591
Jornal do Colégio JORNAL DO COLÉGIO ETAPA – 2015 • DE 15/05 A 28/05
ENTREVISTA
“Foi essencial para mim a formação muito forte em Humanas que recebi no Etapa.” Thiago Santos do Nascimento formou-se na São Francisco no final de 2013 e em 2014 iniciou o curso de Ciências Sociais na Unifesp. “Apesar de amar a carreira de Direito, eu queria me aprofundar mais na área de Humanas. Com uma formação também em Política e Sociologia, o advogado consegue lidar melhor com os conflitos. Eu quero ser esse profissional”.
Thiago Santos do Nascimento
JC – Você se formou em Direito na USP. Como foi a escolha da carreira? Thiago – Desde a 8a série eu sabia que queria seguir a magistratura, queria ser juiz.
nas. Fui medalhista na Olimpíada de Astronomia. Cheguei a fazer aqui o curso de Espanhol. Também gostava de frequentar o Clube de Cinema. Depois de sair daqui eu continuei vindo ao Clube de Cinema durante alguns anos, porque realmente é muito legal.
Além da Fuvest, você prestou outros vestibulares?
Qual foi a importância dessas atividades para você?
Só prestei Fuvest. Eu queria a São Francisco. É a única faculdade pública de Direito na cidade de São Paulo.
O Clube de Cinema, as atividades extras e a postura dos professores foram essenciais para minha formação como pessoa.
Como você veio estudar no Etapa?
O que mudou quando você passou a estudar de manhã, no 3o ano?
Eu sabia que tinha de procurar a rede privada de ensino porque infelizmente a rede pública tem uma série de deficiências. Minha família não tinha condições financeiras, eu fiquei sabendo da prova de bolsa do Etapa, prestei a do primeiro semestre e entrei no 1o ano do Ensino Médio.
Como foi seu início no colégio? Um choque, porque a rotina do Etapa é bem rígida. Mas foi o necessário para eu me desenvolver como estudante. Todo o esquema de auxílio, de plantão, usufruí ao máximo para alcançar os níveis exigidos pela escola. Eu gostei bastante.
Você estudava de manhã ou à tarde? Nos dois primeiros anos eu estudei à tarde. Chegava aqui cedo, às 9 horas da manhã, ficava estudando até a hora do almoço, tirava dúvidas da prova do dia. Fazia também as aulas de Olimpíada de Química, de que eu gostava bastante. Fiz a preparação apeENTREVISTA
Carreira – Direito CONTO Lisetta – Antônio de Alcântara Machado
No 3o ano o Etapa ajudou bastante a gente a se organizar. Tem um conjunto de revisão, tem as aulas, não foi uma dificuldade me organizar. Eu acho que peguei bastante pesado no estudo no 1o e no 2o ano, tanto que no 3o ano consegui desacelerar um pouco, fazer mais revisão.
Você entrou no curso matutino da São Francisco. Como foi no início? No início o choque é a falta de organização. No Etapa temos um acompanhamento muito bom de todas as nossas atividades acadêmicas, um calendário de provas etc. A faculdade pública manda você se virar. É um 1o ano bem difícil para você pegar o ritmo. Sem suporte, você tem de buscar todas as informações sozinho. Ao mesmo tempo, como eu entrei numa faculdade de Humanas, foi essencial para mim a formação muito forte em Humanas que recebi no Etapa.
ARTIGO
1
Descobrimentos do Brasil
ESPECIAL
5
ENTRE PARÊNTESIS
4
Você também se salvaria?
7
Cornell, Northwestern e Vanderbilt
8
2
ENTREVISTA
A São Francisco tem muitas atividades extracurricu lares. Você participou de alguma? Participei no 3o e no 4o ano do NEI, o Núcleo de Estudos Internacionais, que é organizado pelos alunos de graduação com vários grupos de estudos sobre os mais diversos temas. Fora todas as atividades paralelas com a política estudantil e todas as apresentações internacionais na USP. Acho um grande diferencial da USP acolher muitos pensadores que vêm ao Brasil fazer palestras. É enriquecedor.
Você participou de alguma outra atividade? Mais para o final da graduação eu participei do SAJU, Serviço de Assistência Jurídica Urbana, que é um grupo de prática jurídica, e do DJ, Departamento Jurídico 11 de Agosto, que assessora pessoas de baixa renda para terem acesso à Justiça.
O que fazia no SAJU? A mesma coisa que no DJ, só que com foco numa população específica. No meu ano foi a população da Vila Itororó, uma população de cortiço no centro de São Paulo que estava sofrendo uma integração de posse. Nós defendemos juridicamente aquelas pessoas para elas terem seus direitos assegurados.
Que matérias você viu em cada ano? Em todos os anos do curso você vê bastante Direito Processual Civil e Penal. A São Francisco tem uma grade curricular do 1o ao 4o ano com as matérias obrigatórias. Logo no 1o ano tem Direito Constitucional, as teorias gerais todas, Teoria Geral do Estado, Teoria Geral de Processo, Teoria Geral do Direito Civil. Do 2o ao 4o ano são as matérias específicas de Direito Penal, Direito Processual Civil, além das matérias esparsas que cada professor quer oferecer. Tem Direito da Criança, Direito Internacional, Direito Internacional dos Contratos. Os professores abrem frentes diferentes. O 5o ano é aberto, você se inscreve nas matérias que quiser. A grade foi concebida para no último ano nós nos especializarmos em alguma das grandes áreas do Direito.
No seu caso, qual foi a opção? Peguei opção aberta. Fiz a OAB em Direito Penal. Apesar de gostar bastante da área, hoje não trabalho com Direito Penal.
Você fez estágio durante o curso?
toda a área jurídica nacional e internacional. Via bastante Direito Comercial, Direito de Propriedade, contratos de locação, contratos de agências. Fiquei seis meses lá, até o começo do 3o ano. Depois eu quis testar a área pública. Fui para o Ministério Público da União, fui atuar na área criminal, processos de militares das Forças Armadas. Passei dois anos lá, até o final da graduação. Foi no 4o e no 5o ano.
Qual foi a importância dos estágios na sua formação? Enorme. Posso dizer que a faculdade passa metade do que é sua profissão. A outra metade é passada pela prática profissional. É muito importante estagiar, ter contato com a profissão o quanto antes para decidir o que vai querer fazer na carreira. E também para ter maior clareza do que você está aprendendo e como aplicar na prática.
Você começou a estagiar no final do 1o ano. Começou no tempo certo? Foi um pouco cedo. Hoje eu esperaria mais um pouco. Acho que a partir do 3o ano é uma boa, você tem uma formação mais sólida.
Na São Francisco, de que ano você gostou mais? Eu acho que foi do 4o ano. Comecei a participar mais da rotina da faculdade, conheci pessoas de diversos aspectos políticos, fiz contatos na USP como um todo, organizei melhor o que eu queria para a minha vida. Decidi que já não queria mais a magistratura. A ideia de estudar bastante para ser um juiz ou um promotor de justiça já não era tão interessante para mim. Acredito hoje que como advogado tenho muito mais independência e mobilidade para seguir os rumos que eu achar que devo seguir.
No último ano, qual era sua maior preocupação? Eu queria me aprofundar mais na área de Humanas. Apesar de amar a carreira de Direito, eu não acredito que só o Direito me satisfaria na necessidade de me aprofundar mais na teoria das Humanas. Eu tinha uma grande preocupação em fazer mestrado em outra área ou outra graduação.
Quando você fez o Exame da Ordem?
Fiz estágios no Ministério Público Federal, em escritório de advocacia, participei do departamento jurídico da Arezzo, deu para conhecer bastante as áreas de atuação.
Quando terminei o 5o ano na São Francisco eu fiz logo a 1a fase do Exame da OAB, em dezembro, e fui aprovado. Em seguida, durante um mês e meio, fiz curso para a 2a fase da OAB. Em fevereiro de 2014 já estava aprovado na Ordem.
Primeiro você estagiou no Ministério Público?
Como é a prova da 1a fase da OAB?
Não. Primeiro eu fui para um escritório de pequeno porte, que atuava com demandas de massa, bancos, telefonia, cartão de crédito, processo contra empresas. Defendia as empresas, bem interessante. Fiquei quase um ano. Do 1o para o 2o ano. Depois fui para o departamento jurídico da Arezzo.
É uma prova com 90 testes. Em média, seis questões por grande área do Direito. E Português.
Logo em seguida? Logo em seguida porque eu tinha para mim que os estágios eram uma oportunidade de testar onde eu ficaria. Na Arezzo eu estava no Departamento Jurídico Central, que controlava
São 15 áreas? Acho que exatamente isso. Algumas áreas têm duas questões, como Filosofia do Direito, enquanto Constitucional tem 10, 12 questões. E tem 10 questões de Ética na Advocacia, que é o estatuto da OAB. É uma prova bem complicada, com um índice de reprovação absurdo. A 2a fase é completamente diferente, você faz uma peça e responde a quatro questões dissertativas.
ENTREVISTA Quando você se formou ainda estava no estágio no Ministério Público? Tive de terminar o estágio por causa da graduação. Alguns meses depois de formado eu consegui uma colocação no Terceiro Setor.
O que você está fazendo hoje? Estou numa ONG, o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, que é subvencionado pelo estado. Nós atendemos a população em situação de moradia precária na região central de São Paulo. Defendemos essa população e atuamos na formação de políticas públicas. Eu trabalho lá como advogado. A gente atua para obter a melhor forma possível de composição de conflitos. É muito gratificante trabalhar no Terceiro Setor. Muito gratificante perceber que você pode estar contribuindo para o país de uma forma geral, melhor.
Você foi cursar Ciências Sociais na Unifesp para comple mentar sua formação? Exatamente. Emendei, em 2014 comecei na Unifesp. Prestei o Enem em 2013 para entrar na Unifesp. A proposta de currículo da Unifesp é diferenciada, é uma mistura bem interessante da Unicamp, Unesp e USP.
O que motivou você, formado na São Francisco, já com OAB, a fazer Ciências Sociais na Unifesp? Quero continuar minha profissão no Direito, porque gosto bastante, só que eu queria aprofundar os meus estudos em Teoria das Humanidades. Ciências Sociais é bem mais aplicada que, por exemplo, a Filosofia. Traz História, traz Política e também Antropologia. Isso chamou muito mais atenção para a área profissional que pretendo seguir. Acho que o Direito precisa se flexibilizar, entender que muitos dos conflitos que ele resolve têm caráter mais político, mais sociológico. Com uma formação também em Política e Sociologia, consegue-se lidar melhor com os conflitos. Eu quero ser esse profissional.
Como você se imagina daqui a 10 anos? Eu me imagino como advogado com uma sólida formação na área de Humanas, com uma boa atuação no Terceiro Setor, podendo contribuir para a formação de políticas públicas e para desatar nós em vários segmentos da sociedade. Com visão social.
Com tantas faculdades de Direito no país, como está o mercado de trabalho? Tem muitas faculdades de Direito, tem muitos advogados, mas não é exatamente como se o mercado estivesse saturado. É uma questão de formação. Acho que para o advogado bem formado não existe mercado saturado. Há grandes oportunidades, sim, para o profissional de Direito.
Quais são seus planos para este ano? Vou continuar meus estudos na Unifesp fazendo mais coisas acadêmicas, inclusive começando minha dissertação de mes-
Jornal do Colégio
3
trado, e participar de grupos de estudo. Vou me dedicar muito à parte acadêmica, sem esquecer do meu trabalho.
O que você estudava no Etapa que se mostrou impor tante depois? Muita coisa. Por exemplo, uma matéria sobre a qual a gente sempre brincava no Ensino Médio era História da Arte. A História da Arte é fundamental em todos os momentos. Você tem um diálogo muito grande com diversas formas de manifestações. Por exemplo, no trabalho no Terceiro Setor você tem diálogo com populações marginalizadas, com populações periféricas. Se você tem um conhecimento de Arte suficiente, pode ver que a arte proposta pela população marginalizada é muito interessante. Outro exemplo: as aulas no 3o ano de mundo contemporâneo, de atualidades. Eu acho que isso ajudou bastante a pensar o mundo em que estamos inseridos, me deu uma formação bastante interessante. Fico relembrando sempre. Tanto que minhas apostilas do Etapa estão todas guardadas. São obras de referência. Em uma situação em que é preciso buscar algum dado histórico, algum dado geográfico, vou lá sempre.
O que você tem de recordação da época de colégio? Muitas coisas relacionadas aos meus amigos daqui. Não perdi o contato com eles e não perdi o contato com professores. Muitas coisas que eu aprendi no Etapa ficaram para a vida. Quando a gente se junta, a gente relembra. É fantástico o quanto o Etapa marcou a minha formação.
O que você pode dizer a quem vai prestar Direito no final do ano? Estude bastante porque vale a pena, é uma carreira em que você tem uma abertura profissional muito grande, em que vai poder decidir muito os rumos da sua vida. Ela oferece oportunidades para todos os tipos de interesse, para quem quer ser estável, para quem quer ser dinâmico, para quem quer ganhar dinheiro, para quem quer entender o Estado, entender o mundo, para quem tem preocupações profissionais, para quem tem preocupações filosóficas. É uma carreira gratificante por causa da abertura e do acesso a essas coisas. Se eu não tivesse prestado para Direito talvez eu não estivesse em Ciências Sociais, não estaria participando do Terceiro Setor. O curso realmente vale a pena.
O que mais você quer dizer para nossos alunos? Os alunos têm de aproveitar ao máximo tudo o que o Colégio Etapa oferece. Uma das grandes riquezas do Colégio Etapa são os professores, eles conseguem passar bastante conteúdo, enquanto também passam para a gente a nossa formação como cidadãos. São todos muito bem formados, bem preparados. É uma coisa difícil de encontrar em outro lugar. É um grande patrimônio do Etapa, que os alunos têm que aproveitar. Vão sentir falta depois.
Jornal do Colégio ETAPA, editado por Etapa Ensino e Cultura REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343
4
CONTO
Lisetta Antônio de Alcântara Machado
Q
uando Lisetta subiu no bonde (o condutor ajudou) viu logo o urso. Felpudo, felpudo. E amarelo. Tão engraçadinho. Dona Mariana sentou-se, colocou a filha em pé diante dela. Lisetta começou a namorar o bicho. Pôs o pirulito de abacaxi na boca. Pôs mas não chupou. Olhava o urso. O urso não ligava. Seus olhinhos de vidro não diziam absolutamente nada. No colo da menina de pulseira de ouro e meias de seda parecia um urso importante e feliz. – Olha o ursinho que lindo, mamãe! – Stai zitta! A menina rica viu o enlevo e a inveja da Lisetta. E deu de brincar com o urso. Mexe-lhe com o toquinho do rabo: e a cabeça do bicho virou para a esquerda, depois para a direita, olhou para cima, depois para baixo. Lisetta acompanhava a manobra. Sorrindo fascinada. E com um ardor nos olhos! O pirulito perdeu definitivamente toda a importância. Agora são as pernas que sobem e descem, cumprimentam, se cruzam, batem umas nas outras. – As patas também mexem, mamãe. Olha lá! – Stai ferma! Lisetta sentia um desejo louco de tocar no ursinho. Jeitosamente procurou alcançá-lo. A menina rica percebeu, encarou a coitada com raiva, fez uma careta horrível e apertou contra o peito o bichinho que custara cinquenta mil-réis na Casa São Nicolau. – Deixa pegar um pouquinho, um pouquinho só nele, deixa? – Ah! – Scusi, senhora. Desculpe por favor. A senhora sabe, essas crianças são muito levadas. Scusi. Desculpe. A mãe da menina rica não respondeu. Ajeitou o chapeuzinho da filha, sorriu para o bicho, fez uma carícia na cabeça dele, abriu a bolsa e olhou o espelho. Dona Mariana, escarlate de vergonha, murmurou no ouvido da filha: – In casa me lo pagherai! E pespegou por conta um beliscão no bracinho magro. Um beliscão daqueles. Lisetta então perdeu toda a compostura de uma vez. Chorou. Soluçou. Chorou. Soluçou. Falando sempre. – Hã! Hã! Hã! Hã! Eu que...ro o ur...so! O ur...so! Ai, mamãe! Ai, mamãe! Eu que...ro o... o... o... Hã! Hã! – Stai ferma o ti amazzo, parola d’onore! – Um pou...qui...nho só! Hã! E... hã! Um pou...qui... – Senti, Lisetta. Non ti porterò più in città! Mai più! Um escândalo. E logo no banco da frente. O bonde inteiro testemunhou o feio que Lisetta fez. O urso recomeçou a mexer com a cabeça. Da esquerda para a direita, para cima e para baixo.
***
– Non piangere più adesso! Impossível. O urso lá se fora nos braços da dona. E a dona só de má, antes de entrar no palacete estilo empreiteiro português, voltou-se e agitou no ar o bichinho. Para Lisetta ver. E Lisetta viu. Dem-dem! O bonde deu um solavanco, sacudiu os passageiros, deslizou, rolou, seguiu. Dem-dem! – Olha à direita! Lisetta como compensação quis sentar-se no banco. Dona Mariana (havia pago uma passagem só) opôs-se com energia e outro beliscão.
***
A entrada de Lisetta em casa marcou época na história dramática da família Garbone. Logo na porta um safanão. Depois um tabefe. Outro no corredor. Intervalo de dois minutos. Foi então a vez das chineladas. Para remate. Que não acabava mais. O resto da gurizada (narizes escorrendo, pernas arranhadas, suspensórios de barbante) reunido na sala de jantar sapeava de longe. Mas o Ugo chegou da oficina. – Você assim machuca a menina, mamãe! Coitadinha dela! Também Lisetta já não aguentava mais.
***
– Toma pra você. Mas não escache. Lisetta deu um pulo de contente. Pequerrucho. Pequerrucho e de lata. Do tamanho de um passarinho. Mas urso. Os irmãos chegaram-se para admirar. O Pasqualino quis logo pegar no bichinho. Quis mesmo tomá-lo à força. Lisetta berrou como uma desesperada: – Ele é meu! O Ugo me deu! Correu para o quarto. Fechou-se por dentro. Extraído de: Brás, Bexiga e Barra Funda.
VOCABULÁRIO Stai zitta!: Fique quieta! Enlevo: Êxtase, admiração. Stai ferma!: Fique parada!, Fique quieta! Scusi: Desculpe. In casa me lo pagherai!: Em casa você me paga! Stai ferma o ti amazzo, parola d’onore!: Fique quieta ou eu te mato, palavra de honra! Senti: Escuta. Non ti porterò più in città! Mai più!: Não vou te trazer mais à cidade! Nunca mais! Non piangere più adesso!: Não chore mais agora! Escache: Rachar, quebrar.
ARTIGO
5
Descobrimentos do Brasil Rogério F. da Silva
N
John Copland/Shutterstock
o decorrer do ano dois mil, ocorreram numerosas dos. As comemorações se passavam como se o anfitrião, manifestações e, entre estas, a publicação de livros por intermédio dos presentes que distribuía aos seus cone artigos relativos às comemorações dos quinhentos vidados, afirmasse: “Sou suficientemente poderoso para anos do chamado Descobrimento do Brasil. Desde então presentear e dar de comer a todos vocês”. Ao término de tivemos a oportunidade de dispor de textos dos mais renoum Potlatch, o anfitrião era socialmente reconhecido como mados especialistas sobre as Grandes Navegações, de bioalguém muito poderoso ao qual os convidados deviam algrafias dos navegadores que desbravaram mares até então guma forma de obediência2. Assim, mudando o que deve desconhecidos, a análises primorosas sobre o que alguns ser mudado, e guardadas as devidas proporções, é sempre autores consideram a “certidão de nascimento”1 daquilo conveniente lembrar que uma festa, uma efeméride, consque viria a ser o Brasil (a carta de Pero Vaz de Caminha, o estitui-se também em uma manifestação de poder perante crivão oficial da frota comandada por Pedro Álvares Cabral). terceiros. Assim, as comemorações não são apenas uma Cabe a eles o espaço que definição e afirmação de merecidamente conquisidentidade, como também taram e, por nossa parte, se prestam a uma manirealizaremos algumas refestação de força e, enflexões em torno da quesquanto tal, podem ser utitão. lizadas em vários sentidos Tal comemoração cor e com alvos diferenciados. res ponde a uma efe mé A afirmação de uma ride, ou seja, um fato imidentidade traz consigo portante ocorrido em uma especulações sobre o determinada data [em conteúdo desta identidanosso caso, 22.04.1500] e, de. Em nosso caso, o que nesse sentido, enquanto significa afirmar: “Somos tal, é passível de mais de brasileiros?”. Ocupamos uma interpretação. Gos um espaço, situamo-nos taríamos de destacar pelo num determinado intervamenos duas que consilo de tempo e etnicamenderamos importantes: a Representação artística da chegada dos portugueses ao Brasil. te definimo-nos por um primeira, certamente, associa-se à definição e afirmação conjunto de negações: não somos indígenas, não somos de uma identidade, a segunda, como uma demonstração africanos, não somos europeus, não somos asiáticos e, ao de força, de poder. Comemora-se para trazer ou ressaltar mesmo tempo, somos um pouco de cada um destes granà memória dos contemporâneos um evento – um aniversádes grupos étnicos3. Este pedaço de terra começou a se rio – que confere um sentido de coesão social e identidade configurar há pelo menos trezentos anos, numa época em ao grupo que se sente envolvido afetiva e emocionalmente que se ocorria na Europa a formação dos Estados Naciocom o aniversariante. Por sua vez a dimensão festiva de nais, que, de alguma forma, servia como modelo a ser secomemoração expressa também uma demonstração de guido. Como nação independente, no início do século XIX, força, como se fosse um grande “Potlatch”. A cerimônia do o país afirma-se no contexto de uma onda de nacionalismo Potlatch, comum entre os indígenas da costa do Pacífico da associado às ideias de um grupo étnico coeso, com ancesAmérica do Norte (na região que corresponde aos espaços trais comuns que remontam a um passado remoto. À falta entre os atuais estados de Washington e Alasca), consistia destes elementos que remontam ao passado como cavabasicamente numa grande festa patrocinada pelo anfitrião, preparada antecipadamente por um longo intervalo de tem2 Cf. Entre outros: 1) Ruth Benedict. Padrões de cultura. Tradução de Alberto Candeias. Lisboa: Livros do Brasil, s/d. 2) Homer Garner po e que virtualmente consumia todo o trabalho do grupo Barnett. “Potlatch”. In: Benedicto Silva (Org.). Dicionário de Ciências ao qual o anfitrião pertencia. No dia da festa, todo o produto Sociais. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1986. do esforço era prodigamente distribuído entre os convidap. 949-950. 1 Fernando Antonio Novais. “A ‘certidão de nascimento ou de batismo’ do Brasil”. In: Fernando Antônio Novais. Aproximações: estudos de história e historiografia. São Paulo: Cosac Naify, 2005. p. 237-244.
3 Fernando Antonio Novais. “América, descoberta, colonização e suas consequências nos sistemas de comunicação”. In: Luiz Carlos Uchôa Junqueira Filho (Org.). Perturbador mundo novo: história, psicanálise e sociedade contemporânea, 1492, 1900, 1992. São Paulo: Escuta, 1994. p. 261-273.
6
ARTIGO
Filipe Frazao/Shutterstock
leiros medievais, a um Carlos Magno, um Cid, um Ivanhoé, Pará e Estado do Brasil. Um ato administrativo do Marquês um Guilherme Tell, um Egmond, nosso romantismo foi busde Pombal, ministro do rei D. José I, colocou um ponto car em um idílico indígena, em uma dócil mucama, em um final nesta divisão. Observa-se que se tivesse sido mantibravo Zumbi, em um ousado bandeirante, os fundamentos da esta divisão, Portugal teria duas colônias na América, o e o cimento de uma nacionalidade, que, diga-se de passaBrasil e o Maranhão e Grão-Pará, cada um com suas resgem, era fundada em paradigmas étnicos europeus. À força pectivas histórias de descobrimento e independência. Dede tantas comemorações, de tantas repetições, o que era ve-se lembrar também que, às vésperas da Independência, uma alusão, uma remota memória, foi adquirindo contornos não se tinha claro o desfecho das desavenças entre a Améde verdade. A história presta-se então a uma finalidade: ser rica Portuguesa e Portugal. De certa maneira, uma determia “biografia da nação”. nada política das Cortes Gerais Constituintes Portuguesas Foi o pensador italiano Antonio Gramsci (1891-1937), fa(1820-1822), de alguma forma, “inventou” o Brasil e os zendo reflexões a respeito do papel do “Risorgimento” na brasileiros. Para a maioria dos políticos de então, o contenfundação da “nação italiana”, que, de uma forma exemplar, cioso principal dizia respeito a uma política específica das apontou para as maCortes Gerais Conszelas de se considerar tituintes em relação que uma nação estava ao status que o Brasil adormecida num paspossuía desde 1815 sado remoto, e, a partir como um Reino Unido daí, se construir uma a Portugal. Influentes história como “biogradeputados portuguefia nacional”4. Nesses faziam questão de sa tarefa, procuramnegar este status. Por -se juntar elementos, sua vez, os próprios eventos, sinais que deputados que saíram sirvam de testemunho da América Portuguee justificariam a naciosa para tomar assento nalidade nascente. A nas Cortes, eles mesconstituição desta biomos, não se consideragrafia requer o esforvam brasileiros. Eram ço de gerações, de tal oriundos de regiões forma que, ao passar que possuíam pouco do tempo, à força de contato entre si, posAspecto do centro histórico de Salvador (Bahia). constante repetição, suíam problemas escom graus variados de acuidade e sofisticação, forjam-se pecíficos e, não obstante, seus anfitriões portugueses estereótipos e passa-se a dar consistência a um corpo que tratavam-nos como brasileiros. Veja-se, por exemplo, a há pouco inexistia. famosa afirmação do deputado Diogo Antônio Feijó, reCaio Prado Júnior (1907-1990), muito apropriadamente, presentante da província de São Paulo nas Cortes Gerais chamou este procedimento de anacronismo. Conhecemos em 1822: “Não somos deputados do Brasil (...), porque o presente e então projetamos no passado tudo aquilo que cada província se governa hoje independente”6. Observade uma forma ou de outra teria levado ao desenlace do pre-se que políticos da estatura de Diogo Feijó, àquela altusente. Como se o presente estivesse há muito contido no ra, não tinham consciência de que estavam representanpassado5. do um “Brasil”, e sim, no limite, uma província do Reino Por todas estas razões, gostaríamos de salientar, nesse Unido. Nesse sentido, alguns maus-tratos sofridos pesentido, como soa no mínimo estranho a expressão “Deslos deputados oriundos deste lado do Atlântico deramcobrimento do Brasil”. Tudo se passa como se, em mil e -lhes consciência de que eram, afinal, brasileiros e que, quinhentos, já existisse um Brasil que bastava unicamente portanto, deveria existir alguma coisa chamada Brasil7. ser descoberto. Para aqueles que ainda acreditam nisso Talvez, desta forma, tenha mais sentido afirmar a exis seguem-se, entre outros possíveis, alguns senões. Por um tência de “descobrimentos” do Brasil, do que propriamen longo período – superior a cento e cinquenta anos (16216 Sérgio Buarque de Holanda. “O novo descobrimento do Brasil: -1774), a metrópole criou neste espaço duas unidades poa herança colonial – sua desagregação”. Apud Sérgio Buarque de lítico-administrativas, a saber: Estado do Maranhão e Grão 4 Antonio Gramsci. El Risorgimento. Buenos Aires: Granica, 1974. p. 91. 5 Caio Prado Júnior. Formação do Brasil contemporâneo. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1963.
Holanda (Org.). História geral da civilização brasileira. Tomo II. O Brasil monárquico. v. 1. O processo de emancipação. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1965. p. 16. 7 Manuel Emílio Gomes de Carvalho. Os deputados brasileiros nas Cortes de Lisboa. Brasília: Senado Federal, 1979.
ARTIGO te “um descobrimento”. Este plural é importante, pois nos sugere a ideia de que “descobrir que existia um Brasil” teria sido tarefa de muitos, que aos poucos vieram conferir con teúdo ao que chamamos de Brasil. Desde já, deve-se frisar que, considerados os séculos de colonização e de Estado independente, estes “descobrimentos” do Brasil são rela tivamente recentes. Os “descobridores” do Brasil foram muitos, seria difícil constituir um elenco completo. No plano das ideias, destaquemos alguns daqueles que, por suas reflexões e seus respectivos trabalhos, na verdade mereceriam encontrar-se no rol de “descobridores” do Brasil. Um dos mais importantes, neste contexto, foi José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), que possuía uma perspectiva de estadista não só no que diz respeito ao rompimento com Portugal, mas também como deveria configurar-se o novo estado exemplificado, por exemplo, em suas explícitas posições contra a escravidão8. João Capistrano de Abreu (1853-1927) foi o historiador que nos chamou a atenção de que existia um Brasil para além do litoral, um imenso interior inexplorado9. Neste mesmo sentido, têm importância os trabalhos de Euclides da Cunha 8 José Bonifácio de Andrada e Silva. Projetos para o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 9 João Capistrano de Abreu. Capítulos de história colonial, 1500-1800 & Os caminhos antigos e o povoamento do Brasil. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1963.
7
(1866-1909), chamando a atenção para a existência do mundo do Sertão para além da vida urbana em desenvolvimento10. Gilberto Freyre (1900-1987), por sua vez, chamou-nos a atenção sobre a importância da miscigenação, que deu origem a uma nova sociabilidade, diferente daquela do europeu colonizador. Sérgio Buarque de Holanda (19021982), inquieto com as questões de identidade, procurou destacar as peculiaridades da colonização portuguesa, quando comparada a de outros povos na formação daquilo que chamamos de Brasil11. Caio Prado Júnior (1907-1990), Celso Furtado (1920-2004) e Fernando Novais12, cada um à sua maneira vieram destacar a inserção deste pedaço do mundo na economia mundial. Evidentemente, este rol é incompleto, mas, de forma sucinta, procura sugerir que o “descobrimento” é um tema aberto e que há ainda muito por “descobrir” quando nos pomos a refletir sobre este país-continente chamado Brasil. 10 Euclides da Cunha. Os Sertões: campanha de Canudos. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1963. 11 Sérgio Buarque de Holanda. Raízes do Brasil. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1963. 12 Caio Prado Júnior. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Companhia das Letras, 2011; Celso Furtado. Formação econômica do Brasil. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1963; Fernando A. Novais. Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). São Paulo: Hucitec, 1981.
(ENTRE PARÊNTESIS)
Você também se salvaria? Um inglês é feito prisioneiro de uma tribo de selvagens. O chefe da tribo diz-lhe: – Nossa tribo cultua basicamente dois deuses: o Deus da Verdade e o Deus da Mentira. Você vai morrer, pois você é nosso prisioneiro e todo prisioneiro nosso deve morrer. Porém, temos um ritual e queremos que você colabore nele. Você, hoje à noite, vai enunciar uma sentença. Se a sua sentença for verdadeira, você será sacrificado no altar do Deus da Verdade e se for falsa, você será sacrificado no altar do Deus da Mentira. Que seja uma sentença cujo sentido esteja ao nosso alcance, pois se não for, daremos, por princípio, à sua sentença, a denotação falsa. O inglês, depois de fumar um pouco seu cachimbo, deu um sorriso e aguardou ansiosamente a hora do ritual. Na hora H enunciou uma sentença e não morreu em nenhum dos altares. Qual seria a sentença para você, como o inglês, não morrer?
RESPOSTA A sentença é: “Eu vou morrer no altar do Deus da Mentira.”
8
ESPECIAL
Cornell, Northwestern e Vanderbilt Evento contou com a participação das universidades americanas
D
urante o ano, o Colégio Etapa recebe a visita de diversas universidades internacionais. Em abril foi a vez de Cornell, Northwestern e Vanderbilt fazerem uma palestra aos interessados em cursar uma graduação nos Estados Unidos. A ideia era que o público presente pudesse conhecer um pouco mais sobre cada uma delas – suas características e diferenciais. Na primeira parte do evento, os representantes de cada instituição falaram sobre assuntos como os cursos oferecidos, o campus, as experiências e o dia a dia na escola. Posteriormente, o foco foi mais voltado para o processo de seleção. O desempenho acadêmico, as atividades extracurriculares, as cartas de recomendação, as redações e o encaixe entre o perfil do aluno e a universidade são os fatores analisados. Além disso, entrevistas também podem ser feitas. “Nós precisamos ir além do acadêmico para ter certeza de que o estudante será bem-sucedido e feliz na nossa instituição”, afirmou Christina Callahan, representante da Northwestern University. Segundo Andrew S. Moe, da Vanderbilt University, a redação é um elemento essencial. O candidato deve ser honesto e realmente mostrar sua personalidade. “Nós precisamos entender que tipo de paixões ele trará para o nosso campus. E precisamos ouvir isso pela sua própria voz”, disse. Kyle Downey, da Cornell University, resumiu o processo: “Idealmente, cada parte da application irá representar um aspecto diferente de quem você é”. Os três palestrantes ainda responderam perguntas e conversaram individualmente com os interessados. Para conhecer mais sobre as faculdades, acesse os sites:
AGENDA CULTURAL São Paulo – Clube de Cinema (quintas, das 19h10min às 20h30min, sala 65) 21.05 – Pierrot le Fou (Jean-Luc Godard: 1965) 28.05 – Casablanca (Michael Curtiz: 1942) Valinhos – Clube de Cinema (sextas, das 14h05min às 16h05min) 22.05 – Corra Lola, corra (Tom Tykwer: 1998) 29.05 – Trem noturno para Lisboa (Bille August: 2013)
• Cornell University <www.cornell.edu> • Northwestern University <www.northwestern.edu/> • Vanderbilt University <www.vanderbilt.edu>