Jornal do Colégio - 590

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Jornal do Colégio JORNAL DO COLÉGIO ETAPA  –  2015  •  DE 30/04 A 14/05

ENTREVISTA

“O Clube do Livro e o Clube de Cinema contribuíram muito para minha escolha.” Fabio Ando Filho terminou o Ensino Médio em 2009 e entrou em Relações Internacionais na USP. Formado, trabalha em um centro de acolhida a imigrantes. Durante o curso fez estágios e um intercâmbio na França. Aqui ele fala também da importância que, no colégio, tiveram para ele o Clube de Cinema e o Clube do Livro: “Os professores traziam coisas muito diferentes e acabaram abrindo minha cabeça para o mundo”.

Fabio Ando Filho

JC – Quando e por que você escolheu o curso de Relações Internacionais? Fabio – Além de uma orientação vocacional no Etapa, do 2o para o 3o ano eu fui a um intercâmbio no Canadá. Lá, fiz alguns amigos que estavam estudando Relações Internacionais e comecei a ter mais essa ideia.

Hoje você está satisfeito com sua escolha? Acho que sim. Na verdade, brinca-se com isso na faculdade, que muitas pessoas escolheram Relações Internacionais porque não sabiam muito bem o que fazer. Mas a gente não faria diferente. Inclusive, você encontra pessoas muito interessantes em RI, todo mundo muito engajado, pessoas muito críticas. Acaba sendo uma experiência que vale a pena.

Além das aulas, você participou de atividades extra­cur­r iculares durante o Ensino Médio? Sempre joguei basquete. Mas uma parte bem importante da minha passagem pelo colégio foi participar intensamente, no 2o ano, da montagem do Clube de Cinema. No 3o ano, quando entrou o Clube do Livro, eu e meus amigos íamos toda semana. O Clube do Livro e o Clube de Cinema contribuíram muito para minha escolha pela área de Humanas e até por Relações Internacionais. Durante um tempo eu me dediquei a ter esse acúmulo cultural de cinema e literatura. ENTREVISTA

Carreira – Relações Internacionais

No 3o ano você teve de mudar sua rotina para se pre­ parar para os vestibulares? Eu dedicava mais tempo ao estudo, mas era tranquilo porque no 1o e no 2o ano era bem puxado, com prova todo dia. Não abri mão das coisas que eu gostava de fazer. No dia 2 de janeiro, véspera da 2a fase da Fuvest, fui ao cinema relaxar.

Como foi sua adaptação no curso de Relações Inter­ nacionais? Achei tranquila. Como sou bem ativo, acaba não sendo um problema me adaptar. Tanto no Etapa quanto na faculdade eu entrei com a ideia de aproveitar o que tinham a oferecer.

Onde eram as aulas antes do prédio do Instituto de Relações Internacionais ter sido construído? As matérias do ciclo básico foram todas na FEA.

O ciclo básico cobre que período do curso? Os dois primeiros anos. A gente tem uma matéria de cada área, Economia, História, Ciências Políticas, Metodologia de Pesquisa.

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CONTO

Será o Benedito! – Mário de Andrade

Os professores traziam coisas muito diferentes e acabaram abrindo minha cabeça para o mundo.

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Teatro Grego

ESPECIAL

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Expandindo horizontes

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ENTREVISTA

Durante o curso, você participou de atividades extra-aula? Do 2o para o 3o ano eu fiz iniciação científica. A área que pesquisei era Opinião pública e Política externa. Acabei me envolvendo mais com Ciências Políticas, mas no final foquei em Sociologia.

Quanto tempo durou a iniciação científica? Um ano e meio, do final de 2011 até o começo de 2013.

Você recebeu bolsa de estudos?

tinha vontade o tempo todo de ficar interrogando o professor, que é o que a gente faz na USP, onde se debate muito. Senti um pouco de falta disso.

Onde você ficou hospedado? Fiquei alojado na Cidade Internacional Universitária, no centro de Paris. Não é fácil conseguir isso, dei muita sorte. A Cidade Universitária é só residencial e cada casa é de um país. Eu consegui por acaso uma vaga na casa do Camboja. Foi maravilhoso.

Tive bolsa do CNPq.

Além da França, você conseguiu visitar outros países na Europa?

Além da iniciação científica, o que mais você destaca?

Consegui. Fiz viagens para o Leste Europeu, tinha essa fascinação desde o Clube de Cinema do Etapa. Guardo com carinho a memória de alguns filmes sobre a região e acabei tendo interesse em conhecer. Fui para a Eslováquia, Hungria, Croácia, Bósnia. Daí fui para o norte da África – Marrocos, Tunísia. Na Tunísia, fui com uns amigos ao Fórum Social Mundial que teve lá. A gente participou de uns debates. Passei pelo sul da Espanha e depois fiquei um mês na Rússia, passeando. Estudo russo também, fui lá conhecer. Uma experiência incrível.

Joguei basquete durante toda a faculdade. Basquete e handebol também. E em 2010 e 2011 participei um pouco da Empresa Júnior. Depois me envolvi no Centro Acadêmico, onde havia discussões sobre política e sobre a nossa concepção pedagógica de Relações Internacionais. Também acabei me aproximando do Educar para o Mundo, um grupo de extensão do curso de Relações Internacionais. O grupo tem duas frentes de atuação, a educação popular e a questão dos direitos humanos dos migrantes na capital paulista. Hoje estou trabalhando nessa área.

Onde é seu trabalho? Trabalho no Centro de Referência e Acolhida para Imigrantes, da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. Outra coisa que eu faço é dar aula de Inglês em um cursinho popular do Núcleo de Consciência Negra da USP.

Você fez estágio durante o curso? Fiz dois estágios. O primeiro, em 2011, no começo do 2o ano, foi na Abipe (Associação Brasileira de Intercâmbio Profissional e Estudantil), programa Iaeste (International Association for the Exchange of Students for Technical Experience). Na Abipe eu cuidava dos trâmites do pessoal que queria fazer intercâmbio, ajudava na questão de documentação, visto, moradia, encontrar programas edu­ cacionais para eles. Fiquei sete meses nesse estágio. Depois fui fazer intercâmbio durante seis meses.

Na volta para a USP, o que você fez? Quando voltei fiz estágio na USP mesmo, no Centro Ibero-Americano, Ciba-USP, que faz parte da estrutura de Núcleos de Apoio à Pesquisa da Pró-Reitoria de Pesquisa e está vinculado ao Instituto de Relações Internacionais.

O que você fazia no Ciba? Um pouco de tudo. A gente organizava uma carta de estudos na pós-graduação. Vem um monte de especialistas em diversas áreas e as pesquisas são sobre a temática ibero-americana. Organizava um pouco os projetos, os eventos, recebia as autoridades. Às vezes fazia uma análise de contexto. Também organizei uma conferência.

Você ficou quanto tempo no Ciba? Um ano. De meados de 2013 a meados de 2014.

Como foi esse intercâmbio?

No último ano do curso, qual era sua maior preocupação?

No primeiro semestre de 2013 fui para a França, para o Institut d’Études Politiques, de Paris, mais conhecido como Sciences Po. Ele tem convênio com vários países e o que você vê lá é um pessoal da elite de cada país que vai para se formar e ser gestor quando voltar para casa. O perfil lá é bem diferente do da USP.

Era o que fazer depois de formado. Em Relações Internacionais a gente acaba fazendo um monte de coisas, mas isso pode ser um ponto negativo, você acaba não tendo uma especialidade para apresentar. O curso forma profissionais bem capazes, mas com um campo restrito de atuação. Eu me envolvi nos últimos tempos com a educação popular, só que não posso pleitear um emprego formal de educação porque não sou pedagogo. Esses fatores limitantes nos deixam preocupados. Quando me formei fiz uns bicos, tradução e outras coisas que vão aparecendo, mas tinha essa preocupação: “O que vou fazer?”.

Como é essa diferença? Para mim, o que ficou diferente foi que na USP existe um pensamento crítico, mais afinado. Lá não se encontra muito quem vai questionar o que o professor está falando. Eu


ENTREVISTA Como é seu trabalho atual? Entrei em dezembro. Meu primeiro emprego de carteira assinada. Eu fico num abrigo onde moram 110 pessoas. Meu cargo é de orientador social.

Quantas pessoas trabalham nesse abrigo? O diretor, dois agentes ativos, o advogado e dois assistentes sociais. Funciona sempre com duas pessoas em plantões de 12 horas, com descanso de 36. A gente dá suporte para os imigrantes.

Lá tem pessoas de quais países? Tem do mundo inteiro. A maioria é da África e do Haiti. Agora estão chegando muitos árabes também.

De que país? Da Síria. Acompanha o fluxo normal de imigração de São Paulo. Não tem muita diferença.

Como está a situação do profissional de Relações Inter­ nacionais no mercado de trabalho? É difícil precisar a situação do profissional de RI. Cada um de meus amigos está num momento diferente, num lugar diferente. Não consigo formular o mercado de RI. Atividades normais da carreira seriam diplomacia, trabalhar com consultoria de política externa, mas do meu círculo poucas pessoas trabalham nessas áreas. Tem muita gente seguindo na área acadêmica, um pessoal ingressando no mestrado de Ciências Políticas, Sociologia, Economia. Muitas pessoas trabalham no Terceiro Setor, muitas pessoas trabalham na Prefeitura, em diversas áreas, relações internacionais, direitos humanos, meio ambiente, planejamento. Não é fácil, na verdade seria fácil se todo mundo tivesse espírito empresarial, mas esse não é o foco do curso da USP.

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Com relação ao que você estudou na faculdade, está de acordo com o que você vê no dia a dia profissional? Vendo a parte educacional da faculdade, não acho que nem de longe a sala de aula foi o principal da minha formação. Principalmente, acho que o que a gente faz fora da faculdade é que nos dá a experiência de que precisamos. Agora, por exemplo, com os refugiados, do que precisamos para trabalhar ali? Precisamos de sensibilidade, precisamos entender além do que vemos no noticiário. A gente desenvolve um pouco disso em sala de aula a partir do que buscamos com nossa curiosidade, nossos estudos.

Você acha que o principal da faculdade foi a relação com outras pessoas, com outras realidades? Na faculdade há um espaço muito estimulante, de debates, de construção de ideias, de construção de projetos. Por isso, agora que me formei, optei por morar com uns amigos da faculdade, porque a gente consegue ter esse diálogo, essa construção. Essa não é uma opinião só minha, várias pessoas de RI vão dizer que a melhor parte da faculdade é a vivência com as outras pessoas.

Como o Etapa foi importante para você? Eu encontrei aqui professores de Humanas que ampliaram minhas ideias. Isso foi muito legal. Nas aulas de Literatura a gente conseguia discutir, debater bastante. O ápice mesmo foram o Clube do Livro e o Clube de Cinema. Havia o interesse dos professores em fazer a gente dialogar e isso com certeza ficou.

Você ainda tem amigos do Etapa? Tenho, principalmente o pessoal que foi para as Humanas da USP. A gente faz projetos juntos.

Você pensa em continuar estudando?

Que recordações você tem da sua época no colégio?

Sim. Meus planos para o futuro incluem continuar estudando. Na área de Sociologia. Quero partir para o mestrado, para fazer pesquisa.

Sofre-se um pouco, mas principalmente pela idade foi um momento de transformação. Você amadurece bastante no colegial aqui, aprende a se virar, aprende a estudar. Acho que a recordação é essa, um momento de transição, de transformação.

Como você se imagina daqui a 10 anos? Paro para pensar todo dia, mas ainda não consegui encontrar uma resposta. Acho que tem a ver com esse perfil meio de estar construindo sempre coisas novas, buscando. Não é um perfil tradicional. Eu sei que essa pergunta é feita a muitas pessoas e a resposta é que em cinco anos querem estar em um cargo de gerência, em dez anos vão abrir empresa própria. Para a gente de RI é continuar construindo a partir das ferramentas desenvolvidas durante o tempo de formação. Mas daí até eu chegar a um ponto, está em aberto ainda.

Jornal do Colégio

Você quer dizer mais alguma coisa para nossos alunos? Em termos de vestibular é não viver encanado com isso, tentar não deixar de lado as coisas normais da vida. Eu tinha essa diretriz de não deixar de lado a vida por causa do vestibular. É o momento de estudar, mas também é o momento de passagem, de amadurecimento. O que faz diferença mesmo é você aproveitar todas as experiências que pode ter neste momento.

Jornal do Colégio ETAPA, editado por Etapa Ensino e Cultura REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343


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CONTO

Será o Benedito! Mário de Andrade

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primeira vez que me encontrei com Benedito, foi no dia mesmo da minha chegada na Fazenda Larga, que tirava o nome das suas enormes pastagens. O negrinho era quase só pernas, nos seus treze anos de carreiras livres pelo campo, e enquanto eu conversava com os campeiros, ficara ali, de lado, imóvel, me olhando com admiração. Achando graça nele, de repente o encarei fixamente, voltando-me para o lado em que ele se guardava do excesso de minha presença. Isso, Benedito estremeceu, ainda quis me olhar, mas não pôde aguentar a comoção. Mistura de malícia e de entusiasmo no olhar, ainda levou a mão à boca, na esperança talvez de esconder as palavras que lhe escapavam sem querer: – O hôme da cidade, chi!... Deu uma risada quase histérica, estalada insopitavelmente dos seus sonhos insatisfeitos, desatou a correr pelo caminho, macaco-aranha, num mexe-mexe aflito de pernas, seis, oito pernas, nem sei quantas, até desaparecer por detrás das mangueiras grossas do pomar.

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Nos primeiros dias Benedito fugiu de mim. Só lá pelas horas da tarde, quando eu me deixava ficar na varanda da casa-grande, gozando essa tristeza sem motivo das nossas tardes paulistas, o negrinho trepava na cerca do mangueirão que defrontava o terraço, uns trinta passos além, e ficava, só pernas, me olhando sempre, decorando os meus gestos, às vezes sorrindo para mim. Uma feita, em que eu me esforçava por prender a rédea do meu cavalo numa das argolas do mangueirão com o laço tradicional, o negrinho saiu não sei de onde, me olhou nas minhas ignorâncias de praceano, e não se conteve: – Mas será o Benedito! Não é assim, moço! Pegou na rédea e deu o laço com uma presteza serelepe. Depois me olhou irônico e superior. Pedi para ele me ensinar o laço, fabriquei um desajeitamento muito grande, e assim principiou uma camaradagem que durou meu mês de férias.

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Pouco aprendi com o Benedito, embora ele fosse muito sabido das coisas rurais. O que guardei mais dele foi essa curiosa exclamação, “Será o Benedito!”, com que ele arrematava todas as suas surpresas diante do que eu lhe contava da cidade. Porque o negrinho não me deixava aprender com ele, ele é que aprendia comigo todas as coisas da cidade, a cidade que era a única obsessão da sua vida. Tamanho entusiasmo, tamanho ardor ele punha em devorar meus contos, que às vezes eu me surpreendia exagerando um bocado, para não dizer que mentindo. Então eu me envergonhava de mim, voltava às mais perfeitas realidades,

e metia a boca na cidade, mostrava o quanto ela era ruim e devorava os homens. “Qual, Benedito, a cidade não presta, não. E depois tem a tuberculose que...” – O que é isso?... – É uma doença, Benedito, uma doença horrível, que vai comendo o peito da gente por dentro, a gente não pode mais respirar e morre em três tempos. – Será o Benedito... E ele recuava um pouco, talvez imaginando que eu fosse a própria tuberculose que o ia matar. Mas logo se esquecia da tuberculose, só alguns minutos de mutismo e melancolia, e voltava a perguntar coisas sobre os arranha-céus, os “chauffeurs” (queria ser “chauffeur”... ), os cantores de rádio (queria ser cantor de rádio... ), e o presidente da República (não sei se queria ser presidente da República). Em troca disso, Benedito me mostrava os dentes do seu riso extasiado, uns dentes escandalosos, grandes e perfeitos, onde as violentas nuvens de setembro se refletiam, numa brancura sem par. Nas vésperas de minha partida, Benedito veio numa corrida e me pôs nas mãos um chumaço de papéis velhos. Eram cartões postais usados, recortes de jornais, tudo fotografias de São Paulo e do Rio, que ele colecionava. Pela sujeira e amassado em que estavam, era fácil perceber que aquelas imagens eram a única Bíblia, a exclusiva cartilha do negrinho. Então ele me pediu que o levasse comigo para a enorme cidade. Lembrei-lhe os pais, não se amolou; lembrei-lhe as brincadeiras livres da roça, não se amolou; lembrei-lhe a tuberculose, ficou muito sério. Ele que reparasse, era forte mas magrinho e a tuberculose se metia principalmente com os meninos magrinhos. Ele precisava ficar no campo, que assim a tuberculose não o mataria. Benedito pensou, pensou. Murmurou muito baixinho: – Morrer não quero, não sinhô... Eu fico. E seus olhos enevoados numa profunda melancolia se estenderam pelo plano aberto dos pastos, foram dizer um adeus à cidade invisível, lá longe, com seus “chauffeurs”, seus cantores de rádio, e o presidente da República. Desistiu da cidade e eu parti. Uns quinze dias depois, na obrigatória carta de resposta à minha obrigatória carta de agradecimentos, o dono da fazenda me contava que Benedito tinha morrido de um coice de burro bravo que o pegara pela nuca. Não pude me conter: “Mas será o Benedito!...”. E é o remorso comovido que me faz celebrá-lo aqui. São Paulo, 2a. quinzena de outubro de 1939. (no 145) Texto extraído do livro “Será o Benedito!”, Editora da PUC-SP, Editora Giordano Ltda. e Agência Estado Ltda. - São Paulo, 1992, p. 66, uma colaboração de João Antônio Bührer e seus “Arquivos lmpagáveis”.


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Teatro Grego Rogério F. da Silva

Marie-Lan Nguyen/Creative Commons

O Teatro na Grécia O teatro grego parece ter origem no culto a Dionísio (deus da orgia, do vinho, da embriaguez e do entusiasmo). As lamentações pela morte do deus eram expressas por seres que representavam as forças instintivas da natureza (sátiros) e eram acompanhadas de vozerios na ressurreição do mesmo deus. Esses rituais – conhecidos como ditirambos – eram repletos de danças, acompanhados de movimentos dramáticos. Sacrificar um animal (geralmente um bode), ou amarrar e espancar um escravo e expulsá-lo da cidade eram, Réplica da escultura de Dionísio, deus da festa e do vinho. também, traços do ritual.

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Existem duas formas de entender a origem histórica do teatro. Uma remonta as raízes ao já estruturado teatro grego, e a outra diz que o teatro não é só o produto da cultura, mas a função natural do ser humano. Do segundo ponto de vista, o teatro teria nascido da evolução do homem. O homem traz em si vontades ou necessidades impe­ riosas que são capazes de formar mágicas e mistificar qualquer momento da existência. Assim, as necessidades – religiosas, lúdicas, amorosas, ou a luta contra o mal, a von­ tade de adivinhar – tecem a essência do drama. Antes da Grécia, o mundo da magia cria o ator. O sacer­ dote é o elo entre o representante e o representado do poder oculto e utiliza-se de todas as artimanhas para prender a atenção do espectador. Quando a prática da magia atinge o clã, está iniciado o drama. A evolução do teatro é gradativa. Os primeiros rituais de magia começam a ampliar a trama e as paixões neles contidas. Mas, até que a evolução da cultura humana se tornasse complexa, as formas do drama eram primitivas. Somente na Grécia houve necessidade de ampliar as determinações do drama e lhe dar contornos definidos. Ao atingir a maturidade, o drama faz a primeira transição do ritual para a arte e dá o primeiro passo para a caracterização do conteúdo amplamente humano. Nasce o teatro, que logo passa a ser a arte primeira. Combina a ação dramática com a poesia e pede auxílio à música, à pintura e à escultura, resultando num poderoso órgão para a expressão da experiência e do pensamento humano.

Foi sob a influência dessas evoluções nos rituais que Téspis trabalhou. Seu trabalho foi retomado por outros, entre eles Ésquilo, que estaria destinado a fazer da dramaturgia uma das mais altas aspirações da humanidade ocidental.

Teatro de Dionísio visto do alto da Acrópole, em Atenas, Grécia.

A Estrutura do Teatro Inicialmente, o teatro contava com um ator que se modificava utilizando máscaras. Existia um coro e o diálogo – no princípio, raro – era travado. Posteriormente, foram anexadas as máscaras femininas, o que tornava um pouco mais aberta a possibilidade de contato com o humano, e, consequentemente, ampliava as dimensões da trama. Foram introduzidos o segundo e terceiro atores (que se multiplicavam pelo uso da máscara), aumentaram-se os personagens mudos, e o efeito de multidões foi obtido por Máscara teatral produzida em mármore no século III a.C. meio do coro. Os figurinos foram enriquecidos e a estatura dos atores, pela utilização de solados altos, foi aumentada. Houve a necessidade da casa de espetáculos – em Atenas, o teatro abrigava mais de vinte mil pessoas – e aprofundaram-se as técnicas de cenografia e os estudos de acústica.

Os Grandes Trágicos 1. Ésquilo Nasceu perto de Atenas, cerca de 525 a.C. Militar, lutou contra os persas na Ásia Menor e participou de várias outras batalhas. Como teatrólogo, é considerado o “pai da tragédia grega”. Reformulou os modelos do drama, acrescentando mais um ator (antes se apresentava

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Origens do Teatro


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Prometeu acorrentado – Tragédia de pouca ação, tem por trama a evolução dos deuses em cumprimento da lei das necessidades. No início, Prometeu é levado pela Força e pela Violência a uma montanha do Cáucaso e lá é amarrado pelo deus ferreiro Hefaísto, que cumpre sua tarefa a contragosto. Quando só, Prometeu dirige-se à Natureza e sobretudo à mãe Têmis ou Terra. O acorrentado possui o dom da previsão e sabia que, se levasse o fogo aos homens, estaria condenado. Mesmo assim, desafiou Zeus (Júpiter) por ter piedade dos homens. Contudo, suportará o fado, seguro do conhecimento de que a Necessidade ou Destino acabará por encerrar sua luta com Zeus e o redimirá do tormento. Logo ao assumir o poder, Zeus pretendia exterminar a humanidade e substituí-Ia por outra raça. Mas Prometeu tinha outros planos. Primeiro libertou os homens do medo da morte, depois ofereceu-lhes o fogo que, mais tarde, os libertou do temor, tornando-os capazes de criar ferramentas. Oceano (ancião) covardemente lhe indica o caminho da submissão, e Prometeu desdenha os conselhos do ancião. Deixado a sós com as ninfas do mar, o titã expõe com maiores detalhes seu método para salvar a humanidade por meio da arte e da ciência. Ele daria aos homens a Memória. Entra Io em cena, outra vítima dos deuses olímpicos. A donzela é arrastada de um país para outro por uma mosca enviada por Hera (esposa ciumenta de Zeus). Prometeu conta à jovem que Zeus não é eterno. Se ele esposar uma terrena, nascerá uma criança que o destronará. Nesse momento, Hermes (mensageiro) chega com ordens de descobrir o segredo; como Prometeu permanece quieto, Zeus lança mão da força. Raios e trovões são atirados do céu. O final da peça não esgota o mito de Prometeu, fixa o deus destemido e silencioso.

Após fazer triunfar uma providência moral dos deuses no universo, só restava a Ésquilo fazer com que a vontade deles prevalecesse sobre os homens – volta-se, então, para o drama do homem e começa uma longa série de peças em que trabalha a maldição familiar e a formação do Estado tebano. A maldição começa com Laios, homossexual liber­ tino que rapta um jovem. Pélops, pai do rapaz, amaldiçoa Laios. A maldição realiza-se no mito de Édipo; continua na prole do casamento incestuoso quando os dois filhos de Édipo se matam numa luta obstinada pelo poder. Meditando sobre a primitiva história do homem, repleta de sangue, Ésquilo recusa-se a explicações pré-fabricadas, fazendo registros de parricídios, incestos, fratricídios e conflitos políticos.

2. Sófocles Nascido provavelmente em 496 a.C., era filho de rico comerciante de espadas. Desde cedo participou da vida teatral, interpretando papéis femininos (a mulher não tinha acesso ao palco no Teatro Grego). Foi sacerdote e, embora não tivesse predisposição para a política, foi nomeado duas vezes para a Junta dos Generais que administrava os negócios civis e militares de Atenas. Já velho, uniu-se a Busto de Sófocles. uma cortesã, com quem teve um filho. Iofan, seu filho legítimo, temendo que o pai legasse bens para o irmão, moveu uma ação judicial acusando o teatrólogo de senil e incapaz. Levado à presença dos juízes, Sófocles defendeu-se lendo parte da peça Édipo em Colona e foi absolvido. Morreu em 406 a.C., cantando versos de Antígona. Trouxe contribuições fundamentais ao desenvolvimento da tragédia. Suas peças apresentam inovações no campo da cenografia. Reduz o número de integrantes do coro, acrescenta atores. Suas peças têm como tema os mitos simultaneamente divinos e heroicos, sendo que os heróis representam o elo entre o mundo dos homens e dos deuses. Obras: de sua vasta obra, só restam sete peças completas – Antígona, Ajax, Édipo rei, Electra, As traquínias, Filoctetes e Édipo em Colona. A Sófocles pertencem duas das maiores tragédias da literatura dramática mundial: Édipo rei e Antígona, escritas em 442 a.C., em que trabalha dois conflitos básicos, as pretensões rivais do Estado e da consciência individual. Antígona – Tem início quando a jovem entra no palco com um discurso no qual exprime a intenção de enterrar o irmão, embora haja um edito que a proíbe. Depois de discutir com a irmã – Ismena –, corre a fim de prestar ao irmão essa última homenagem. Creonte, sabendo que o morto havia sido enterrado, chama Antígona, que, em vez de fraquejar ante o governante, desafia-o, alegando que as suas leis

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somente um ator, que dialogava com o coro ou corifeu – chefe do coro); dessa forma, centrou o interesse nos atores, reduzindo a função do coro. São atribuídas a ele inúmeras outras modificações, entre elas a introdução da cor nas máscaras, a adoção dos coturnos (sandálias de sola alta que davam maior estatura, servindo para destacar o herói) e as túnicas de mangas largas. Trabalha, sobretudo, os Busto de Ésquilo. mitos e o destino da coletividade, mas valoriza o indivíduo, sendo Prometeu o símbolo da condição humana. Morreu em 456 a.C., na Sicília. Autor de dezenas de peças, sendo que sete sobreviveram integralmente. Obras: As suplicantes, Prometeu acorrentado, Os persas, Os sete contra Tebas e a trilogia Oréstia (Agamenon, As coéforas e As eumênidas).

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Édipo rei – Considerada uma das maiores obras da dra­ maturgia universal, na qual Sófocles busca desvendar o enigma do destino. O acidente – a morte de Laios – dá-se antes do início da peça. Édipo mata o pai e desposa a própria mãe, Jocasta, sem sabê-lo, e ninguém poderia impedir a consumação da tragédia. Édipo não é culpado, é simplesmente um personagem forte, corajoso, nobre, que busca obstinadamente descobrir a verdade sobre si mesmo. Quando tem início a peça, um grupo de tebanos busca o rei para que afastasse a maldição que está sobre Tebas. Tirésias, o adivinho cego, diz que só será extirpado o mal ao se descobrir quanta desgraça há em volta do rei. Perseverante, vai deduzindo e chegando ao ápice de sua desventura. Édipo foi criado por Políbio e, ouvindo adivinhos do Oráculo dizendo que ele haveria de matar o próprio pai e desposar a mãe, foge atormentado e refugia-se em Tebas, desposando a mulher de Laios, rei tebano assassinado por um desconhecido. Sábio e inteligente, Édipo vai buscar o assassino de Laios e descobre ter sido ele mesmo. Entrementes, ouve de um pastor o relato de sua origem e, finalmente, quando descobre toda a verdade, alucinado, vaza seus olhos para não ver mais as infelicidades que o rodeiam.

3. Eurípedes Muito pouco se conhece sobre as origens de Eurípedes. Parece ter nascido em 484 a.C. Foi discípulo de filósofos como Anaxágoras e Protágoras, cujas ideias o influenciaram. Foi também treinado em atividades atléticas, que logo abandonou, preferindo a pintura e a música – usando esta para compor a parte cantada de suas tragédias. Sob o governo de Péricles – a quem admirava a ponto de exaltá-lo –, Eurípedes

viu Atenas florescer. Acusado provavelmente de blasfêmia, foi exilado primeiro na Ásia Menor e depois transferiu-se para a Macedônia, onde se hospedou na corte do rei Arquelau. Morre aí em 406 a.C. A estrutura de suas peças pouco difere daquelas de Ésquilo e Sófocles, escrevendo sobre deuses e heróis da Grécia, refletindo a cultura ateniense de sua época. Introduziu o prólogo – um Busto de Eurípedes. resumo dos antecedentes, isto é, os acontecimentos que levaram àquele momento trágico. É considerado o autor que humaniza as tragédias, sendo seus personagens homens que agiam e sentiam-se como tal. Escreveu uma centena de peças, das quais conhecemos inteiras um drama satírico – O ciclope – e dezessete tragédias: Alceste, Medeia, Hércules, Os heráclidas, Hipólito coroado, Hécuba, As suplicantes, Andrômaca, As troianas, Íon, Electra, Ifigênia em Táuride, Helena, Orestes, As fenícias, Ifigênia em Áulis e As bacantes.

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não eram as dela: “Não fui feita para o ódio e sim para o amor”. Creonte a condena à morte (emparedada em uma caverna e lá abandonada), não ouvindo os rogos da irmã e do próprio filho, Hemon, a quem Antígona era prometida. Sem se arrepender, mas lamentando o seu destino (era filha de Édipo), a jovem é arrastada para fora de cena. Um coro de senadores também permanece surdo aos apelos, reprovando-a pela audácia. Eles são também Estado. Uma reviravolta processa-se, repentinamente, quando Tirésias – profeta e sacerdote cego – entra em cena e amaldiçoa o ato de Creonte, advertindo-o de que será punido pelos deuses. Embora acredite que Tirésias havia sido subornado, fica o governante perturbado pela profecia do sacerdote. E, embora amargo, submete-se dando ordem para libertar Antígona. A ansiedade o assalta quando percebe seu atraso, e logo são confirmadas as grandes mágoas que o esperam. Antígona preferiu enforcar-se; Hemon, ao ver o corpo da noiva inerte, apunhalou-se; Eurídice, a mãe do rapaz, quando é informada de que perdeu seu único filho, suicida-se. Creonte está destruído contrar qualquer consolo e dificilmente conseguirá en­ entre os Senadores.

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Medeia – Filha do rei Eetes, Medeia é uma princesa que trai seu pai e seu irmão a fim de salvar a vida de Jasão (herói dos Argonautas), com quem se casa. Após anos, já na Grécia, Jasão começa a ficar cansado da mulher e busca outra ligação, mais jovem e mais conveniente politicamente. Quer se casar com a princesa de Corinto e assim se tornar o sucessor do trono. Mas o homem fez seus cálculos sem contar com a esposa. Desprezada, ameaçada de viver no exílio e enlouquecida pelo ciúme, Medeia articula a mais completa vingança. Usando uma veste envenenada, levada pelos seus dois filhos ao palácio real, ela consegue o primeiro trunfo – assassina a princesa e o próprio rei, vítimas dos venenos da mulher. Em seguida, para vingar-se completamente do homem que a humilhou, atrai para si seus dois filhos e os mata.

A Comédia A comédia antiga iniciava-se com uma cena de caráter explosivo, passada entre as personagens, na qual eram expostos o cenário e a história. O coro muitas vezes estava fantasiado. No palco, o coro permanecia durante toda a ação, nela participando com muita liberdade. Um ponto alto da comédia era a disputa. Duas personagens, trocando pontos de vista diferentes, discutiam até a derrota de uma delas – em geral com uma corrente de insultos e injúrias. Enquanto os atores se retiravam do palco, o coro dirigia para a plateia um discurso altamente pessoal (parábase), no qual emitia as opiniões do dramaturgo. Algumas vezes criticava figuras importantes que estavam na plateia, chegando a injúrias. Encerrando o discurso, os atores voltavam em cenas curtas e a peça terminava com a representação das consequências da disputa.


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ARTIGO

Aristófanes Pouco se sabe sobre a vida do comediógrafo. Sabe-se que foi conservador aristocrático que encarava com irritação todas as rupturas com uma Atenas mais antiga e afortunada que ele dificilmente poderia ter conhecido, já que nasceu

por volta de 445 a.C. O ímpeto do seu pensamento levou-o a extremos irracionais com seus constantes ataques ao dramaturgo Eurípedes e ao filósofo Sócrates. Obras: As nuvens (em que satiriza os métodos de Sócrates), As vespas e As rãs.

ESPECIAL

Expandindo horizontes Em palestra, pais dos alunos puderam conhecer mais sobre o estudo internacional

H

á 15 anos o Colégio Etapa envia alunos para as melhores universidades no exterior, sempre obtendo resultados expressivos – um destaque que nenhuma outra escola brasileira consegue alcançar de maneira tão sólida. A realização desses sonhos é o reflexo de muita dedicação e comprometimento. Em 2015, foram 36 aprovados em 96 instituições nos Estados Unidos e no mundo. Para isso, todos os anos a equipe do Etapa auxilia os estudantes neste processo. Em uma palestra ministrada pela coordenadora do Etapa Internacional, Laila Parada-Worby, os pais dos alunos do Ensino Médio tiveram a chance de conhecer o processo de admissão das universidades internacionais e como a escola e a família podem ajudar neste momento decisivo. O nosso ex-aluno Mario Curiki, aprovado em Columbia, também esteve presente para contar sobre as suas experiências. Além do contato com uma nova cultura e do aprofunbém têm um peso grande, já que as universidades estão indamento do idioma, um motivo que faz com que os jovens teressadas em estudantes que possam contribuir de formas demonstrem um interesse cada vez maior na vivência indiversas – seja nas artes, no empreendedorismo, nos esporternacional é a formação multifacetada. Afinal, nos Estados tes ou em qualquer outro campo. Unidos, há a possibilidade de se explorar diferentes áreas Portanto, é importante começar a estruturar a candidatuem uma única graduação. O ensino de excelência e as cora idealmente no início do Ensino Médio, pois os processos nexões feitas também são razões importantes a serem conde admissão exigem grande dedicação e atenção por parte sideradas. do estudante. A equipe do Etapa Internacional estará preNo entanto, é necessário analisar bem as opções, pois sente para ajudar os alunos em cada fase do processo e estudar no exterior também conta com alguns desafios – os para passar todas as informações necessárias para que eles custos, o choque de cultura e até mesmo possíveis diferensejam bem-sucedidos e consigam alcançar seus sonhos. ças significativas nas formações profissionais, como ocorre em Medicina e em Direito. Por isso, é importante pesquisar a fundo as possibilidades – assim como as AGENDA CULTURAL universidades que se encaixam em cada perfil. A partir daí, o candidato São Paulo – Clube de Cinema (quintas, das 19h10min às 20h30min, sala 65) precisa começar a se preparar para 30.04 – Across the Universe (Julie Taymor: 2007) o processo de admissão. 07.05 – Birdman (Alejando G Iñárritu: 2015) As exigências e qualidades anali14.05 – Meu ódio será tua herança (Sam Peckinpah: 1969) sadas variam de país para país, mas Valinhos – Clube de Cinema (sextas, das 14h05min às 16h05min) um bom desempenho acadêmico é 08.05 – Drácula de Bram Stoker (Francis Ford Coppola: 1992) sempre essencial. Em vários casos, 15.05 – No tempo das diligências (John Ford: 1939) as atividades extracurriculares tam-


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