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Jornal do Colégio JORNAL DO COLÉGIO ETAPA – 2016 • DE 10/06 A 23/06
ENTREVISTA
“O colégio me ensinou a estudar.” Sabrina Sun Ha Kim acaba de se formar em Odontologia e começou a trabalhar em dois consultórios como clínica geral – fazendo um pouco de tudo. Pretende especializar-se em Reabilitação Oral. Nesta entrevista ela detalha como é a formação do dentista na USP. Descreve também as atividades que desenvolveu em estágios e projetos sociais.
Sabrina Sun Ha Kim
JC – Desde quando você pensava em seguir Odontologia?
Mas uma vantagem que eu tinha é que no Etapa estava acostumada a estudar todo dia.
Sabrina – Desde criança eu quis Odontologia, mas no 3o ano comecei a gostar de Química e pensei em outras carreiras. Pensei em Farmácia, Medicina, Engenharia Química. Mas decidi: “É Odontologia mesmo”. Hoje não tenho dúvidas.
No curso de Odontologia você manteve o ritmo de estudar todos os dias?
Você prestou outros vestibulares além da Fuvest? Fiz Unicamp. Passei na 1a fase e não prestei a 2a fase.Também fiz o Enem.
Quando você veio estudar no Etapa? Entrei no 7o ano do Fundamental. Minha irmã mais nova veio junto, entrou no 5o ano. Eu já tinha vários amigos aqui.
Vindo de outra escola, o que exigiu mais para sua adaptação no Etapa? Onde eu estudava tinha Ciências, aqui as matérias são divididas em Física, Química, Biologia. Antes nunca tinha visto uma tabela periódica. Demorou uns 3, 4 meses minha adaptação.
Após entrar na faculdade como foi sua adaptação? Aqui no colégio os professores dão toda a informação, material, você tem guia de estudos. Na faculdade, não. ENTREVISTA
Carreira – Odontologia
CONTO Carta de um defunto rico – Lima Barreto
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Tinha o hábito de resumir no caderno o que era dado no dia. Eram duas aulas por dia, aulas muito extensas, de quase quatro horas, mas ao chegar em casa eu fazia o resumo. Nos últimos anos, eu fiz estágio e meu método de estudar mudou.
Em linhas gerais, como se desenvolveu o curso de Odontologia? Até a metade do 3o ano são matérias mais básicas: Anatomia, Histologia, Biologia, Bioquímica. Não são dadas pela Odontologia e sim pelo Instituto de Ciências Biológicas. Depois, do 3o ano até o 5o ano, você passa a ver técnicas.
Quando ocorrem os primeiros contatos com pacientes? No segundo semestre do 3o ano já comecei a atender pacientes. Na verdade, o contato com clínica é desde o 1o ano. A gente tem a experiência de auxiliar os veteranos desde o início. Uma das primeiras matérias básicas que se aprende é Dentística, a parte de restauração, tratar cárie, anestesiar. Estuda-se Periodontia, a parte de gengiva. No 4o ano vê-se
ARTIGO Cenários de expansão da malária na América do Sul até 2070 POIS É, POESIA
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Cruz e Sousa (1861-1898)
ENTRE PARÊNTESIS
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Quantas moedas?
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ESPECIAL
Educação Financeira
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ENTREVISTA
mais a parte de prótese e Endodontia, que é tratamento de canais. No 5o ano tem uma matéria chamada Clínica Integrada, você tem que conseguir tratar o paciente com tudo que aprendeu. No último ano tem também Gestão em Odontologia, ensinam como construir um consultório, como é o mercado. E matérias sociais entram do 1o ao 5o ano.
Como são as matérias sociais? São várias matérias, uma ligada a outra. No 1o ano íamos para o Parque da USP, no Jardim Paulo VI, onde tem uma Unidade Básica de Saúde. No 2o ano estudamos textos sociais. No 3o ano íamos a escolas ensinar a parte de prevenção. No 4o e no 5o não é tanto social, a gente aprende Deontologia, que é a Odontologia legal, quais são os meus direitos, o que eu posso ou não posso fazer no paciente, segundo a lei. No 5o ano foi mais a parte de Gestão.
Você participou de atividades extracurriculares na faculdade? Atividades extracurriculares você pode fazer desde o 1o ano. Foi o que fiz. No segundo semestre do 1o ano entrei na chamada Clínica de Prevenção. É estágio, você não é obrigada a fazer, faz se quiser. Foi o primeiro contato que tive com paciente. Atendia crianças. A gente não faz intervenção traumática, só faz aplicação de flúor, ensina a criança a passar fio dental, escovar os dentes. Eu fazia à noite, na clínica odontológica da faculdade.
Você ficou quanto tempo na Clínica de Prevenção? Fiquei dois anos. Eu gostei muito.
O que mais você fez extraclasse? A partir do 3o ano eu me interessei mais pelos projetos sociais e comecei a pesquisar como participar. Minha primeira experiência foi no Projeto Cananeia.
O que é o Projeto Cananeia? Passamos quatro ou cinco dias trabalhando o dia inteiro atendendo crianças nas escolas públicas de Cananeia. Fazíamos tudo, desde extração do dente até tratamento de cárie ou prevenção com flúor. Tínhamos de saber definir o melhor tratamento para cada criança.
Algum professor acompanha os alunos no atendimento? Sim. Tem um professor responsável do Departamento de Odontologia Social. Isso foi no 4o ano. No 5o ano participei da Bandeira Científica, um projeto que começou na Faculdade de Medicina da USP e foi abrangendo todas as áreas de saúde, Fisioterapia, Odontologia.
Aonde vocês foram? Limoeiro de Anadia, em Alagoas. Ficamos lá dez dias. Na parte de Odontologia fomos em quase 30 pessoas. Uma parte atendia as crianças, outra parte era da área de próte-
se, fazia dentaduras. Eu fui pelo grupo da prótese. Foram também o professor responsável e os discutidores, profissionais formados que auxiliam os alunos da graduação, ajudam você a tratar da melhor forma possível cada paciente.
Qual é a importância dessa parte social? A parte social forma você como um dentista diferenciado. Uma coisa que eu aprendi na USP é que você não trata só dente, você trata a pessoa como um todo. Como profissional de saúde, você pode ajudar em outras áreas.
Você fez estágios fora da faculdade? Eu queria fazer estágios fora da USP, mas não dá tempo porque os consultórios pedem que você trabalhe de segunda a sexta-feira, de tal horário a tal horário. Dentro da faculdade estudei na Fundecto, que é uma fundação conveniada com a USP. São vários cursos para profissionais já formados e você pode participar como auxiliar e estagiar também.
O que você fez na Fundecto? Participei durante um ano da Odontopediatria, em cirurgia para criança. No segundo semestre do 5o ano fiz Dentística e Estética.
Você fez iniciação científica? Fiz na Odontopediatria, do meio do 3o ano para o meio do 4o.
A iniciação científica é obrigatória? Não, mas foi fundamental para aprender como é a área de pesquisa.
Qual foi o tema de sua pesquisa? O tema da iniciação científica foi “Influência da luz halógena como acelerador da reação de presa na interface entre dentina e cimentos de ionômero de vidro”.
Teve bolsa? Ganhei uma bolsa da RUSP, Reitoria da USP.
Mais alguma atividade extraclasse? No 5o ano eu fiz estágios no setor de urgência da faculdade, que atende pacientes que estão com dor e faz muito tratamento também.
Qual é a importância do estágio na formação do dentista? A condição para se formar é cumprir 480 horas de estágio. Na graduação inteira. E nos estágios você aprende muito e consegue ter noção do que vai ser no futuro.
Teve algum caso nos contatos iniciais com pacientes que foi marcante? Lembro que nas aulas de Cirurgia teve uma paciente em que tive de tirar um cisto. Ela estava nervosa, com medo
ENTREVISTA de não dar tempo de buscar o filho na escola. Pela radiografia que olhei, falei que não ia ser difícil tirar o dente, seria rápido. Mas no decorrer da cirurgia ocorreram complicações. Como o dente estava muito cariado, ele quebrou. Aí tinha que rebater a gengiva, cortar o osso, demorou muito. E uma hora a paciente começou a chorar. Pensei que ela estivesse sentindo dor. Perguntei a ela que disse não ser dor. Eu não imaginava mas ela chorava por causa do filho. O professor veio e me ajudou a suturar a gengiva. No final deu tudo certo.
Como você se vê na carreira daqui a 10 anos?
No último ano do curso, qual era sua maior preocupação?
Onde se encontram esses cursos?
Com certeza, o emprego. É um momento de muitas preocupações. Será que paro de estudar e só trabalho? Será que faço uma pós-graduação para virar acadêmica? Como não tenho o intuito de me tornar professora, quero focar mais na parte clínica mesmo.
Hoje, o que você está fazendo profissionalmente? Estou trabalhando em dois consultórios como clínica geral, nenhuma especialidade definida. Faço um pouco de tudo. Continuo na faculdade, estou participando de um projeto chamado Envelhecer Sorrindo, que existe para reabilitar pacientes para terem a função de mastigação, estética de novo, com próteses. Eu achei muito importante para minha experiência futura a decisão de continuar na faculdade. Se eu por acaso tiver um caso em que precise de aconselhamento de algum professor, já vou estar dentro da USP. O Envelhecer Sorrindo é um projeto em que eu vou continuar porque quero aprender muito mais e pretendo seguir a especialidade da reabilitação oral. A princípio, quero me especializar em prótese.
Como é seu trabalho nos dois consultórios? Trabalho na segunda-feira em um e na quarta-feira no outro. Fico o dia inteiro nos consultórios. Na terça-feira vou à faculdade. E vou começar um curso de estética na APCD (Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas).
Como está o mercado de trabalho hoje? Opções de trabalho você tem, mas é preciso correr atrás. E tem que saber como se adaptar, tem que saber fazer muitas coisas.
Como foi o atendimento a seu primeiro paciente depois de formada? A insegurança é grande. Se você fizer alguma coisa errada o professor não está lá para te ajudar, então tem que manter a calma. Eu fiquei calma, lembrei de tudo que sabia e agi com cautela. Ainda não faz muito tempo que me formei, mas com a experiência você vai adquirindo segurança.
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Daqui a 10 anos eu gostaria de ter consultório próprio, de estar estabilizada financeiramente. Quero ter pacientes de reabilitação oral e também continuar com o projeto social, ajudando pessoas que não podem pagar o tratamento.
Hoje você está fazendo Clínica Geral. Você já sabe em qual área vai seguir realmente? É quase certeza que é a área de Reabilitação Oral e já estou procurando cursos para me especializar.
Na APCD e na Fundecto também. A Fundação é dentro da Odontologia da USP, muitos professores que você teve na graduação vão estar lá também.
Teve alguma matéria no colégio – além das ligadas diretamente à sua área – que se mostrou útil na faculdade? Física foi muito útil. Eu não sabia que Odontologia envolvia tanta Física. A gente tem que saber a força da mastigação, como é a articulação de nossa mandíbula. Isso envolve muito a Física. Por não ser uma matéria específica, não dava tanta importância, achava que não tinha nada a ver com Odontologia.
Você ainda tem amigos da época do colégio? Tenho. A gente formava um grupo de 12 amigas. Mantemos contato até hoje.
De volta ao Etapa, que recordações surgem? Para mim foram momentos muito bons. Eu tenho muita saudade da época do Etapa, dos professores, das excelentes aulas, da rotina mesmo. O colégio me ensinou a estudar. As provas me ajudavam a estudar, eu via o resultado do meu esforço através das provas. No Etapa você aprende. Achei minha forma de estudar aqui dentro. Sinto falta de tudo, das aulas, da rotina de encontrar os amigos todo dia.
O que você pode dizer a quem vai prestar vestibular no fim do ano e está pensando em Odontologia? Primeiro, pesquisar. Ver a grade curricular. Acho importante pesquisar o que você vai estudar na faculdade e realmente fazer aquilo que você gosta. Na Odontologia, apesar de ter uma nota de corte baixa para entrar, lá dentro tem que estudar muito.
Você quer dizer mais alguma coisa para nossos alunos? Acho que é buscar mesmo o que você quer. Se você ainda não tem um objetivo grande, crie pequenas metas. Ao ver que consegue alcançar essas pequenas metas, vai sonhar mais alto e alcançar.
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CONTO
Carta de um defunto rico Lima Barreto
“M
eus caros amigos e parentes. Cá estou no carneiro no 7..., da 3a quadra, à direita, como vocês devem saber, porque me puseram nele. Este Cemitério de São João Batista da Lagoa não é dos piores. Para os vivos, é grave e solene, com o seu severo fundo de escuro e padrasto granítico. A escassa verdura verde-negra das montanhas de roda não diminuiu em nada a imponência da antiguidade da rocha dominante nelas. Há certa grandeza melancólica nisto tudo; mora neste pequeno vale uma tristeza teimosa que nem o sol glorioso espanta... Tenho, apesar do que se possa supor em contrário, uma grande satisfação; não estou mais preso ao meu corpo. Ele está no aludido buraco, unicamente a fim de que vocês tenham um marco, um sinal palpável para as suas recordações; mas anda em toda a parte. Consegui afinal, como desejava o poeta, elevar-me bem longe dos miasmas mórbidos, purificar-me no ar superior – e bebo, como um puro e divino licor, o fogo claro que enche os límpidos espaços. Não tenho as dificultosas tarefas que, por aí, pela superfície da terra, atazanam a inteligência de tanta gente. Não me preocupa, por exemplo, saber se devo ir receber o poderoso imperador do Beluchistã com ou sem colarinho; não consulto autoridades constitucionais para autorizar minha mulher a oferecer ou não lugares do seu automóvel a príncipes herdeiros – coisa, aliás, que é sempre agradável às senhoras de uma democracia; não sou obrigado, para obter um título nobiliárquico, de uma problemática monarquia, a andar pelos adelos, catando suspeitas bugigangas, e pedir a literatos das antessalas palacianas que as proclamem raridades de beleza, a fim de encherem salões de casas de bailes e emocionarem os ingênuos com recordações de um passado que não devia ser avivado. Afirmando isto, tenho que dizer as razões. Em primeiro lugar, tais bugigangas não têm, por si, em geral, beleza alguma; e, se a tiveram era emprestada pelas almas dos que se serviram delas. Semelhante beleza só pode ser sentida pelos descendentes dos seus primitivos donos. Demais, elas perdem todo o interesse, todo o seu valor, tudo o que nelas possa haver de emocional, desde que percam a sua utilidade e desde que sejam retiradas dos seus lugares próprios. Há senhoras belas, no seu interior, com os seus móveis e as costuras; mas que não o são na rua, nas salas de baile e de teatro. O homem e as suas criações precisam, para refulgir, do seu ambiente próprio, penetrado, saturado das dores, dos anseios, das alegrias de sua alma; é com as emanações de sua vitalidade, é com as vibrações misteriosas de sua existência que as coisas se enchem de beleza.
É o sumo de sua vida que empresta beleza às coisas mortais; é a alma do personagem que faz a grandeza do drama, não são os versos, as metáforas, a linguagem em si etc. etc. Estando ela ausente, por incapacidade do ator, o drama não vale nada. Por isso, sinto-me bem contente de não ser obrigado a caçar, nos belchiores e cafundós domésticos, bugigangas, para agradar futuros e problemáticos imperantes, porque teria que dar a elas alma, tentativa em projeto que, além de inatingível, é supremamente sacrílego. De resto, para ser completa essa reconstrução do passado ou essa visão dele, não se podia prescindir de certos utensílios de uso secreto e discreto, nem tampouco esquecer determinados instrumentos de tortura e suplício, empregados pelas autoridades e grão-senhores no castigo dos seus escravos. Há, no passado, muitas coisas que devem ser desprezadas e inteiramente eliminadas, com o correr do tempo, para a felicidade da espécie, a exemplo do que a digestão faz, para a do indivíduo, com certas substâncias dos alimentos que ingerimos. Mas... estou na cova e não devo relembrar aos viventes coisas dolorosas. Os mortos não perseguem ninguém e só podem gozar da beatitude da superexistência aqueles que se purificam pelo arrependimento e destroem na sua alma todo o ódio, todo o despeito, todo o rancor. Os que não conseguem isso – ai deles! Alonguei-me nessas considerações intempestivas, quando a minha tenção era outra. O meu propósito era dizer a vocês que o enterro esteve lindo. Eu posso dizer isto sem vaidade, porque o prazer dele, da sua magnificência, do seu luxo, não é propriamente meu, mas de vocês, e não há mal algum que um vivente tenha um naco de vaidade, mesmo quando é presidente de alguma coisa ou imortal da Academia de Letras. Enterro e demais cerimônias fúnebres não interessam ao defunto; elas são feitas por vivos para vivos. É uma tolice de certos senhores disporem nos seus testamentos como devem ser enterrados. Cada um enterra seu pai como pode – é uma sentença popular, cujo ensinamento deve ser tomado no sentido mais amplo possível, dando aos sobreviventes a responsabilidade total do enterro dos seus parentes e amigos, tanto na forma como no fundo. O meu, feito por vocês, foi de truz. O carro estava soberbamente agaloado; os cavalos bem-paramentados e empenachados; as riquíssimas coroas, além de ricas, eram lindas. Da Haddock Lobo, daquele casarão que ganhei com auxílio das ordens terceiras, das leis, do câmbio e outras fatalidades
CONTO econômicas e sociais que fazem pobres a maior parte dos sujeitos e a mim me fizeram rico; da porta dele até o portão de São João Batista, o meu enterro foi um deslumbramento. Não havia, na rua, quem não perguntasse quem ia ali. Triste destino o meu, esse de, nos instantes do meu enterramento, toda uma população de uma vasta cidade querer saber o meu nome e dali a minutos, com a última pá de terra deitada na minha sepultura, vir a ser esquecido, até pelos meus próprios parentes. Faço esta reflexão somente por fazer, porque, desde muito, havia encontrado, no fundo das coisas humanas, um vazio absoluto. Essa convicção me veio com as meditações seguidas que me foram provocadas pelo fato de meu filho Carlos, com quem gastei uma fortuna em mestres, a quem formei, a quem coloquei altamente, não saber nada desta vida, até menos do que eu. Adivinhei isto e fiquei a matutar como que é que ele gozava de tanta consideração fácil e eu apenas merecia uma contrariedade? Eu, que... Carlos, meu filho, se leres isto, dá o teu ordenado àquele pobre rapaz que te fez as sabatinas por “tuta-e-meia”; e contenta-te com o que herdaste do teu pai e com o que tem tua mulher! Se não fizeres... ai de ti! Nem o Carlos nem vocês outros, espero, encontrarão nesta última observação matéria para ter queixa de mim. Eu não tenho mais amizade, nem inimizade.
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Os vivos me merecem unicamente piedade; e o que me deu esta situação deliciosa em que estou foi ter sido, às vezes, profundamente bom. Atualmente, sou sempre... Não seria, portanto, agora que, perto da terra, estou, entretanto, longe dela, que havia de fazer recriminações a meu filho ou tentar desmoralizá-lo. Minha missão, quando me consentem, é fazer bem e aconselhar o arrependimento. Agradeço a vocês o cuidado que tiveram com o meu enterro; mas, seja-me permitido, caros parentes e amigos, dizer a vocês uma coisa. Tudo estava lindo e rico; mas um cuidado vocês não tiveram. Por que vocês não forneceram librés novas aos cocheiros das caleças, sobretudo, ao do coche, que estava vestido de tal maneira andrajosa que causava dó? Se vocês tiverem que fazer outro enterro, não se esqueçam de vestir bem os pobres cocheiros, com o que o defunto, caso seja como eu, ficará muito satisfeito. O brilho do cortejo será maior e vocês terão prestado uma obra de caridade. Era o que eu tinha a dizer a vocês. Não me despeço, pelo simples motivo de que estou sempre junto de vocês. É tudo isto do José Boaventura da Silva. N.B. – Residência, segundo a Santa Casa: Cemitério de São João Batista da Lagoa; e segundo a sabedoria universal, em toda a parte. – J.B.S.” Posso garantir que transladei esta carta para aqui sem omissão de uma vírgula. (Domínio Público)
ARTIGO
Cenários de expansão da malária na América do Sul até 2070 Peter Moon
O
principal vetor de transmissão da malária na América do Sul é o mosquito da espécie Anopheles darlingi. Ele foi o responsável por praticamente 276 mil casos da doença registrados no Brasil em 2012, a maioria (99%) restrita à Amazônia. O A. darlingi é um inseto muito bem adaptado à vida na floresta amazônica, onde o regime de chuvas é abundante o ano todo e as temperaturas médias elevadas – embora com amplitude climática relativamente pequena, ou seja, com pouca variação entre as temperaturas do mês mais quente e as do mês mais frio do ano. Ocorre que, devido às mudanças climáticas e ao aumento progressivo das temperaturas no planeta, a Amazônia
pode passar por grandes mudanças. Nos próximos 50 anos, há o risco de a paisagem de floresta tropical ser substituída em boa parte pelo avanço do cerrado, onde o clima é mais quente e a amplitude climática bem maior. Nestas futuras condições, o A. darlingi poderá desaparecer. Mas isso não significaria o fim da malária. Há na América do Sul nove espécies de mosquitos do Complexo Albitarsis. A maioria delas não se adapta bem ao ambiente amazônico. Preferem climas mais secos e quentes. Todas são transmissoras dos protozoários Plasmodium falciparum e P. vivax, os agentes causadores da doença. Das nove espécies, sete estão presentes no território brasileiro e pode-
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ARTIGO
rão se tornar futuros vetores importantes de transmissão da malária, expandindo até 2070 a área de transmissão da doença. Este é o alerta que o biólogo Gabriel Laporta, da Universidade Federal do ABC (UFABC), faz no artigo “Malaria vectors in South America: current and future scenarios”, publicado no periódico Parasites & Vectors. A pesquisa foi desenvolvida durante o pós-doutoramento de Laporta na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), com apoio da Fapesp, e continua por meio de uma bolsa Apoio a Jovens Pesquisadores, no âmbito do Programa BIOTA. Sabe-se que durante a última Idade do Gelo, há 10 mil anos, o clima e a vegetação da Amazônia eram muito diferentes. O clima era mais seco e, no lugar da floresta tropical, existia um imenso cerrado. “O mesmo poderá acontecer no futuro”, afirma Laporta. Com as mudanças climáticas, é de supor que o progressivo aumento das temperaturas acabe por impactar o clima e a vegetação da Amazônia. As espécies vegetais que preferem um clima mais seco e quente do que o atual, como o do cerrado, deverão proliferar. Já aquelas espécies típicas da floresta úmida, que não suportam bem um regime com menos chuvas, tenderão a desaparecer ou migrar para as ilhas de umidade onde sobreviverão rodeadas por uma floresta tropical muito reduzida em relação à de hoje. É nesse cenário que a área de ação do mosquito A. darlingi tende a se reduzir dramaticamente, ao mesmo tempo em que a expansão do cerrado acelerará a proliferação das nove espécies do Complexo Albitarsis. “Meu trabalho é de modelagem. É um trabalho probabilístico”, diz o pesquisador. Para construir os seus modelos de nichos ecológicos dos mosquitos, Laporta empregou variáveis como a topografia, os diferentes climas e os muitos biomas da América do Sul. Também definiu a distribuição atual na América do Sul do plasmódio P. falciparum, do mosquito A. darlingi e das nove espécies do Complexo Albitarsis. Todas aquelas variáveis foram aplicadas ao cenário mais pessimista proposto pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que representa a situação na qual os comportamentos humanos em relação às mudanças climáticas não se alterariam daqui para o futuro. Como resultado de sua modelagem, Laporta produziu dois cenários para o clima da América do Sul em 2070. No primeiro, a temperatura média anual subirá de 2 a 3 graus centígrados, enquanto a precipitação no mês mais seco cairá entre 6,5 e 8 milímetros, e no mês mais quente, até 12 milímetros. Tais valores manteriam os biomas sul-americanos relativamente inalterados. No segundo cenário, de mudanças climáticas mais severas, a temperatura média anual aumentaria 4 graus centígrados e as precipitações declinariam em até 5 milímetros
no mês mais seco, e entre 15 e 17 milímetros no mês mais quente. Nesta segunda hipótese, o modelo indica a grande probabilidade da transformação do bioma amazônico. No segundo cenário, a distribuição do A. darlingi recuaria dos atuais 22% do território sul-americano para 11%. Quanto às espécies de mosquitos do Complexo Albitarsis para as quais o índice de precipitação elevado é importante, elas apresentariam uma distribuição decrescente nos cenários futuros. Já aquelas espécies desse complexo que se beneficiam com o aumento das temperaturas ou a alteração dos biomas teriam grande expansão nas suas distribuições geográficas. Feitas todas as contas, o protozoário P. falciparum, que ocorre atualmente em 25% do território da América do Sul, avançaria sua área de incidência para 37% do continente. No segundo cenário, o agente causador da malária poderia se alastrar por 46% do continente. “Para obter esses resultados considerei apenas as mudanças climáticas e os hábitats dos mosquitos. Não considerei os esforços humanos na eliminação da doença e no controle dos vetores”, sublinha Laporta. Vale dizer que os cenários por ele traçados para a expansão da área de atua ção dos mosquitos transmissores na América do Sul são modelos razoáveis, porém longe de serem definitivos. É muito provável que a Amazônia se torne mais quente e mais seca, com impacto sobre sua fauna e flora. Já a convivência do brasileiro com a malária e seus vetores não é um cenário determinístico. “Malária é doença de país pobre. A malária é epidêmica em países onde as infraestruturas de moradia, saúde e saneamento são ruins. Sou otimista. Não acredito que os brasileiros aceitem que o país mantenha em 2070 as péssimas condições de infraestrutura atuais nos locais onde a doença ocorre.” Extraído de: Agência FAPESP – Divulgando a cultura científica, abr./2016.
POIS É, POESIA
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Cruz e Sousa (1861-1898) Cristo de bronze
Flor do mar
Ó Cristos de ouro, de marfim, de prata, Cristos ideais, serenos, luminosos, ensanguentados Cristos dolorosos cuja cabeça a Dor e a Luz retrata.
És da origem do mar, vens do secreto, do estranho mar espumaroso e frio que põe rede de sonhos ao navio e o deixa balouçar, na vaga, inquieto.
Ó Cristos de altivez intemerata, ó Cristos de metais estrepitosos que gritam como os tigres venenosos do desejo carnal que enerva e mata.
Possuis do mar o deslumbrante afeto, as dormências nervosas e o sombrio e torvo aspecto aterrador, bravio das ondas no atro e proceloso aspecto.
Cristos de pedra, de madeira e barro... Ó Cristo humano, estético, bizarro, amortalhado nas fatais injúrias...
Num fundo ideal de púrpuras e rosas surges das águas mucilaginosas como a lua entre a névoa dos espaços...
Na rija cruz aspérrima pregado canta o Cristo de bronze do Pecado, ri o Cristo de bronze das luxúrias!...
Trazes na carne o eflorescer das vinhas, auroras, virgens músicas marinhas, acres aromas de algas e sargaços...
Sonhador
Noiva da Agonia
Por sóis, por belos sóis alvissareiros,
Trêmula e só, de um túmulo surgindo,
Nobre guerreiro audaz entre os guerreiros, das Ideias as lanças sopesando, verás, a pouco e pouco, desfilando todos os teus desejos condoreiros...
A alta cabeça no esplendor, cingindo cabelos de reflexos irisados, por entre auréolas de clarões prateados, lembras o aspecto de um luar diluindo...
Imaculado, sobre o lodo imundo, há de subir, com as vivas castidades, das tuas glórias o clarão profundo.
Não és, no entanto, a torva Morte horrenda, atra, sinistra, gélida, tremenda, que as avalanches da Ilusão governa...
Há de subir, além de eternidades, diante do torvo crocitar do mundo, para o branco Sacrário das Saudades!
Mas ah! és da Agonia a Noiva triste que os longos braços lívidos abriste para abraçar-me para a Vida eterna!
nos troféus do teu Sonho irás cantando, as púrpuras romanas arrastando, engrinaldado de imortais loureiros.
aparição dos ermos desolados, trazes na face os frios tons magoados de quem anda por túmulos dormindo...
Extraído de: Broquéis. In: Obra completa. Rio de Janeiro: Ed. José Aguilar, 1961.
(ENTRE PARÊNTESIS)
Quantas moedas? Eu tenho 20 moedas. Algumas delas são de 20 centavos e as outras de 10 centavos. Se as moedas de 10 centavos que eu tenho fossem as de 20 e as de 20 centavos fossem as de 10, eu teria 60 centavos a mais do que tenho agora. Quantas moedas de 10 e quantas moedas de 20 centavos eu tenho? Tenho 13 moedas de 10 centavos e 7 moedas de 20 centavos.
RESPOSTA
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ESPECIAL
Educação Financeira Alunos do Ensino Fundamental I aprendem a lidar com o dinheiro.
C
om a finalidade de informar e aprimorar o conhecimento dos alunos com relação ao dinheiro, o Colégio Etapa disponibiliza aulas de Educação Financeira para estudantes do 2o ao 5o ano do Ensino Fundamental. “Observamos que muitos alunos iam à cantina da escola sem saber quanto dinheiro tinham ou o valor dos produtos”, disse a professora Maria Carolina Maldonado, responsável pelo projeto. Com isso, quatro cartilhas sobre o tema foram desenvolvidas para apresentar aos alunos temas como a origem do dinheiro, guardar dinheiro no cofrinho, montar uma caderneta de poupança, evitar desperdícios e colaborar na economia das contas da casa (água e energia). Os estudantes são levados a refletir sobre temáticas como a diferença entre valor e preço, diferenciar compras motivadas por necessidade, consumismo e a importância de partilhar.
Já no 5o ano, os estudantes participam de uma atividade de empreendedorismo, em que são orientados a abrir e testar o funcionamento de sua própria empresa. Sobre a iniciativa: o Colégio Etapa desenvolveu a didática do material com base na Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF), criada em 2010 pelo Decreto no 7.397 – projeto do governo para promover ações de educação financeira gratuita – e as ações do Banco Central. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2013, 45 países de diferentes níveis de renda criaram uma estratégia nacional de educação financeira. Fóruns como o G20 e a Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC) já reconheceram a importância dos esforços nacionais de educação financeira para sustentar a estabilidade econômico-financeira e o desenvolvimento social inclusivo.
AGENDA CULTURAL
Jornal do Colégio
São Paulo – Clube de Cinema (quintas, das 19h às 21h, sala 65) 16.06 – Guantanamera (Tomás Gutiérrez Alea e Juan Carlos Tabío: 1995). 23.06 – De olhos bem fechados (Stanley Kubrick: 1999). 30.06 – Carrie, a estranha (Brian De Palma: 1976). São Paulo – Clube de Debate (mensal, das 19h às 21h50min, sala 86) 20.06 – “Vida e morte: aborto, eutanásia e pena de morte em pauta.” São Paulo – Clube do Livro (quinta, das 19h às 21h, sala 65) 23.06 – Macbeth (William Shakespeare). Valinhos – Clube de Cinema (sexta, das 14h05min às 16h05min, sala 209) 10.06 – O leitor (Stephen Daldry: 2008).
Jornal do Colégio ETAPA, editado por Etapa Ensino e Cultura REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343