Jornal do Colégio - Nº 585

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Jornal do Colégio JORNAL DO COLÉGIO ETAPA – 2015 • DE 20/02 A 05/03

ENTREVISTA

“Tem de ter sempre o sonho na frente.” Yang Han Yu preparou-se com dedicação para prestar os vestibulares para Medicina e entrou direto na USP – Pinheiros. Nesta entrevista, feita antes do início das aulas na faculdade, ele fala principalmente de seu sistema de estudo no colégio e das atividades extras que manteve aqui durante o Ensino Médio. Yang Han Yu

JC – O que motivou você a escolher Medicina como carreira? Yang – Desde pequeno, eu me interessava por Medicina. Tenho uma prima que é médica da Paulista [Unifesp] e ela me ajudou a escolher a carreira. Aqui, no 2o ano, tive dúvidas, não sabia se ia realmente fazer Medicina. Mas se não fosse Medicina, não tinha ideia do que ia ser. Dei de novo uma pesquisada, voltei a falar com minha prima e vi que era Medicina mesmo. A orientação do colégio também ajudou a confirmar a escolha. Além da Fuvest, você prestou quais vestibulares para Medicina? Unesp, Unicamp e Unifesp. Fui aprovado na Unesp, na Unifesp peguei lista de espera, na Unicamp passei na 1a fase, mas não fui fazer a 2a fase. Você prestou o Enem? Prestei por causa da Unifesp, que usa o Enem como 1a fase. Como veio estudar no Etapa? Meu irmão estudava aqui, meus pais viram que era bom e decidiram que eu viria para cá fazer o Ensino Médio.

ENTREVISTA

Carreira – Medicina

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Você estudava também no fim de semana? Sábado ficava o dia inteiro no Projeto Medicina – até umas 6 horas. Depois ia estudar com os amigos. Mas se estivesse muito cansado, voltava para casa para dormir. E domingo? Domingo eu acordava um pouco mais tarde e estudava em casa, mas era algo mais leve. Como a preparação do colégio para Medicina ajudou você no vestibular? Ajudou não só a adquirir conhecimento, ajudou a resolver o vestibular. Eu também fazia algumas olimpíadas, mas o conhecimento para o vestibular eu aprofundei no Projeto. Eu pegava exercícios que eram bem mais difíceis que os do vestibular. Os professores davam

ESPECIAL

ENTRE PARÊNTESIS

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Cubos e furos

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ARTIGO As transformações da condição feminina depois da Segunda Guerra Mundial (2a parte)

CONTO

Romantismo – Artur Azevedo

No ano passado, no seu 3o ano, qual era sua rotina de estudos? De manhã vinha às aulas, ficava no colégio até 12h45min. Saía da aula, almoçava e depois voltava. Ficava na Sala de Estudos ou no plantão. No começo do ano estudava até as 6 da tarde. No segundo semestre estudava até umas 7, 8 horas da noite.

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Parceiros nos Sonhos

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ENTREVISTA

esses exercícios para que, ao chegarmos no exame, já estivéssemos calejados. Eles davam dicas, falavam o que era importante aprofundar, como tínhamos de resolver as questões.

Você manteve essa rotina de estudos o ano inteiro? O ano inteiro. Mas para a 2a fase, eu mudei um pouco. Comecei a estudar na casa de amigos ou em alguma cafeteria. A gente reunia um grupo e estudava junto. Seu grupo de estudo era só de quem queria Medicina? Não eram todos de Medicina. Era um amigo que ia bem em Física, outro em Biologia, outro em Humanas. A gente se ajudava. Em alguma matéria você tinha mais dificuldade? Português e Geografia. Eu ia bastante ao plantão dessas matérias, principalmente para Redação. Geografia eu achava que tinha de lembrar de muita coisa, acabava tendo dificuldade. Nos simulados, quais eram seus resultados? Nos primeiros simulados eu ficava em B. Depois comecei a ficar em A. Como você usava os simulados para seus estudos? Eu dava uma olhada no que tinha errado e tentava corrigir nos simulados seguintes. Como você treinava Redação? Eu procurava fazer o que era pedido semanalmente. E levava ao plantão para corrigir. Mais para o final comecei a fazer umas duas redações por semana. Você leu todos os livros indicados pela Fuvest como obrigatórios? Só não li inteiro Viagens na minha terra, de Almeida Garrett. Decidi que seria mais produtivo prestar o dobro de atenção na aula, assistir à palestra e fazer umas pesquisas. Você assistia às palestras sobre os livros? Assisti sobre os livros em que eu tinha mais dificuldades. E quais livros você achou mais difíceis? Além de Viagens na minha terra, também A cidade e as serras, de Eça de Queirós; e Sentimento do mundo, de Carlos Drummond de Andrade. No vestibular você conseguiu resolver as questões de Literatura? Sim, consegui resolver tudo. Você disse que participou de olimpíadas culturais. Quais foram? No 1o e no 2o ano, eu fiz parte das olimpíadas de Biologia e Química. No 1o ano participei também da Olimpíada de Matemática, mas depois parei. Gostava das olimpíadas

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não com o objetivo de competir, mas para aprender mesmo.

Além das olimpíadas, você participou de alguma outra atividade extra que o colégio ofereceu? No 2o ano participei dos clubes de Cinema e de Leitura. Qual foi a importância desses clubes? Nos clubes os professores incentivam os alunos a discutirem entre si. Ajudou bastante na argumentação, em coisas que eram mais de Humanas e em que eu tinha mais dificuldade. Antes de ir para os clubes, eu simplesmente assistia a um filme e acabou. Depois que comecei a participar, eu assistia e ficava horas pensando sobre o filme, o livro. Também gostava de pesquisar entrevistas de diretores, escritores. Foi interessante para adquirir conhecimento. Quais foram as principais dificuldades que você enfrentou no ano passado? Foi o cansaço, principalmente. E a cobrança da família – eu ficava com medo de decepcionar todo mundo. Como você conseguiu lidar com o cansaço para ter sucesso no final do ano? No meio do ano o cansaço piorou, mas tinha férias e aí deu para resolver. O que você fez nas férias? Tinham recomendado descansar nas duas primeiras semanas, mas eu preferi estudar. Descansei nas duas últimas. Você tinha alguma atividade para relaxar? Eu estudava até não dar mais. Quando o cansaço batia forte mesmo, eu tirava um dia para ir ao cinema, sair com os amigos ou dormir. Você teve de abrir mão de alguma atividade no ano passado para se preparar para os vestibulares? No 2o ano eu gostava muito de sair com os amigos. No 3o ano praticamente não saí nem uma vez. Também costumava ir toda semana à casa da minha avó e no ano passado só fui uma vez ou duas. Eu gostava muito da Olimpíada de Biologia, tive de parar. No começo do ano passado você estava confiante em ser aprovado no vestibular? Achava que dava para entrar numa boa pública, mas não na Pinheiros. Só quando vi o resultado da 1a fase eu acreditei que poderia entrar. Se não passasse na Pinheiros, qual seria sua opção? Eu iria para a Paulista. Se não desse, acho que faria cursinho.

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ENTREVISTA Ao longo do ano, você tinha mais preocupação com a 1a ou com a 2a fase da Fuvest? Com a 1a. Você prestou Fuvest no ano anterior como treineiro? Prestei. Fiz 58 pontos e fui para a 2a fase. Além de fazer simulados, você acha que é importante prestar como treineiro? Bem importante. No ano passado, quando fui prestar para valer, já sabia como funcionava o vestibular. Se eu não tivesse prestado como treineiro eu estaria menos seguro. Quantos pontos você fez na 1a fase da Fuvest? Fiz 78. A nota de corte foi 72 e você aumentou 20 pontos acima do que fez no ano anterior. Foi o que você esperava? Nos simulados, normalmente eu fazia mais de 80. Na Fuvest eu também esperava uma coisa assim, só não esperava que o exame estivesse tão difícil. Da 1a para a 2a fase você mudou alguma coisa no seu método de estudo? Na 1a fase eu estudava pela apostila do Etapa e pelas provas anteriores. Para a 2a fase eu resolvi mais provas da Fuvest, Unifesp e Unesp. Na 2a fase da Fuvest, quais foram suas notas? No primeiro dia, prova de Português e Redação, minha nota foi 62. Nos outros dois dias, quais foram os resultados? No segundo dia, da prova geral, tirei 90,63. No terceiro dia, das matérias prioritárias da carreira, tirei 93,75. Na escala de zero a 1 000, qual foi sua pontuação na Fuvest? Fiquei com 832,6 pontos na nota final. Na 2a fase teve alguma surpresa nas notas? Na Redação eu poderia ir melhor. Eu tinha focado muito nela. Nos outros vestibulares eu tinha ido melhor. Como soube de sua aprovação para a Pinheiros? Eu pensei que não iria passar. Decidi ficar em casa, mas aí me ligaram e disseram que leram meu nome na lista. Olhei e vi meu nome, mas não sabia se era Santa Casa. Entrei no Facebook, começou um monte de gente a me mandar mensagem: “Parabéns, Pinheiros”. Eu mandei torpedo para toda a minha família, dizendo que passei na USP.

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Você estava sozinho, com algum parente? Estava sozinho em casa, minha mãe estava trabalhando. Mas depois que soube que passei, ela me deu carona até o Etapa. Aqui eu fiquei com os amigos e com os veteranos da Pinheiros que vieram nos chamar para ir à faculdade. Você já conhecia as instalações da faculdade? Essa foi a primeira vez. Fui com um amigo, o Nicolas, que também tinha sido aprovado no ano passado direto do colégio. Ele não me mostrou a faculdade inteira, falou que ia ter a semana de recepção e que não queria estragar a surpresa. Mas ele me mostrou o geral, os prédios, a biblioteca e depois me levou à Atlética, porque ele tinha me convidado para participar da natação. Você conheceu alunos, professores? Conheci outros veteranos, mas ainda não tive chance de conhecer professores. O que você sentiu nessa primeira visita? Todo mundo é bem receptivo, eles tratam os calouros muito bem. Eu tinha um pouco de medo por causa das notícias que saíam na mídia de que os veteranos são terríveis. Mas eles são bem legais. Você já sabe qual é sua grade curricular neste semestre? Dei uma olhada já, vai ter Bioquímica, Biologia Molecular, alguns cursos introdutórios na área de saúde. Medicina é uma carreira muito ampla. Você tem ideia da área que quer seguir? Sempre quis cirurgia. Vou tentar seguir a carreira de cirurgião. Que dica você dá a quem vai prestar vestibular este ano, para Medicina e outras carreiras? Acho que as aulas são o principal assunto. A estrutura tem que ser baseada na aula e nos exercícios que os professores passam. E tentar dar o máximo de si. O que você guarda de recordação de seu tempo no Etapa? O que eu guardo mais são os colegas, tenho um vínculo muito forte com eles. E os professores, eles me apoiaram muito. O que você pode dizer a quem vai prestar Medicina este ano? Tem de ter sempre o sonho na frente. Quando está desanimado é só olhar para frente, vai ver a Medicina, então vai dar aquela vontade de estudar.

Jornal do Colégio ETAPA, editado por Etapa Ensino e Cultura REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343

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CONTO

Romantismo Artur Azevedo I ntão, Rodolfo, decididamente, não te casas com a viúva Santos? – Nem com ela, nem com outra qualquer. E peço-lhe, meu pai, que não insista sobre esse ponto, para poupar-lhe o desgosto de contrariá-lo. O casamento assusta-me; é a destruição de todos os sonhos, o aniquilamento de todas as ilusões. Deixe-me sonhar ainda. Tenho apenas vinte e cinco anos. – Tu o que tens é uma carregação de romantismo e preguiça, que me aborrece deveras. O teu prazer, meu mariola, é andar envolvido em aventuras de novela, desencaminhando senhoras casadas, procurando amores misteriosos e noturnos, paixões de horas mortas, de chapéu desabado e capa. Olha que um dia vem a casa abaixo! Don Juan, quando menos pensava, lá se foi para as profundas do inferno! – Entretanto, observou Rodolfo a sorrir, Don Juan também usava capa, e dizem que quem tem capa sempre escapa. – Ri-te! Ri-te! um dia hás de chorar! E o doutor Sepulveda pôs-se a medir com largos passos nervosos o assoalho do gabinete. De repente estacou, sentou-se, e, voltando-se para o filho: – Que diabo! disse, a viúva Santos é uma das senhoras mais lindas que conheço! Não se diga que te estou metendo à cara um estupor! – Fosse a própria Vênus! – É mais, muito mais, porque a Vênus não tinha duzentos contos de réis em prédios e apólices. – Ora, sou bastante rico, e o senhor, meu pai, não sabe o que há de fazer do dinheiro. A sua banca de advogado rende-lhe uma fortuna todos os anos e eu tenho a satisfação de lhe lembrar que sou filho único. – A minha banca, maluco, há muito tempo não rende o que rendia no tempo em que os cães andavam com linguiças no pescoço. O que te ficou por morte da tua mãe, e o que te posso dar, ou deixar, é pouco para a tua dispendiosa vida de rapaz romântico, anacrônico e serôdio. – Tenho ainda meu padrinho, o general. – Pois sim! Teu padrinho é muito bom, sim senhor, muita festa pra festa, meu afilhado pra cá, meu afilhado pra lá, mas olha que daquela mata não sai coelho. – É extraordinário o interesse que o senhor toma por essa viúva Santos! – Não é por ela, é por ti, pedaço de asno! Vocês foram feitos um para o outro, acredita, e o que mais lhe agrada na tua pessoa é justamente esse feitio que tens, de Antony de edição barata. – Ela nunca me viu. – Nunca te viu, mas conhece-te. Pois se não lhe falo senão do meu Rodolfo! Levei-lhe a tua fotografia, aquela maior... do Pacheco... aquela em que estás tão bonito, que até me parece a tua mãe... – Que tolice! minha mãe com bigodes! – Os bigodes não, mas os olhos, a boca e o nariz parecem tirados de uma cara e pregados na outra. – Mas se o senhor lhe levou o meu retrato, por que não me trouxe o dela? – Disso me lembrei eu. Infelizmente nunca se fotografou. Se eu lhe apanhasse o retrato, oh! oh! mostrava-to, e estou certo que não resistirias.

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– O senhor mete-me medo! Para evitar uma asneira de minha parte, hei de fugir da viúva Santos como o diabo da cruz! – Disseste que me interesso por ela; e quando me interessasse? Não é filha de um bom camarada, o Teles, que morou comigo quando éramos estudantes, e se formou em Olinda no mesmo dia que eu? – Não imaginas o prazer que tive quando recebi uma carta de Rosalina – ela chama-se Rosalina – dizendo-me: “Venha ver-me; quero conhecer um dos melhores amigos de meu pobre pai.” – O pai é morto? – Há muitos anos. Morreu juiz municipal nas Alagoas. Deixou a mulher e os filhos na mais completa pobreza, mas os rapazes arranjaram-se no comércio, e lá estão em Pernambuco em companhia da mãe. A Rosalina, essa casou-se com um negociante aqui do Rio, o Santos, que a viu por acaso uma vez que teve de ir a Pernambuco tratar de negócios. O doutor Sepulveda aproximou a sua cadeira para mais perto do filho e comentou: – Alguém disse que a viúva é como a casa que está para alugar: há sempre lá dentro alguma coisa esquecida pelo antigo inquilino. Bem vejo, meu filho: o que te desgosta é esse Santos, esse marido, esse inquilino; pois não tens razão. O casamento de Rosalina foi obra dos irmãos – um casamento de conveniência. A pobre rapariga sacrificou-se à felicidade dos seus. O coração entrou ali como Pilatos no Credo. Oito dias depois de casados, os noivos vieram para o Rio de Janeiro. Seis meses depois morreu o marido, mas antes disso teve a boa ideia de chamar um tabelião e fazer testamento em favor dela. Ofereço-te um coração virgem, meu rapaz; aceita-o, e com isso darás muito prazer a teu pai e ao general, teu padrinho, que consultei a esse respeito, e é inteiramente da minha opinião. Rodolfo ergueu-se, espreguiçou-se longamente, e disse, com os braços estendidos, e a boca aberta num horroroso bocejo: – Ora, meu pai, não falemos mais nisso. E não falaram mais nisso. O doutor Sepulveda foi ter com o general, e contou-lhe a relutância do afilhado. – Mas hei de teimar, seu compadre, hei de teimar! – Não teime. Você não arranja nada. Aquele que está ali não se casa nem à mão de Deus Padre. – É o que havemos de ver, seu compadre, é o que havemos de ver...

II Dois dias depois, Rodolfo sentia-se abalado pela insistência paterna, e estava quase disposto a pedir ao doutor Sepulveda que o apresentasse à viúva Santos, quando o correio urbano lhe trouxe uma carta concebida nos seguintes termos: “Rodolfo – Se não é medroso, esteja amanhã, quinta-feira, às 8 horas da noite, no largo da Lapa, junto ao chafariz. Ali encontrará uma senhora idosa, vestida de preto, com o rosto coberto por um véu. Faça o que ela indicar. Trata-se de sua felicidade.” A carta escrita com letra de mulher, em papel finíssimo, não tinha assinatura, e exalava um delicioso perfume aristocrata. Rodolfo leu-a, releu-a três vezes, e guardou-a cuidadosamente. Ocioso é dizer que a viúva Santos varreu-se inteiramente da sua imaginação, excitada agora pelo misterioso da aventura que lhe propunham. Foi ao largo da Lapa. Por que não havia de ir? Poderia recear uma cilada? Ora! no Rio de Janeiro não há torres de Nesle nem Margaridas de Borgonha.

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CONTO Já lá encontrou a velha, junto do chafariz. Ela foi ao seu encontro, cumprimentou-o, e, dirigindo-se a um coupé estacionado a alguns passos de distância, abriu a portinhola e com um gesto convidou-o a entrar. Rodolfo não hesitou um segundo; entrou; a velha entrou também, e o coupé rodou na direção do Passeio Público. – Aonde vamos? perguntou ele. A velha disse-lhe por gestos que era muda, e abaixou os stores. Rodolfo percebeu que o carro entrou na rua das Marrecas, e dobrou a dos Barbonos; depois não pôde saber ao certo se tomou a rua dos Arcos ou a de Riachuelo. As rodas moviam-se vertiginosamente. De vez em quando dobravam uma esquina. Dez minutos depois, o moço ignorava completamente se se achava em caminho de Botafogo ou de Vila Isabel, da Tijuca ou do Saco do Alferes. Quis levantar um store. A velha opôs-se com um gesto precipitado e enérgico. Ele caiu resignadamente no fundo do carro, e deixou-se levar. Ora, adeus! A viagem durou seguramente uma hora. Quando o coupé estacou, a velha ergueu-se, tirou um lenço da algibeira, e tapou os olhos do moço, que se deixou vendar humildemente, sem proferir uma palavra. Ela ajudou-o a descer, e levou-o pela mão, sempre de olhos tapados, como Raul de Nagis nos Huguenotes. Pelo cascalho que pisava e pelo aroma que sentia, Rodolfo adivinhou que estava num jardim, caminhando em deliciosa alameda. Depois de andar cinco minutos, guiado sempre pela mão encarquilhada da velha, esta murmurou baixinho: — Adeus, seja feliz! – e afastou-se. Ao mesmo tempo, uma voz argentina, uma voz de mulher que parecia vir do alto e soou musicalmente aos seus ouvidos, disse-lhe: – Desvenda-se, Rodolfo. Ele arrancou o lenço dos olhos. Estava efetivamente num jardim, defronte de uma das partes laterais de um belo prédio moderno. A lua, iluminando suavemente aquele magnífico cenário, batia de chofre na sacada em que se achava uma mulher vestida de branco com os cabelos soltos.

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– Onde estou eu? perguntou ele, e olhou para o horizonte, a ver se algum morro conhecido o orientava. Nada! — nos fundos da casa erguia-se, é verdade, um morro, mas tão próximo e tão alto, que o moço do lugar em que se achava, não lhe podia notar a configuração. – Onde estou eu? repetiu. Por única resposta a mulher de cabelos soltos deixou cair uma escada de seda, cuja extremidade ficou presa à sacada; e Rodolfo subiu por ela com mais presteza do que o faria o próprio Romeu. Ao entrar na alcova, fracamente iluminada pela meia-luz de um bico de gás, ficou deslumbradíssimo. Estava diante de um prodígio de formosura! O pasmo embargou-lhe a fala; quis soluçar um madrigal, e não teve uma palavra, uma sílaba, um som inarticulado! – Amo-te, disse ela com uma voz que mais parecia um ciciar de brisa; amo-te muito, Rodolfo, e quero que também me ames. – Oh! sim, sim... quem quer que sejas... eu amo-te, e... Uma gargalhada o interrompeu. Era o doutor Sepulveda que entrava na alcova e dava mais luz ao bico de gás. – Meu pai! – Teu pai, sim, meu romântico. Era esse o único meio de te fazer cá vir. Ora aqui tens a viúva Santos. Agora recuas, se és homem! O casamento ficou definitivamente tratado naquela mesma noite.

III No dia seguinte o doutor Sepulveda, nadando em júbilo, foi ter com o general e contou-lhe tudo. – Então? não lhe dizia, seu compadre? – Ora muito obrigado! respondeu o outro com a sua rude franqueza de velho militar; por esse processo você poderia casá-lo até com a Chica Polka! Extraído de: Contos de Artur Azevedo. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br

(ENTRE PARÊNTESIS)

Cubos e furos Tem-se três cubinhos; nesses cubinhos existem buracos. No primeiro, existe um buraco em forma de cruz; no segundo, em forma de quadrado; e no terceiro, um em forma de circunferência. CUBINHO 1

b

b

CUBINHO 2

b

CUBINHO 3

b a

a

b

a

b a

a

Precisa-se construir uma, e somente uma, figura geométrica que, colocada no espaço vazio de um dos cubinhos, feche completamente o buraco, de forma que ao se colocar água no espaço vazio, essa figura geométrica (volume geométrico) aja como uma rolha, impedindo que a água escape.

V2 (cruz) V3 (quadrado)

Obs.: essa figura que foi construída, virada de modos diferentes, deve fazer o mesmo com os outros cubinhos, e ela deve ficar totalmente dentro dos furos, não podendo ficar nada para fora.

RESPOSTA

V1 (círculo) JC_585.indd 5

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ARTIGO

As transformações da condição feminina depois da Segunda Guerra Mundial (2a parte) Rogério F. da Silva

Há, no entanto, um processo emancipatório em andamento, sobretudo nas regiões industriais e pós-industriais que, tecnologicamente avançadas, propiciaram às mulheres um ingresso significativo no mercado de trabalho ao criarem condições materiais para que elas atingissem graus sofisticados de qualificação e pudessem assim exercer seus papéis. Toda comunidade ou grupo possui certa coesão social definível em função dos mais variados critérios, como sexo, faixa etária, etnia, atividade profissional, grau de escolaridade e padrões culturais comuns. Deve-se assinalar, por sua vez, que no interior de cada uma dessas comunidades ou grupos sociais sempre haverá uma forte tendência a uma estratificação social em que certos estratos gozem de maior prestígio e poder que os demais. Não poderia ser diferente no interior do grupo social feminino. Entre as condições criadas em determinadas sociedades para que fosse possível a referida emancipação feminina, deve-se assinalar que mulheres delegaram tarefas domésticas e de criação dos filhos a outras mulheres, que deveriam ser tão beneficiadas pela emancipação quanto as primeiras. Referimo-nos aos verdadeiros batalhões das que trabalham em creches ou são empregadas domésticas, ou ainda das que labutam nos fogões dos grandes refeitórios para que uma minoria no interior do universo feminino se emancipe. Dessa forma, talvez tão ou mais grave que a estratificação e as clivagens existentes entre os universos masculino e feminino, há uma grave estratificação e clivagens no interior do próprio universo feminino. Seria portanto possível, à luz de tais evidências, questionar a própria existência de uma “emancipação feminina” genérica.

A emancipação no interior do universo feminino Não obstante a grande diversidade anteriormente apontada, sobretudo no plano cultural, se levarmos em conta outros fatores que reagrupem esse universo feminino do ponto de vista dos segmentos sociais, dos graus variados de urbanização e das diferentes realidades entre os meios rural e urbano, observaremos que fica ainda mais remota a

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Reprodução

A estratificação no interior do universo feminino

ideia de uma emancipação feminina tal como é geralmente propagada. É evidente que, nas áreas rurais, em centros urbanos menores e em estratos sociais localizados na base da escala social, a mulher, de maneira geral, continua “não emancipada” e pouco pode afirmar sobre o referido processo. Mecanismos efetivos de exclusão, sob os mais variados pretextos, perpetuam sua clara posição de inferioridade em relação ao homem. Mesmo em grandes centros urbanos como São Paulo, é notável a exclusão das mulheres do mercado de trabalho, no que diz respeito à sua participação na renda em relação aos homens. Veja-se a tabela a seguir. QUEM SUSTENTA A FAMÍLIA NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO Renda mensal

Homem

Mulher

Até R$ 200

44,87%

55,13%

R$ 200 a R$ 500

54,93%

45,07%

R$ 500 a R$ 1.000

71,60%

28,40%

R$ 2.000 a R$ 2.500

81,10%

18,90%

R$ 4.000 ou mais

82,82%

17,08% Fonte: Fipe – POF, 98/99.

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ARTIGO Os extremos dessa tabela são bastante significativos. Na faixa de renda mais baixa, as mulheres desempenham um papel importante no sustento da família. No outro extremo poucas mulheres participam, como parece indicar a diferença significativa de salários pagos na divisão entre os sexos.

Os obstáculos à plena emancipação da mulher Se com a devida cautela circunscrevermos, no interior do universo feminino, o grupo das “mulheres emancipadas”, ou que “aspiram à emancipação”, constatamos a existência de grandes dificuldades na direção da ampliação quantitativa e qualitativa da emancipação da mulher. No mundo do trabalho, por exemplo, há notáveis desníveis de remuneração no exercício das mesmas funções por homens e mulheres. Verifica-se também uma diferença significativa em relação aos tipos de trabalho no interior de cada um dos campos de ação (o feminino e o masculino). Assim, nota-se uma intensa utilização da mão de obra feminina para postos de trabalho que de alguma forma afastam as mulheres das esferas de poder decisório. Por sua vez, peculiaridades da condição feminina como a maternidade e a amamentação também acabam colaborando à sua maneira com esse processo de exclusão. Ao mesmo tempo, observa-se que as condições para a emancipação – a disponibilidade de creches, por exemplo – acentuam a estratificação no interior do próprio universo feminino: não podemos esquecer que são mulheres que trabalham nas creches e na faxina doméstica para que a “dona de casa” se emancipe.

Uma transformação em curso A emancipação feminina no âmbito da população mundial será, pois, plausível se, paralelamente a esse processo, for possível disseminar o conjunto das transformações que permitiram a emancipação feminina restrita tal como a temos atualmente. Ressalte-se que tais transformações devem ocorrer não apenas nos planos econômico, social e político, mas também na esfera cultural, com uma secularização maior da sociedade; caso contrário, a emancipação feminina está condenada a circunscrever-se num tempo e num espaço bastante restritos. Por secularização entendemos a postura que procura excluir a transcendência em todas as suas formas de manifestação como modo de explicação e modelo de conduta para a existência e para a organização das sociedades humanas, sendo recomendável, particularmente, separar questões de governo de questões associadas ao sentimento religioso, que são de foro pessoal. Acrescente-se que tais transformações deverão ser desejadas, buscadas e consentidas pela sociedade como um todo, e não impostas, pois, se as forem, provavelmente estarão fadadas ao fracasso.

A condição feminina no Brasil No caso do Brasil, nação situada na periferia dos grandes centros decisórios e com um passado colonial marcado pela existência da escravidão e o predomínio de uma sociedade

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tipicamente patriarcal, conforme assinalou Gilberto Freyre*, a emancipação feminina caminhou muito lentamente. As transformações econômicas, sociais, políticas e culturais propiciadas pelos processos de urbanização e industrialização ocorridos no início do século XX, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, estão diretamente associadas à mudança dos papéis femininos na sociedade brasileira. O voto feminino foi adotado na Constituição de 1934 e a última versão do Código Civil contém elementos que abordam questões acerca da emancipação da mulher. Como já destacamos anteriormente, trata-se de um processo ainda em curso. Para ilustrar tais transformações, podemos destacar alguns dados contidos no último censo (2000) e as últimas pesquisas do IBGE sobre a condição feminina no Brasil. Assim, observa-se o aumento significativo das mulheres atuando no mercado de trabalho, antes predominantemente masculino. Em 1979, as mulheres correspondiam a 31,7% da população economicamente ativa do país. Em 1999, essa participação saltou para 41,4%. A ocupação das vagas abertas no mercado de trabalho também mostra uma participação crescente das mulheres. No intervalo entre 1979 e 1989, elas ocupavam 52,2% das vagas oferecidas; entre 1989 e 1997, sua participação atingiu 67,9%. Esses números revelam também a ocorrência de significativas mudanças de comportamento no interior do universo feminino. A participação mais ativa das mulheres no mercado de trabalho acarretou, por exemplo, o adiamento da maternidade, um número menor de filhos e um maior investimento da renda das mulheres em educação para melhorar suas condições de disputa em um mercado de trabalho cada vez mais competitivo. Os resultados são notáveis, pois o nível de instrução das mulheres, segundo dados de 1999, é superior ao dos homens (45,5% das mulheres contra 36,4% dos homens). Apesar desse aumento significativo da participação das mulheres no mercado de trabalho, não ocorreu um aumento correspondente em relação à massa de salários pagos. Assim, em média, para ocupações equivalentes, em 1999, as mulheres recebiam R$ 320,00 e os homens, R$ 534,00. Uma outra dimensão da participação mais ativa das mulheres no mercado de trabalho revelou-se nos dados do censo de 2000. Num país com população estimada em 170 milhões de habitantes, cerca de 25% das famílias são chefiadas por mulheres, cuja expectativa de vida é cerca de dez anos superior à dos homens, contribuindo este conjunto para mudanças significativas na pirâmide populacional. O Brasil deixa de ser um país de população majoritariamente jovem, observa-se uma queda na taxa de fecundidade após os anos 60 do século XX e as mulheres têm menos filhos. O país passa a ser predominantemente urbano e as mulheres deixam de trabalhar exclusivamente no núcleo familiar para disputar vagas antes ocupadas por homens no mercado de trabalho. * Gilberto Freyre. Casa-grande & senzala. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1963.

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ESPECIAL

Parceiros nos Sonhos Inspiração para transformar sonhos em realidade

otivar e inspirar os estudantes a seguirem os seus sonhos e a transformarem os seus projetos em realidade é o espírito que rege o Colégio Etapa. Para celebrar essa parceria, no dia 2 de dezembro foi realizado o evento Parceiros nos Sonhos. Tanto alunos atuais quanto ex-alunos estiveram presentes para contar um pouco sobre as suas trajetórias. As equipes das Olimpíadas Científicas e o Emun (Etapa Model United Nations – grupo que simula reuniões nos moldes dos comitês da Organização das Nações Unidas) foram alguns dos destaques, assim como os estudantes que hoje cursam as melhores universidades do Brasil e do mundo e que falaram sobre o seu dia a dia e os projetos em que estão envolvidos – projetos muito

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interessantes, como o Mapa do Buraco e o Mars Curiosity, da Nasa, por exemplo. Ex-alunos que já possuem carreiras consolidadas e com muitas histórias para contar também marcaram presença. Empreendedorismo, tecnologia, medicina: tudo isso foi abordado neste encontro. Além disso, o evento não poderia deixar de lado a parte artística dos jovens, com a apresentação do Coral Etapa e de um solo de piano do nosso aluno Pedro Tozzi. O Parceiros nos Sonhos 2014 foi bastante completo, abrangendo as mais diversas áreas, e foi um sucesso de público! O evento com certeza cumpriu o seu papel e reforçou as suas intenções: fazer com que os alunos despertem, passem a sonhar e, mais do que isso, tenham a ousadia de perseguir esse sonhos.

18/02/2015 15:57:13


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