Jornal do Collégio - 624

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Jornal do Colégio JORNAL DO COLÉGIO ETAPA  –  2017  •  DE 31/03 A 12/04

APROVAÇÃO INTERNACIONAL

Neurociência e Biologia Caroline Toledo, hoje na Universidade de Columbia, mostra sua paixão pela ciência Caroline Toledo, que no final de 2016 concluiu o Ensino Médio no Colégio Etapa (unidade Valinhos), comemora a aprovação, com bolsa, na Universidade de Columbia, onde pretende obter um duplo diploma (double major) em Neurociência e Biologia, focando em Biologia Molecular. O caráter destacado de suas conquistas levou sua história a ser tema de matéria recente do portal G1.

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m um futuro não distante, a considerar a velocidade e intensidade com que vem realizando seus projetos, Caroline pretende dedicar-se a pesquisas para compreensão e tratamento de doenças neurológicas e neuropsicológicas. E a volta para o Brasil também está nos seus planos. “Columbia sempre foi especial para mim. Além de ser a primeira faculdade norte-americana que visitei, é a instituição em que o professor Eric Kandel (foto), autor do primeiro livro científico que li inteiramente, fez as pesquisas na área de Neurociências que lhe garantiram o Prêmio Nobel”, diz. “Gostaria de ajudar a difundir a formação em Neurociências no país, uma vez que há pouquíssimas universidades que oferecem esse curso por aqui. Fora isso, é necessário sensibilizar o governo quanto à necessidade de investir mais recursos em pesquisa científica, porque isso é essencial para o nosso desenvolvimento”, concluiu. Filha de engenheiros, a jovem cresceu acompanhando o mestrado e o doutorado da mãe, e sempre foi fascinada por pesquisa científica. Aliás, a vontade de estudar fora do Brasil, segundo ela, foi influenciada pelas experiências que acabou compartilhando com a família em Cambridge, no Reino Unido.

ESPECIAL Aprovação internacional: Neurociência e Biologia na Universidade de Columbia

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SOBRE AS PALAVRAS

Fazer uma vaquinha

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CONTO

A igreja do Diabo – Machado de Assis

POIS É, POESIA

ENTRE PARÊNTESIS

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O caracol teimoso ARTIGO Sete planetas parecidos com a Terra são descobertos

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Luís Vaz de Camões (1525?-1580) ESPECIAL Palestra “O desafio de prestar o vestibular”

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APROVAÇÃO INTERNACIONAL

Em 2014, Caroline entrou no Etapa devido à “excelência do ensino e ao histórico de aprovações internacionais”, diz. “O Setor Internacional do colégio foi fundamental na minha aprovação. Tive ajuda tanto ao aplicar para summer programs de Stanford e Columbia quanto no processo de application para Columbia”, reconhece.

Nas olimpíadas de Neurociência a centelha que acendeu sua paixão Ela começou a estudar Neurociência em 2014, nas aulas oferecidas pelo colégio. O colégio sempre levava alunos a olimpíadas de conhecimento. Ao participar de olimpíadas de Neurociência ao longo do Ensino Médio, a paixão pela área se consolidou: “Foi quando tive certeza de que queria me tornar pesquisadora em Neurociên­cias e Biologia Molecular”, conta. Em 2015 ela conquistou o 2o lugar na Olimpíada Paulista de Neurociências e o 3o lugar na Olimpíada Brasileira de Neurociências, além do Prêmio Jovens Fora de Série da Fundação Estudar. Já em 2016, ficou com o 1o lugar na paulista e o 3o na brasileira. Ainda em 2016, antes mesmo de completar o Ensino Médio, Caroline recebeu uma bolsa para o Stanford Summer College Academy, onde estudou Psicologia Clínica e Origens da Vida (Astroquímica, Astrobiologia e Química Quântica): “Por enquanto, só recebi minha nota Caroline apresentou pôster em conferência internacional sobre pesquisa de iniciação científica desenvolvido na Unicamp. final do curso de Origens da Vida, no qual tirei cience”. Atualmente está no seu segundo projeto de pesquiA+”, diz. sa no qual pretendia continuar em 2017 antes de ser aceita em No curso de Biologia Molecular e Genética, no High School Columbia: “Pretendo seguir pesquisas na área durante a graSummer College da Universidade de Columbia, teve a melhor duação desde o primeiro ano”, diz. nota dentre 56 alunos, “gabaritando a prova final de mais de O grande envolvimento com olimpíadas, atividades e pes100 questões”. Também concluiu com nota A+ um curso de quisas científicas não impediu que a jovem vivenciasse outras inverno no Laboratório de Expressão Gênica da Universidade experiências multidisciplinares oferecidas pelo Etapa: “Fiz o de Harvard. curso de Empreendedorismo no 2o ano e participei do EMUN – Também ainda no Ensino Médio, Caroline foi aceita como Etapa Model United Nations; inclusive de duas simulações das aluna de Iniciação Científica na Faculdade de Ciências Médicas Nações Unidas – Harvard Model Congress Latin America e São da Unicamp, para pesquisar as bases moleculares da epilepsia Paulo Model of the United Nations”, lembra. infantil. Com tanta determinação, e com tanta diversidade de inte“Com os resultados da minha pesquisa, apresentei pôster resses, certamente Caroline terá muito a contribuir para o decomo autora titular em três congressos e tive o resumo da minha senvolvimento da Neurociência no Brasil. pesquisa publicado no Journal of Epilepsy and Clinical Neuros-

SOBRE AS PALAVRAS

Fazer uma vaquinha A expressão surgiu no ano de 1920 e significa reunir pessoas e arrecadar dinheiro. Naquela época, os jogadores de futebol não recebiam salário, e, então a torcida juntava dinheiro para recompensá-los. O valor do prêmio era associado ao jogo do bicho e o valor máximo era de vinte e cinco mil-réis. O número 25 no jogo do bicho corresponde à vaca. Daí a expressão “fazer uma vaquinha”.

Divulgação/Arquivo Pessoal

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CONTO

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A igreja do Diabo Machado de Assis Capítulo I De uma ideia mirífica Conta um velho manuscrito beneditino que o Diabo, em certo dia, teve a ideia de fundar uma igreja. Embora os seus lucros fossem contínuos e grandes, sentia-se humilhado com o papel avulso que exercia desde séculos, sem organização, sem regras, sem cânones, sem ritual, sem nada. Vivia, por assim dizer, dos remanescentes divinos, dos descuidos e obséquios humanos. Nada fixo, nada regular. Por que não teria ele a sua igreja? Uma igreja do Diabo era o meio eficaz de combater as outras religiões, e destruí-las de uma vez. – Vá, pois, uma igreja, concluiu ele. Escritura contra Escritura, breviário contra breviário. Terei a minha missa, com vinho e pão à farta, as minhas prédicas, bulas, novenas e todo o demais aparelho eclesiástico. O meu credo será o núcleo universal dos espíritos, a minha igreja uma tenda de Abraão. E depois, enquanto as outras religiões se combatem e se dividem, a minha igreja será única; não acharei diante de mim, nem Maomé, nem Lutero. Há muitos modos de afirmar; há só um de negar tudo. Dizendo isto, o Diabo sacudiu a cabeça e estendeu os braços, com um gesto magnífico e varonil. Em seguida, lembrou-se de ir ter com Deus para comunicar-lhe a ideia, e desafiá-lo; levantou os olhos, acesos de ódio, ásperos de vingança, e disse consigo: – Vamos, é tempo. E rápido, batendo as asas, com tal estrondo que abalou todas as províncias do abismo, arrancou da sombra para o infinito azul.

Capítulo II Entre Deus e o Diabo Deus recolhia um ancião, quando o Diabo chegou ao céu. Os serafins que engrinaldavam o recém-chegado, detiveram-se logo, e o Diabo deixou-se estar à entrada com os olhos no Senhor. – Que me queres tu? perguntou este. – Não venho pelo vosso servo Fausto, respondeu o Diabo rindo, mas por todos os Faustos do século e dos séculos. – Explica-te. – Senhor, a explicação é fácil; mas permiti que vos diga: recolhei primeiro esse bom velho; dai-lhe o melhor lugar, mandai que as mais afinadas cítaras e alaúdes o recebam com os mais divinos coros... – Sabes o que ele fez? perguntou o Senhor, com os olhos cheios de doçura. – Não, mas provavelmente é dos últimos que virão ter convosco. Não tarda muito que o céu fique semelhante a uma casa vazia, por causa do preço, que é alto. Vou edificar uma hospedaria barata; em duas palavras, vou fundar uma igreja. Estou cansado da minha desorganização, do meu reinado casual e adventício. É tempo de obter a vitória final e completa. E então vim dizer-vos isto, com lealdade, para que me não acuseis de dissimulação... Boa ideia, não vos parece?

– Vieste dizê-la, não legitimá-la, advertiu o Senhor. – Tendes razão, acudiu o Diabo; mas o amor-próprio gosta de ouvir o aplauso dos mestres. Verdade é que neste caso seria o aplauso de um mestre vencido, e uma tal exigência... Senhor, desço à terra; vou lançar a minha pedra fundamental. – Vai. – Quereis que venha anunciar-vos o remate da obra? – Não é preciso; basta que me digas desde já por que motivo, cansado há tanto da tua desorganização, só agora pensaste em fundar uma igreja? O Diabo sorriu com certo ar de escárnio e triunfo. Tinha alguma ideia cruel no espírito, algum reparo picante no alforje da memória, qualquer cousa que, nesse breve instante da eternidade, o fazia crer superior ao próprio Deus. Mas recolheu o riso, e disse: – Só agora concluí uma observação, começada desde alguns séculos, e é que as virtudes, filhas do céu, são em grande número comparáveis a rainhas, cujo manto de veludo rematasse em franjas de algodão. Ora, eu proponho-me a puxá-las por essa franja, e trazê-las todas para minha igreja; atrás delas virão as de seda pura... – Velho retórico! murmurou o Senhor. – Olhai bem. Muitos corpos que ajoe­lham aos vossos pés, nos templos do mundo, trazem as anquinhas da sala e da rua, os rostos tingem-se do mesmo pó, os lenços cheiram aos mesmos cheiros, as pupilas centelham de curiosidade e devoção entre o livro santo e o bigode do pecado. Vede o ardor, – a indiferença, ao menos, – com que esse cavalheiro põe em letras públicas os benefícios que liberalmente espalha, – ou sejam roupas ou botas, ou moedas, ou quaisquer dessas matérias necessárias à vida... Mas não quero parecer que me detenho em cousas miúdas; não falo, por exemplo, da placidez com que este juiz de irmandade, nas procissões, carrega piedosamente ao peito o vosso amor e uma comenda... Vou a negócios mais altos... Nisto os serafins agitaram as asas pesadas de fastio e sono. Miguel e Gabriel fitaram no Senhor um olhar de súplica. Deus interrompeu o Diabo. – Tu és vulgar, que é o pior que pode acontecer a um espírito da tua espécie, replicou-lhe o Senhor. Tudo o que dizes ou digas está dito e redito pelos moralistas do mundo. É assunto gasto; e se não tens força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te retires. Olha; todas as minhas le­giões mostram no rosto os sinais vivos do tédio que lhes dás. Esse mesmo ancião parece enjoado; e sabes tu o que ele fez? – Já vos disse que não. – Depois de uma vida honesta, teve uma morte sublime. Colhido em um naufrágio, ia salvar-se numa tábua; mas viu um casal de noivos, na flor da vida, que se debatiam já com a morte; deu-lhes a tábua de salvação e mergulhou na eternida-


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CONTO

de. Nenhum público: a água e o céu por cima. Onde achas aí a franja de algodão? – Senhor, eu sou, como sabeis, o espírito que nega. – Negas esta morte? – Nego tudo. A misantropia pode tomar aspecto de caridade; deixar a vida aos outros, para um misantropo, é realmente aborrecê-los... – Retórico e sutil! exclamou o Senhor. Vai; vai, funda a tua igreja; chama todas as virtudes, recolhe todas as franjas, convoca todos os homens... Mas, vai! vai! Debalde o Diabo tentou proferir alguma cousa mais. Deus impusera-lhe silêncio; os serafins, a um sinal divino, encheram o céu com as harmonias de seus cânticos. O Diabo sentiu, de repente, que se achava no ar; dobrou as asas, e, como um raio, caiu na terra.

Capítulo III A boa nova aos homens Uma vez na terra, o Diabo não perdeu um minuto. Deu-se pressa em enfiar a cogula beneditina, como hábito de boa fama, e entrou a espalhar uma doutrina nova e extraordinária, com uma voz que reboava nas entranhas do século. Ele prometia aos seus discípulos e fiéis as delícias da terra, todas as glórias, os deleites mais íntimos. Confessava que era o Diabo; mas confessava-o para retificar a noção que os homens tinham dele e desmentir as histórias que a seu respeito contavam as velhas beatas. – Sim, sou o Diabo, repetia ele; não o Diabo das noites sulfúreas, dos contos soníferos, terror das crianças, mas o Diabo verdadeiro e único, o próprio gênio da natureza, a que se deu aquele nome para arredá-lo do coração dos homens. Vede-me gentil e airoso. Sou o vosso verdadeiro pai. Vamos lá: tomai daquele nome, inventado para meu desdouro, fazei dele um troféu e um lábaro, e eu vos darei tudo, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo... Era assim que falava, a princípio, para excitar o entusiasmo, espertar os indiferentes, congregar, em suma, as multidões ao pé de si. E elas vieram; e logo que vieram, o Diabo passou a definir a doutrina. A doutrina era a que podia ser na boca de um espírito de negação. Isso quanto à substância, porque, acerca da forma, era umas vezes sutil, outras cínica e deslavada. Clamava ele que as virtudes aceitas deviam ser substituídas por outras, que eram as naturais e legítimas. A soberba, a luxúria, a preguiça foram reabilitadas, e assim também a avareza, que declarou não ser mais do que a mãe da economia, com a diferença que a mãe era robusta, e a filha uma esgalgada. A ira tinha a melhor defesa na existência de Homero; sem o furor de Aquiles, não haveria a Ilíada: “Musa, canta a cólera de Aquiles, filho de Peleu”... O mesmo disse da gula, que produziu as melhores páginas de Rabelais, e muitos bons versos do Hissope; virtude tão superior, que ninguém se lembra das batalhas de Luculo, mas das suas ceias; foi a gula que realmente o fez imortal. Mas, ainda pondo de lado essas razões de ordem literária ou histórica, para só mostrar o valor intrínseco daquela virtude, quem negaria que era muito melhor sentir na boca e no ventre os bons manjares, em grande cópia, do que os maus bocados, ou a saliva do jejum? Pela sua parte o Diabo prometia substituir a vinha do Senhor, expressão metafórica, pela vinha

do Diabo, locução direta e verdadeira, pois não faltaria nunca aos seus com o fruto das mais belas cepas do mundo. Quanto à inveja, pregou friamente que era a virtude principal, origem de prosperidades infinitas; virtude preciosa, que chegava a suprir todas as outras, e ao próprio talento. As turbas corriam atrás dele entusiasmadas. O Diabo incutia-lhes, a grandes golpes de eloquência, toda a nova ordem de cousas, trocando a noção delas, fazendo amar as perversas e detestar as sãs. Nada mais curioso, por exemplo, do que a definição que ele dava da fraude. Chamava-lhe o braço esquerdo do homem; o braço direito era a força; e concluía: muitos homens são canhotos, eis tudo. Ora, ele não exigia que todos fossem canhotos; não era exclusivista. Que uns fossem canhotos, outros destros; aceitava a todos, menos os que não fossem nada. A demonstração, porém, mais rigorosa e profunda, foi a da venalidade. Um casuísta do tempo chegou a confessar que era um monumento de lógica. A venalidade, disse o Diabo, era o exercício de um direito superior a todos os direitos. Se tu podes vender a tua casa, o teu boi, o teu sapato, o teu chapéu, cousas que são tuas por uma razão jurídica e legal, mas que, em todo caso, estão fora de ti, como é que não podes vender a tua opinião, o teu voto, a tua palavra, a tua fé, cousas que são mais do que tuas, porque são a tua própria consciência, isto é, tu mesmo? Negá-lo é cair no absurdo e no contraditório. Pois não há mulheres que vendem os cabelos? não pode um homem vender uma parte do seu sangue para transfundi-lo a outro homem anêmico? e o sangue e os cabelos, partes físicas, terão um privilégio que se nega ao caráter, à porção moral do homem? Demonstrando assim o princípio, o Diabo não se demorou em expor as vantagens de ordem temporal ou pecuniária; depois, mostrou ainda que, à vista do preconceito social, conviria dissimular o exercício de um direito tão legítimo, o que era exercer ao mesmo tempo a venalidade e a hipocrisia, isto é, merecer duplicadamente. E descia, e subia, examinava tudo, retificava tudo. Está claro que combateu o perdão das injúrias e outras máximas de brandura e cordialidade. Não proibiu formalmente a calúnia gratuita, mas induziu a exercê-la mediante retribuição, ou pecuniária, ou de outra espécie; nos casos, porém, em que ela fosse uma expansão imperiosa da força imaginativa, e nada mais, proibia receber nenhum salário, pois equivalia a fazer pagar a transpiração. Todas as formas de respeito foram condenadas por ele, como elementos possíveis de um certo decoro social e pessoal; salva, todavia, a única exceção do interesse. Mas essa mesma exceção foi logo eliminada, pela consideração de que o interesse, convertendo o respeito em simples adulação, era este o sentimento aplicado e não aquele. Para rematar a obra, entendeu o Diabo que lhe cumpria cortar por toda a solidariedade humana. Com efeito, o amor do próximo era um obstáculo grave à nova instituição. Ele mostrou que essa regra era uma simples invenção de parasitas e negociantes insolváveis; não se devia dar ao próximo senão indiferença; em alguns casos, ódio ou desprezo. Chegou mesmo à demonstração de que a noção de próximo era errada, e citava esta frase de um padre de Nápoles, aquele fino e letrado Galiani, que escrevia a uma das marquesas do antigo regime: “Leve a breca o próximo! Não há próximo!” A única hipótese em que ele permitia amar ao próximo era quando se tratasse


CONTO de amar as damas alheias, porque essa espécie de amor tinha a particularidade de não ser outra cousa mais do que o amor do indivíduo a si mesmo. E como alguns discípulos achassem que uma tal explicação, por metafísica, escapava à compreensão das turbas, o Diabo recorreu a um apólogo: – Cem pessoas tomam ações de um banco, para as operações comuns; mas cada acionista não cuida realmente senão nos seus dividendos: é o que acontece aos adúlteros. Este apólogo foi incluído no livro da sabedoria.

Capítulo IV Franjas e franjas A previsão do Diabo verificou-se. Todas as virtudes cuja capa de veludo acabava em franja de algodão, uma vez puxadas pela franja, deitavam a capa às urtigas e vinham alistar-se na igreja nova. Atrás foram chegando as outras, e o tempo abençoou a instituição. A igreja fundara-se; a doutrina propagava-se; não havia uma região do globo que não a conhecesse, uma língua que não a traduzisse, uma raça que não a amasse. O Diabo alçou brados de triunfo. Um dia, porém, longos anos depois notou o Diabo que muitos dos seus fiéis, às escondidas, praticavam as antigas virtudes. Não as praticavam todas, nem integralmente, mas algumas, por partes, e, como digo, às ocultas. Certos glutões recolhiam-se a comer frugalmente três ou quatro vezes por ano, justamente em dias de preceito católico; muitos avaros davam esmolas, à noite, ou nas ruas mal povoadas; vários dilapidadores do erário restituíam-lhe pequenas quantias; os fraudulentos falavam, uma ou outra vez, com o coração nas mãos, mas com o mesmo rosto dissimulado, para fazer crer que estavam embaçando os outros. A descoberta assombrou o Diabo. Meteu-se a conhecer mais diretamente o mal, e viu que lavrava muito. Alguns ca-

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sos eram até incompreensíveis, como o de um droguista do Levante, que envenenara longamente uma geração inteira, e, com o produto das drogas socorria os filhos das vítimas. No Cairo achou um perfeito ladrão de camelos, que tapava a cara para ir às mesquitas. O Diabo deu com ele à entrada de uma, lançou-lhe em rosto o procedimento; ele negou, dizendo que ia ali roubar o camelo de um drogman; roubou-o, com efeito, à vista do Diabo e foi dá-lo de presente a um muezim, que rezou por ele a Alá. O manuscrito beneditino cita muitas outras descobertas extraordinárias, entre elas esta, que desorientou completamente o Diabo. Um dos seus melhores apóstolos era um calabrês, varão de cinquenta anos, insigne falsificador de documentos, que possuía uma bela casa na campanha romana, telas, está­ tuas, biblioteca, etc. Era a fraude em pessoa; chegava a meter-se na cama para não confessar que estava são. Pois esse homem, não só não furtava ao jogo, como ainda dava gratificações aos criados. Tendo angariado a amizade de um cônego, ia todas as semanas confessar-se com ele, numa capela solitária; e, conquanto não lhe desvendasse nenhuma das suas ações secretas, benzia-se duas vezes, ao ajoelhar-se, e ao levantar-se. O Diabo mal pôde crer tamanha aleivosia. Mas não havia duvidar; o caso era verdadeiro. Não se deteve um instante. O pasmo não lhe deu tempo de refletir, comparar e concluir do espetáculo presente alguma cousa análoga ao passado. Voou de novo ao céu, trêmulo de raiva, ansioso de conhecer a causa secreta de tão singular fenômeno. Deus ouviu-o com infinita complacência; não o interrompeu, não o repreendeu, não triunfou, sequer, daquela agonia satânica. Pôs os olhos nele, e disse: – Que queres tu, meu pobre Diabo? As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão. Que queres tu? É a eterna contradição humana. Extraído de: Onze contos de Machado de Assis.

Sobre o autor Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em 1839 no Rio de Janeiro. Filho do pintor mulato Francisco José de Assis e da portuguesa Maria Leopoldina Machado de Assis. Sua carreira literária teve início cedo, aos 16 anos, quando publicou o poema “Ela”, no jornal de Paula Brito, A Marmota Fluminense, onde continuou como colaborador. Em 1861, publicou as primeiras peças, Desencantos e queda que as mulheres têm para os tolos. Seus primeiros contos foram publicados no Jornal das Famílias; o primeiro livro de versos, Crisálidas, foi editado em 1864; e o primeiro romance, Ressurreição, é de 1872. No ano seguinte publicou Histórias da meia-noite. Sua fase madura, ou a fase realista, teve início com a publicação, em 1881, de Memórias póstumas de Brás Cubas. Seu livro Poesias completas foi publicado em volume em 1901. Em 1908, publicou seu último livro, Memorial de Aires, e morreu no dia 29 de setembro.

(ENTRE PARÊNTESIS)

O caracol teimoso De dia sobe um metro, de noite desce meio metro. Quantos dias levará o caracol para chegar ao alto?

RESPOSTA O caracol levará três dias para chegar ao alto do muro.

Um caracol escala um muro de dois metros de altura.


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S

ARTIGO

Sete planetas parecidos com a Terra são descobertos

ão sete, um praticamente do tamanho do outro. E a Branca de Neve da história não é apenas uma princesa, mas uma estrela. São exoplanetas (além do Sistema Solar) rochosos, com dimensões parecidas com as da Terra – um um pouco maior, outro um pouco menor – e potencial para abrigar formas de vida. O anúncio da importante descoberta foi feita no dia 22/02 pela Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos. O sistema está na constelação de Aquário, a cerca de 40 anos-luz da Terra, o que não é considerado distante em termos astronômicos. “É um recorde na descoberta de planetas rochosos, ou seja, planetas com superfície sólida. Pela primeira vez, sete planetas rochosos foram descobertos de uma só vez”, disse Jorge Melendez, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo. Os planetas orbitam a estrela anã Trappist-1 e a orientação das órbitas dos sete permite que os cientistas os estudem em detalhes. Segundo a Nasa, alguns deles podem ter temperaturas que permitam a existência de água na forma líquida, até mesmo em oceanos. Três dos planetas estão no que os cientistas chamam de “zona habitável”, ou seja, que podem oferecer suporte a algum tipo de vida. Os planetas receberam os nomes de Trappist-1b, 1c, 1d, 1e, 1f, 1g e 1h. “Esses planetas potencialmente podem ter vida, mas não necessariamente. Há alguns problemas, como o fato de estarem muito próximos da estrela anã. Por isso, podem receber radiação muito energética da estrela e isso poderia dificultar a existência de vida”, disse Melendez. Os planetas foram identificados ao passarem em frente à estrela. “A estrela Trappist-1 é muito pequena e, por ter pouco brilho, um planeta facilmente poderia escurecê-la. Quando o planeta transita em frente à estrela, ou seja, quando passa na linha de visada entre a Terra e a estrela-mãe, isso causa uma pequena diminuição na luz da estrela. E, pelo fato dessa estrela ser muito pouco brilhante – ela tem um brilho intrínseco muito baixo –, então é mais fácil detectar planetas em sua órbita”, explicou Melendez, que coordena o Projeto Temático “Espectroscopia de alta precisão: impacto no estudo de planetas, estrelas, a galáxia e cosmologia”. Astrônomos identificaram anteriormente sistemas com sete planetas mas esse é o primeiro com tantos planetas com tamanho parecido com o da Terra. A suposta existência de água está baseada na distância dos planetas à Trappist-1 que, diferentemente do Sol, é uma estrela considerada extremamente fria. E é pequena: tem o tamanho aproximado de Júpiter, ou cerca de 8% do Sol.

O nome da estrela agora descoberta vem de Transiting Planets and Planetesimals Small Telescope (Trappist), telescópio instalado no Chile. Em maio de 2016, pesquisadores que trabalham com o instrumento identificaram três possíveis planetas no sistema da Trappist-1. Com a ajuda de diversos outros telescópios terrestres, incluindo o Very Large Telescope do European Southern Observatory, e do Spitzer – telescópio espacial que funciona pela detecção de radiação infravermelha –, os cientistas confirmaram a existência de dois dos planetas observados em 2016 e de outros cinco. Os resultados do estudo foram publicados na revista Nature simultaneamente ao anúncio feito pela Nasa em Washington. Novos estudos serão feitos no sistema para tentar determinar se e quais dos planetas são ricos em água na forma líquida. Seis dos planetas tiveram suas massas estimadas pelos pesquisadores. Quanto ao sétimo, ainda sem massa estipulada, pode ser um objeto gelado. “Para estudar esses planetas com maior nível de detalhe serão necessários, provavelmente, telescópios maiores do que o Spitzer. O Spitzer talvez possa ajudar um pouco mais, mas ele não terá a capacidade necessária para conhecer a atmosfera desses planetas”, disse Melendez. Melendez é o único astrônomo brasileiro participante da missão Fast Infrared Exoplanet Spectroscopy Survey Explorer (FINESSE). Lançada pela Nasa em 2016, a missão tem o propósito de observar mais de 200 exoplanetas que realizam trânsitos no infravermelho, entre os 0.7 e os 5.0 micrometros, com um espectrógrafo muito estável e preciso. Cada exoplaneta será observado em diversos pontos da sua órbita em torno da respectiva estrela hospedeira. Os espectros obtidos ajudarão a identificar as espécies químicas que compõem a atmosfera do exoplaneta, temperaturas, pressões, camadas de inversão e padrões de circulação atmosférica. Extraído de: Agência FAPESP – Divulgando a cultura científica, fev./2017.


POIS É, POESIA

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Luís Vaz de Camões Q uando vejo que meu destino ordena

(1525?-1580)

Que, por me exp’rimentar, de vós me aparte, Deixando de meu bem tão grande parte, Que a mesma culpa fica grave pena,

Fermosura do Céu a nós descida, Que nenhum coração deixas isento, Satisfazendo a todo pensamento, Sem que sejas de algum bem entendida;

O duro disfavor que me condena, Quando pela memória se reparte, Endurece os sentidos de tal arte, Qua a dor da ausência fica mais pequena.

Qual língua pode haver tão atrevida Que tenha de louvar-te atrevimento, Pois a parte melhor do entendimento No menos que em ti há se vê perdida?

Mas como pode ser que na mudança Daquilo que mais quero, este tão fora De me não apartar também da vida?

Se em teu valor contemplo a menor parte, Vendo que abre na terra um paraíso, Logo o engenho me falta, o esprito mingua.

Eu refrearei tão áspera esquivança; Porque mais sentirei partir, Senhora, Sem sentir muito a pena da partida.

Mas o que mais me impede inda louvar-te É que quando te vejo perco a língua, E quando não te vejo perco o siso.

***

Num jardim adornado de verdura, Que esmaltavam por cima várias flores, Entrou um dia a deusa dos amores, Com a deusa da caça e da espessura. ~ rosa pura, Diana tomou logo ua Vénus um roxo lírio, dos melhores; Mas excediam muito às outras flores As violas na graça e fermosura. Perguntam a Cupido, que ali estava, Qual daquelas três flores tomaria Por mais suave e pura e mais fermosa? Sorrindo-se, o Menino lhes tornava: – Todas fermosas são; mas eu queria Viola antes que lírio, nem que rosa.

***

Se tanta pena tenho merecida Em pago de sofrer tantas durezas, Provai, Senhora, em mim vossas cruezas, ~ alma oferecida. Que aqui tendes ua Nela experimentai, se sois servida, Desprezos, disfavores e asperezas; Que mores sofrimentos e firmezas Sustentarei na guerra desta vida. Mas contra vossos olhos quais serão? É preciso que tudo se lhes renda; Mas porei por escudo o coração. Porque, em tão dura e áspera contenda É bem que, pois não acho defensão, Com meter-me nas lanças me defenda.

***

***

Pede o desejo, Dama, que vos veja. Não entende o que pede; está enganado. É este amor tão fino e tão delgado, Que quem o tem não sabe o que deseja. Não há coisa a qual natural seja Que não queira perpétuo o seu estado. Não quer logo o desejo o desejado, Só porque nunca falte onde sobeja. Mas este puro afecto em mim se dana; Que, como a grave pedra tem por arte O centro desejar da Natureza, Assi meu pensamento, por a parte, Que vai tomar de mim terrestre, humana, Foi, Senhora, pedir esta baixeza.

***

Quem pode livre ser, gentil Senhora, Vendo-vos com juízo sossegado, Se o Menino, que de olhos é privado, Nas meninas dos vossos olhos mora? Ali manda, ali reina, ali namora, Ali vive das gentes venerado; Que o vivo lume e o rosto delicado Imagens são adonde Amor se adora. Quem vê que em branca neve nascem rosas Que crespos fios de ouro vão cercando, Se por entre esta luz a vista passa, Raios de ouro verá, que as duvidosas Almas estão no peito traspassando, Assi como um cristal o Sol traspassa. Extraído de: “Sonetos”, Obras completas, Lello & Irmão editores, Porto.


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ESPECIAL

Palestra “O desafio de prestar o vestibular” No dia 7 de março, no auditório do Colégio Etapa, aconteceu a palestra “O desafio de prestar o vestibular”, que foi apresentada pelo coordenador Geral Edmilson Motta e pela orientadora pedagógica Maria da Glória Saraiva Codesseira.

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estibular hoje – O professor Edmilson ressaltou que, em geral, há predominância de questões envolvendo textos e imagens: “Um candidato que leia bastante e que tenha um bom vocabulário tende a se sair melhor. A leitura adequada dos enunciados, associada aos conhecimentos dos alunos, leva às respostas corretas”, diz. Outro ponto relevante é não negligenciar o estudo de nenhuma matéria, bem como não se deve concentrar em algumas partes de determinada matéria com que se tem mais afinidade. O Etapa sempre aconselha que todas as matérias são importantes nos vestibulares atuais. Segundo Edmilson, quando se analisam os cursos mais disputados, deve-se tomar cuidado com a leitura superficial que se faz da relação candidato/vaga. Mais importante do que esta relação é o número de pontos necessários, em média, para passar. Ele também falou de alguns cuidados que podem ser cruciais: “O aluno que perdeu algum ponto da matéria por ter se distraído deve se inteirar do assunto depois, perguntando ao professor ou a um colega, e não misso. O aluno deve se planejar e ter uma rotina de estudos, deixar que fiquem buracos no seu aprendizado”, orienta. que inclua algumas horas do fim de semana”, recomenda. Para Em seguida, o professor comentou alguns “bloqueios coterminar, ela citou uma frase de que gosta e que pode servir de muns”, que devem ser enfrentados. No 3o ano, o aluno revê mantra para os vestibulandos: “O sucesso é a soma de pequenos esforços repetidos dia sim e no outro dia também”. muitos conteúdos e pode repetir o clássico “já sei isso” ou o oposto “não adianta que nunca vou saber isso”. Segundo o professor, a atitude correta é aproveitar para revisar e, quem AGENDA CULTURAL sabe, até aprender algo a mais; além de se dar a chance de aprender algo em que São Paulo – Clube de Debate (quinzenal, das 19h às 21h50min, sala 86) tem dificuldade. 03.04 – O homem saiu de sua menoridade? Trinômio do sucesso – Glória, a orienSão Paulo – Clube de Cinema (quinta, das 19h às 21h, sala 66) o tadora pedagógica do 3 ano do Ensino 06.04 – Um cadáver para sobreviver (Daniel Kwan, Daniel Scheinert: 2016). Médio, falou sobre a programação de São Paulo – Clube do Livro (terça, das 19h às 21h, sala 63) atividades e deu ênfase ao que consi 11.04 – Carta ao pai (Franz Kafka). dera como vital para os alunos, como os Valinhos – Clube de Debate (quinzenal, das 19h às 21h50min, sala 215) plantões de dúvidas, os plantões progra 06.04 – O homem saiu de sua menoridade? mados, as práticas redacionais, as aulas Valinhos – Clube de Cinema (quinta, das 14h05min às 16h05min, sala 210) de reforço, as aulas especiais, além das 06.04 – Sweeney Todd: o barbeiro demoníaco da rua Fleet (Tim Burton: 2007). provas e simulados. “Três palavras estão Valinhos – Clube do Livro (quinta, das 14h05min às 15h45min, sala 216) diretamente relacionadas ao sucesso no 20.04 – Assassinato no Expresso Oriente (Agatha Christie). vestibular: estudo, seriedade e compro-

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