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Jornal do Colégio PRIMEIRA QUINZENA DE SETEMBRO DE 2014 – NÚMERO 577
ENTREVISTA
“É uma carreira incrível, muito bacana, muito bonita.” Priscila Eri Hirota Imai cursou Medicina Veterinária na USP e desde que começou a estagiar escolheu a área industrial para sua atividade profissional. Hoje ela trabalha na Elanco, uma divisão de negócios de saúde animal da indústria farmacêutica Lilly. Também faz MBA na FGV, por acreditar na necessidade de constante aprimoramento profissional. “Na faculdade a gente tem toda a parte técnica de Veterinária. Só que se você escolhe trabalhar em indústria, precisa também da parte de administração e gestão de negócios”.
Priscila Eri Hirota Imai
JC – O que motivou você a escolher Medicina Veterinária como carreira? Priscila – Eu gostava de Biológicas, mas tinha muita dúvida sobre o que ia prestar. Busquei informação sobre as carreiras – lembro que o Etapa tem bastante coisa sobre carreiras – e visitei faculdades e hospitais para ver Enfermagem e Veterinária. Foram as duas carreiras com que eu mais me identifiquei.
Ao se inscrever na Fuvest, o que levou você a preferir Veterinária? Foi a visita à faculdade, que me encantou. A Veterinária da USP é toda equipada, tem hospitais de animais de companhia e de grandes animais. Acabei já escolhendo Veterinária. Mas, como queria ter mais opções, prestei Enfermagem também, caso não desse certo na USP e na Unesp.
Você prestou quais vestibulares? USP e Unesp para Veterinária. Unifesp e Unicamp para Enfermagem. Unifesp e Unicamp não têm Veterinária.
Você foi aprovada em quais? USP, Unesp e Unifesp. Na Unicamp passei na 1a fase com uma nota boa, só que acabei desistindo da Enfermagem e não prestei a 2a fase. ENTREVISTA
Carreira – Veterinária
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CONTO
Solfieri – Álvares de Azevedo
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COLUNA M
Divisão por 2 e multiplicação por 5
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Quando você entrou no Etapa? No 1o ano do Ensino Médio.
Por que decidiu vir estudar aqui? Minha irmã, que é dois anos mais velha, fez o colegial no Etapa e quando entrei já estava no 3o ano. Ela se formou em Arquitetura na USP.
No colégio, como foi sua adaptação? No começo foi um pouco difícil de me adaptar, porque o esquema do Etapa, com prova todo dia, é bem diferente do que eu tinha no meu colégio anterior. Mas desde o 1o ano eu estava bem focada em estudar.
No 3o ano, quando ia prestar os vestibulares, mudou seu ritmo de estudos? Mudou. Dei uma intensificada nos estudos e procurei fazer tudo que o Etapa oferecia. Acabei deixando meio de lado academia, essas coisas. Dei uma freada durante o ano para me dedicar aos estudos.
Como foi o início na Veterinária? O que achei bem bacana é que quando entrei na Veterinária eu percebi que tinha uma base de conhecimento bem acima de
ARTIGO Telescópios investigam relação entre ciclo do Sol e clima
ESPECIAL
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Treinando a diplomacia
POIS É, POESIA
Augusto dos Anjos
Olimpíadas do conhecimento
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ENTREVISTA
outras pessoas. Eu tive no Etapa algumas matérias que outras pessoas não tiveram, como Bioquímica e Genética. Então, por causa da base do Etapa, o meu começo na faculdade foi bem tranquilo. E a Veterinária é uma faculdade diferente, todo mundo no primeiro dia de aula ganha um apelido e todo bicho é apadrinhado por um veterano, que tem a função de cuidar de você durante o 1o ano.
Em algum momento do curso você chegou a ter dúvida quanto à escolha da carreira? Nunca pensei em desistir. Sempre tive certeza de que ia terminar Veterinária.
Na Veterinária são cinco anos. Basicamente, o que você estudou em cada ano do curso? No primeiro, um ano e meio são as matérias básicas: Anatomia, Genética, Bioquímica, Estatística. Nesses três semestres iniciais as aulas são no Instituto de Ciências Biomédicas, Instituto de Biociências, Instituto de Química e Instituto de Matemática e Estatística. No quarto semestre a gente fica em Pirassununga. É superlegal, você mora com a sua turma inteira, dentro do campus. É uma fazenda. Lá a gente aprende toda a parte de produção animal: como você cria, qualidade dos produtos de origem animal, higiene, sanidade. Lá tem porco, cavalo, então a gente tem aulas práticas. No restante do curso, duas a três vezes por ano, a gente retorna a Pirassununga, passa uma semana e volta.
No 3 ano, na volta para São Paulo, como se desenvolve o curso? o
Do 3o ano para frente você começa a ter matérias mais práticas para Veterinária. Aí começa a parte de animais de companhia, começa Farmacologia, tem Clínica, Cirurgia, Técnica Cirúrgica de animais de companhia e de grandes animais. Tem Parasitologia, coisas mais focadas para Veterinária mesmo. Tem Semiologia, que é como você faz as perguntas para o proprietário, como faz exame físico nos animais.
Além das aulas da Veterinária, você chegou a participar na USP de alguma atividade?
gente não consegue fazer junto. Mas consegue fazer em julho, dezembro e janeiro. Em alguns você fica um mês, em outros pode ficar dois meses, três meses.
No próprio Hospital Veterinário? No Hospital Veterinário, aqui em São Paulo, eu fiz estágios de um mês no hospital de equinos e no hospital de ruminantes. Isso no 1o ano, em julho e em dezembro. Em Pirassununga, acabei fazendo com animais silvestres. Fiz na própria faculdade com capivaras e perdizes e fiz também no zoológico de Leme, nos fins de semana. Leme é uma cidade próxima de Pirassununga. Esse foi bem legal.
Quais eram suas atividades nesses estágios? Acompanhar a rotina do hospital e ajudar no que precisasse. Tem os veterinários residentes, e os estagiários vão ajudando no trabalho. Você acompanha como se trata o animal, como se alimenta.
A partir do 3o ano, que estágios você fez? Quando voltei de Pirassununga comecei a focar mais em animais de companhia. No 3o e no 4o ano fiz estágios em algumas clínicas veterinárias. Tem um hospital que se chama Sena Madureira, onde estagiei nos fins de semana. No Hospital de Cães e Gatos, em Osasco, fiz estágio durante as férias e também fiz no Hospital Veterinário Pompeia.
Dos cinco anos na faculdade, de qual você mais gostou? Um dos anos de que eu mais gostei foi quando moramos em Pirassununga, no quarto semestre, pela experiência. Todo mundo mora junto, almoça junto, tem aula junto. Depois que a gente morou em Pirassununga, a sala ficou muito mais unida. Também gostei mais do último ano, quando tem as últimas matérias. E do último semestre, que é o estágio obrigatório.
No estágio obrigatório do último semestre, o que você fez? Desde o estágio obrigatório eu foquei em indústria. Fiz o estágio na Vallée, uma empresa da indústria farmacêutica para saúde animal, mais voltada para grandes animais. Lá, trabalhei na área de marketing.
Eu participei por um tempo curto da Atlética da Veterinária, depois do Centro Acadêmico durante um ano. Fora isso, fiz uma Iniciação Científica lá pelo 3o ou 4o ano. O tema foi o uso de um medicamento na cicatrização óssea de um cão em que fizeram uma cirurgia de joelho. Então, era voltado para ortopedia.
Para fazer parte do marketing você tem de ter esse conhe cimento técnico?
No Centro Acadêmico, quais eram suas atividades?
Na Vallée, o que você fazia?
Eu era do Departamento de Cursos. A gente organizava cursos de matérias que não tinha na grade curricular. Por exemplo, tinha bastante Nutrição para grandes animais, mas não tinha muito para animais de companhia, cães e gatos. Então fizemos um curso de três, quatro dias, com veterinários de fora.
Depende muito. Toda indústria que vende produtos veterinários precisa ter um técnico, porque não tem como vender um produto se você não o conhece.
O que levou você a fazer a Iniciação Científica?
Eu dava suporte para todas as ações que estavam acontecendo com os gerentes de produto. Fazia algumas revisões bibliográficas que serviam de base para o material da equipe de vendas, para eles tirarem dúvidas sobre o produto. E ajudava em eventos. É importante essa parte, você tem de passar pelo operacional para depois saber gerir.
Ter um contato maior com a Veterinária, me aprofundar, ter um conhecimento a mais.
Você se formou em 2010. O que fez assim que terminou o curso de Medicina Veterinária?
Quando você fez a Iniciação pensou em fazer estágio também?
Comecei a trabalhar no início de fevereiro de 2011. Terminei o estágio obrigatório em dezembro e, em fevereiro, comecei a trabalhar na Premier Pet, uma empresa de rações para cães e gatos.
Eu fiz estágios de todo tipo desde o 1o ano da faculdade, praticamente em todas as férias. Como o curso é integral a
ENTREVISTA Em que área da empresa você foi trabalhar? Em marketing também.
Você mudou de grandes animais no estágio obrigatório para animais domésticos no primeiro emprego? Era a área que eu queria mesmo, porque gosto de animais de companhia.
Mudou muito o que você fazia na Vallée para a Premier? Mudou porque é outro mercado, um é de bovinos e o outro é de animais de companhia. E também porque eu era estagiária e virei assistente. Então, eu tinha mais atividades, mais res ponsabilidades. Era em marketing, mas a veterinária está sempre lá. Uma parte que eu fazia bastante era acompanhar o desenvolvimento de novos produtos, até o lançamento. E é importante ter o conhecimento técnico. Por exemplo: a gente vai fazer uma ração nova para animais idosos. O que é importante ter nessa ração nova? Nessa parte a gente precisa do conhecimento veterinário.
Quanto tempo você ficou na Premier Pet? Dois anos e meio. Até o meio do ano passado. Saí de lá e no dia seguinte comecei na Lilly, uma indústria farmacêutica. Fui trabalhar numa divisão de negócios de saúde animal, a Elanco, onde também estou em marketing.
O que levou você a essa mudança de empresa? Eu enxerguei uma oportunidade melhor. O negócio de animais de companhia começou em julho do ano passado, quando fui contratada. Tenho oportunidade de crescer junto com o negócio.
Você participou de pelo menos dois processos de seleção para emprego. O que diferencia uma pessoa recém-for mada na hora de uma entrevista para emprego? Eu acho que no começo de carreira o nome da faculdade conta bastante, já é uma vantagem. Fora isso, conta na entrevista a atitude da pessoa, mostrar força de vontade para trabalhar, aprender, estar envolvida. Mostrar proatividade, paixão pelo trabalho.
Você continua estudando? Em 2011, logo que me formei, fiz um curso de seis meses na ESPM, de Trade Marketing. Há um ano comecei um MBA na FGV. Master in Business and Management. O MBA é de um ano e meio. Estou no último semestre.
Administração de empresas em geral? Isso. E Gestão em Negócios. Na faculdade a gente tem toda a parte técnica de veterinária. Só que se você escolhe trabalhar em indústria, precisa da parte de administração também.
Por que você acha que é necessário continuar se apri morando? Porque hoje só a faculdade não é suficiente. Hoje em dia todo mundo tem pelo menos uma pós, um MBA, tem gente com mais de um MBA. É muito importante ter uma especialização,
Jornal do Colégio
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continuar estudando, se atualizando. Não pode ficar parado. Todos meus colegas que trabalham em clínica estão se es pecializando. Hoje em dia não é suficiente só fazer Veterinária. O mercado pede cada vez mais pessoas preparadas.
Como está o mercado de trabalho para o veterinário? O mercado veterinário está crescendo demais. Hoje o Brasil tem a segunda população de cães e gatos, é o segundo maior em faturamento de produtos veterinários. Só perde para os Estados Unidos. É um mercado com muitas oportunidades, mas eu acho que tem muitos profissionais e poucos veteriná rios bons.
Quais são as áreas de atuação do veterinário? Primeiro, tem três áreas para trabalhar: a parte de pets, que são os cães e gatos; a parte de animais de produção, que são bovinos, ovinos, caprinos e aves; a parte de equinos e animais silvestres. Tem esse grupo de animais que se pode escolher. E dentro disso tem clínica, cirurgia, indústria. Tem partes que as pessoas nem imaginam, como a de perícia veterinária.
O que faz o perito? Aconteceu alguma coisa com o bicho, o perito vai verificar o que houve. E tem gente que está indo mais para a parte de mestrado, doutorado, para ser pesquisador ou professor.
Pode virar pesquisador na área da indústria mesmo? Na indústria tem várias áreas em que se pode trabalhar. Na área comercial pode ser pesquisa e desenvolvimento, podem ser assuntos regulatórios. E dentro de cada área também, por exemplo, na área de grandes animais pode-se trabalhar com reprodução.
Como o colégio foi importante para você? Eu sempre gostei de Biológicas, não imaginava que ia precisar de Matemática na faculdade. E logo no 1o ano tive duas metérias de Estatística. Aí foi importante.
Você tem amigos da época do colégio? Tenho.
Quais recordações você guarda do Etapa? O Etapa não é fácil, foi uma época em que eu estudei muito. Mas foi uma época muito legal, eu gostava. Foi uma época boa de amigos. E os professores também, não são professores iguais aos de outras escolas. É muito legal, é divertido.
O que você diria a quem vai prestar Veterinária no final do ano? É uma carreira incrível, muito bacana, muito bonita. Não é fácil, precisa de muita dedicação, precisa estudar bastante na faculdade. Também precisa batalhar o mercado de trabalho, mas acho que é como qualquer outra carreira, não dá para ficar parado, tem de continuar estudando, se atualizando.
Jornal do Colégio ETAPA, editado por Etapa Ensino e Cultura REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343
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CONTO
Solf ieri Álvares de Azevedo Yet one kiss on your pale clay And those lips once so warm – my heart! my heart.*
(Byron, Caim.)
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abei-lo. Roma é a cidade do fanatismo e da perdição: na alcova do sacerdote dorme a gosto a amásia, no leito da vendida se pendura o crucifixo lívido. É um requintar de gozo blasfemo, que mescla o sacrilégio à convulsão do amor, o beijo lascivo à embriaguez da crença! Era em Roma. Uma noite a lua ia bela como vai ela no verão por aquele céu morno, o fresco das águas se exalava como um suspiro do leito do Tibre. A noite ia bela. Eu passeava a sós pela ponte de... As luzes se apagaram uma por uma nos palácios, as ruas se faziam ermas, e a lua de sonolenta se escondia no leito de nuvens. Uma sombra de mulher apareceu numa janela solitária e escura. Era uma forma branca. – A face daquela mulher era como de uma estátua pálida à lua. Pelas faces dela, como gotas de uma taça caída, rolavam fios de lágrimas. Eu me encostei à aresta de um palácio. A visão desapareceu no escuro da janela e daí um canto se derramava. Não era só uma voz melodiosa: havia naquele cantar um como choro de frenesi, um como gemer de insânia: aquela voz era sombria como a do vento à noite nos cemitérios, cantando a nênia1 das flores murchas da morte. Depois o canto calou-se. A mulher apareceu na porta. Parecia espreitar se havia alguém nas ruas. Não viu ninguém: saiu. Eu segui-a. A noite ia cada vez mais alta: a lua sumira-se no céu, e a chuva caía às gotas pesadas: apenas eu sentia nas faces caírem-me grossas lágrimas de água, como sobre um túmulo prantos de órfão. Andamos longo tempo pelo labirinto das ruas: enfim ela parou: estávamos num campo. Aqui, ali, além eram cruzes que se erguiam de entre o ervaçal. Ela ajoelhou-se. Parecia soluçar: em torno dela passavam as aves da noite. Não sei se adormeci: sei apenas que quando amanheceu achei-me a sós no cemitério. Contudo a criatura pálida não fora uma ilusão: as urzes, as cicutas do campo santo estavam quebradas junto a uma cruz. O frio da noite, aquele sono dormido à chuva, causaram-me uma febre. No meu delírio passava e repassava aquela brancura de mulher, gemiam aqueles soluços, e todo aquele devaneio se perdia num canto suavíssimo... Um ano depois voltei a Roma. Nos beijos das mulheres nada me saciava: no sono da saciedade me vinha aquela visão... Uma noite, e após uma orgia, eu deixara dormida no leito dela a condessa Bárbara. Dei um último olhar àquela forma nua e adormecida com a febre nas faces e a lascívia nos lábios úmidos, gemendo ainda nos sonhos como na agonia voluptuosa do amor. Saí. Não sei se a noite era límpida ou negra – sei apenas que a cabeça me escaldava de embriaguez. As taças tinham ficado vazias (*) Tradução: “Ainda um beijo em sua pálida face / e naqueles lábios outrora tão ardentes – / meu amor! meu amor.” (1) Canto fúnebre entre os antigos gregos e romanos; por extensão, significa um canto triste, melancólico. (2) Mortalha; véu com que, na Antiguidade, se cobria a cabeça dos mortos. (3) Grinalda (de flores ou folhas).
na mesa: aos lábios daquela criatura eu bebera até a última gota o vinho do deleite... Quando dei acordo de mim estava num lugar escuro: as estrelas passavam seus raios brancos entre as vidraças de um templo. As luzes de quatro círios batiam num caixão entreaberto. Abri-o: era o de uma moça. Aquele branco da mortalha, as grinaldas da morte na fronte dela, naquela tez lívida e embaçada, o vidrento dos olhos mal-apertados... Era uma defunta!... e aqueles traços todos me lembraram uma ideia perdida... – Era o anjo do cemitério! Cerrei as portas da igreja, que, ignoro por que, eu achara abertas. Tomei o cadáver nos meus braços para fora do caixão. Pesava como chumbo... Sabeis a história de Maria Stuart degolada e do algoz, “do cadáver sem cabeça e do homem sem coração” como a conta Brantôme? – Foi uma ideia singular a que eu tive. Tomei-a no colo. Preguei-Ihe mil beijos nos lábios. Ela era bela assim: rasguei-lhe o sudário2, despi-lhe o véu e a capela3 como o noivo os despe à noiva. Era uma forma puríssima. Meus sonhos nunca me tinham evocado uma estátua tão perfeita. Era mesmo uma estátua: tão branca era ela. A luz dos tocheiros dava-lhe aquela palidez de âmbar que lustra os mármores antigos. O gozo foi fervoroso – cevei em perdição aquela vigília. A madrugada passava já frouxa nas janelas. Àquele calor de meu peito, à febre de meus lábios, à convulsão de meu amor, a donzela pálida parecia reanimar-se. Súbito abriu os olhos empanados. Luz sombria alumiou-os como a de uma estrela entre névoa, apertou-me em seus braços, um suspiro ondeou-lhe nos beiços azulados... Não era já a morte: era um desmaio. No aperto daquele abraço havia contudo alguma coisa de horrível. O leito de lájea onde eu passara uma hora de embriaguez me resfriava. Pude a custo soltar-me daquele aperto do peito dela... Nesse instante ela acordou... Nunca ouvistes falar de catalepsia? É um pesadelo horrível aquele que gira ao acordado que emparedam num sepulcro; sonho gelado em que sentem-se os membros tolhidos e as faces banhadas de lágrimas alheias, sem poder revelar a vida! A moça revivia a pouco e pouco. Ao acordar desmaiara. Embucei-me na capa e tomei-a nos braços coberta com seu sudário como uma criança. Ao aproximar-se da porta topei num corpo; abaixei-me, olhei: era algum coveiro do cemitério da igreja que aí dormira de ébrio, esquecido de fechar a porta... Saí. Ao passar a praça encontrei uma patrulha. – Que levas aí? A noite era muito alta: talvez me cressem um ladrão. – É minha mulher que vai desmaiada... – Uma mulher!... Mas essa roupa branca e longa? Serás acaso roubador de cadáveres? Um guarda aproximou-se. Tocou-lhe a fronte: era fria. – É uma defunta... Cheguei meus lábios aos dela. Senti um bafejo morno. – Era a vida ainda. – Vede, disse eu. O guarda chegou-lhe os lábios: os beiços ásperos roçaram pelos da moça. Se eu sentisse o estalar de um beijo... o punhal já estava nu em minhas mãos frias... – Boa-noite, moço, podes seguir, disse ele. Caminhei. – Estava cansado. Custava a carregar o meu fardo; e eu sentia que a moça ia despertar. Temeroso de que ouvissem-na gritar e acudissem, corri com mais esforço... Quando eu passei a porta ela acordou. O primeiro som que lhe saiu da boca foi um grito de medo...
CONTO Mal eu fechara a porta, bateram nela. Era um bando de libertinos meus companheiros que voltavam da orgia. Reclamaram que abrisse. Fechei a moça no meu quarto, e abri. Meia hora depois eu os deixava na sala bebendo ainda. A turvação da embriaguez fez que não notassem minha ausência. Quando entrei no quarto da moça via-a erguida. Ria de um rir convulso como a insânia, e frio como a folha de uma espada. Trespassava de dor o ouvi-la. Dois dias e duas noites levou ela de febre assim... Não houve como sanar-lhe aquele delírio, nem o rir do frenesi. Morreu depois de duas noites e dois dias de delírio. À noite saí; fui ter com um estatuário que trabalhava perfeitamente em cera, e paguei-lhe uma estátua dessa virgem. Quando o escultor saiu, levantei os tijolos de mármore de meu quarto, e com as mãos cavei aí um túmulo. Tomei-a então pela última vez nos braços, apertei-a a meu peito muda e fria, beijei-a e cobri-a adormecida do sono eterno com o lençol de seu leito. Fechei-a no seu túmulo e estendi meu leito sobre ele. Um ano – noite a noite – dormi sobre as lajes que a cobriam... Um dia o estatuário me trouxe a sua obra. Paguei-lha e paguei o segredo...
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Não te lembras, Bertram de uma forma branca de mulher que entreviste pelo véu do meu cortinado? Não te lembras que eu te respondi que era uma virgem que dormia? – E quem era essa mulher, Solfieri? – Quem era? seu nome? – Quem se importa com uma palavra quando sente que o vinho lhe queima assaz os lábios? quem pergunta o nome da prostituta com quem dormiu e que sentiu morrer a seus beijos, quando nem há dele mister por escrever-lho na lousa? Solfieri encheu uma taça. – Bebeu-a. – Ia erguer-se da mesa quando um dos convivas tomou-o pelo braço. – Solfieri, não é um conto isso tudo? – Pelo inferno que não! por meu pai que era conde e bandido, por minha mãe que era a bela Messalina das ruas – pela perdição que não! Desde que eu próprio calquei aquela mulher com meus pés na sua cova de terra, eu vo-lo juro! – guardei-lhe como amuleto a capela de defunta. Ei-la! Abriu a camisa, e viram-lhe ao pescoço uma grinalda de flores mirradas. Vede-la? murcha e seca como o crânio dela! Extraído de: Noite na taverna, Ed. Núcleo, 1993.
COLUNA M
Divisão por 2 e multiplicação por 5 Esperamos que o que vamos apresentar possa ajudá-Io a fazer algumas contas mais rapidamente, sem o uso de calculadora, é claro.
Divisão por 2 Você pode ter aprendido a dividir por 2 da seguinte maneira: 37 5 816 2 −2 187 908 17 − 16 15 −14 18 −18 01 − 0 16 −16 0 Ou, ainda, mais simplificadamente: 37 5 816 2 17 187 908 15 18 0 16 0 Podemos simplificar ainda mais. Se o número é par: 31715180116 : 2 = 187 908
ii) Divisão Euclidiana de 17 por 2. Quociente 8 e resto 1; iii) Divisão Euclidiana de 15 por 2. Quociente 7 e resto 1; iv) Divisão Euclidiana de 18 por 2. Quociente 9 e resto 0; v) Divisão Euclidiana de 1 por 2. Quociente 0 e resto 1; vi) e, finalmente, Divisão Euclidiana de 16 por 2. Quociente 8. Se o número é ímpar, acrescente uma vírgula e um zero. Por exemplo. 715160713111, 0 : 2 = 378 365,5. Agora uma sugestão para simplificar, às vezes, ainda mais. Se você puder separar os algarismos do número em grupos de pares, basta dividir cada um desses grupos por 2, lembrando que se aparecerem os grupos 10, 12, ..., 18, deve-se escrever 05, 06, ..., 09, se aparecerem os grupos 100, ..., 198, deve-se escrever 050, ..., 099, etc. Exemplos: 78 472 564 : 2 = 78 | 4 | 72 | 56 | 4 : 2 = 39 | 2 | 36 | 28 | 2 = 39 236 282 64 126 188 : 2 = 64 | 12 | 6 | 18 | 8: 2 = 32 | 06 | 3 | 09 | 4 = 32 063 094 112 204 102 : 2 = 112 | 204 | 102: 2 = 56 | 102 | 056 = 56 102 056 Para treinar esse novo método, efetuar: a) 233 : 2 b) 2 409 868 : 2 c) 12 345 : 2
Multiplicação por 5 Toda multiplicação por 5 cai em uma divisão por 2. Assim: 45 681 ⋅ 5 = 456 810 : 2 = 4 | 56 | 8 | 10 : 2 = 2 | 28 | 4 | 05 = 228 405 Para treinar esse novo método, efetuar:
O que fizemos anteriormente:
a) 346 759 ⋅ 5 b) 78 532 ⋅ 5 c) 1 234 567 ⋅ 5
i) Divisão Euclidiana de 3 por 2. Temos quociente 1 e resto 1. O resto 1 colocamos à esquerda e acima do próximo número, no caso 7, e o quociente 1 à direita do sinal =;
Se, e somente se, você achou interessante esse método, propo nha-se outras contas. Confira com uma calculadora, ou com a maneira tradicional.
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ARTIGO
Telescópios investigam relação entre ciclo do Sol e clima Por Diego Freire
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esquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Federal Fluminense (UFF) construíram dois telescópios que vão funcionar de forma sincronizada na detecção contínua de partículas derivadas da radiação do Sol para investigar possíveis relações entre os ciclos solares e as variações climáticas da Terra. O trabalho é resultado da pesquisa “Detecção e estudo de eventos solares transientes e variação climática”, realizada no âmbito de um acordo de cooperação entre a FAPESP e a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) que tem como objetivo apoiar projetos cooperativos e intercâmbio de pesquisadores e estudantes em áreas ligadas às mudanças climáticas globais. De acordo com o coordenador Equipamentos serão sinda pesquisa na Unicamp, Andercronizados para monitorar son Campos Fauth, professor asa atividade solar de forma ininterrupta e registrar sociado do Instituto de Física Gleb informações que podem Wataghin, já se sabe que os ciclos ser associadas à variação solares e suas flutuações apresenclimática. tam alguma relação com a intensidade com que os raios cósmicos atingem a Terra, apesar de não serem considerados uma das principais causas das mudanças climáticas globais. “Não existe um consenso sobre o mecanismo que relaciona a atividade solar e as mudanças climáticas. Há uma hipótese de que o aumento do fluxo de raios cósmicos pode estar associado ao surgimento de nuvens baixas, que globalmente exercem um efeito de resfriamento e, nas regiões polares, onde a incidência da radiação solar é baixa, têm impacto contrário, provocando aquecimento”, disse. Fauth explica que cientistas têm observado que certos fenômenos climáticos – oceanos mais quentes, maior quantidade de chuvas tropicais, menos nuvens subtropicais, circulação mais intensa de ventos – parecem estar em parte associados ao ciclo de atividade solar, que dura em média 11 anos. “Entretanto, esses estudos estão em fase inicial e é necessário fazer novas observações das radiações emitidas pelo Sol, principalmente quando surgem atividades como as explosões solares, e monitorar suas variações sazonais”, ponderou. Diante disso, o trabalho da Unicamp e da UFF com os telescópios foca em um dos sinais do ciclo solar: a presença e o comportamento das partículas múons na atmosfera terrestre. O múon é a mais abundante partícula com carga elétrica
presente na superfície da Terra, representando cerca de 80% dos raios cósmicos com carga elétrica em altitudes próximas ao nível do mar. A cada segundo surgem, aproximadamente, 140 múons por metro quadrado. O fato de a partícula quase sempre possuir trajetória retilínea facilita sua detecção com um arranjo de poucos detectores. “Essas partículas permitem estudar os eventos solares em uma região de energia que os satélites e os monitores de nêutrons posicionados na superfície terrestre não observam”, explicou Fauth. O ano de 2014 é propício à detecção de múons pelos telescópios da Unicamp e da UFF. Ao longo deste período, o ciclo atual do Sol atinge sua máxima atividade: o número de manchas solares observadas aumenta consideravelmente e os flares – explosões que ocorrem na superfície do Sol – irrompem com grande intensidade, libertando milhões de toneladas de gás magnetizado. Além disso, Campinas e Niterói, onde os telescópios estão instalados, têm localização privilegiada para a detecção de partículas derivadas da radiação solar, pois estão próximas à região central da Anomalia Magnética do Atlântico Sul (SAA, da sigla em inglês), onde a resistência magnética para entrada de partículas carregadas vindas do espaço é muito baixa. A maioria dos detectores de partículas solares energéticas está instalada próximo às regiões dos polos porque, nas outras regiões, o campo magnético da Terra desvia as partículas carregadas. Mas na região da SAA há uma intensidade magnética muito inferior, uma espécie de buraco na magnetosfera que se comporta como um funil.
Muonca O telescópio construído na Unicamp, que recebeu o nome Muonca, iniciou em abril a tomada de dados contínua, utilizando quatro detectores de partículas. Os detectores da UFF entraram em funcionamento em junho, no modo monitor – quando se realiza a contagem dos múons, sem determinar ainda sua direção de chegada. O Muonca utiliza quatro detectores de partículas idênticos. A partícula múon, ao atravessar o cintilador do detector, produz uma luz que permite o registro de sua passagem. Um computador é utilizado no sistema de aquisição de dados, e as informações brutas são registradas em arquivos diários. O telescópio da Unicamp foi construído em dois anos, incluindo o tempo para os processos de importação, realização dos projetos, desenhos técnicos das peças, execução por técnicos da universidade e de empresas privadas, montagem por membros do grupo de pesquisa, desenvolvimento do software de aquisição de dados e calibração dos detectores, além da programação dos códigos de análise dos dados.
ARTIGO O experimento opera continuamente, 24 horas por dia, e os pesquisadores desenvolvem agora um sistema que alerte por e-mail e SMS quando ocorrer algum problema ou possível evento solar na aquisição dos dados. Recentemente, os detectores instalados em Campinas e Niterói registraram simultaneamente uma tempestade geomagnética. De acordo com Fauth, os dados estão sendo avaliados
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para publicação e os primeiros resultados conjuntos dos dois telescópios serão apresentados em setembro no 34o Encontro Nacional de Física de Partículas e Campos, organizado pela Sociedade Brasileira de Física em Caxambu (MG). Extraído de: Agência FAPESP – Divulgando a cultura científica, jul./2014.
POIS É, POESIA
Augusto dos Anjos (1884-1914)
Solitário
O lupanar
C omo um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta, Por trás dos ermos túmulos, um dia, Eu fui refugiar-me à tua porta!
A h! Por que monstruosíssimo motivo Prenderam para sempre, nesta rede, Dentro do ângulo diedro da parede, A alma do homem polígamo e lascivo?!
Fazia frio e o frio que fazia Não era esse que a carne nos conforta... Cortava assim como em carniçaria O aço das facas incisivas corta!
Este lugar, moços do mundo, vede: É o grande bebedouro coletivo, Onde os bandalhos, como um gado vivo, Todas as noites, vêm matar a sede!
Mas tu não vieste ver minha Desgraça! E eu saí, como quem tudo repele, – Velho caixão a carregar destroços –
É o afrodístico leito do hetairismo, A antecâmara lúbrica do abismo, Em que é mister que o gênero humano entre,
Levando apenas na tumbal carcaça O pergaminho singular da pele E o chocalho fatídico dos ossos!
Quando a promiscuidade aterradora Matar a última força geradora E comer o último óvulo do ventre!
Minha finalidade
Apocalipse
Turbilhão teleológico incoercível,
M inha divinatória Arte ultrapassa
Predeterminação imprescritível Oriunda da infra-astral Substância calma Plasmou, aparelhou, talhou minha alma Para cantar de preferência o Horrível!
É a subversão universal que ameaça A Natureza, e, em noite aziaga e ignota, Destrói a ebulição que a água alvorota E põe todos os astros na desgraça!
Na canonização emocionante, Da dor humana, sou maior que Dante, – A águia dos latifúndios florentinos!
São despedaçamentos, derrubadas, Federações sidéricas quebradas... E eu só, o último a ser, pelo orbe adiante,
Sistematizo, soluçando, o Inferno... E trago em mim, num sincronismo eterno A fórmula de todos os destinos!
Espião da cataclísmica surpresa, A única luz tragicamente acesa Na universalidade agonizante!
Que força alguma inibitória acalma, Levou-me o crânio e pôs-lhe dentro a palma Dos que amam apreender o Inapreensível!
Os séculos efêmeros e nota Diminuição dinâmica, derrota Na atual força, integérrima, da Massa.
Extraído de: Eu e outras poesias, Livraria São José, Rio de Janeiro, 1965.
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ESPECIAL
Olimpíadas do conhecimento Veja o resultado de algumas competições Olimpíada Internacional de Química Este ano aconteceu a 46 Olimpíada Internacional de Química (IChO), no Vietnã. O Brasil foi um dos 75 países participantes e conquistou três medalhas de bronze. Duas delas foram de alunos do Colégio Etapa: Kevin Iwashita e Chan Song Moon! Kevin também obteve o melhor resultado dentre os brasileiros na competição. a
Olimpíada Internacional de Astronomia e Astrofísica A 8a Olimpíada Internacional de Astronomia e Astrofísica (IOAA) aconteceu no mês de agosto, na Romênia. A delegação brasileira obteve um ótimo resultado e levou a prata na competição por equipes. Já na fase individual, foram duas medalhas de bronze e três menções honrosas. Um dos bronzes foi conquistado pelo nosso aluno Daniel Mitsutani! A primeira IOAA foi em 2007, na Tailândia. A partir de então, o evento ocorre anualmente, contando com provas individuais teóricas e práticas, além da avaliação em grupos.
Treinando a diplomacia Grupo do Etapa se destacou no 5º São Paulo Model United Nations
E
assuntos como “A situação dos refugiados na Turquia”, “O conflito Israel-Palestina” e “O aborto seletivo e o infanticídio feminino”. Ao longo dos 5 dias, eles representaram diversos países, além de participarem de mesas--redondas com antropólogos e autoridades. O grupo também atuou no Comitê de Imprensa, produzindo textos e experienciando trabalho de um jornalista. Apenas no seu segundo ano de existência, o EMUN Etapa já alcançou resultados expressivos. Foram 9 menções – uma forma de premiação pelo desempenho – conquistadas pelos alunos Camila Castro, Pedro Tozzi, Luis Sirota, Glenda Rodrigues, Vinícius Fujii, Ruan Rossato, Alberto Itiro Shiguematsu, Andre Oliveira Soares e Gustavo Cezar. As simulações das Nações Unidas são experiências que, além de proporcionar um imenso aprendizado em relação aos temas abordados e ao funcionamento de uma importante organização mundial, também estimulam os jovens a desenvolverem suas próprias habilidades: a oratória, a argumentação, o espírito de liderança, o pensamento crítico, o trabalho em equipe.
MUN – Etapa Model United Nations é um grupo formado por alunos do Ensino Médio do Colégio Etapa que simula reuniões nos moldes dos comitês da Organização das Nações Unidas. O projeto, voltado para a área de Relações Internacionais e Diplomacia, teve início em 2012 e semanalmente levanta discussões sobre temas atuais e relevantes para a sociedade. Entre os dias 15 e 19 de julho, o grupo AGENDA CULTURAL participou do SPMUN (São Paulo Model United Nations), um evento que ocorre todos os anos São Paulo – Clube de Cinema (quintas, das 19h10 às 21h35, sala 65) e reúne estudantes de diversas escolas. A sua 04.09 – Gravidade (Alfonso Cuarón: 2013) a 5 edição teve como tema central a reflexão 11.09 – Volver (Pedro Almodóvar: 2006) sobre a condição das minorias (étnicas, religiosas, linguísticas, de orientação sexual Valinhos – Clube de Cinema (Sextas, das 14h05 às 15h45) ou de gênero) em São Paulo, no Brasil e no 29.08 – Air doll (Hirokazu Koreed: 2009) mundo. 05.09 – O silêncio dos inocentes (Jonathan Demme: 1991) A equipe do Colégio Etapa contou com 38 12.09 – O grande ditador (Charles Chaplin: 1940) delegados divididos em 9 comitês, abordando