584
Jornal do Colégio JORNAL DO COLÉGIO ETAPA – 2015 • DE 02/02 A 19/02
ESPECIAL ENEM
Virtudes e limites do Enem Desde que o Enem – Exame Nacional do Ensino Médio – foi idealizado em 1998 para avaliar o aluno que está completando a educação básica, muitas alterações foram feitas. Hoje, como o maior exame do país, apresenta aspectos muito interessantes, mas também problemas importantes. Vale a pena olharmos com atenção para as virtudes e limites do Enem.
ESPECIAL ENEM
Virtudes e limites do Enem CONTO As festas de Reis de minha prima – Raul Pompeia
JC_584.indd 1
POIS É, POESIA
1
Luís Vaz de Camões
4
ARTIGO As transformações da condição feminina depois da Segunda Guerra Mundial (1a parte)
ENTRE PARÊNTESIS
5
A música dos números
7
ARTES
6
Uma noite de teatro e música
8
29/01/2015 10:44:25
ESPECIAL ENEM O Enem para vestibulandos e escolas
Além de avaliar o estudante, o Enem passou a ser incorporado às notas de alguns vestibulares. USP, Unicamp e Unesp foram pioneiras na aceitação dos pontos do Enem como parte da média geral em seus sistemas de seleção. Quando o Enem ganhou mais corpo, em 2009, ele próprio tornou-se um grande vestibular, com milhões de examinados. Para muitas universidades do país o Enem passou a representar um melhor sistema de avaliação. Além disso, o Enem tornou acessíveis para os estudantes algumas ótimas universidades públicas de outros estados sem necessidade de fazer provas longe de sua casa. Outro uso das notas foi dar às escolas o desempenho médio de seus alunos, viabilizando um excelente diagnóstico para cada uma. Entretanto, exatamente nesse ponto um processo de distorções começou a se implantar.
O Enem para ranking na imprensa As médias das escolas passaram a ser apresentadas também à imprensa, tornando o Enem um marcador público do desempenho das escolas através dos rankings publicados. O maior problema foram os estratagemas de algumas escolas que desfiguravam o ranking. Por exemplo, nas primeiras edições do Enem, certas escolas deixavam de fora grande parte dos alunos e apenas uns poucos iam aos exames. A distorção era óbvia e o MEC passou a mostrar publicamente as médias das escolas apenas quando tivessem mais da metade dos alunos examinados – dando uma solução razoável para o problema. Mas surgiram outras formas de remanejar os dados do Enem. Foi esse o procedimento usado por alguns sistemas de ensino com unidades em posições desvantajosas no ranking. Para encobrir essa fraqueza eles destacaram alunos de alta performance e formaram, com eles, uma pequena
JC_584.indd 2
unidade (às vezes apenas uma sala dentro da unidade maior). A média dessa unidade “especial” ficava alta e permitia ao sistema exibir-se no topo do ranking, quando na verdade a totalidade de suas unidades estava centenas e até milhares de posições abaixo na classificação. Com os olhos ofuscados pelo brilho da unidade “especial”, alguns pais acabavam por colocar seus filhos em alguma das outras unidades cuja baixa performance desconheciam por – obviamente – não ser indicada na publicidade (veja adiante um exemplo real). Devido à força desse artifício, ele tem sido replicado, tanto no interior de São Paulo quanto em outros estados, por vários grupos educacionais desejosos de desviar a atenção de resultados pouco interessantes de suas escolas. Desconfortável com a distorção crescente do ranking do Enem, o MEC procurou formas de combater tal expediente. Este ano, atacando a manobra, resolveu tornar a média das escolas mais comparável, fornecendo ao lado da nota geral também a média dos 30 melhores alunos de cada uma. Francisco Soares, presidente do Inep – instituto responsável pela aplicação e avaliação do Enem – destacou que a apresentação dessas médias “viabiliza a comparação de escolas de diferentes tamanhos”. Assim o MEC criou, virtualmente, unidades especiais com os melhores alunos de cada escola, oferecendo aos pais a oportunidade de fazerem comparações sob a mesma escala. bibiphoto/Shutterstock
2
29/01/2015 10:44:31
ESPECIAL ENEM Infelizmente, apesar da atitude louvável do MEC, nem todos os jornais deram o devido destaque ao novo critério e a confusão continuou instalada sob patrocínio de anúncios estrepitosos. O conhecimento dos novos dados oficiais certamente irá, mais e mais, desvendar a situação real dos que ocultam seus fracos desempenhos.
Informações complementares
3
Código MEC da escola
Unidades na cidade de SP
Média geral
Classificação nacional
35399197
Unidade Paulista/ integrado
741,94
1o lugar
35132214
Unidade Paz
620,61
527o lugar
35103433
Unidade Paulista
618,27
569o lugar
35140351
Unidade Pompeia
602,91
946o lugar
35133450
Unidade Pinheiros
602,50
963o lugar
35130254
Unidade Luís Goes
600,88
1 016o lugar
35120339
Unidade Vergueiro
599,73
1 057o lugar
Eis alguns dados do último Enem 35143200 Unidade Cantareira 598,12 1 111o lugar que ilustram o que se explicou anteriormente. 35133395 Unidade Tatuapé 588,87 1 452o lugar Os dados ao lado – que podem 35140363 Unidade Morumbi 584,41 1 657o lugar ser conferidos no site do MEC – mostram a limitação do grupo edu35456731 Unidade Ipiranga 577,36 1 977o lugar cacional em 10 das 11 unidades na cidade de São Paulo. Em seus Obs.: pelo novo critério do MEC, mesmo a unidade que está em 1o lugar, quando comparados seus 30 primeiros alunos aos primeiros 30 alunos de todas as escolas do país, fica superada por anúncios esse grupo traz livremen- várias escolas, perdendo o 1o lugar e ficando na 15o posição. te o nome de outras escolas para comparação sem, entretanto, exibir aos leitores nome Humanas) e em 2o lugar nas duas outras provas e classificação de suas próprias 10 outras unidades (segundas maiores médias do estado em Linguagem paulistanas. A publicidade desse grupo educacional faz e Ciências Naturais). questão de indicar o sistema de ensino utilizado pela O Etapa de Valinhos obteve pelo quarto ano o unidade que está no apregoadíssimo 1 lugar. Como se consecutivo a maior média geral de todas as 20 sabe, é o mesmo que usam as suas outras 10 unidades cidades da Região Metropolitana de Campinas*, com da capital – cujas posições na classificação do Enem 148 examinados. ficam entre o 527o lugar e o 1 977o lugar! E também com a média de seus primeiros 30 classificados, o Colégio Etapa de Valinhos é primeiro No topo pela média geral e no topo lugar entre as 20 cidades da Região Metropolitana de pela média dos 30 primeiros alunos Campinas. Na classificação nacional, no critério anterior de Vê-se então que notas altas no Enem podem ter vamédia com todos seus 526 alunos examinados, o lor quando apresentadas de forma consistente. Valor Colégio Etapa é a maior de todas as escolas das TOP como o exibido pelo Colégio Etapa, cujos destaques de 100 do Brasil (dentre 14 715 escolas). Isto é, uma média ocorrem tanto na sede da capital de São Paulo escola com altíssima qualidade para mais de 500 quanto na sede de Valinhos. Um valor que também se alunos. demonstra com o novo critério do MEC, entre os primeiCom o novo critério do MEC – das médias ros 30 alunos do Etapa São Paulo e do Etapa Valinhos. comparadas com os 30 primeiros de cada escola –, o Colégio Etapa de São Paulo ficou com o 3o lugar (*) A Região Metropolitana de Campinas reúne 20 cidades: Valinhos, Campinas, Vinhedo, Artur Nogueira, Cosmópolis, Engenheiro Coelho, nacional. Neste critério, no estado de São Paulo ficou Hortolândia, Indaiatuba, Itatiba, Jaguariúna, Monte Mor, Nova Odessa, o em 1 lugar em duas das provas do Enem (maiores Paulínia, Pedreira, Santa Bárbara d’Oeste, Santo Antônio de Posse, Americana, Sumaré, Morungaba e Holambra. médias do estado em Matemática e em Ciências
Jornal do Colégio
JC_584.indd 3
Jornal do Colégio ETAPA, editado por Etapa Ensino e Cultura REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343
29/01/2015 10:44:35
4
CONTO
As festas de Reis de minha prima Raul Pompeia onheci muito o Dr. Sinfrônio. Nunca lhe achei cara de poeta... Pois ele o fora! Uma única vez na vida, às escondidas, como se tivesse vergonha... Mas fora... Vim a sabê-lo, alguns anos depois da sua morte. Não quero dizer que este póstumo achado lhe valha a glória. Poeta, é modo de escrever. São umas linhas execráveis, sem metrificação nem graça, em que bela rima à toa com janela ou com singela, como no ”Era no outono...” de Bulhão Pato. São versos de paixão, espécie de carta de namoro a linhas curtas, começadas em letra maiúscula. Mostrou-nos o filho, um velho amigo de colégio que me ficou da infância. Mostrou-nos, fazendo considerações a propósito de certas ingenuidades que todos têm e certas fraquezas em que todos caem. Aquele homem prático, prosaico, impregnado de negócios de foro e alguma política rasteira, empírica demais, sem horizontes largos, aquele burguês redondo tivera um dia de pieguice aguda na sua vida! Lá estava o corpo de delito, descoberto em meio de um aluvião de rascunhos de correspondências, contas, recibos, papelórios forenses, traças e poeira. Era uma página da mocidade incontestavelmente. O papel estava cor de palha e a letra extinta. Mas sentia-se ainda, naquele fragmento de papel, a frescura juvenil de uma alma ardente, embora um tanto avessa à música das liras1. Nada me entristece mais do que um verso apaixonado, e errado. Parece-me a pomba do sentimento, rolando no chão de asas e pés quebrados... Pés quebrados! Ora, imaginem que pena – Cupido cambaio e trôpego! Quando um homem furta-se aos afazeres positivos da vida e arroja-se ao cometimento de uma estrofe, certo de que não tem veia nem teve apurada educação literária, contando apenas com um raio celestial de inspiração, guiando-se apenas pela bamba norma fundamental da letra grande, por princípio, linha curta, por base e rima alternada, por fim: quando um mortal faz isto, é que tem todas as vísceras escalavradas de paixão! O amor roeu-lhe já o coração fibra a fibra e começa a morder-lhe as células do cérebro. É um heroísmo que se enternece. Respeito essas desventuras literárias, quando as descubro, principalmente percebendo que elas queriam ficar sempre escondidas na obscuridade tímida das fraquezas humanas. No momento em que o meu velho amigo mostrou-me o pecado literário do pai, não foi preciso esforço para eu conservar-me sério.
C
***
Quando te vejo, ó gentil imagem... Começava assim a poesia e prolongava-se pelo papel abaixo, exaltando os dotes da minha prima Isaura. Isaura contava nesse tempo quatorze ou quinze anos e não era absolutamente feia, conquanto já tivesse, em meio da cara, o mesmo pedaço de nariz que hoje distingue a maturidade dos seus trinta e oito. Menos crescido, talvez. A Prima Isaura sempre foi namoradeira e nunca achou casamento. Não sei se os namorados espantavam os casamentos, ou se a falta de casamento excitava os namoros. Nunca achou casamento, eis o fato. O único marido que lhe andou ao alcance da mão foi o Dr. Sinfrônio.
JC_584.indd 4
Sinfrônio teve a fantasia de se apaixonar pela Isaura. Esta, porém, que estreava nos esplendores da puberdade, entendeu que toda a vida os Sinfrônio haviam de ameigar para ela a pupila e desprezou o primeiro, à espera de outro mais bonito, se não menos esbodegado. Sinfrônio era feio e pobre. Acabava de formar-se em Direito e queria fazer família, para entrar regularmente na vida prática. Abstraindo-se-lhe o nariz, a Isaura não era detestável. Sinfrônio deitou namoro. De repente, com grande surpresa sua, reconheceu que estava caído perdidamente pela menina... Sempre nariz à parte, suponho. Nesse período, cometeu, fora de si, algumas poesias (entre outras a que eu vira) que, durante as reuniões da família de minha prima, cuja casa ele frequentava, conseguiu fazer chegar-lhe às mãos. Isaura deu corda, a princípio. Pouco depois abandonou o pobre Sinfrônio por um pelintra que fingia fazer caso dela. A ingratidão da menina exasperou o Dr. Sinfrônio, que, a modo de desfeita à gentil imagem dos seus malogrados arroubos poéticos, tratou de casar-se logo com outra; e fê-lo sem dificuldade. Muito arrependeu-se Isaura, tempos depois, do desdém com que tratara o Dr. Sinfrônio. Os Sinfrônio não se repetiam. E, por maior desdita, foi o nariz avultando com a idade e descrevendo uma órbita insensível em direção ao queixo, que saiu-lhe amavelmente ao encontro... Ainda hoje cresce o nariz; cresce, e Isaura não desanima. A esperança foi sempre a sua força.
***
Lá vai uma história que prova evidentemente que a Prima Isaura não desanima. A nossa família reúne-se toda para os dias de Natal, Ano Bom e Reis. Há sempre uma festa em nossa casa, por ocasião dos três grandes dias. Uma festa que dura semanas... A Prima Isaura não falta nunca; vem com a mãe, os cunhados, a melhor gente deste mundo, folgazões, despretensiosos e amigos de agradar a todos. No dia de Reis do ano passado, a prima obsequiou-me com um trabalho da sua agulha, uma coisinha chique. Já não me lembro bem o que era... Desde essa época observo que não sou indiferente à minha estimável Isaura. Não havia, entretanto, documentos comprobatórios, salvo uns olhares que notei, sorrisos que apanhei no ar, atenções que me cativaram – pura cortesia, em última análise, temperada naturalmente por um afeto vulgar entre primos... Mas, como qualquer afeto, por mais vulgar que seja, toma caráter grave, quando se trata da Prima Isaura, eu esperava tudo...
***
Dois dias antes do 6 de janeiro deste ano, a minha amável Isaura, enfeitada com pés de galinha dos seus trinta e oito e um ligeiro sorriso enrugado nos lábios, acercou-se de mim, meio acanhada... Tomou-me entre os dedos os berloques do relógio, com uma graça infantil e meiga... – “Temos coisa” – pensei. – Edmundo – disse ela –, quando me dá as festas... deste ano?...
29/01/2015 10:44:35
CONTO – E você, prima?... – perguntei igualmente. É o que ela queria. – Depois de amanhã bem cedo, você há de achá-las... no seu quarto... há de gostar, afianço... E não seja ingrato!... Dado o recado, Isaura deixou os berloques e afastou-se, confusa como uma noiva, levando diante de si, como um belo fruto maduro e longo, o magnífico nariz, ruborizado de velhos pudores virginais. Alea jacta! No dia de Reis, ao levantar-me, de manhã, observei, através da meia-treva do quarto fechado, que, sobre a minha mesa, havia alguma coisa. Eram flores elegantemente apertadas em buquê e uma carta, um pequeno envelope fechado. Flores! Carta! Bravíssimo, senhora minha prima! – Ah! Meus pressentimentos negros! – suspirei. E, suspirando, abri a janela. A luz alegre da manhã caiu sobre as flores, palpitantes de frescura, rociadas de brilhantes gotas d’água. Que esplêndida coroa de cravos rubros e que formosa camélia branca ao centro! Admirei de uma só vez as flores e o bom gosto da minha Isaura. Que mimo! E a carta!... E o envelope! Uma joia de papelaria! Pombos em cromo, entretecidos com malmequeres e rosas... Tive pena de rasgar aquilo. Uma letra bonita desenhara em sobrescrito – Primo Edmundo. Eram as festas efetivamente da Isaura; quase posso dizê-lo já – da minha namorada Isaura! Quando abri o envelope, foi como se quebrasse um frasco de perfume... A carta era uma poesia! Com certeza a intensa nuvem de aromas que me povoava o quarto vinha das flores daquelas estrofes! Versos de amor! Santo Deus! Acordo em dia de Reis, entre os braços parnasianos de Safo2!
5
De repente, estremeci... Era possível?!... Mas eu conhecia aqueles versos!... Li-os outra vez: Quando te vejo, ó gentil imagem... Ora, ora! Eram os versos, os cambaios versos do Dr. Sinfrônio, impingidos em segunda edição, e assinados sobre aquele delicioso papel de cetim pelo doce nome de Isaura! Tu, só tu, puro, amor!... Uma vez um pobre apaixonado armara umas palavras desconcertadas parecendo, de longe, versos... Vinte e tantos anos mais tarde, uma apaixonada, amorosa até o crime, plagia ousadamente a coisa e a impinge como sua, masculinizando-lhe devidamente o sentido!...
***
Notável coincidência fora aquela de ter visitado, dias antes, o filho do falecido Sinfrônio!... que eu tanto conhecera, sem nunca descobrir-lhe vestígios do fogo sagrado que um dia lhe acendera no cérebro a paixão violenta e que o levara a urdir trabalhosamente a epopeia dos encantos de Isaura, para muitos anos depois, esta respeitável senhora, mutatis mutandis, converter em mavioso hino de amor (por este seu criado!) e festas de Reis, acompanhando o hino de uma coroa de cravos rubros com uma camélia branca ao centro!... Triste destino dos poetas! Malvadas tentações de Cupido! Incansável Isaura! Extraído de: Contos.
VOCABULÁRIO (1) Na Grécia Antiga as poesias eram declamadas ao som da lira. A expressão designa, por extensão, a própria poesia. (2) Poetisa grega (séc. VII e VI a.C.).
POIS É, POESIA
Luís Vaz de Camões Já é tempo, já, que minha confiança
G
Se desça de uma falsa opinião; Mas Amor não se rege por razão; Não posso perder, logo, a esperança.
rão tempo há já que soube da Ventura A vida que me tinha destinada, Que a longa experiência da passada Me dava claro indício da futura.
A vida sim; que uma áspera mudança Não deixa viver tanto um coração, E eu só na morte tenho a salvação; Sim; mas quem a deseja não a alcança.
Amor fero, cruel, Fortuna escura, Bem tendes vossa força exp’rimentada; Assolai, destruí, não fique nada! Vingai-vos desta vida, que inda dura!
Forçado é logo que eu espere e viva. Ah! dura lei de Amor, que não consente ~ a alma que é cativa! Quietação nu
Soube Amor da Ventura, que a não tinha, E, porque mais sentisse a falta dela, De imagens impossíveis me mantinha.
Se hei-de viver, enfim, forçadamente, Pera que quero a glória fugitiva De uma esperança vã que me atormente? ***
Mas vós, Senhora, pois que minha estrela Não foi melhor, vivei nesta alma minha, Que não tem a Fortuna poder nela. ***
S e as penas com que Amor tão mal me [trata Permitirem que eu tanto viva delas, Que veja escuro o lume das estrelas, Em cuja vista o meu se acende e mata; E se o tempo, que tudo desbarata, Secar as frescas rosas, sem colhê-las, Deixando a linda cor das tranças belas Mudada de ouro fino em fina prata; Também, Senhora, então vereis mudado O pensamento e a aspereza vossa, Quando não sirva já sua mudança. Ver-vos-eis suspirar por o passado, Em tempo quando executar-se possa No vosso arrepender minha vingança.
Extraído de: “Sonetos”, Obras completas, Lello & Irmão Editores, Porto.
JC_584.indd 5
29/01/2015 10:44:35
6
ARTIGO
As transformações da condição feminina depois da Segunda Guerra Mundial (1a parte) Rogério F. da Silva
A dupla revolução e a emancipação feminina
Reprodução
Entre as importantes mudanças ocorridas no decorrer do século XX, destaca-se, sem dúvida, a transformação dos papéis femininos, sobretudo no mundo ocidental. Trata-se de um processo lento, porém contínuo, a que se convencionou chamar de emancipação feminina, expressão que adquire pleno significado se levarmos em consideração a posição cultural, social, econômica e política das mulheres no período anterior ao referido processo. Se tivéssemos de localizar na história o ponto de partida desses desenvolvimentos, este seria situado a partir de meados do século XVIII. A dupla revolução (a Revolução Francesa e a Revolução Industrial), conforme já assinalou o historiador britânico Eric Hobsbawm*, teve papel decisivo na transformação dos papéis femininos: a primeira, por estabelecer o princípio da igualdade jurídica entre todos os cidadãos, inclusive mulheres; a segunda, por inseri-las na produção manufatureira, até então exercida quase exclusivamente por homens.
É verdade que o estabelecimento do princípio da igualdade jurídica entre os cidadãos não significou a imediata inserção das mulheres no que diz respeito à fruição dos direitos civis: o direito de votar e ser votada, por exemplo, somente se efetivou no início do século XX. Foi, todavia, o começo de uma longa jornada que se estende até nossos dias. No caso da inserção da mulher no mundo do trabalho, é conveniente lembrar que elas dele já participavam, nas atividades agrícolas. A novidade foi o fato de passarem (junto de crianças) a trabalhar ombro a ombro com os operários nas fábricas. * Eric Hobsbawm. A era das revoluções. Tradução de Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
JC_584.indd 6
Em ambos os casos ampliou-se a área de atuação das mulheres, que deixou de ser apenas a das responsabilidades domésticas, para abarcar um campo muito mais extenso de atividades.
O rompimento da tradição Aos poucos, concepções tradicionais acerca dos papéis femininos foram se alterando. Por concepções tradicionais deve-se entender ideias muito difundidas, como a de que as mulheres não constituíam herdeiras legítimas do patrimônio familiar, que, via de regra, era reservado aos primogênitos do sexo masculino. Desde o nascimento, elas eram educadas para as prendas domésticas, para a administração do lar, para servir aos pais e a irmãos e depois ao futuro marido. As mulheres que, atingida uma certa idade, não contraíam matrimônio, eram cultural e socialmente marginalizadas, pois, de maneira geral, eram educadas para o casamento. Uma vez casadas, esperava-se também que procriassem. As outras dimensões possíveis da sexualidade feminina não eram sequer levadas em consideração, pois considerava-se papel fundamental da mulher o de instrumento de procriação. Por essa razão, se um casal não tivesse filhos, a culpa era em geral lançada sobre a esposa. Existiam dois pesos e duas medidas em relação a atos considerados transgressões para homens e mulheres. Aos homens era perfeitamente tolerado, e com frequência exaltado como sinal de virilidade, manter uma vida sexual ativa antes do casamento, ter filhos fora dele e mesmo cometer adultério. Por parte da mulher, porém, qualquer ato semelhante bastava para que fosse vista como “mulher da vida”, repudiada e excluída do convívio familiar. No caso de adultério feminino, era atenuado no plano judicial o assassinato da mulher quando o marido traído invocava “razões de honra” para cometer o crime. A inserção da mulher no mundo do trabalho, entre outros aspectos, permitiu que a mulher começasse a conquistar sua independência econômica, provavelmente um dos primeiros passos efetivos para sua emancipação. Mesmo com salários aviltados se comparados aos dos homens em funções equivalentes, a mulher passou a poder dispor de suas próprias economias, não mais dependendo de terceiros para sua sobrevivência. Dessa forma, ampliando responsabilidades e competências, as mulheres tiveram condições de reivindicar para si um papel mais decisivo no destino das sociedades em que vivem.
O feminismo No início do século XX, sobretudo na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, organiza-se o movimento feminista. Tendo como proposta, em sua fase inicial, a libertação feminina, esse movimento contestava a suposta e pretendida inferioridade física e
29/01/2015 10:44:35
intelectual das mulheres. A emancipação feminina procurou então ser obtida com a luta pelos mesmos direitos civis e pela extinção de leis discriminatórias contra as mulheres. Nesse contexto, destacam-se o direito ao voto feminino, à instrução e ao acesso às profissões liberais em pé de igualdade com os homens. Logo, no entanto, as integrantes do movimento feminista tomaram consciência de que assegurar direitos no plano legal tratava-se apenas de um passo e que mais conquistas deveriam ser efetuadas. Tais vitórias seriam, assim, na visão de feministas nos anos 60 do século XX, insuficientes para modificar significativamente o papel da mulher na sociedade: não haviam ocorrido transformações correspondentes na estrutura social e familiar que viabilizassem o efetivo exercício dos direitos conquistados. Era preciso então desencadear ações que transformassem efetivamente a sociedade masculina e seus respectivos valores, o que exigia a conscientização de que existia uma opressão real sobre as mulheres a ser desmantelada. Devia-se, por exemplo, questionar a divisão do trabalho estabelecida: as mulheres tradicionalmente com as responsabilidades domésticas e os homens atuando no mundo exterior. O feminismo passa a exigir a corresponsabilidade dos homens na esfera doméstica, bem como a igualdade de oportunidades de emprego e salário no mercado de trabalho. Reclamam também pela alteração dos códigos legais vigentes, que pressupõem uma posição de inferioridade das mulheres em relação aos homens. Antes do feminismo, as mulheres não exerciam plenamente os direitos de cidadania. O estabelecimento do voto feminino, o direito à elegibilidade, a criação de melhores condições, visando à igualdade de oportunidades no mercado de trabalho, e alterações significativas nas leis e códigos vigentes para que
Reprodução
ARTIGO
7
favorecessem a punição de atos contra a condição feminina vieram ampliar o exercício da cidadania por parte das mulheres.
Limites da emancipação feminina Entretanto, devemos lembrar que o quadro que acabamos de descrever é restrito a algumas partes do mundo ocidental. No plano da população mundial pode-se afirmar até que a existência de um processo de emancipação feminina é bastante discutível. Basta lembrar alguns aspectos da condição feminina nos países mais populosos do mundo (China e Índia) e nos países onde predominam, por exemplo, fundamentalismos religiosos. Os mais variados condicionamentos, de caráter cultural, étnico e religioso, determinam a posição da mulher nessas sociedades. Em algumas delas, por exemplo, os pais que possuem filhas devem prover dotes vultosos para cada uma delas a fim de que possam contrair matrimônio. Caso o pai não proveja o respectivo dote, estarão “condenadas” a permanecer solteiras, criando uma situação de desdouro para a família. Uma filha significa, nessas sociedades, uma verdadeira sangria do patrimônio familiar ou uma possível perda de prestígio para a família caso elas permaneçam solteiras. Como consequência, em países como a China e a Índia, que limitam o total de filhos por casal, chega-se a observar a prática do infanticídio feminino. Tal prática é utilizada para garantir que, dentro do reduzido número de descendentes admitido, o casal possa manter uma criança de sexo masculino. Em muitos lugares da África e da Ásia, da mesma forma que se pratica a circuncisão dos meninos, pratica-se nas meninas a clitorectomia, que consiste na extirpação do clitóris por motivos culturais e religiosos. Acredita-se, nessas sociedades, que não se deve considerar qualquer outra dimensão da sexualidade feminina que não seja a procriação. Tida como rito de passagem da vida infantil para a puberdade, esta mutilação, além de ter implicações múltiplas sobre a condição feminina, é realizada no início da puberdade e sem quaisquer cuidados de higiene, de forma que muitas meninas morrem vítimas de infecção. Tais práticas (infanticídio feminino e clitorectomia) são comuns, consentidas e muitas vezes incentivadas nessas sociedades, o que torna muito difícil afirmar a existência de um processo generalizado de emancipação feminina, especialmente se levarmos em conta que esses fatos ocorrem em regiões do mundo densamente povoadas.
(ENTRE PARÊNTESIS)
A música dos números Há toda uma série de quebra-cabeças do tipo “números codificados”. Neles, cada letra representa um algarismo. O problema é identificar os números a partir de operações feitas com os algarismos apresentados em código. A criptossoma a seguir está na base numérica comum (decimal). DO + RE = MI
FA + SI = LA
RE + SI + LA = SOL
A partir daí, diga quais são os algarismos correspondentes a cada letra.
RESPOSTA As letras correspondem aos seguintes algarismos: DOREMIFASL = 3456907218 ou DOREMIFASL = 2367904815. JC_584.indd 7
29/01/2015 10:44:36
8
ARTES
Uma noite de teatro e música Grupo de Teatro e Coral Etapa se reuniram em um evento especial! o final do ano passado, com o intuito de incentivar o interesse pela cultura e pela arte, o Colégio Etapa preparou um evento especial: Uma Noite de Teatro e Música, com apresentações do Grupo de Teatro e do Coral Etapa. O encontro das duas formas de expressão artística aconteceu no dia 27 de novembro e teve como público alunos, pais e convidados. O Coral Etapa, existente desde 2010, vem despertando nos alunos o interesse pela música através do canto. Os encontros permitem que eles se divirtam ao mesmo tempo em que ganham noções de teoria musical. Inicialmente, o grupo possuía apenas um repertório à capela, mas agora já conta com acompanhamento instrumental, proporcionando um dinamismo maior às apresentações. Seu repertório inclui a música popular brasileira e internacional. Para o evento, foram escolhidas “Aquarius” (J. Rado/G. Ragni/G.M. Dermot), “Melodia sentimental”
N
JC_584.indd 8
(H. Villa-Lobos), “Moon River” (Johnny Mercer/Henry Mancini), “Lua, lua” (Caetano Veloso), “Novo tempo” (Ivan Lins/Vitor Martins), “Edelweiss” (R. Rodgers/O. Hammerstein II), “Carinhoso” (João de Barro/Pixinguinha) e “Hey Jude” (J. Lennon/P. McCartney). Já o Grupo de Teatro é mais recente, criado em 2013. Trabalha a expressividade e a criatividade a partir da poesia, da dramaturgia e do cinema, com o intuito de contribuir no desenvolvimento da expressão corporal e da oratória. As diferentes facetas da arte se misturam para adentrar um mundo que oferece mil possibilidades. Plenilúnio é o nome do trabalho apresentado no evento, que reuniu fragmentos de textos de Maiakovski, Fernando Pessoa, Ítalo Calvino e Albert Camus. Foi uma noite em que a arte comandou o roteiro. Ambas as apresentações arrancaram aplausos animados da plateia e mostraram o talento dos nossos alunos!
29/01/2015 10:44:36