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Jornal do Vestibulando
ENSINO, INFORMAÇÃO E CULTURA
JORNAL ETAPA – 2013 • DE 28/11 A 11/12
ENTREVISTA
“Quando entrei como aluna [na FAU] foi um deslumbramento. Fiquei maravilhada ao ver como são as coisas lá.” Vitória Pasquale Luppi está na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Ela conta que no cursinho adquiriu o traquejo para resolver questões dos vestibulares. Fez o Reforço para Linguagem Arquitetônica e lembra que teve mais do que precisava no vestibular: “como se fosse um pré-curso de Arquitetura”. Na profissão, tem certeza de que em parte do tempo vai trabalhar com arquitetura social.
Vitória Pasquale Luppi Em 2012: Etapa Em 2013: Arquitetura – USP JV – Como foi sua escolha por Arquitetura?
E nas matérias de Exatas?
Vitória – Tenho pai arquiteto e pude acompanhar o trabalho dele, entendendo como funciona a profissão de arquiteto. Comecei a ter interesse pela arquitetura social e como eu poderia ajudar as pessoas na questão da moradia. Na questão de uma boa qualidade de vida.
Em Exatas é mais difícil divagar sobre a questão. Em Física, Química e Matemática eu tive de aprender como faria uma questão. Por isso foi importante o treino aqui no Extensivo desde o começo. Eu consegui ver as coisas mais básicas de Física e Matemática para resolver uma questão mais elaborada. Em Química eu não tinha dificuldade, era só realmente me dedicar para entender os conceitos.
Além da Fuvest, você prestou outros vestibulares? Prestei também Unicamp e Mackenzie, os mesmos que tinha prestado ao terminar o Ensino Médio. E fiz o Enem.
Você teve crescimento em quais matérias? Acho que em todas. Consegui equilibrar todas.
Qual era sua expectativa quando começou no cursinho? Estava confiante? Não estava nada confiante. Quando entrei no Etapa, eu procurei achar os pequenos erros para ver o que me faltava. Percebi que tinha lacuna nas coisas mais básicas. Principalmente na área de Exatas. A gente às vezes não tem o traquejo de fazer o exercício. Era isso que me faltava.
Tinha alguma matéria de que você não gostava muito e que passou a ver de outra forma? Nunca fui de não gostar, mas descobri uma nova paixão por Biologia. Também acabei gostando mais de Física, onde antes tinha dificuldade.
Você estudava em casa ou aqui? Ao longo do ano você ficou mais confiante? Eu peguei um ritmo muito bom do meio do ano para o final. Aí você começa a ter o traquejo de como responder as questões, usando tudo que conseguiu aprender.
Em termos de dificuldades, o que você enfrentou no ano passado? Eu me considero uma aluna boa, sempre me esforcei bastante, sempre me cobrei muito. Então, eu via o fato de não ter passado na Fuvest ao terminar o Ensino Médio como um erro meu, de como lidar com o nervosismo na prova, como fazer quando não sabia responder uma questão. A gente tem de aprender a lidar com nossas capacidades. No ano passado, quando pegava alguma questão em que eu tinha mais dificuldade, tentava achar na própria questão meios que me ajudassem a resolvê-la. A gente começa a lidar com o contexto da questão. Isso em Humanas. Eu tinha uma base muito forte em História e era apaixonada por Português.
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CONTO
A cozinheira – Artur Azevedo
Em que matérias você mais utilizou os plantonistas? Em todas as matérias. Acho que usava mais em Matemática. Física, com certeza. Biologia também, porque tem alguns conceitos em que a gente se confunde.
Quantas horas por dia você estudava? Eu chegava em casa mais ou menos às 2 horas da tarde e estudava das 3 às 7 da noite. Depois das 7 eu descansava. Só que mais para o final do ano aliei outras coisas ao estudo das matérias: depois das 7 da noite,
COLUNA M
ENTREVISTA
Vitória Pasquale Luppi
Eu preferia estudar em casa e escolhia dias para ficar aqui. Principalmente terça-feira e também na sexta-feira, se não tivesse simulado. A sala de estudos é muito focada. Nela você vai estudar. E o bom é que tem os plantonistas. Eu sempre fiz muitos exercícios e marcava aqueles em que tinha dúvida. Ficando aqui à tarde, tirava as dúvidas com os plantonistas.
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Como calcular o dia da semana ARTIGO Guimarães Rosa: poeta dos sertões, criador de língua
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até às 9, eu ia mais para o estudo de leituras obrigatórias e atualidades. Eu lia muito jornal, procurava na Internet, blogs.
Como você treinava Redação? Em Redação eu tinha uma base muito forte e sempre tive facilidade de escrever. Principalmente, lia muito. Eu achava que era boa, mas no início aqui não fui tão bem em Redação. Comecei a prestar bastante atenção nas aulas de Redação. As dicas nas aulas foram essenciais, explicando conceitos e como lidar com os assuntos. Acabei fazendo as redações obrigatórias e tirava notas boas. Ao longo do ano, fazia uma por semana. Perto do Enem foram duas por semana. Aí dei uma parada para estudar para a 1ª fase. Depois voltei a fazer duas por semana.
Você estudava a matéria do dia? Toda aula tinha exercícios. Eu não ficava sem ler a teoria, porque para mim é muito importante ler. Era como se estivesse aquecendo para fazer os exercícios. Lia, depois ia para os exercícios do dia e marcava as dúvidas para perguntar aos plantonistas.
Você fez o Reforço para Linguagem Arquitetônica? Eu fazia na quinta-feira à tarde. Mas sábado à tarde tem outro reforço, o Reforço para Desenho Geométrico. A aula era bem puxada. No domingo eu colocava as matérias em dia, mas não passava o dia inteiro estudando. Minha família era supercompreensiva com o vestibular, mas eu achava que devia dar um pouco de atenção a ela.
O que você via nas aulas do RLA? As aulas de RLA foram incríveis não só para o vestibular, mas para crescimento pessoal. Às vezes a gente quer uma profissão e não tem muita noção do que ela é. As aulas não eram só centradas em exercícios de vestibular. Eram também aulas de Arquitetura. Tive como se fosse um pré-curso de Arquitetura com os
ARTIGO Empresa desenvolve esterilizador à base de ozônio
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SERVIÇO DE VESTIBULAR
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Inscrições
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ENTREVISTA
professores. Eles mostravam tipos construtivos, arquitetos famosos, arquiteturas famosas. Foi incrível.
Você ficou 8 pontos acima do corte, que foi 56. O que achou de sua nota?
Tinha desenho livre para fazer?
Acho que foi uma nota razoável. Era bem o que eu tirava nos simulados. Eu cheguei a ir melhor nos últimos, mas achei bem difícil a prova da Fuvest.
Sempre se trabalhou muito a criatividade. Porque é o que vai fazer diferença na prova. Quando você olha a prova, vem aquele tema fechado, duro. Você tem de abrir o tema em várias possibilidades. Isso era o que os professores trabalhavam. Eles incentivavam com simulados, davam atendimento exclusivo, diziam em que era preciso melhorar.
Como foram as aulas de Desenho Geométrico? Eram mais específicas, mais trabalhosas. O professor explicava a matéria para depois a gente fazer exercícios junto com ele. Com o tempo, fazendo aqueles exercícios, que são bem matemáticos, a gente acaba aprendendo novas maneiras de interpretar e fazer. O exercício não era fechado, os professores abriam possibilidade para os alunos desenvolverem resoluções também.
Você tinha alguma atividade para relaxar? No começo do ano eu fazia Kung Fu, mas por problema no joelho, parei. Comecei a fazer academia com aula de dança, de relaxamento, alongamento. Dois dias por semana, das 6 horas da tarde até 8 horas da noite. Ajudava bastante, comecei a me sentir mais disposta.
Nos simulados, quais eram seus resultados? No começo era C menos. Mas era um bonito C menos, acima de 60. Depois apareceram os C mais. Mais para o final cheguei a tirar um ou dois B.
E em Redação? C mais e B. Tive um C menos no começo.
O que achava de seu desempenho nos simulados? Eu achava bom, comparando com as notas de Arquitetura. Não tinha problemas com tempo, sempre acabava antes. Depois eu corrigia. Acho muito importante corrigir, porque você aprende com a resposta certa.
Na 2ª fase, quais foram suas notas? Cheguei na 2ª fase um pouco afoita. Fiz com muita rapidez a primeira prova, de Português e Redação. Respondi com tranquilidade, só que muito rápido, talvez não tenha dado muita atenção. Na parte das questões eu tirei 65. Na Redação, 67,5. Foi uma nota boa.
No segundo dia, na prova geral, quanto tirou? Fiquei com 67,19. Achei a prova muito boa, gostosa de fazer, não foi puxada.
E no terceiro dia, das matérias prioritárias para o curso de Arquitetura? Tirei 66,67. As matérias eram Física, Geografia e História. Eu senti que Geografia e História foram muito difíceis. Tanto que acabei tendo mais facilidade em Física.
Como são as provas de habilidades específicas? São dois dias de provas. No primeiro dia, na parte da manhã, é a prova de Geometria e Funções. Comparada à do ano anterior, estava mais fácil a parte de Desenho Geométrico. Mas acabei não indo tão bem.
O que a prova pedia? São construções que você cria. Tinha de fazer concordâncias de circunferências delimitadas, tinha de construir. Parte bem técnica. Eu sabia fazer, mas como fico nervosa com essa parte técnica, acabei errando em coisas meio bobas. Acabando essa parte encontrei uns amigos do Etapa, a gente relaxou e foi para a segunda parte.
Nesse primeiro dia tem a segunda parte à tarde. Qual é a prova?
Como você soube de sua aprovação na Fuvest? Vim para o Etapa. Depois de passar tanto tempo aqui, pensei: se for para chorar de felicidade, choro aqui; se for para chorar de tristeza, choro aqui também. Trouxe minha mãe, meu irmão e uma amiga para me darem força. Quando liberaram os resultados, fui olhando bem devagar para não ter risco de não achar meu nome. Quando vi que passei, fui correndo para minha mãe. Foi muito bom viver aquele clima do resultado, os professores em volta, os funcionários também perto. Foi muito bom.
Você já conhecia a FAU? Já tinha visitado, mas rapidamente. No vestibular é que deu para observar. “Nossa, que prédio lindo”. Mas você ainda não entende a dinâmica lá dentro, não sabe como funciona. Quando entrei como aluna foi um deslumbramento. Fiquei maravilhada ao ver como as coisas são lá. Você tem muita liberdade e as pessoas são muito maduras.
Com relação às matérias, o que você tem neste semestre? A FAU é integral e tem muita matéria. São nove matérias agora. Bem puxado. Uma coisa que tem lá bem interessante é a diversidade. As matérias são Desenho Arquitetônico, de como estruturar no papel seu desenho; História e Teorias da Arquitetura e Urbanização; Fundamentos Sociais da Arquitetura e Urbanismo, como a arquitetura se relaciona com a sociedade; Construção do Edifício, em que a gente aprende os tipos de materiais a serem usados; Comunicação Visual – Linguagem, em que se compreende como se relacionam os elementos e como se deve utilizá-los; tem também Conforto Ambiental – Ergonomia; Arquitetura – Projeto; Arquitetura da Paisagem; e Topografia. Acho que falei tudo.
De que matéria você está gostando mais neste semestre? Gosto de todas, acho que todas vão ser muito importantes para minha formação.
Você já tem ideia da área que quer seguir na Arquitetura?
Você leu os livros indicados pela Fuvest e Unicamp como leitura obrigatória?
Linguagem Bidimensional. Antes dessa prova, os professores vieram dar uma força para a gente.
Sim.
Professores do RLA?
E as palestras sobre eles, chegou a assistir?
Isso. Foi muito gostoso eles terem ido dar aquela força. Fui muito mais tranquila para a prova.
Hoje, qual é a maior motivação para você continuar na Arquitetura?
No segundo dia tem a terceira prova. O que caiu?
É a única profissão que eu consigo imaginar para mim. É um mundo tão diverso, com tantas possibilidades, você se sente livre para escolher um futuro que te deixe feliz.
Eu adorava as palestras. Acho que esse é um ponto muito forte no Etapa. O que mais me ajudou na 2ª fase nas questões de Português foram as palestras sobre os livros. As questões da prova são muito interpretativas. As palestras mostraram uma outra perspectiva dos livros que, às vezes, a gente não percebia. Sempre ficava maravilhada com as palestras.
Você gostou mais de algum livro da lista? Fiquei encantada com Til, de José de Alencar. Muita gente acha chato, cansativo, mas tem beleza lá dentro.
Você não gostou de algum? Eu não tinha gostado muito das poesias de Carlos Drummond de Andrade, mas quando assisti à palestra entendi tanta coisa que comecei a achar bonito. Depois de ver os professores explicarem na palestra, foi muito legal ler de novo.
Na 1ª fase da Fuvest, quantos pontos você fez? 64.
Essa terceira prova é de Linguagem Tridimensional. Foi uma construção bem simples. A maneira como você cria a construção é que vai fazer diferença. São 450 estudantes fazendo a mesma prova. Você tem de colocar todo o seu aprendizado naquela construção.
Você tirou quanto em habilidades específicas? Fiquei com 65. Normalmente ia um pouco melhor nos simulados do Etapa.
Você foi aprovada também nos outros vestibulares? Sim. Na Unicamp fui a 7ª colocada.
Com a nota do Enem, o que você conseguiu? Fui chamada pela UFSCar para Engenharia de Produção, em Sorocaba. Cheguei a me matricular, por garantia.
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Tenho certeza de que quero trabalhar com arquitetura social. Vou deixar um tempo da minha vida para fazer isso, nem que seja no fim de semana.
O que você tira de lição do ano passado? Dizem às vezes que é um ano de sacrifícios. Não é um ano de sacrifícios, acho que foi um ano da minha vida de realmente crescer, um ano de aprender, um ano com outra perspectiva. Agora estou com uma cabeça muito diferente na faculdade. Eu tenho uma noção que eu não teria se tivesse entrado mais jovem. Talvez não desse tanto valor para o curso.
O que você pode dizer ao pessoal que está prestando vestibulares neste final de ano? Quem está aqui no cursinho está estudando um ano inteiro, aprendendo, absorvendo conhecimento. A gente só tem de saber como usar. E fazer as questões de uma maneira muito tranquila. Acho que a tranquilidade é um ponto-chave.
Jornal ETAPA, editado por Etapa Ensino e Cultura REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343
CONTO
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A cozinheira Artur Azevedo I raújo entrou em casa alegre como passarinho. Atravessou o corredor cantarolando a Mascote, penetrou na sala de jantar, e atirou para cima do aparador de vieux-chêne um grande embrulho quadrado; mas, de repente, deixou de cantarolar e ficou muito sério: a mesa não estava posta! Consultou o relógio: era cinco e meia. – Então que é isto? São estas horas e a mesa ainda neste estado! – Maricas! Maricas entrou, arrastando lentamente uma elegante bata de seda. Araújo deu-lhe o beijo conjugal, que há três anos estalava todo dia à mesma hora, invariavelmente – e interpelou-a: – Então, o jantar. – Pois sim, espera por ele! – Alguma novidade? – A Josefa tomou um pileque onça, e foi-se embora sem ao menos deitar as panelas no fogo! Araújo caiu aniquilado na cadeira de balanço. Já tardava! A Josefa servia-os há dois meses, e as outras cozinheiras não tinham lá parado nem oito dias! – Diabo! dizia ele irritadíssimo; diabo! E lembrava-se da terrível estopada que o esperava no dia seguinte: agarrar no Jornal do Comércio, meter-se num tílburi, e subir cinquenta escadas à procura de uma cozinheira! Ainda da última vez tinha sido um verdadeiro inferno! – Papapá! – Quem bate! – Foi aqui que anunciaram uma cozinheira? – Foi, mas já está alugada. – Repetiu-se esta cena um ror de vezes! – Vai a uma agência, aconselhou Maricas. – Ora muito obrigado! – bem sabes o que temos sofrido com as tais agências. Não há nada pior. E enquanto Araújo, muito contrariado, agitava nervosamente a ponta do pé e dava pequenos estalidos de língua, Maricas abria o embrulho que ele ao entrar deixara sobre o aparador...
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– Oh! como é lindo! exclamou extasiada diante de um magnífico chapéu de palha, com muitas fitas e muitas flores. Há de me ficar muito bem. Decididamente és um homem de gosto! E, sentando-se no colo de Araújo, agradecia-lhe com beijos e carícias o inesperado mimo. Ele deixava-se beijar friamente, repetindo sempre: – Diabo! diabo!... – Não te amofines assim por causa de uma cozinheira. – Dizes isso porque não és tu que vais correr a via sacra à procura de outra. – Se queres, irei; não me custa. – Não! Deus me livre de dar-te essa maçada. Irei eu mesmo. Ergueram-se ambos. Ele parecia agora mais resignado, e disse: – Ora, adeus! Vamos jantar num hotel! – Apoiado! Em qual há de ser? – No Daury. É o que está mais perto. Ir agora à cidade seria uma grande maçada. – Está dito: vamos ao Daury. – Vai te vestir. *** Às oito horas da noite Araújo e Maricas voltaram do Daury perfeitamente jantados e puseram-se à fresca. Ela mandou iluminar a sala, e foi para o piano assassinar miseravelmente a marcha da Aída; ele, deitado num soberbo divã estofado, saboreando o seu Rondueles, contemplava uma finíssima gravura de Goupil, que enfeitava a parede fronteira, e lembrava-se do dinheirão que gastara para mobiliar a ornar aquele bonito chalé da rua do Matoso. Às dez horas recolheram-se ambos. Largo e suntuoso leito de jacarandá e pau-rosa, sob um dossel de seda, entre cortinas de rendas, oferecia-lhes o inefável conchego das suas colchas adamascadas. À primeira pancada da meia-noite, Araújo ergue-se de um salto, obedecendo a um movimento instintivo. Vestiu-se, pôs o chapéu, deu um beijo de despedida em Maricas, que dormia profundamente, e saiu de casa com
mil cuidados para não despertá-la. A uns cinquenta passos de distância, dissimulado na sombra, estava um homem cujo vulto se aproximou à medida que o dono da casa se afastava... Quando o som dos passos de Araújo se perdeu de todo no silêncio e ele desapareceu na escuridão da noite, o outro tirou uma chave do bolso, abriu a porta do chalé, e entrou... Na ocasião em que se voltava para fechar a porta, a luz do lampião fronteiro bateu-lhe em cheio no rosto; se alguém houvesse defronte, veria no misterioso noctívago um formoso rapaz de vinte anos. Entretanto, Araújo desceu a rua Matriz e Barros, subiu a de São Cristóvão, e um quarto de hora depois entrava numa casinha de aparência pobre. II Dormiam as crianças, mas dona Ernestina de Araújo ainda estava acordada. O esposo deu-lhe o beijo convencional, um beijo apressado, que tinha uma tradição de quinze anos, e começou a despir-se para deitar-se. Araújo levava grande parte da vida a mudar de roupa. – Venho achar-te acordada: isso é novidade! – É novidade, é. A Jacinta deu-lhe hoje para embebedar-se, e saiu sem aprontar o jantar. Fiquei em casa sozinha com as crianças. – Oh, senhor! é sina minha andar atrás de cozinheiras! – Não te aflijas: eu mesma irei amanhã procurar outra. – Naturalmente, pois se não fores, nem eu, que não estou para maçadas! Depois que o marido se deitou, dona Ernestina, timidamente: – E o meu chapéu? perguntou; compraste-o? – Que chapéu? – O chapéu que te pedi. – Ah? já não me lembrava... Daqui a uns dias... Ando muito arrebentado... – É que o outro já está tão velho...
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CONTO
– Vai-te arranjando com ele, e tem paciência... Depois, depois... – Bom... quando puderes. E adormeceram. Logo pela manhã a pobre senhora pôs o seu chapéu velho e saiu por um lado, enquanto o seu marido saía por outro, ambos à procura de cozinheira. Os pequenos ficaram na escola. Os rendimentos de Araújo davam-lhe para sustentar aquelas duas casas. Ele almoçava com a mulher e jantava com a amante. Ficava até a meia-noite em casa desta, e entrava de madrugada no lar doméstico. A amante vivia num bonito chalé, a família morava numa velha casinha arruinada e suja. Na casa da mão esquerda havia o luxo, o conforto, o bem-estar; na casa da mão direita reinava a mais severa economia. Ali os guardanapos eram de linho; aqui os lençóis de algodão. Na rua do Matoso havia sempre o supérfluo; na rua de São Cristóvão muitas vezes faltava o necessário.
Araújo prontamente arranjou cozinheira para a rua do Matoso, e à meia-noite encontrou a esposa muito satisfeita: – Queres saber, Araújo? Dei no vinte! Achei uma excelente cozinheira! – Sério? – Que jantar esplêndido! Há muito tempo não comia tão bem! Esta não me sai mais de casa. Pela manhã, a nova cozinheira veio trazer o café para o patrão, que se achava ainda recolhido, lendo a Gazeta. A senhora estava no banho; os meninos tinham ido para a escola. – Eh! eh! meu amo, é vosmecê que é dono da casa? Araújo levantou os olhos; era a Josefa, a cozinheira que tinha estado em casa de Maricas! – Cala-te, diabo! Não digas que me conheces! – Sim, sinhô. – Com que então tomaste anteontem um pileque onça e nos deixaste
sem jantar, hein? – Mentira sé, meu amo; Josefa nunca tomou pileque. Minha ama foi que me botou pra fora! – Oras essa! Por quê? – Ela me xingou pro via das compra, e eu ameacei ela de dizê tudo a vosmecê. – Tudo, o que? – A história do estudante que entra em casa à meia-noite quando vosmecê sai. – Cala-te! disse vivamente Araújo, ouvindo os passos de dona Ernestina, que voltava do banho. O nosso herói prontamente se convenceu que a Josefa lhe havia dito a verdade. Em poucos dias desembaraçou-se da amante, deu melhor casa à mulher e aos filhos, começou a jantar em família, e hoje não sai à noite sem dona Ernestina. Tomou juízo e vergonha. Extraído de: www.dominiopublico.com.br
COLUNA M
Como calcular o dia da semana Suponhamos que você queira saber o dia da semana de 24 de agosto de 1954, dia do suicídio do presidente Getúlio Vargas, ou queira saber que dia da semana foi 30.06.2002, dia em que o Brasil foi penta. Há várias maneiras para isso, que podem ser demonstradas matematicamente. Vamos apresentar uma maneira sem a demonstração. Primeiramente, consideremos o dia d/m/19xy, onde d é o dia do mês, m é o mês e x, y são algarismos de 0 a 9. Para cada mês m vamos associar um número f(m). Se o ano não for bissexto, esses números são dados pela sequência (1, 4, 4, 0, 2, 5, 0, 3, 6, 1, 4, 6), isto é, ao mês de janeiro associamos o número 1; a fevereiro, o número 4, etc. (se você quiser guardar: 122, 052, 062, 122 + 2). Se o ano for bissexto, a sequência muda apenas nos dois primeiros meses, ficando (0, 3, 4, ..., 6). Lembremos que um ano é bissexto se é múltiplo de 4, com exceção dos múl-
tiplos de 100, que não são múltiplos de 400. Assim, 1900 não é bissexto e 2000 é bissexto. Antes de apresentar a maneira de calcular o dia da semana, vamos associar a cada dia da semana um número. Ao sábado associamos o número 0; ao domingo, o número 1; à segunda-feira, o número 2, e assim por diante até sexta-feira associada ao número 6. O dia da semana é dado então pelo resto da Divisão Euclidiana de xy xy + < F + d + f(m) por 7. O resto é 4 um número de 0 a 6. Associamos esse número com o dia da semana, como dado no parágrafo precedente. Antes a que esqueçamos, a notação < F signi4 fica que devemos dividir a por 4 e tomar o número inteiro menor ou igual ao quociente da divisão de a por 4, ou, a como é dito em alguns contextos, < F 4
a significa que devemos truncar < F. 4 Assim, se o ano é 1954, xy = 54 e 54 < F = 713, 5A = 13 . 4 O que descrevemos até agora vale para os dias dos anos de 1900 a 1999. Para anos 20xy, há uma pequena mudança: o dia da semana é dado pelo resto da Divisão Euclidiana de xy xy + < F + d + f(m) – 1 por 7. 4 Vamos calcular agora o dia da semana de 24.08.1954. Já vimos que 54 < F = 13. Para m igual a agosto, f(m) 4 = 3. Temos então que o resto da Divi54 são Euclidiana de 54 + < F + 24 + 3 4 = 54 + 13 + 24 + 3 = 94 por 7 é 3, que corresponde a uma terça-feira. Em que dia da semana o Brasil foi penta? Confira! E agora, responda: em que dia da semana você nasceu?
ARTIGO
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Guimarães Rosa: poeta dos sertões, criador de língua Para muitos entendidos, o maior livro que se escreveu no Brasil foi Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Um monumento, embora de gênero diverso, do nível de Os sertões, de Euclides da Cunha. As outras obras desse escritor-diplomata também o projetam entre os maiores de todos os tempos. Guimarães Rosa foi amigo e confidente de Paulo Dantas, o autor deste artigo. Aqui temos um retrato fascinante não apenas do autor, mas do homem de extraordinárias qualidades. Paulo Dantas
á anos, num dia nevoento de novembro, 19, por sinal com a folhinha histórica e patrioticamente a assinalar o Dia da Bandeira, num apartamento perto do Forte de Copacabana, nos “gerais da Guanabara”, João Guimarães Rosa morreu. Estava com 59 anos de idade, e havia, na noite de 16 de novembro de 1967, numa festa de glória, tomado posse, na Academia Brasileira de Letras, da cadeira antes ocupada pelo gaúcho João Neves da Fontoura, do qual havia sido chefe de gabinete no Itamaraty. Já mundialmente famoso, graças a traduções dos seus livros em doze países, a notícia da morte de Guimarães Rosa espalhou-se num luto geral. Um jornal paulista abriu, em página inteira, esta manchete: “Morreu o maior escritor”. Tomara posse na ABL numa quinta-feira e no domingo seguinte, perto do meio-dia, ainda abalado pelas emoções sentidas, foi fulminado por um enfarte.
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“Tempo bom de verdade só começou com a conquista de algum isolamento.” Assim perderam as letras nacionais contemporâneas o seu maior escritor, o nosso primeiro grande romancista metafísico, autor de Grande sertão: veredas, além de Sagarana, Corpo de baile, Primeiras estórias, Tutameia, etc. Filho de Floduardo Pinto Rosa e Francisca Pinto Rosa; nascido aos 28 de junho de 1908, João Guimarães Rosa era mineiro. Menino introspectivo, criado no ar livre dos sertões, teve infância melancólica, apesar de cercada do carinho familiar. Era míope e gostava de brincar sozinho, estudando os bichos e as plantas, os rios e as matas. Daí, desde cedo a sua predileção pela geografia e pela introspecção. Não gostava de falar da sua infância, e numa das poucas vezes que a ela se referiu, declarou-nos: “Mas, tempo bom de verdade, só começou com a conquista de algum isolamento, com a segurança de poder fechar-me num quarto e trancar a porta. Deitar no chão e imaginar estórias, poemas, romances, botando todo mundo conhecido como personagens, misturando as melhores coisas vistas e ouvidas”. “O menino é o pai do homem”. Guimarães Rosa, numa confirmação desse ditado, relembra o seu chão de infância e as suas distrações meninas, entre as quais figurava ainda: “armar alçapões para apanhar sanhaços – e depois tornar a soltá-los. Que maravilha! Puxar sabugos de espigas de milho, feito boizinhos de carro, brinquedo saudoso: atrelar um sabugo branco com outro vermelho, e mais uma junta de bois pretos – sabugos enegrecidos ao fogo”.
Edições brasileiras da obra de Guimarães Rosa. Romancista e contista, ele criou, além de um mundo seu, uma língua nova e riquíssima.
E havia o boi de verdade pastando no curral ao lado, boi de cupim curvo, parecendo uma serra talhada, ao crepúsculo. E havia ainda o voo matinal das maitacas de Nhô Augusto. E tantas coisas mais, que o escritor gravou para sempre nas páginas das suas estórias dos campos gerais de Minas, principalmente em Miguilim, uma novela escrita em lágrimas, durante quinze dias e noites, verdadeiro impacto que abre o genial desfile de Corpo de baile, publicado em 1956, em dois grossos volumes.
Pedindo a João Guimarães Rosa, com quem me correspondi íntima e longamente, uma pequena síntese biográfica sua, recebi o seguinte roteiro: “Imagine que o Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo, zona de engorda de gado, no Vale do Rio das Velhas; completou estudos e tirou o curso de Medicina em Belo Horizonte; clinicou dois anos na roça, em Itaguara, na zona oeste de Minas; andou em duas revoluções; fez concurso para o Itamaraty; foi da Divisão do Cerimonial (naquele tempo se chamava do Protocolo); seguiu para Hamburgo, primeiro posto; lá teve um ano e pouco de paz e dois anos e tanto de guerra, bombardeios aéreos, o diabo; veio, na troca dos diplomatas... E etc., etc.”. Completando melhor as informações pessoais desse descontraído roteiro biográfico, em reportagem literária, informa-nos o escritor Renard Perez: “Por ocasião da Revolução Constitucionalista de 1932, atua como médico voluntário da Força Pública, indo servir no setor do túnel. Encontra-se de novo com o amigo doutor Juscelino, e na pequena localidade estreitaram as relações de amizade. Trinta e cinco anos depois, ao tomar posse na Academia, quando recebia o abraço do ex-presidente da República – que fizera parte da mesa – Rosa assim lhe responde ao cumprimento: – ‘Com a mão na pala, meu coronel’.”
Antes e depois de Guimarães Rosa Parte da crítica nacional divide a literatura nossa, de ficção, em dois períodos distintos: antes e depois de João Guimarães Rosa, tomado por base o ano de 1956, quando apareceram Grande sertão: veredas e Corpo de baile. Episódios vivos da infância do escritor ainda aparecem, transfigurados, em vários trechos e personagens do seu livro de estreia, Sagarana, contos e novelas, sua obra de feitio mais clássico ou acadêmico, publicada em 1946. O autor estava então no estrangeiro, seguindo a carreira diplomática, também brilhante e destacada, já que Guimarães Rosa falava e escrevia em diversos idiomas, tendo morrido como embaixador, chefiando no Itamaraty a Divisão de Fronteiras. Tinha vocação de linguista, o que concorreu, decisivamente, para a criação de uma língua nova na literatura brasileira, com uma alquimia verbal, que ia além do laboratório, tornando-se uma espécie de metalinguagem poderosa.
Edições estrangeiras dos livros de Guimarães Rosa. O seu prestígio de escritor, no mundo inteiro, era igual ao dos maiores.
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Oficial médico da Força Pública Posteriormente Guimarães Rosa entra no quadro da Força Pública, por concurso. Em 1934, vamos encontrá-lo em Barbacena, como oficial médico do 9º Batalhão de Infantaria. Aí, a vida calma dá-lhe oportunidade para se entregar melhor aos seus livros. Mesmo sem se descuidar da Medicina retorna ao estudo das línguas. Rosa declarou: “Estudava línguas para não me afogar completamente na vida do interior”. Em 1934 veio para o Rio de Janeiro. Enfrentando um concurso no Ministério do Exterior (tirou 2º lugar) ingressa na diplomacia. É desse tempo um livro de versos, Magna, até hoje inédito, que obteve, em 1936, o prêmio de poesia da Academia Brasileira de Letras, com parecer altamente elogioso do poeta paulista Guilherme de Almeida. Como diplomata, Rosa esteve duas vezes em Paris, representando o Brasil em conferências importantes. Andou noutros países da Europa e, em 1967, esteve no México, como delegado brasileiro ao Primeiro Congresso Latino-americano de Escritores, sendo eleito vice-presidente. Na sua folha de serviços diplomáticos, entre outros destaques, merece ser lembrada a sua atuação na chefia do Serviço de Demarcação de Fronteiras nos importantes casos do Pico da Neblina (1965) e das Sete Quedas, no mesmo ano.
Fez isto por diversas vezes, entre os quarenta e os cinquenta anos, o período áureo da sua vida. Aproveitava suas férias para a realização dessas viagens, que soube apreciar mais do que as feitas em terras estrangeiras. Homem do mundo e, sobretudo, do sertão, deste fez o maior painel ou mural literário de todos os tempos, fugindo não só do regional, do folclórico ou do simples documentário geográfico. Dizia que não “escrevia sambas, mas sim, sinfonias”, daí o sentido orquestral, universal, musical da sua obra.
“Deus é paciência. O diabo é o contrário.”
“Médico da roça”, sofria quando perdia um paciente. Desistiu. Casou-se duas vezes, tendo duas filhas do primeiro matrimônio. Diversas estórias suas têm sido levadas ao cinema, destacando-se, como a de mais fiel adaptação, A hora e vez de Augusto Matraga, sob a direção de Roberto Santos. Fisicamente, João Guimarães Rosa, como a sua literatura, era de grande estrutura. Não gostava nem fazia “vida literária”, preferindo antes viver a própria literatura, trabalhando em casa ou nas horas vagas de que dispunha no Itamaraty, nos seus livros bem-elaborados. No fundo, era um tímido que nunca apreciou a vida mundana ou social, a qual foi obrigado a viver por necessidade da sua carreira. Possuía mais amigos noutras rodas, que não de escritores, dando-se muito bem com a gente do povo, a gente simples. Suas viagens aos sertões mineiros para colher material humano para seus livros ficaram célebres e nelas, entre vaqueiros, boiadeiros, jagunços e matutos, fez muitas e inesquecíveis amizades. Principalmente na chamada região do alto Urucuia, um afluente do rio São Francisco, cenário principal do seu Grande sertão: veredas. Viajava acompanhando boiadas e levava, amarrada ao pescoço, uma caderneta de campo, na qual tudo anotava, com lápis afiado. Dormia ao relento e ao pé do fogo, ouvia as narrativas deliciosas dos sertanejos, deles fazendo depois personagens. Identificava-se com o material recolhido, sentindo profunda e intimamente a alma cabocla da nossa gente.
lho, cercado por aveludados gatos de raça, mostrava-me seus troféus literários. Lia os seus contos, revelava-me seus macetes, mostrando-me sua correspondência (enorme e técnica) com os tradutores. O universo e comando da sua superlinguagem, alada, de rica plumagem. Tudo explicava em verbetes mágicos. Que era vaidoso, “meninão”, como dizia o Cavalcanti Proença, eu não nego, não. Vivia demais dentro da literatura, que era a sua transvida, tresvariada. Muitas vezes era sádico, castigava-me obrigando a lê-lo em voz alta. – Nem a sua voz de aimoré sergipano estraga a beleza do que escrevo. “Depois tremeiam-se lembranças e contralembranças”. Um dia me pregou um susto danado. Fingiu-se de morto, deitado, vestido de preto, de braços cruzados, enorme no sofá do Itamaraty.
Do seu tempo como “médico da roça”, guardou fundas lembranças e sofria quando perdia um paciente. Daí ter abandonado a Medicina, fazendo concurso para o Itamaraty. Em 1952, conheceu o Pantanal do Mato Grosso, de lá trazendo a mais bela reportagem transfigurada já feita sobre essa região desconhecida. Trata-se de O vaqueiro Mariano, que João Guimarães Rosa tencionava ampliar num livro.
Breve relato íntimo Durante um período de mais de dez anos, conheci e convivi com João Guimarães Rosa, na mais profunda intimidade. Amigos fomos; amigos nos carteamos. Chamei-o, sem conhecer, numa carta. Em 1957. Veio a São Paulo, autografou seus livros. Foi homenageado. De corpo presente. Vestido elegantemente como mandava o figurino do Itamaraty, onde era embaixador de carreira, chefe da Divisão de Fronteiras. Brincando inventou uma estória para o porteiro Brás, que sempre me recebia lá, que eu “era um cangaceiro, vindo dos gerais goianos com mais de quarenta mortes nos costados”. O velho Brás me olhava, admirado, com respeito profundo, como que procurando nas minhas roupas simples, vestígios heroicos de tantas mortes imaginárias. Era assim, imaginoso e brincalhão, quando não tinha terríveis depressões. Na intimidade da sua casa, nos gerais da Guanabara, no seu gabinete de traba-
– Morri, Dantas. Quero o meu “opus” de amor, igual ao que V. escreveu sobre Euclides. Sorríamos. Conversávamos sobre mulheres, molecagens, descontraimentos. Nesses momentos fui uma espécie do seu “psiquiatra popular”, um secretário de ferro, coberto com diademas de luz. Levantava seu moral. Voltava para São Paulo; as cartas se sucediam. Mais de vinte, todas maravilhosas, diferentes, rosianas, que reunidas em volume, com a reportagem da estória da nossa amizade, com o título de Sagarana emotiva (...). Euclidianamente falando defino a obra de João Guimarães Rosa como “um fabuloso fabular de agruras”, contendo no bojo profundas e tremendas ternuras e identificações com a vida sertaneja, que ele soube captar e transmitir ao leitor. Carlos Drummond de Andrade, num poema, classificou-o como um mágico, e Manuel Bandeira, noutro, confirmou a densidade desse mago, em “tudo por tudo” o nosso ficcionista mais profundo. Os ditos de Riobaldo, o grande jagunço que narra a epopeia de Grande sertão: veredas, tornaram-se provérbios populares, transformando-se em epígrafes nas paredes. Aqui mesmo, na redação de História, num quadro, figura este belo dito: “Deus é paciência. O diabo é o contrário”. Sabendo dar a tudo que escrevia aquele inevitável toque metafísico, João Guimarães Rosa era um grande preocupado com os mistérios da criação, com os problemas místicos ou religiosos. Há, em toda a sua obra, um denso sentido fáustico. Espécie de James Joyce, de Cervantes ou de Goethe caboclo, a esses gênios da humanidade foi pela crítica comparado. Mesmo em vida conheceu a glória e, dentro dela, em pleno clima de apoteose, morreu como que fulminado num clarão, com a imprensa e a crítica inteira do Brasil e do estrangeiro tecendo-lhe os maiores louvores, através de análises exaltadas ao fabuloso mundo que soube criar, como escritor realmente de gênio e substância, dos maiores que já tivemos em todos os tempos. Extraído de: revista História, nº 30.
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Empresa desenvolve esterilizador à base de ozônio Elton Alisson
BrasilOzônio – empresa graduada no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), em São Paulo – desenvolveu uma autoclave para esterilização de materiais de uso médico-hospitalar à base de ozônio, considerado o mais potente germicida e o segundo maior oxidante existente na Terra. Resultado de um projeto realizado pela empresa com apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, o equipamento promete ser mais seguro, eficiente e econômico do que os sistemas utilizados hoje para essa finalidade. “O ozônio inativa e elimina qualquer vírus, bactéria, protozoário e fungo. Ao ser introduzido adequadamente em uma autoclave, como a que desenvolvemos, esteriliza qualquer tipo de material médico-hospitalar colocado dentro do equipamento”, disse Frederico de Almeida Lage Filho, ex-professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e um dos coordenadores do projeto. De acordo com Lage, o processo de esterilização automatizado desenvolvido é iniciado com a captura de ar ambiente que, em seguida, é processado e encaminhado sob condições controladas para um gerador de ozônio que integra a autoclave. As impurezas e a umidade do ar são removidas e, a seguir, separa-se o oxigênio para a geração de ozônio molecular (O3, formado por três átomos de oxigênio) que, ao reagir e se autodecompor, dá origem a radicais livres extremamente reativos, com vida útil de centésimos de segundos. O ozônio gerado passa então por reatores de transferência, em direção à câmara de esterilização da autoclave, onde, após determinado número de ciclos de operação, que levam frações de hora, os materiais médico-hospitalares são esterilizados. Durante o processo oxidativo, o ozônio se autodecompõe em oxigênio. “O equipamento permite esterilizar rapidamente e com segurança todos os tipos de materiais médico-hospitalares e eliminar os micróbios mais resistentes possíveis”, disse Lage à Agência FAPESP. “Além disso, também possibilita realizar a esterilização no próprio hospital, porque é seguro, não gera compostos tóxicos e não necessita de mão de obra especializada para operá-lo, como requerem os métodos atuais”, comparou.
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Equipamento promete esterilizar materiais de uso médico-hospitalar com maior segurança, eficácia e economia do que os sistemas utilizados hoje.
Método alternativo Segundo Lage, um dos equipamentos mais utilizados atualmente para esterilização de materiais médico-hospitalares é a autoclave à base de vapor d´água. O equipamento utiliza temperaturas variando entre 100 e 400 graus Celsius e alta pressão para eliminar todos os tipos de microrganismos contaminantes. Além de consumir muita energia, de acordo com o pesquisador, o equipamento também apresenta riscos de operação por causa da alta temperatura e da pressão interna. Outro problema apresentado por esse método de esterilização, de acordo com Lage, é que há microrganismos – os extremofílicos – capazes de resistir a condições extremas de temperatura e pressão. Por outro lado, há materiais médico-hospitalares feitos de silicone ou polipropileno – como mangueiras, respiradores e cateteres, por exemplo, chamados de termossensíveis –, suscetíveis a altas temperaturas e pressão. Por isso, não podem ser esterilizados por esse tipo de equipamento. “O uso de altas temperatura e pressão para esterilizar materiais de uso médico-hospitalar nunca foi o método mais indicado para essa finalidade. Além disso, o material a ser esterilizado deve ficar por um bom tempo no interior da autoclave a vapor e, quando o processo é finalizado, é necessário esperar que o material esfrie para ser utilizado”, disse Lage. A fim de possibilitar que materiais à base de plástico também possam ser esterilizados, surgiram há algumas décadas processos de esterilização que utilizam
substâncias altamente tóxicas e contaminantes, tais como óxido de etileno, glutaraldeído, formaldeído e outros. Em função disso, a exemplo da esterilização a vapor, por questão de segurança esses processos de esterilização precisam ser realizados fora dos hospitais por pessoal treinado, e os materiais levam dias para retornar à instituição que os utiliza, acarretando demora e custos elevados. Outra limitação desses métodos, segundo o pesquisador, é que eles não são capazes de eliminar determinados grupos de bactérias e protozoários que esporulam (formam esporos), criando “carapaças” protetoras. Já o ozônio, segundo ele, é capaz de não só eliminar esses e outros tipos de microrganismos, como também oxidar e remover substâncias tóxicas orgânicas e inorgânicas, além de odor e cor da água e de gases, entre outras propriedades. Por isso, vem sendo utilizado por empresas, como a própria BrasilOzônio, para o tratamento de gases, líquidos, alimentos e, mais recentemente, até de solo contaminado por material radioativo, como o urânio. “O ozônio é tão poderoso que pode corroer até aço inoxidável em questão de alguns anos”, exemplificou Lage.
Dosagens controladas Justamente por ser altamente corrosivo, segundo o pesquisador, um dos cuidados tomados durante o desenvolvimento do equipamento foi garantir que o ozônio não afetasse os materiais cirúrgicos colocados em contato direto com o composto durante o tempo de esterilização. Para isso, realizaram uma série de testes com diferentes tipos de materiais de uso médico-hospitalar termossensíveis e à base de inox. Eles verificaram as faixas de tempo de exposição ideal dos materiais ao ozônio e quantos ciclos de operação da autoclave eram necessários para introduzir o gás de maneira inteligente para esterilização de todos os materiais colocados dentro do equipamento. Outro fator analisado foi o melhor modo de garantir que não restou ozônio residual no interior do equipamento ao final do processo de esterilização. De acordo com Samy Menasce, outro coordenador do projeto, além de ajudar a aprimorar esses parâmetros técnicos do
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equipamento, outra contribuição dada pelos testes foi revelar que alguns materiais de uso médico-hospitalar feitos de silicone ou inox apresentam problemas de especificação. Ao realizar a esterilização de materiais em aço inoxidável grau 316L – com maior resistência à corrosão –, os pesquisadores observaram que alguns materiais saíam perfeitos do equipamento e outros enferrujados. O mesmo problema ocorria com mangueiras e respiradores feitos com silicone – alguns saíam intactos da autoclave e outros praticamente derretidos. A fim de entender por que esses problemas aconteciam, os pesquisadores foram atrás dos fornecedores desses materiais para pedir esclarecimentos, e descobriram que alguns fabricantes de materiais de uso médico-hospitalar termossensíveis utilizavam silicone puro misturado com silicone reciclado. Por sua vez, alguns fabricantes de instrumentos cirúrgicos à base de aço inox grau 316L também não utilizavam ligas com essa especificação. “Essas constatações foram muito interessantes e demonstraram que a esterilização por ozônio no mercado brasileiro pode contribuir muito para garantir a especificação correta de materiais de uso médico-hospitalar termossensíveis e à base de aço inoxidável 316L”, avaliou Menasce. Segundo o pesquisador, o desenvolvimento do equipamento também permitiu à empresa criar uma linha de geradores de ozônio capazes de lidar com concentrações do gás muito maiores do que os equipamentos usados para o tratamento de água, alimentos e gases. Além do tratamento e purificação de volumes de água de piscinas ou aquários públicos, como o de São Paulo, a empresa se habilitou a tratar agora volumes de água da ordem de 250 mil metros cúbicos por hora. “Quando começamos a desenvolver o equipamento percebemos que teríamos de desenvolver sistemas de geração de ozônio com concentrações do composto aplicado muito mais altas para se chegar a uma autoclave viável não só em termos de preço, como também de tempo de esterilização”, disse Menasce. “Isso nos possibilitou não apenas solucionar o problema da autoclave e atuar em
um novo mercado, como desenvolver uma geração totalmente nova de geradores de ozônio e ampliar nossa atuação nos segmentos nos quais já estávamos presentes”, contou.
Chegada ao mercado De acordo com Menasce, o equipamento está em fase de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e um protótipo dele foi apresentado em uma feira de equipamentos médico-hospitalares em São Paulo. Para produzi-lo, a empresa assinou um contrato com a fabricante brasileira de equipamentos hospitalares Ortosíntese, que também será responsável pela venda do produto, com apoio técnico da BrasilOzônio, por já ter uma carteira de potenciais clientes consolidada. “Desenvolvemos o equipamento em parceria com eles. Todo o processo de esterilização foi criado por nós e eles cuidaram da construção do equipamento”, explicou Menasce. O aparelho será vendido com câmeras de esterilização com capacidade de 120 a 360 litros – os volumes mais requisitados pelos hospitais, disse o pesquisador. Há, no entanto, a possibilidade de construir, no futuro, autoclaves com maior capacidade para serem usadas pelos próprios fabricantes de material de uso médico-hospitalar, adiantou Menasce. “A indústria de materiais cirúrgicos se interessou muito pelo processo de esterilização à base de ozônio porque todos os produtos que fabricam precisam ser desinfetados antes de chegar às farmácias ou aos hospitais em autoclaves de óxido de etileno com até 20 metros cúbicos, mantidas em suas instalações, apresentando alta periculosidade e gerando efluentes”, explicou o pesquisador. “Como o processo de esterilização por ozônio independe da quantidade de materiais, podemos desenvolver autoclaves com dimensões maiores”, afirmou. Segundo o pesquisador, a empresa já negocia com uma grande fabricante de materiais médico-hospitalares a substituição de um equipamento esterilizador à base de óxido de etileno por uma autoclave à base de ozônio.
Estudo de mercado No início do desenvolvimento do equipamento, a empresa realizou uma pesquisa de mercado com gestores e equipes médicas de hospitais em São Paulo. Os participantes da sondagem apontaram que todos os processos de esterilização de materiais de uso médico-hospitalar hoje existentes no mundo são de alta periculosidade – por envolver gases inflamáveis – e geram efluentes tóxicos de difícil tratamento – o que obriga as instituições a terceirizar o processo. Além disso, são caros e consomem muita energia elétrica. O fato de a esterilização por ozônio não apresentar perigo, gerar como subproduto ozônio e consumir 95% menos energia em comparação com os métodos existentes motivou a empresa a desenvolver o sistema. “Percebemos que a esterilização por ozônio apresentava muitas vantagens em relação aos processos tradicionais”, disse Menasce. Ao pesquisar se já havia soluções similares no mercado mundial, a empresa identificou que a Food and Drugs and Administration (FDA) – a agência regulatória de alimentos e fármacos dos Estados Unidos – reconhece e aprova o processo e que uma indústria canadense e outra japonesa também tentavam desenvolver uma autoclave à base de ozônio com volume útil menor que 100 litros. Os sistemas adotados por essas duas empresas estrangeiras, no entanto, são diferentes e os equipamentos ainda não estão presentes em larga escala no mercado mundial, afirmou o pesquisador. “Estamos desenvolvendo esse equipamento há cinco anos e procurando durante todo esse tempo o que existe no mundo em termos de solução para esterilização para tentar aprimorá-la”, disse Menasce. De acordo com o pesquisador, só nos últimos 12 meses foram realizados mais de 5 mil testes do equipamento, supervisionados por pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP). Extraído de: Agência FAPESP – Divulgando a cultura científica, set./2013.
SERVIÇO DE VESTIBULAR Universidade Belas Artes Período de inscrição: até 2 de dezembro de 2013. Somente via Internet. Endereço da faculdade: Rua Dr. Álvaro Alvim, 76 – CEP 04018-010 – Vila Mariana – São Paulo – SP – Fone: (11) 5576-7300. Requisito: taxa de R$ 80,00. Cursos e vagas: consultar site www.belasartes.br Exames: dias 5 e 7 de dezembro de 2013.