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Jornal do Colégio JORNAL DO COLÉGIO ETAPA – 2015 • DE 20/03 A 01/04

ENTREVISTA

“Aqui você está sempre aprendendo alguma coisa nova. Seu cérebro está sempre funcionando a mil.” Paula Zogbi Possari formou-se no ano passado em Jornalismo na ECA-USP e hoje trabalha no portal InfoMoney. Ela fez estágios em diversas áreas e nesta entrevista ressalta a importância de constantemente ampliar os conhecimentos sobre temas e técnicas, de forma a diversificar a atuação profissional. Acompanhe a seguir suas experiências na faculdade e no mercado de trabalho.

Paula Zogbi Possari

JC – Como foi a escolha por Jornalismo? Paula – No 3o ano eu estava em dúvida entre Jornalismo e Letras, mas conversei com a orientação do colégio e escolhi Jornalismo. Minha decisão foi bem perto da inscrição no vestibular.

Além da Fuvest, você prestou outros vestibulares? Prestei Cásper Líbero para Jornalismo e Unicamp para Letras. Na Unicamp eu fiz só a 1a fase porque o resultado da Cásper saiu antes da prova da 2a fase e eu tinha passado.

Quando você entrou no Etapa e o que motivou sua vinda? Entrei no Etapa em 2007, no 1o ano do Ensino Médio. Foi uma escolha minha. Alguns amigos meus da escola em que estava resolveram também vir para cá. A gente queria ter um ensino mais firme.

Uma vez que decidiu fazer Jornalismo, mudou alguma coisa em seu estudo no 3o ano? Como no Etapa você estuda todos os dias e passa por todas as disciplinas, acho que foi o suficiente focar nas provas. Para as provas eu sempre estudava de noite. Eu achava um bom método estudar à noite porque você vai dormir depois, dá para assimilar melhor. Mais perto do vestibular comecei a pegar para estudar algumas coisas em que eu tinha mais dificuldade. Mas sempre achei importante não me forçar. Em fim de

ENTREVISTA

Carreira – Jornalismo

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Você chegou a pensar na possibilidade de não passar direto do 3o ano? Pensei. Fiquei um pouco nervosa com essa possibilidade, mas depois que entrei na faculdade eu percebi que fazer um ano de cursinho não seria problema nenhum. Grande parte das pessoas faz. É até bom talvez para pensar um pouco melhor na sua escolha. No colégio, você participou de alguma atividade extra? Sim, no 2o ano eu fiz parte do Clube de Cinema e do Clube do Livro. Eu ia a todos. Era o dia em que eu não estudava à noite, estudava à tarde. Foi bastante importante. É bom você exercitar sua mente de outras formas. Você entrou em Jornalismo no curso noturno. Como foi o início para você? Sempre me dei melhor à noite e o curso noturno foi minha primeira opção. Chegar na ECA foi maravilhoso, foi muito bom desde o começo. É normal você chegar na faculdade depois de um ano de estudo muito intenso e dar uma relaxada. Mas depois de um tempo você volta a pegar o ritmo. Estudar para mim era um hábito.

ENTRE PARÊNTESIS

POIS É, POESIA

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CONTO

De cima para baixo – Artur Azevedo

semana eu raramente pegava livro para estudar. Não achava necessário. Para mim sempre foi essencial estar tranquila. É uma característica muito forte, eu acho importante não ficar estressada antes do tempo.

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Manuel Maria Barbosa du Bocage ARTIGO Política externa dos Estados Unidos (séculos XX-XXI)

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Sete 7 7 7 7 7 7 = 20 ESPECIAL

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Teoria musical ensinada com diversão

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ENTREVISTA

Nas matérias, você teve alguma dificuldade no início? Na ECA quase não tem prova, é tudo trabalho. Você tem as leituras, as atividades e tudo o mais, mas ninguém pega no seu pé. E muitos professores não estão nem aí para você.

Na faculdade, em algum momento você teve dúvida sobre sua escolha de carreira? No 2o ano da faculdade cheguei a ter dúvida. Acabei ficando no Jornalismo, mais porque eu tinha virado diretora da Empresa Júnior. Não ia largar. Falava: “Se no 3o ano ainda estiver com dúvida, vejo o que faço”.

Se deixasse o Jornalismo, o que faria? Pensei em prestar Audiovisual, que também é na ECA, ou Letras. Mas não mudei, no 3o ano achei que faltava pouco para terminar. No fim foi uma boa decisão porque estou me dando bem no Jornalismo.

Que matérias você viu em cada ano da faculdade? Na ECA você já entra fazendo jornal, o que eu acho importante. É um jornal para uma comunidade perto da USP, Notícias do Jardim São Remo. Acho que é a parte mais empolgante do 1o ano. Isso é bem legal, mas faltou um pouco de teoria nesse início e em tudo. No começo tem Teoria da Comunicação, História do Jornalismo, História do Brasil. Não tem Filosofia, Sociologia, que você pode buscar nas outras unidades da USP. Você é que tem de ir atrás. Muita gente vai.

No 2o ano, como se desenvolveu o curso? No 2o ano foi só TV. Teve mais História do Jornalismo. Você começa a pincelar as mídias digitais. Depois, no 3o ano, você faz rádio e tem outro jornal, o Jornal do Campus, que é muito maior. É a parte mais legal, você cobre os assuntos da universidade.

Tem rodízio de funções no Jornal do Campus? Tem. São edições quinzenais, a cada edição você muda de cargo. Sempre acaba fazendo de tudo. No ano seguinte você faz um suplemento desse jornal, que é outro tipo de jornalismo, outro formato de texto, não são reportagens. Depois você vai fazer uma revista especializada de grandes reportagens. Você entra mesmo no assunto que se propõe a pesquisar, faz um texto grande, aprofundado. É muito importante aprender a escrever um texto mais elaborado.

No 5o ano tem o TCC? Tem, mas antes disso você tem as matérias de documentário e reportagem na TV.

No seu caso, como foi o TCC? O TCC foi um documentário.

Qual era o seu tema? Meu tema foi “Ler-se”. De ler a si mesmo. Foi um documentário de 20 minutos, um formato para TV. Eu resolvi fazer em seis meses, que na verdade demorou um pouco mais porque eu peguei um período de recuperação. A maioria das pessoas prefere fazer com mais calma. Eu fiz assim porque inscrevi

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meu TCC na TV Futura, para passar na Futura em março. Então tinha de terminar até março.

Você disse que na Empresa Júnior é que tomou a decisão definitiva por Jornalismo. O que você fazia lá? Quando entrei eu fazia Os cinéfilos, que é uma revista virtual de cinema. Fiz assessoria também. Cheguei a participar de uma revista que a gente fazia para a Farma Júnior, chamada Bioativo. Fiz parte da área de vídeo. Fiz também reportagens fotográficas. Como funciona a Empresa Júnior? Na ECA, desde o início eles chamam você para trabalhar com todas as entidades: Atlética, CA, Júnior. Eu participei de bastante coisa. Na Júnior você entra meio como trainee, as pessoas que estão no 2o ano são editores, diretores. O interessante da Júnior é que você acaba fazendo coisas que não faz na faculdade. Assessoria de imprensa é completamente deixada de lado na faculdade. Nenhum professor fala disso. Muito jornalista é contratado para assessoria de imprensa, só que não aprende na faculdade. Na Júnior tem isso, a gente tem clientes, empresas pequenas. Era legal porque era uma responsabilidade muito maior, você está lidando com clientes mesmo. Eles precisam do trabalho, estão pagando por ele. Você acaba aprendendo na marra mesmo. Você fez parte da Atlética também? Fiz. Eu era da bateria da ECA e entrei na Atlética como diretora de modalidade da bateria. Eles tratam a bateria como um dos esportes. Acabei ficando dois anos. Você entra no 2o ano e fica até o 3o ano. Você fez estágios? Sim, desde o final do 1o ano eu já estava estagiando. Comecei na divulgação de uma unidade da Poli, fazia um pouco de assessoria de imprensa e alimentava o site deles. Durou muito pouco. No começo do 2o ano fui para o Cinusp [Cinema da USP], também fazendo divulgação. Fiquei dois anos lá. Em março de 2013 eu saí. Mas é muito interessante trabalhar dentro da USP. Você acaba morando no lugar. Você não sai do seu ambiente e aprende mesmo assim, é uma possibilidade muito boa que a USP dá. Depois fui para um portal de tecnologia, o PC Magazine, quando estava no começo do 4o ano. Fiquei três meses e foi aí que comecei a abrir o mercado de Jornalismo fora da USP. Fui estagiar no portal da revista Exame e fiquei um ano e meio. Eu me formei e agora comecei a trabalhar no portal InfoMoney, de economia. Eles têm uma revista bimestral que é um complemento. O forte deles é o portal. Estágio é obrigatório em Jornalismo? Não é. Qual foi a importância do estágio na sua formação? Essencial. É importante para você pegar o ritmo, saber como é o dia a dia no trabalho. Se você sai da faculdade sem ter um estágio no currículo as suas chances são menores. Principalmente no Jornalismo. Agora que saí da faculdade eu vi que está muito difícil ter vaga efetiva mesmo. É tudo estágio. A mão de obra grossa do Jornalismo é de estagiários. Acho que se eu não tivesse estagiado talvez não conseguisse nada.

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ENTREVISTA Tem muita diferença entre o que você imaginava que faria na carreira quando escolheu Jornalismo e o que está vendo na prática? Sim, é bastante diferente. Você imagina a redação, fechamento à meia-noite, aquela coisa que vê nos filmes, ir para a rua, procurar reportagem. Na verdade a rotina é bem mais tranquila. As redações são cada vez mais pautadas para a internet. Se você ficar até a meia-noite vai ser para fazer plantão. É difícil, mas não é uma rotina tão corrida como as pessoas podem imaginar. Você acaba se especializando numa função e fazendo matérias basicamente iguais todos os dias. Mas isso não significa que você não possa fazer reportagem dos temas que lhe interessam. Você pode tentar vender pauta. É possível ir para a rua, explorar, mas não é o dia a dia.

Trabalhando agora na área de Economia, como você se informa e se atualiza sobre os assuntos? Estou indo atrás, estou começando a aprender sobre Economia. É bem legal estudar o que você está informando. Acho importante ler os portais americanos sempre, de qualquer área. Lá fora eles são bem mais especializados. Você acaba aprendendo bastante ao ler notícias.

O que você pretende fazer daqui em diante em relação aos estudos, pretende fazer outro curso? Você falou de Letras. Na verdade eu faria Letras para mim mesma, eu gosto, não tenho nem intenção de trabalhar na área. Ainda penso em fazer Audiovisual. Fiz cursos aqui e ali de cinema, de vídeo. Fiz documentário no meu TCC. É uma área que me interessa bastante. Não é o melhor mercado, mas acho que está crescendo por causa da internet.

Você fez quais cursos? Todos os cursos que eu fiz foram de vídeo. Fiz um de roteiro e um de cinematografia digital. Fiz também um de jornalismo cultural, que foi mais um ciclo de palestras. Acho importante você complementar, até pelo currículo. Você se atualiza.

Quem tem uma boa formação ainda consegue espaço no mercado de trabalho? Consegue. Mas os recursos do Jornalismo estão bem escassos. As pessoas sabem disso. Mesmo uma empresa que poderia pagar mais para um assessor de imprensa não vai pagar tanto porque sabe que as redações não têm dinheiro, o jornalista não vai ganhar tão bem assim. É possível ganhar melhor se você trabalhar em empresa grande. Nas áreas de redes sociais dá para fazer dinheiro com Jornalismo, mas acho que vai ser um perrengue.

Quais são as áreas em que um jornalista pode atuar? Reportagem, assessoria de imprensa, e essas coisas de redes sociais que estão chegando muito forte. Não é o que a maioria

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das pessoas sonha quando entra na faculdade, mas eu faço frila disso porque gosto mesmo. Não é Jornalismo, mas acho legal um jornalista fazer. Dentro da reportagem tem TV, rádio – é engraçado, conheço pouca gente que foi para rádio. É mais ou menos isso.

Quais são seus planos para este ano? Acho que por enquanto vou ficar um pouco tranquila no meu emprego. Estou me adaptando à rotina de trabalhar oito horas por dia. Estou fazendo frila também, estou trabalhando horrores, mas no segundo semestre eu pretendo começar a pesquisar para já fazer pós em vídeo, cinema, que por enquanto está me interessando mais. Onde? Penso em ir para o exterior, mas não tenho certeza ainda. Preciso ver, pesquisar. Sair do país é uma experiência. Das matérias que estudou no colégio, quais ganharam maior importância para você na faculdade? Agora que estou trabalhando com Economia, a Matemática, que eu achei que não fosse ver nunca mais, está aí, ela voltou ao dia a dia. Por isso eu acho que é importante você prestar atenção em tudo, não pode deixar nada de lado, por mais que não goste. Aqui você está sempre aprendendo alguma coisa nova. Seu cérebro está sempre funcionando a mil. Quando você vai para o mercado de trabalho não é mais assim, você não está sempre aprendendo mais, mas fazendo as coisas que já sabe. Que recordações você tem do Etapa? Eu achava que ia entrar no Etapa e continuar com os mesmos amigos que vieram do antigo colégio. Acabei fazendo novos amigos aqui e com alguns ainda mantenho contato frequente. São pessoas muito queridas. Eu também guardo lembranças muito boas dos clubes de Cinema e do Livro. Foi muito importante para desenvolver pensamento crítico, pensar na cultura para falar de Filosofia dentro do filme, ver o que as coisas significam, falar de imagem. É uma coisa muito bacana que o Etapa trouxe, fez bastante diferença. Foram anos bons, que eu guardo com carinho. Além disso, eu me diverti bastante aqui. O que você diria a quem está em dúvida sobre a carreira, assim como você ainda estava no 3o ano do colégio? Não é para entrar em pânico se você está na dúvida. As pessoas têm de escolher as carreiras delas muito novas ainda. A dúvida é normal. Acho que pesquisar a carreira é importante, conversar com pessoas que trabalham nela, que fazem a faculdade. Até hoje muita gente da ECA está em dúvida. É difícil, mas ninguém vai te trucidar se você escolher fazer outro curso depois e mudar sua profissão. O importante é você, no final, gostar mesmo do que faz ou vai fazer.

Jornal do Colégio ETAPA, editado por Etapa Ensino e Cultura REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343

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CONTO

De cima para baixo Artur Azevedo aquele dia o ministro chegou de mau humor ao seu gabinete e imediatamente mandou chamar o diretor-geral da Secretaria. Este, como se movido fosse por uma pilha elétrica, estava, poucos instantes depois, em presença de Sua Excelência, que o recebeu com duas pedras na mão. – Estou furioso! – exclamou o conselheiro. – Por sua causa passei por uma vergonha diante de Sua Majestade o Imperador! – Por minha causa? – perguntou o diretor-geral, abrindo muito os olhos e batendo nos peitos. – O senhor mandou-me na pasta um decreto de nomeação sem o nome do funcionário nomeado! – Que me está dizendo, Excelentíssimo?... E o diretor-geral, que era tão passivo e humilde com os superiores, quão arrogante e autoritário com os subalternos, apanhou rapidamente no ar o decreto que o ministro lhe atirou, em risco de lhe bater na cara, e, depois de escanchar a luneta no nariz, confessou em voz sumida: – É verdade! Passou-me! Não sei como isto foi... – É imperdoável esta falta de cuidado! Deveriam merecer-lhe um pouco mais de atenção os atos que têm de ser submetidos à assinatura de Sua Majestade, principalmente agora que, como sabe, está doente o seu oficial de gabinete! E, dando um murro sobre a mesa, o ministro prosseguiu: – Por sua causa esteve iminente uma crise ministerial: ouvi palavras tão desagradáveis proferidas pelos augustos lábios de Sua Majestade que dei a minha demissão!... – Oh!... – Sua Majestade não a aceitou... – Naturalmente; fez Sua Majestade muito bem. – Não a aceitou porque me considera muito e sabe que a um ministro ocupado como eu é fácil escapar um decreto mal copiado. – Peço mil perdões a Vossa Excelência – protestou o diretor-geral, terrivelmente impressionado pela palavra demissão. – O acúmulo de serviço fez com que me escapasse tão grave lacuna; mas afirmo a Vossa Excelência que de agora em diante hei de ter o maior cuidado em que se não reproduzam fatos desta natureza. O ministro deu-lhe as costas e encolheu os ombros, dizendo: – Bom! Mande reformar essa porcaria! O diretor-geral saiu, fazendo muitas mesuras, e chegando no seu gabinete, mandou chamar o chefe da 3ª seção, que o encontrou fulo de cólera. – Estou furioso! Por sua causa passei por uma vergonha diante do Sr. Ministro! – Por minha causa? – O senhor mandou-me na pasta um decreto sem o nome do funcionário nomeado! E atirou-lhe o papel, que caiu no chão. O chefe da 3ª seção apanhou-o, atônito, e, depois de se certificar do erro, balbuciou: – Queira Vossa Senhoria desculpar-me, Sr. Diretor... são coisas que acontecem... havia tanto serviço... e todo tão urgente!...

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– O Sr. Ministro ficou, e com razão, exasperado! Tratou-me com toda a consideração, com toda a afabilidade, mas notei que estava fora de si! – Não era caso para tanto. – Não era caso para tanto? Pois olhe, Sua Excelência disse-me que eu devia suspender o chefe de seção que me mandou isto na pasta! – Eu... Vossa Senhoria... – Não o suspendo; limito-me a fazer-lhe uma simples advertência, de acordo com o regulamento. – Eu... Vossa Senhoria. – Não me responda! Não faça a menor observação! Retire-se e mande reformar essa porcaria! O chefe da 3ª seção retirou-se confundido e foi ter à mesa do amanuense que tão mal copiara o decreto: – Estou furioso, Sr. Godinho! Por sua causa passei por uma vergonha diante do Sr. Diretor-geral! – Por minha causa? – O senhor é um empregado inepto, desidioso, desmazelado, incorrigível! Este decreto não tem o nome do funcionário nomeado! E atirou o papel, que bateu no peito do amanuense. – Eu devia propor a sua suspensão por 15 dias ou um mês: limito-me a repreendê-lo, na forma do regulamento! O que eu teria ouvido, se o Sr. Diretor-geral me não tratasse com tanto respeito e consideração! – O expediente foi tanto que não tive tempo de reler o que escrevi... – Ainda o confessa! – Fiei-me em que o sr. chefe passasse os olhos... – Cale-se!... Quem sabe se o senhor pretende ensinar-me quais sejam as minhas atribuições?!... – Não, senhor, e peço-lhe que me perdoe esta falta... – Cale-se, já lhe disse, e trate de reformar essa porcaria!... O amanuense obedeceu. Acabado o serviço, tocou a campainha. Apareceu um contínuo. – Por sua causa passei por uma vergonha diante do chefe da seção! – Por minha causa? – Sim, por sua causa! Se você ontem não tivesse levado tanto tempo a trazer-me o caderno de papel imperial que lhe pedi, não teria eu passado a limpo este decreto com tanta pressa que comi o nome do nomeado! – Foi porque... – Não se desculpe: você é um contínuo muito relaxado! Se o chefe não me considerasse tanto, eu estava suspenso, e a culpa seria sua! Retire-se! – Mas... – Retire-se, já lhe disse! E deve dar-se por muito feliz: eu poderia queixar-me de você!... – O contínuo saiu dali e foi vingar-se num servente preto, que cochilava num corredor da Secretaria.

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CONTO – Estou furioso! Por sua causa passei pela vergonha de ser repreendido por um bigorrilhas! – Por minha causa? – Sim. Quando te mandei ontem buscar na portaria aquele caderno de papel imperial, por que te demoraste tanto? – Porque... – Cala a boca! Isto aqui é andar muito direitinho, entendes? – Porque, no dia em que eu me queixar de ti ao porteiro estás no olho da rua. Serventes não faltam!... O preto não redarguiu.

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O pobre-diabo não tinha ninguém abaixo de si em quem pudesse desforrar-se da agressão do contínuo; entretanto, quando depois do jantar, sem vontade, no frege-moscas, entrou no pardieiro em que morava, deu um tremendo pontapé no seu cão. O mísero animal, que vinha, alegre, dar-lhe as boas-vindas, grunhiu, grunhiu, grunhiu, e voltou a lamber-lhe humildemente os pés. O cão pagou pelo servente, pelo contínuo, pelo amanuense, pelo chefe da seção, pelo diretor-geral e pelo ministro!...

POIS É, POESIA

Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805) Contra a inveja

À memória de Marília

Tu de quantos dragões o Inferno encerra

Áureo fio sutil, que teve unida

És o pior, Inveja pestilente! Morde a virtude, ao mérito faz a guerra Teu detestável, teu maligno dente:

A corpo imaculado uma alma pura, De mimoso estalou, e a sepultura Ficou do teu despojo enriquecida:

Atenas por teu mando iniquamente O defensor Temístocles desterra; O grão-Pacheco, o raio do Oriente, Por ti, cruel, sem funerais se enterra:

De mil graças lustrosa a doce vida Subiu ao cume da imortal ventura; Dois numes – Inocência, e Formosura – Vão dando ao mundo eterna despedida:

Lívidas gotas de infernal peçonha Cuspiste sobre o néctar, que a ventura Por mãos de neve me of’receu risonha:

Lá onde a morte, e a terra te devoram, Na estância do silêncio, e da tristeza, Inda, Marília, corações te adoram:

E depois de tragar-me a Parca dura, Há de ir ainda a tua voz medonha Minha cinza afrontar na sepultura.

Longe da tua divinal beleza Aos olhos que te viram, que te choram, Um túmulo parece a Natureza.

O autor aos seus versos

Sonho

C horosos versos meus desentoados,

De suspirar em vão já fatigado,

Sem arte, sem beleza, e sem brandura, Urdidos pela mão da Desventura, Pela baça Tristeza envenenados:

Dando trégua a meus males eu dormia; Eis que junto de mim sonhei que via Da Morte o gesto lívido, e mirrado:

Vede a luz, não busqueis, desesperados, No mundo esquecimento a sepultura; Se os ditosos vos lerem sem ternura, Ler-vos-ão com ternura os desgraçados:

Curva foice no punho descarnado Sustentava a cruel, e me dizia: “Eu venho terminar tua agonia; Morre, não penes mais, oh desgraçado!”

Não vos inspire, ó versos, cobardia Da sátira mordaz o furor louco, Da maldizente voz a tirania:

Quis ferir-me, e de Amor foi atalhada, Que armado de cruentos passadores Aparece, e lhe diz com voz irada:

Desculpa tendes, se valeis tão pouco; Que não pode cantar com melodia Um peito, de gemer cansado e rouco.

“Emprega noutro objeto os teus rigores; Que esta vida infeliz está guardada Para vítima só de meus furores.” Extraído de: Sonetos completos de Bocage, Núcleo, 1994.

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ARTIGO

Política externa dos Estados Unidos (séculos XX-XXI) Rogério F. da Silva

John F. Kennedy (1961-1963) O regime político imposto por Fulgencio Batista não deixava espaço para uma oposição política institucional, restando o recurso à luta armada. Os métodos de governo e a corrupção política forneceram oportunidade para que a oposição se aglutinasse em torno do advogado Fidel Castro Ruz, que tomou o poder em Cuba em 1o de janeiro de 1959. No poder, Castro implantou uma série de alterações na estrutura socioeconômica do país: nacionalizou a indústria, realizou uma reforma agrária e educacional e aproximou Cuba dos países da área socialista. Essas reformas atingiram diretamente os investimentos norte-americanos no país. Os Estados Unidos romperam relações diplomáticas com Cuba em 3 de janeiro de 1961. No dia 15 de abril de 1961, o governo norte-americano tentou realizar a ocupação militar da Baía dos Porcos, onde não obteve êxito. Depois do episódio, Fidel Castro declarou em um discurso, no dia 24 de abril, o caráter socialista do regime, aliando-se à URSS. O sucesso do regime de Castro estava diretamente ligado ao apoio soviético. Com o esfacelamento desse regime, a economia cubana passou por uma gravíssima crise, mas ainda é um dos poucos países do mundo que mantém um regime socialista. Durante o governo de John Fitzgerald Kennedy (1961-1963), foi criada a “Aliança para o Progresso”, que visava, por meio de um programa de ajuda (sobretudo econômica), neutralizar os possíveis efeitos que a Revolução Cubana pudesse vir a causar sobre os outros países da América Latina. Os Estados Unidos passaram a realizar intervenções diretas no Vietnã, envolvendo-se cada vez mais e aumentando as tensões políticas da Guerra Fria. Em outubro de 1963, havia 16 mil norte-americanos em combate no Vietnã.

Richard Nixon (1969-1974) Durante a administração Nixon, aprofundou-se o envolvimento dos Estados Unidos no Vietnã quando o presidente ordenou o bombardeamento do Camboja sob a alegação de este ser uma área de treinamento das tropas inimigas. Desde o início de seu governo, anunciou a vietnamização da guerra, isto é, tirou tropas norte-americanas do conflito e substituiu-as por tropas do Vietnã do Sul aliado. A política norte-americana para a América Latina foi de apoio aos regimes militares das nações “ameaçadas” pelo comunismo, tais como República Dominicana, Peru, Bolívia, Chile e Brasil. Ainda nesse período, os Estados Unidos se aproximaram da China, visitada por Nixon em 1972. Sua intenção era, entre outras, buscar um arranjo de equilíbrio

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de poder com a União Soviética e a China, ocupando uma posição intermediária favorável. Ainda em 1972, ocorreu o chamado caso (ou escândalo) Watergate, que consistiu na invasão da sede do Partido Democrata por cinco homens que, presos em seguida, se identificaram como funcionários do comitê para a reeleição de Nixon. Com as investigações, desvendou-se uma trama envolvendo assessores diretos do presidente. O caso agravou-se de tal forma que, em agosto de 1974, Nixon anunciou sua renúncia.

Jimmy Carter (1977-1981) Carter e o presidente panamenho Omar Torrijos chegaram a um acordo sobre a zona do canal do Panamá, que deveria ser devolvida (como de fato o foi) à soberania panamenha em 31 de dezembro de 1999. Carter também iniciou uma política de defesa dos direitos humanos por todo o mundo, sendo ela dirigida, sobretudo, à União Soviética e seus satélites, à Argentina, ao Chile e a Cuba; convém notar que tal política não se aplicava a países como Filipinas, Indonésia ou Coreia do Sul, cujas ditaduras eram francamente favoráveis aos Estados Unidos. Nesse período, a ajuda financeira concedida pelos Estados Unidos condicionava-se ao respeito pelos direitos humanos. Durante o governo Carter, ocorreu a Revolução Islâmica do Irã, que conduziu toda sua hostilidade contra os Estados Unidos, responsáveis pela manutenção do xá. A Revolução Iraniana e a ameaça à estabilidade do Oriente Médio causou preocupações tanto nos Estados Unidos quanto na União Soviética, tendo esta invadido o Afeganistão com a intenção de garantir um governo pró-Moscou nesse país. Os Estados Unidos reagiram, reativando a Guerra Fria.

Ronald W. Reagan (1981-1989) A administração Reagan caracterizou-se, entre outros aspectos, por uma afirmação dos conteúdos políticos veiculados pela Guerra Fria, procurando destacar a hegemonia dos Estados Unidos no contexto das relações internacionais. Reagan adotou uma política externa de endurecimento com o bloco socialista e todos os governos de esquerda (especialmente os da América Latina), tendo ordenado a invasão da ilha de Granada, em 1983, a fim de depor um governo de esquerda. Apoiou grupos que lutavam contra o governo de esquerda na Nicarágua (sandinistas). Com a ascensão de Mikhail Gorbachev ao poder na União Soviética, o presidente Reagan retomou as negociações com os soviéticos. Em 1987, foi assinado um acordo entre a União Soviética e os Estados Unidos que desacelerava a corrida

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ARTIGO armamentista, prevendo a destruição de mísseis nucleares. Os referidos acordos fazem parte de um processo mais amplo que culminou, entre outros aspectos, na desagregação do bloco socialista e o término da Guerra Fria.

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Otan (1999), da Polônia, Hungria e República Tcheca (antigos países do bloco socialista e, portanto, antigos adversários da aliança militar da Otan).

George W. Bush (2001-2008) George Bush (1989-1993) Bush, vice-presidente de Reagan, foi eleito em 1988 e deu sequência à política de negociações com a União Soviética. Nesse período, os Estados Unidos adotaram uma política de aproximação com a URSS, mantendo essa posição após a desintegração do bloco soviético e o desmoronamento dos governos socialistas do Leste Europeu. Durante o governo Bush ocorreu a Guerra do Golfo (1990-1991), cuja origem esteve na invasão do Kuweit pelo Iraque, que considerava esse país como parte de seu território. Tal fato provocou a intervenção direta dos Estados Unidos que, à frente de uma coalizão de trinta países, enfrentou o Iraque. A partir daí, estabeleceu-se a supremacia militar dos Estados Unidos, dando ao país uma posição hegemônica na Nova Ordem Mundial.

Bill Clinton (1993-2001) A política externa de Bill Clinton visou reforçar a liderança dos Estados Unidos no mundo e a consequente intervenção nas questões internacionais mais graves. Sua administração patrocinou, a partir de 1993, encontros entre palestinos e israelenses com vistas ao estabelecimento da paz no Oriente Médio. Israel e a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) se reconheceram mutuamente e concordaram com a autonomia provisória dos palestinos na Faixa de Gaza e Cisjordânia. Ainda nessa fase, os Estados Unidos interferiram nos Bálcãs, pondo um fim à Guerra da Bósnia (1995) e liderando tropas da Otan no bombardeio da Iugoslávia. Clinton reforçou a aliança multinacional de países para nova intervenção no Iraque (cujo governo foi acusado de produzir armas químicas), que consistiu principalmente em bombardeios aéreos sobre Bagdá e outras cidades iraquianas, causando vultosas baixas na população civil. Em 1999, o canal do Panamá foi devolvido aos panamenhos – cumprindo acordos realizados durante a administração Carter –, pondo um fim ao controle norte-americano sobre a zona do canal. A hegemonia e liderança dos Estados Unidos na Nova Ordem Mundial se fortaleceu com a inclusão, no bloco da

George Walker Bush (filho do ex-presidente George Bush) sucedeu Bill Clinton após uma acirrada disputa eleitoral com o candidato democrata Al Gore. A administração republicana se caracterizou pelo endurecimento das posições de política externa dos Estados Unidos no sentido da preservação de seus próprios interesses. Sob essa perspectiva destacam-se, por exemplo, a não ratificação do chamado Protocolo de Kyoto (sobre questões ambientais) e a adoção de uma política econômica protecionista. No dia 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos sofreram um grave atentado terrorista que resultou, entre outros aspectos, na retomada de uma política armamentista e intervencionista. O ataque foi atribuído à AI-Qaeda, liderada por Osama Bin Laden, que vivia no Afeganistão. Como as autoridades afegãs se recusaram a entregar Bin Laden, os Estados Unidos, ajudados por aliados, ocuparam aquele país no final de 2001. A doutrina defendida pelo governo norte-americano – a chamada “Doutrina Bush” – propunha atacar frontalmente os países que são, segundo seu conceito, ameaças à civilização. De acordo com essa perspectiva, o mundo se divide em dois blocos: o “eixo do bem” – de nações livres, lideradas pelos EUA – e o “eixo do mal”, do qual fazem parte o Iraque, o Irã e a Coreia do Norte. De acordo com a Doutrina Bush, o Iraque passou a ser considerado uma ameaça à paz mundial. Em março de 2003, os Estados Unidos, desconsiderando decisões da ONU e da opinião pública mundial, atacaram, com seus aliados, o território iraquiano para depor Saddam Hussein. Bagdá foi tomada em abril de 2003; os EUA declararam o término da guerra no início de maio. Em dezembro, Saddam Hussein foi capturado por tropas norte-americanas. Durante o ano de 2004, prosseguiu-se a ocupação do Iraque. Em novembro de 2004, George W. Bush foi reeleito em disputa eleitoral com o senador John Kerry, representante do Partido Democrata. Em 2006, Saddam Hussein foi condenado à morte por enforcamento pela justiça iraquiana, gerando dúvidas quanto à legitimidade do processo, sendo executado em dezembro do mesmo ano.

(ENTRE PARÊNTESIS)

Sete 7 7 7 7 7 7 = 20 Use esses seis algarismos “7” e chegue ao resultado 20. Para tanto, você deverá usar duas adições, uma divisão, uma multiplicação e uma subtração, não nessa ordem, é claro...

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[(7 + 7) ⋅ 7 7] : 7 + 7 = 20

RESPOSTA

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ESPECIAL

Teoria musical ensinada com diversão Conheça o Coral Etapa, grupo que desperta o interesse pela música através do canto m início tímido e cuidadoso; algumas canções de MPB; apresentações à capela. O Coral Etapa surgiu em março de 2010 como um experimento. Afinal, era uma atividade nova no colégio, uma forma de proporcionar aos alunos do Ensino Médio a chance de praticarem suas habilidades artísticas, mesclando diversão com conhecimentos musicais. A partir de audições realizadas pelo maestro Mário Zaccaro, o conjunto foi formado e um repertório desenvolvido. Agora, cinco anos mais tarde, o grupo segue cantando músicas de artistas brasileiros conceituados, mas com diversas opções a mais. Já incluiu na lista canções estrangeiras e conta com acompanhamento instrumental, o que garante uma dinamicidade maior às performances. Com o tempo e os muitos ensaios, as discretas participações na Gincana Cultural se expandiram para marcar presença em eventos especiais, como as apresentações com a Camerata Fukuda, considerada uma das orquestras

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de câmara mais importantes do Brasil. O Coral Etapa cresceu. E não importa onde se apresente, uma coisa é certa: o grupo sempre impressiona e arranca aplausos da plateia.

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