, que resultaram em infecções, são exemplos que envolvem os dispositivos que não podem ser limpos, tais como eletrodos de profundidade e que são contaminados com tecidos de alto risco do sistema nervoso central (SNC), ou no caso de transplantes, exposições devido ao contato direto e íntimo com a CJD carregada pelo tecido do SNC. Quando um dispositivo é contaminado com tecidos ou fluidos corpóreos, que não são de alto risco, e o dispositivo pode ser limpo, a probabilidade de transmissão de infecção torna-se tão baixa que não poderia ser medida (1). Atualmente existe um draft de uma diretriz que está sendo analisada pela equipe do CDC (2). A diretriz contém recomendações para a descontaminação, desinfecção e
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esterilização dos dispositivos reutilizáveis potencialmente contaminados com o agente da CJD. As diretrizes estão em forma de draft e ainda não foram publicadas pelo CDC. O draft contém as seguintes recomendações: 1. Dispositivos contaminados com tecidos de alto risco: A. Os dispositivos, cuja limpeza é impossível ou difícil de ser realizada, devem ser descartados ou autoclavados a 132 - 134 °C por 18 minutos, em um esterilizador de pré-vácuo ou a 121 °C, por 1 hora, em um esterilizador com deslocamento de gravidade, ou mergulhado em hidróxido de sódio 1N por uma hora. B. Os dispositivos, cuja construção seja tal que os procedimentos de limpeza resultem na remoção eficaz de tecidos, podem ser limpos e, então, esterilizados ou desinfectados através dos protocolos convencionais: autoclave a vapor durante o tempo convencional, outros sistemas de esterilização ou desinfecção de alto nível. Os protocolos não precisam ser alterados. 2. Os dispositivos contaminados com tecidos de médio ou baixo risco: Esses dispositivos podem ser limpos e desinfectados ou esterilizados, usando os protocolos convencionais de esterilização por calor ou química ou a desinfecção de alto nível. 3. Superfícies ambientes: Os pisos, paredes, superfície de balcões ou outras superfícies da divisão médica, sala de autópsia e laboratórios, que são contaminados com tecidos de pacientes com CJD, devem ser limpos com um detergente adequado e do modo convencional. Uma diluição de 1/10 de alvejante doméstico (hipocloreto de sódio a cerca de 2,5%) pode ser utilizada para descontaminar, imediatamente, os resíduos visíveis de tecidos antes da limpeza.
Referências 1.
Geertsma RE, van Asten JA: Sterilisation of prions. Central sterilisation 1995 3: 385-394.
2.
Sehulster LM, Favero MF, Bond WW: Prions and reprocessing: are we doing too much? Proceedings of the AAMI/FDA Conference on Reprocessing Medical Devices: Designing, Testing, and Labeling. Dallas, Texas. November 5-7, 1997.
Os cientista de esterilização, higienistas e epidemiologistas hospitalares, bem como pesquisadores de priônio devem unir seus conhecimentos e desenvolver métodos realísticos para a desinfecção e esterilização de instrumentos médicos, utilizados em pacientes com suspeita de CJD. Eles também devem identificar pesquisas adicionais e necessárias para o desenvolvimento de técnicas de inativação dos priônios.
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