Jornal do Vestibulando Nº1471

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Jornal do Vestibulando

ENSINO, INFORMAÇÃO E CULTURA

JORNAL ETAPA – 2014 • DE 24/04 A 07/05

ENTREVISTA

“Em vez de falar que não ia dar, estudava mais e mais e mais.” Luca Canadá está hoje na Pinheiros. Ele diz que se esforçou muito e que estudava das 7 da manhã às 10 da noite. E completa que tudo valeu a pena. Aqui ele conta como se preparou para o vestibular mais difícil da USP, resolvendo todos os exercícios de aula, das apostilas e também muitas provas antigas da Fuvest. Seu maior problema? O mesmo de todos: nervosismo.

Luca Canadá Em 2013: Etapa Em 2014: Medicina – USP/Pinheiros

JV – Quando você decidiu seguir a carreira de Medicina? Luca – Aos 13, 14 anos. Medicina é uma coisa com que eu sempre me identifiquei. Gostava de ajudar as pessoas.

Você foi aprovado em quais escolas de Medicina?

Como você usava a apostila para estudar?

Como foram suas aulas do Medicina Total?

Lia a apostila e fazia resumos principalmente das matérias em que tinha dificuldade. Nas matérias de Humanas – História, Geografia, Português – e também em Biologia eu fazia um resumo de cada coisa, colocando os pontos mais relevantes. Também marcava os pontos importantes dos exercícios que resolvia.

Eram aulas bem mais aprofundadas e que complementava. Achava importante.

Unifesp, Unesp e UFSCar.

Suas dificuldades eram principalmente nas matérias de Humanas?

Como você conheceu o Etapa? No meu colégio a maioria vinha para cá.

Principalmente em Português. Geografia e História também, mais Geografia. Recorria bastante ao Plantão de Dúvidas.

Como você começou o ano aqui? Eu estava confiante. Vieram os simulados, continuei meio confiante. Ficava abalado quando não ia tão bem em um simulado. Mas em vez de falar que não ia dar, estudava mais e mais e mais.

Como era seu método de estudos? Ia às aulas, prestava atenção. Depois ficava aqui fazendo exercícios da apostila. Todos os exercícios, não deixava faltar. Todo dia estudava aqui até as 6 horas. Chegava em casa às 7 e meia, 8 horas da noite e continuava estudando até umas 10, 11 horas. Todos os dias. Estudava sábado e domingo também.

Você seguia pela matéria do dia? No começo eu fazia a matéria do dia, dava tempo. Depois fui meio que me atrasando. Se não dava tempo no dia, eu fazia durante a semana. Fazia tudo, a matéria do dia e a apostila inteira. Fazia porque achava importante.

ENTREVISTA

Luca Canadá

ARTIGO Estudo identifica possíveis origens de objetos celestes “diferenciados”

Física, principalmente. Gostava bastante. Em Química eu tinha uma base boa, mas aprendi bastante aqui. Matemática aprendi muito também.

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Com esses resultados, você achava que estava bem? Sim, a não ser quando tirava C mais. Eu revia o que tinha errado nos simulados e os pontos em que tinha dúvida. Estudei bastante.

Nos simulados do Medicina Total você conseguiu se manter bem? Depende. Tinha uns em que eu ficava no A, B. Em outros, C mais, C menos.

Em geral, quais foram as dificuldades que você enfrentou no ano passado?

Geografia. Português também. Procurei resolver as provas de transferência da USP, que tinham 40, 45 questões de Português. Fiz uns quatro, cinco anos dessas provas e ia ao Plantão porque era muita gramática. Ajudava bastante.

Muito nervosismo, muito mesmo. Eu estudava das 7 da manhã às 10, 11 horas da noite. Isso cansava. Não estudava nos intervalos, achava que era demais.

Você também ia em Física, Química e Matemática?

Acordava às 10 horas, ficava estudando até umas 6, 7 horas. Tentei revisar as matérias. Foi muito importante conseguir revisar nas férias.

Ia, porque tinha exercício que era bem difícil.

Pais & filhos

Água: o que falta é qualidade

O que você fez nas férias de julho?

PARA PENSAR

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ARTIGO

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Ficava no A ou B. Tirei A em todos os simulados da Fuvest. Nos outros eu ficava no B. Nos simulados do Enem eu tirava C mais, B, alguns As.

Em quais matérias você ia mais ao Plantão de Dúvidas?

ENTRE PARÊNTESIS

CONTO

Conto de escola – Machado de Assis

Em quais matérias você tinha uma base mais forte?

Nos simulados, como você ficava?

Dourar a pílula

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SERVIÇO DE VESTIBULAR

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Inscrições

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ENTREVISTA

Tinha alguma atividade para relaxar? Muito pouco. Eu ia ao cinema às vezes com minha namorada. Domingo eu estudava na casa da minha avó, mudava de ambiente. Só não estudava quando não aguentava. Não adianta estudar se não aprende.

E no terceiro dia, na prova das matérias prioritárias?

Do que você mais gostou até agora na Pinheiros e na Cidade Universitária?

Estava fácil, bem fácil. Cheguei em casa pensando que tinha gabaritado, mas detalhes me tiraram um ponto. Minha nota foi 87,5.

Na Revisão eu vinha às aulas normalmente, eram as melhores aulas. Fazia a apostila inteira da Revisão e as provas antigas da Fuvest.

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Na Pinheiros a estrutura é sem comparação. Maravilhosa. As pessoas são bem legais. Todo mundo meio que se conhece. Na Cidade Universitária as coisas são longe, nem todo mundo é do mesmo curso, nem todo mundo se conhece. Mesmo assim é um ambiente universitário legal.

Alguma surpresa nas notas?

Na parte humana, do que você mais gostou?

Você conseguiu fazer todos os exercícios da Revisão?

Eu esperava mais no segundo dia e bem mais no terceiro dia. Como no primeiro dia achei que fui mal, fiquei abalado, nervoso.

Os veteranos cobram bastante a gente para ir treinar, ir para a competição dos calouros. Eles ajudam bastante a gente. Os professores são muito bons, sabem muito, embora alguns não tenham didática.

Como foi na Revisão?

Consegui.

E ainda provas antigas da Fuvest? Fiz muitas. Fazia Unifesp e Fuvest. No que eu tinha dúvida, procurava o Plantão.

Em que época você ficou mais cansado? Na Revisão, porque estudei muito mais.

Você assistiu às palestras sobre as obras literárias indicadas pela Fuvest e Unicamp como obrigatórias? Fui a todas.

Qual foi a importância das palestras para você? Total. Você lê o livro e pensa: “Nossa, que bonita história”, mas não entendeu nada. Ou, se entendeu, não é o que eles vão pedir. A palestra mostrava isso. Enfocava o que eles iam cobrar.

Na 1ª fase da Fuvest, qual foi sua pontuação?

Qual foi sua pontuação geral na Fuvest, na escala de zero a 1 000?

Como foi nos outros vestibulares? Na Unifesp eu passei na primeira chamada. Na Unesp eu fiquei em 100 e pouco, me chamaram na segunda lista. E, pelo Enem, fui aprovado em 2º lugar para a UFSCar.

Como ficou sabendo de sua aprovação para a Pinheiros? Eu vim aqui com minha mãe e minha namorada. Não queria vir, achava que não ia passar. Quando vi meu nome na lista, chorei. Foi um dos dias mais felizes da minha vida. Como todo mundo fala, saiu um peso enorme das costas, aquela pressão.

Saindo daqui, você foi com os veteranos para a Atlética? [são alunos da Medicina USP que acompanham a saída da lista aqui] Os veteranos levaram a gente. Fiquei um pouquinho lá e depois fui jantar com minha família para comemorar.

Fiz 83 pontos dos 89 possíveis.

Como foi esse contato com a Atlética?

Você mudou seu método de estudos para a 2ª fase?

Legal, os veteranos são bem receptivos. Eles explicam para você como é a faculdade. Recepção bem calorosa.

Relaxei um pouco. Isso não foi bom. Esqueci a apostila da Revisão, fiz só as provas da Fuvest. Várias. De 2005 até 2013, e de 1999, 1998, eu acho. Basicamente estudei por elas.

Agora está mais tranquilo seu ritmo de estudos?

Para a 2ª fase, mesmo tendo a prova do terceiro dia com as matérias prioritárias para Medicina, você continuou estudando História, Geografia? Por causa do segundo dia. Depois que terminou a 1ª fase eu estudava principalmente História, Geografia e Português. Depois de um tempo fiquei só nas prioritárias.

Qual foi sua nota na primeira prova da 2ª fase, Português e Redação? Tirei 68,85. Em Redação, meu desempenho foi de 75%. A média na prova ficou em 46,6. Eu achei muito difícil.

No segundo dia, prova geral, tirou quanto? 70,3. Esperava um pouco mais. Deixei uma questão em branco.

Achei que ia ser menos puxado.

Quais matérias você tem neste primeiro semestre? Anatomia do Aparelho Locomotor, que é uma das mais legais. Introdução à Medicina, única em que você se sente como médico. Atenção Primária em Saúde, em que você vai a uma unidade de saúde. Bioquímica, que é a mais difícil. Tem Biologia Molecular, bem legal. E Biologia Celular.

De qual você está gostando mais? Introdução à Medicina e Anatomia. Anatomia é “decoreba”, tem de tentar lembrar bem. É difícil, mas é legal. Introdução à Medicina é bem legal porque tem o primeiro contato com o paciente. Eles levam a gente para ver cirurgias, discutem casos clínicos.

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O que mais você está fazendo na faculdade? Eu vou à bateria às vezes. Vou à Atenção Médica Acadêmica – você vai ao posto, lá também você vai aprender a ser médico, é a parte mais prática, vai fazer exame, conversar com o paciente. Você aprende desde o 1º ano, vai ter no 2º e no 3º. Fui à “Liga da Tireoide”: ela tem um curso introdutório, que são aulas, depois tem meio que atividades práticas – você vai ao laboratório, vê cirurgias, às vezes faz pequenos procedimentos.

Qual é sua motivação para seguir na Medicina com o mesmo entusiasmo? Quando vai ao HC, na Introdução à Medicina, você vê muito paciente, muito mesmo, dá motivação. Tem de ser um bom médico para ajudar esse mundo de gente que está aí. Tem de estudar, tem de se aplicar, acho bem importante isso. E tem matéria legal, dá uma motivada.

Que área você pensa seguir na Medicina? Eu não sei. Penso em cirurgia, mas não sei.

O que você diria a quem vai prestar vestibular este ano, principalmente quem quer Medicina? Não pode achar que é impossível. É muito bom, vale a pena, não pode desistir.

O que você diria a quem prestou vestibular no ano passado e ficou no “quase”? Não perder o pique. Continuar estudando, não desistir. Se você foi bem, vai melhor.

Como fica marcado o ano passado para você? Dá saudade. Você pensa que nunca mais vai querer voltar, mas dá saudade, é legal, há muita gente que você conheceu aqui. E aqui você amadureceu.

O que você tira de lição do ano passado? Acho que é o valor da dedicação. Sempre se esforçar, que vai valer a pena.

Jornal ETAPA, editado por Etapa Ensino e Cultura REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343


CONTO

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Conto de escola Machado de Assis escola era na Rua do Costa, um sobradinho de grade de pau. O ano era de 1840. Naquele dia – uma segunda-feira, do mês de maio – deixei-me estar alguns instantes na Rua da Princesa a ver onde iria brincar amanhã. Hesitava entre o morro de S. Diogo e o Campo de Sant’Ana, que não era então esse parque atual, construção de gentleman, mas um espaço rústico, mais ou menos infinito, alastrado de lavadeiras, capim e burros soltos. Morro ou campo? Tal era o problema. De repente disse comigo que o melhor era a escola. E guiei para a escola. Aqui vai a razão. Na semana anterior tinha feito dous suetos, e, descoberto o caso, recebi o pagamento das mãos de meu pai, que me deu uma sova de vara de marmeleiro. As sovas de meu pai doíam por muito tempo. Era um velho empregado do Arsenal de Guerra, ríspido e intolerante. Sonhava para mim uma grande posição comercial, e tinha ânsia de me ver com os elementos mercantis, ler, escrever e contar, para me meter de caixeiro. Citava-me nomes de capitalistas que tinham começado ao balcão. Ora, foi a lembrança do último castigo que me levou naquela manhã para o colégio. Não era um menino de virtudes. Subi a escada com cautela, para não ser ouvido do mestre, e cheguei a tempo; ele entrou na sala três ou quatro minutos depois. Entrou com o andar manso do costume, em chinelas de cordovão, com a jaqueta de brim lavada e desbotada, calça branca e tesa e grande colarinho caído. Chamava-se Policarpo e tinha perto de cinquenta anos ou mais. Uma vez sentado, extraiu da jaqueta a boceta de rapé e o lenço vermelho, pô-los na gaveta; depois relanceou os olhos pela sala. Os meninos, que se conservaram de pé durante a entrada dele, tornaram a sentar-se. Tudo estava em ordem; começaram os trabalhos. – Seu Pilar, eu preciso falar com você, disse-me baixinho o filho do mestre. Chamava-se Raimundo este pequeno, e era mole, aplicado, inteligência tarda. Raimundo gastava duas horas em reter aquilo que a outros levava apenas trinta ou cinquenta minutos; vencia com o tempo o que não podia fazer logo com o cérebro. Reunia a isso um grande medo ao pai. Era uma criança fina, pálida, cara doente; raramente estava alegre. Entrava na escola depois do pai e retirava-se antes. O mestre era mais severo com ele do que conosco. – O que é que você quer? – Logo, respondeu ele com voz trêmula. Começou a lição de escrita. Custa-me dizer que eu era dos mais adiantados da escola; mas era. Não digo também que era dos mais inteligentes, por um escrúpulo fácil de entender e de excelente efeito no estilo, mas não tenho outra convicção. Note-se que não era pálido nem mofino: tinha boas cores e músculos de ferro. Na lição de escrita, por exemplo, acabava

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sempre antes de todos, mas deixava-me estar a recortar narizes no papel ou na tábua, ocupação sem nobreza nem espiritualidade, mas em todo caso ingênua. Naquele dia foi a mesma cousa; tão depressa acabei, como entrei a reproduzir o nariz do mestre, dando-lhe cinco ou seis atitudes diferentes, das quais recordo a interrogativa, a admirativa, a dubitativa e a cogitativa. Não lhes punha esses nomes, pobre estudante de primeiras letras que era; mas, instintivamente, dava-lhes essas expressões. Os outros foram acabando; não tive remédio senão acabar também, entregar a escrita, e voltar para o meu lugar. Com franqueza, estava arrependido de ter vindo. Agora que ficava preso, ardia por andar lá fora, e recapitulava o campo e o morro, pensava nos outros meninos vadios, o Chico Telha, o Américo, o Carlos das Escadinhas, a fina flor do bairro e do gênero humano. Para cúmulo de desespero, vi através das vidraças da escola, no claro azul do céu, por cima do morro do Livramento, um papagaio de papel, alto e largo, preso de uma corda imensa, que bojava no ar, uma cousa soberba. E eu na escola, sentado, pernas unidas, com o livro de leitura e a gramática nos joelhos. – Fui um bobo em vir, disse eu ao Raimundo. – Não diga isso, murmurou ele. Olhei para ele; estava mais pálido. Então lembrou-me outra vez que queria pedir-me alguma cousa, e perguntei-lhe o que era. Raimundo estremeceu de novo, e, rápido, disse-me que esperasse um pouco; era uma cousa particular. – Seu Pilar... murmurou ele daí a alguns minutos. – Que é? – Você... – Você quê? Ele deitou os olhos ao pai, e depois a alguns outros meninos. Um destes, o Curvelo, olhava para ele, desconfiado, e o Raimundo, notando-me essa circunstância, pediu alguns minutos mais de espera. Confesso que começava a arder de curiosidade. Olhei para o Curvelo, e vi que parecia atento; podia ser uma simples curiosidade vaga, natural indiscrição; mas podia ser também alguma cousa entre eles. Esse Curvelo era um pouco levado do diabo. Tinha onze anos, era mais velho que nós. Que me quereria o Raimundo? Continuei inquieto, remexendo-me muito, falando-lhe baixo, com instância, que me dissesse o que era, que ninguém cuidava dele nem de mim. Ou então, de tarde... – De tarde, não, interrompeu-me ele; não pode ser de tarde. – Então agora... – Papai está olhando. Na verdade, o mestre fitava-nos. Como era mais severo para o filho, buscava-o mui-

tas vezes com os olhos, para trazê-lo mais aperreado. Mas nós também éramos finos; metemos o nariz no livro, e continuamos a ler. Afinal cansou e tomou as folhas do dia, três ou quatro, que ele lia devagar, mastigando as ideias e as paixões. Não esqueçam que estávamos então no fim da Regência, e que era grande a agitação pública. Policarpo tinha decerto algum partido, mas nunca pude averiguar esse ponto. O pior que ele podia ter, para nós, era a palmatória. E essa lá estava, pendurada do portal da janela, à direita, com os seus cinco olhos do diabo. Era só levantar a mão, despendurá-la e brandi-la, com a força do costume, que não era pouca. E daí, pode ser que alguma vez as paixões políticas dominassem nele a ponto de poupar-nos uma ou outra correção. Naquele dia, ao menos, pareceu-me que lia as folhas com muito interesse; levantava os olhos de quando em quando, ou tomava uma pitada, mas tornava logo aos jornais, e lia a valer. No fim de algum tempo – dez ou doze minutos – Raimundo meteu a mão no bolso das calças e olhou para mim. – Sabe o que tenho aqui? – Não. – Uma pratinha que mamãe me deu. – Hoje? – Não, no outro dia, quando fiz anos... – Pratinha de verdade? – De verdade. Tirou-a vagarosamente, e mostrou-me de longe. Era uma moeda do tempo do rei, cuido que doze vinténs ou dous tostões, não me lembra; mas era uma moeda, e tão moeda que me fez pular o sangue no coração. Raimundo revolveu em mim o olhar pálido; depois perguntou-me se a queria para mim. Respondi-lhe que estava caçoando, mas ele jurou que não. – Mas então você fica sem ela? – Mamãe depois me arranja outra. Ela tem muitas que vovô lhe deixou, numa caixinha; algumas são de ouro. Você quer esta? Minha resposta foi estender-lhe a mão disfarçadamente, depois de olhar para a mesa do mestre. Raimundo recuou a mão dele e deu à boca um gesto amarelo, que queria sorrir. Em seguida propôs-me um negócio, uma troca de serviços; ele me daria a moeda, eu lhe explicaria um ponto da lição de sintaxe. Não conseguira reter nada do livro, e estava com medo do pai. E concluía a proposta esfregando a pratinha nos joelhos... Tive uma sensação esquisita. Não é que eu possuísse da virtude uma ideia antes própria de homem; não é também que não fosse fácil em empregar uma ou outra mentira de criança. Sabíamos ambos enganar ao mestre. A novidade estava nos termos da proposta, na troca de lição e dinheiro, compra franca, positiva, toma lá, dá cá; tal foi a causa da sensação. Fiquei a olhar para ele, à toa, sem poder dizer nada.


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CONTO

Compreende-se que o ponto da lição era difícil, e que o Raimundo, não o tendo aprendido, recorria a um meio que lhe pareceu útil para escapar ao castigo do pai. Se me tem pedido a cousa por favor, alcançá-la-ia do mesmo modo, como de outras vezes; mas parece que era a lembrança das outras vezes, o medo de achar a minha vontade frouxa ou cansada, e não aprender como queria, – e pode ser mesmo que em alguma ocasião lhe tivesse ensinado mal, – parece que tal foi a causa da proposta. O pobre-diabo contava com o favor, – mas queria assegurar-lhe a eficácia, e daí recorreu à moeda que a mãe lhe dera e que ele guardava como relíquia ou brinquedo; pegou dela e veio esfregá-la nos joelhos, à minha vista, como uma tentação... Realmente, era bonita, fina, branca, muito branca; e para mim, que só trazia cobre no bolso, quando trazia alguma cousa, um cobre feio, grosso, azinhavrado... – Não queria recebê-la, e custava-me recusá-la. Olhei para o mestre, que continuava a ler, com tal interesse, que lhe pingava o rapé do nariz. – Ande, tome, dizia-me baixinho o filho. E a pratinha fuzilava-lhe entre os dedos, como se fora diamante... Em verdade, se o mestre não visse nada, que mal havia? E ele não podia ver nada, estava agarrado aos jornais lendo com fogo, com indignação... – Tome, tome... Relanceei os olhos pela sala, e dei com os do Curvelo em nós; disse ao Raimundo que esperasse. Pareceu-me que o outro nos observava, então dissimulei; mas daí a pouco, deitei-lhe outra vez o olho, e – tanto se ilude a vontade! – não lhe vi mais nada. Então cobrei ânimo. – Dê cá... Raimundo deu-me a pratinha, sorrateiramente; eu meti-a na algibeira das calças, com um alvoroço que não posso definir. Cá estava ela comigo, pegadinha à perna. Restava prestar o serviço, ensinar a lição, e não me demorei em fazê-lo, nem o fiz mal, ao menos conscientemente; passava-lhe a explicação em um retalho de papel que ele recebeu com cautela e cheio de atenção. Sentia-se que despendia um esforço cinco ou seis vezes maior para aprender um nada; mas contanto que ele escapasse ao castigo, tudo iria bem. De repente, olhei para o Curvelo e estremeci; tinha os olhos em nós, com um riso que me pareceu mau. Disfarcei; mas daí a pouco, voltando-me outra vez para ele, achei-o do mesmo modo, com o mesmo ar, acrescendo que entrava a remexer-se no banco, impaciente. Sorri para ele e ele não sorriu; ao contrário, franziu a testa, o que lhe deu um aspecto ameaçador. O coração bateu-me muito. – Precisamos muito cuidado, disse eu ao Raimundo. – Diga-me isto só, murmurou ele. Fiz-lhe sinal que se calasse; mas ele instava, e a moeda, cá no bolso, lembrava-me o contrato feito. Ensinei-lhe o que era, disfarçando muito; depois, tornei a olhar para o Curvelo, que me pareceu ainda mais inquieto, e o riso, dantes mau, estava agora pior. Não é preciso dizer que também eu ficara

em brasas, ansioso que a aula acabasse; mas nem o relógio andava como das outras vezes, nem o mestre fazia caso da escola; este lia os jornais, artigo por artigo, pontuando-os com exclamações, com gestos de ombros, com uma ou duas pancadinhas na mesa. E lá fora, no céu azul, por cima do morro, o mesmo eterno papagaio, guinando a um lado e outro, como se me chamasse a ir ter com ele. Imaginei-me ali, com os livros e a pedra embaixo da mangueira, e a pratinha no bolso das calças, que eu não daria a ninguém, nem que me serrassem; guardá-la-ia em casa, dizendo a mamãe que a tinha achado na rua. Para que me não fugisse, ia-a apalpando, roçando-lhe os dedos pelo cunho, quase lendo pelo tato a inscrição, com uma grande vontade de espiá-la. – Oh! seu Pilar! bradou o mestre com voz de trovão. Estremeci como se acordasse de um sonho, e levantei-me às pressas. Dei com o mestre, olhando para mim, cara fechada, jornais dispersos, e ao pé da mesa, em pé, o Curvelo. Pareceu-me adivinhar tudo. – Venha cá! bradou o mestre. Fui e parei diante dele. Ele enterrou-me pela consciência dentro um par de olhos pontudos; depois chamou o filho. Toda a escola tinha parado; ninguém mais lia, ninguém fazia um só movimento. Eu, conquanto não tirasse os olhos do mestre, sentia no ar a curiosidade e o pavor de todos. – Então o senhor recebe dinheiro para ensinar as lições aos outros? disse-me o Policarpo. – Eu... – Dê cá a moeda que este seu colega lhe deu! clamou. Não obedeci logo, mas não pude negar nada. Continuei a tremer muito. Policarpo bradou de novo que lhe desse a moeda, e eu não resisti mais, meti a mão no bolso, vagarosamente, saquei-a e entreguei-lha. Ele examinou-a de um e outro lado, bufando de raiva; depois estendeu o braço e atirou-a à rua. E então disse-nos uma porção de cousas duras, que tanto o filho como eu acabávamos de praticar uma ação feia, indigna, baixa, uma vilania, e para emenda e exemplo íamos ser castigados. Aqui pegou da palmatória. – Perdão, seu mestre... solucei eu. – Não há perdão! Dê cá a mão! dê cá! vamos! sem-vergonha! dê cá a mão! – Mas, seu mestre... – Olhe que é pior! Estendi-lhe a mão direita, depois a esquerda, e fui recebendo os bolos uns por cima dos outros, até completar doze, que me deixaram as palmas vermelhas e inchadas. Chegou a vez do filho, e foi a mesma cousa; não lhe poupou nada, dous, quatro, oito, doze bolos. Acabou, pregou-nos outro sermão. Chamou-nos sem-vergonhas, desaforados, e jurou que se repetíssemos o negócio, apanharíamos tal castigo que nos havia de lembrar para todo o sempre. E exclamava: Porcalhões! tratantes! faltos de brio! Eu por mim, tinha a cara no chão. Não ousava fitar ninguém, sentia todos os olhos em nós. Recolhi-me ao banco, soluçando,

fustigado pelos impropérios do mestre. Na sala arquejava o terror; posso dizer que naquele dia ninguém faria igual negócio. Creio que o próprio Curvelo enfiara de medo. Não olhei logo para ele, cá dentro de mim jurava quebrar-lhe a cara, na rua, logo que saíssemos, tão certo como três e dous serem cinco. Daí a algum tempo olhei para ele; ele também olhava para mim, mas desviou a cara, e penso que empalideceu. Compôs-se e entrou a ler em voz alta; estava com medo. Começou a variar de atitude, agitando-se à toa, coçando os joelhos, o nariz. Pode ser até que se arrependesse de nos ter denunciado; e na verdade, por que denunciar-nos? Em que é que lhe tirávamos alguma cousa? “Tu me pagas! tão duro como osso!” dizia eu comigo. Veio a hora de sair, e saímos; ele foi adiante, apressado, e eu não queria brigar ali mesmo, na Rua do Costa, perto do colégio; havia de ser na Rua Larga de S. Joaquim. Quando, porém, cheguei à esquina, já o não vi; provavelmente escondera-se em algum corredor ou loja; entrei numa botica, espiei em outras casas, perguntei por ele a algumas pessoas, ninguém me deu notícia. De tarde faltou à escola. Em casa não contei nada, é claro; mas para explicar as mãos inchadas, menti a minha mãe, disse-lhe que não tinha sabido a lição. Dormi nessa noite, mandando ao diabo os dous meninos, tanto o da denúncia como o da moeda. E sonhei com a moeda; sonhei que, ao tornar à escola, no dia seguinte, dera com ela na rua, e a apanhara, sem medo nem escrúpulos... De manhã, acordei cedo. A ideia de ir procurar a moeda fez-me vestir depressa. O dia estava esplêndido, um dia de maio, sol magnífico, ar brando, sem contar as calças novas que minha mãe me deu, por sinal que eram amarelas. Tudo isso, e a pratinha... Saí de casa, como se fosse trepar ao trono de Jerusalém. Piquei o passo para que ninguém chegasse antes de mim à escola; ainda assim não andei tão depressa que amarrotasse as calças. Não, que elas eram bonitas! Mirava-as, fugia aos encontros, ao lixo da rua... Na rua encontrei uma companhia do batalhão de fuzileiros, tambor à frente, rufando. Não podia ouvir isto quieto. Os soldados vinham batendo o pé rápido, igual, direita, esquerda, ao som do rufo; vinham, passaram por mim, e foram andando. Eu senti uma comichão nos pés, e tive ímpeto de ir atrás deles. Já lhes disse: o dia estava lindo, e depois o tambor... Olhei para um e outro lado; afinal, não sei como foi, entrei a marchar também ao som do rufo, creio que cantarolando alguma cousa: Rato na Casaca... Não fui à escola, acompanhei os fuzileiros, depois enfiei pela Saúde, e acabei a manhã na Praia da Gamboa. Voltei para casa com as calças enxovalhadas, sem pratinha no bolso nem ressentimento na alma. E contudo a pratinha era bonita e foram eles, Raimundo e Curvelo, que me deram o primeiro conhecimento, um da corrupção, outro da delação; mas o diabo do tambor... Extraído de: Várias histórias.


ARTIGO

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Estudo identifica possíveis origens de objetos celestes “diferenciados” Elton Alisson

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o principal cinturão de asteroides do Sistema Solar, localizado entre Marte e Júpiter, há um pequeno grupo de objetos celestes chamados asteroides de tipo V. São supostamente fragmentos do asteroide Vesta, o segundo objeto com maior massa do cinturão, que integra o grupo de corpos celestes com crosta basáltica. Nos últimos anos, foram identificados outros 127 objetos candidatos a asteroides de tipo V. Com origem não muito bem compreendida, eles se situam na parte central do cinturão principal. Os astrônomos acham ser muito improvável que todos sejam fragmentos do Vesta, pela posição orbital em que se encontram. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Guaratinguetá, em colaboração com colegas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), da Universidade de Namur, na Bélgica, do Observatório de Paris e da Universidade Pierre e Marie Curie, ambos na França, demonstrou que esses novos asteroides de tipo V no cinturão principal podem ser derivados de outros asteroides diferenciados, que não o Vesta. Corpos celestes diferenciados são aqueles que passaram por processos que dividiram sua estrutura em camadas geológicas e quimicamente diferentes entre si e possuem crosta basáltica, manto e núcleo. Os resultados da pesquisa, feita no âmbito do projeto “Mobilidade orbital causada por encontros próximos com mais de um asteroide massivo”, apoiado pela FAPESP, serão publicados na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society (MNRAS). “É bem provável que tenham existido outros objetos diferenciados que deram origem a esses novos asteroides de tipo V, mas ainda não se sabe o número deles”, disse Valério Carruba, professor da Unesp e primeiro autor do estudo, à Agência FAPESP.

“Se conseguirmos saber qual é o número mínimo de objetos diferenciados que originaram esses novos asteroides, será possível entender melhor a origem e evolução dinâmica deles”, avaliou. De acordo com Carruba, a distribuição dos asteroides de tipo V pelo cinturão principal é bastante esparsa. Os pesquisadores propuseram a divisão do cinturão principal central em três regiões onde estão situadas famílias de asteroides associadas à formação de objetos de tipo V: Hansa; Eunomia; e Merxia e Agnia.

Grupo internacional de pesquisadores, liderado por brasileiros, localiza potenciais fontes de fragmentos de asteroides com crosta basáltica (ilustração: Nasa).

Ao fazer essa divisão, os pesquisadores constataram que os asteroides de tipo V originados por essas famílias “respeitam o perímetro” nos quais estão situados. “Um asteroide de tipo V na região de Hansa, por exemplo, dificilmente irá para a região de Eunomia”, explicou Carruba. “Por sua vez, é pouco provável que um asteroide de tipo V da região de Eunomia caminhe em direção à região das famílias de Merxia e Agnia.”

Fontes de asteroides de tipo V Os pesquisadores também demonstraram no estudo que três fontes diferentes de asteroides – como os de Eunomia, de Merxia e Agnia e de Hansa – são suficientes para criar populações de objetos do tipo V no cinturão principal central, onde se estima que existiu pelo menos mais um corpo diferenciado, além do Vesta. O objeto que deu origem à família de Eunomia, por exemplo, pode ter sido anteriormente um corpo diferenciado ou parcialmente diferenciado, supõem os pesquisadores. “A ideia é que, no passado, o corpo principal que deu origem à família de Eunomia tinha uma crosta basáltica vulcânica que foi completamente destruída e se espalhou pelo cinturão principal”, disse Carruba. “Outros estudos também já haviam sugerido que as famílias de Merxia e Agnia também podem ter sido originadas de corpos diferenciados.” Os modelos de formação desses objetos diferenciados são baseados em parâmetros ainda não bem conhecidos, como o tamanho mínimo para fazer a diferenciação, as dimensões da região em que foram formados e a eficiência com a qual foram espalhados para o cinturão principal. Segundo esses modelos, o número de objetos diferenciados que poderiam ter chegado ao cinturão principal varia de dois a algumas centenas. “Ainda não sabemos quantos objetos diferenciados foram formados e quando chegaram ao cinturão principal”, afirmou Carruba. Segundo ele, “estabelecer limites sobre esses números pode nos ajudar a entender melhor os cenários que levaram à formação do Sistema Solar”. Extraído de: Agência FAPESP – Divulgando a cultura científica, fev./2014.

(ENTRE PARÊNTESIS)

Pais & filhos

Os senhores André, Bruno, Carlos e Dante são vizinhos e bons amigos. Dois deles são irmãos. Cada um tem um filho: Ênio, Fábio, Glória e Hélio. Uma das crianças é um bebê de poucos meses, e as outras três, bem mais velhas, têm mais ou menos a mesma idade. Você deve descobrir quem é pai de quem, sabendo mais o seguinte: a) Fábio é o melhor aluno da classe. b) Ênio não é primo da Glória. c) O sr. Dante é padrinho do filho do sr. Carlos. d) Quando vai para o serviço, o sr. Bruno costuma levar sua sobrinha à escola. e) Outro que vai à escola de carona é Hélio, que aproveita o carro do sr. André, quando este leva seu filho.

RESPOSTA 1) Glória não é filha nem de Carlos, nem de André, pois ambos têm filhos (c e e). Ela também não é filha de Bruno, pois é sua sobrinha (d). Logo, Glória é filha de Dante. 2) Glória, Hélio e Fábio vão à escola (a, d, e); logo, o bebê só pode ser Ênio. Mas Ênio não é filho de Dante (pai de Glória), nem de Bruno (d e b), nem de André (cujo filho vai à escola). Logo, Ênio é filho de Carlos. 3) Hélio pega carona com André quando este vai levar o filho à escola. Logo, Hélio é filho de Bruno. 4) Fábio é filho de André.


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ARTIGO

Água: o que falta é qualidade O fim do que parecia ilimitado pode estar mais perto do que se imaginava. “... quero uma água que transpasse os corpos mais duros que o vento do amor ainda não pode roçar uma água que não coubesse em si nem nos vasos infinitos e que não fosse só líquido e de passagem pelos acidentes naturais e que compusesse no ar algo que de tão gasoso desse corpo em mim a alma a almas invisíveis... quero uma água que não jorrasse do vazio do céu nem do jarro da terra e não alimentasse em vão a sede do vão das bocas mas vazasse a fome de um largo coração aos prantos que nunca sentiu por ela nada nem nadou ou bebeu dessa impossível água” (Bené Fonteles)

gua negociada na Bolsa de Mercadorias & Futuros, BM&F. Será possível? Uma ideia assim, ilógica para os dias atuais, pode vir a se tornar realidade num futuro não muito distante. Segundo a lei do mercado, a escassez de um produto é o que dá valor econômico a ele, e pelos maus-tratos e descaso que vem sofrendo, a água pode se tornar a commodity do século XXI. No mundo, mais de 20 países já sofrem com a falta desse líquido vital e, segundo estimativas da Organização das Nações Unidas, ONU, nos próximos 25 anos 2,8 bilhões de pessoas viverão em regiões de seca crônica. Afinal, os recursos hídricos existentes são os mesmos desde que o mundo é mundo. Mas a população só vem aumentando. Em 30 anos, a Terra deverá ter cerca de oito bilhões de habitantes e o consumo mundial de água dobra a cada 20 anos. Assim, não será exagero pensar que em pouco tempo as guerras entre países do Oriente Médio podem se transformar em questões mais sérias que a demarcação de terras segundo segmentos religiosos, tornando-se uma questão de sobrevivência, como em 1967, quando um dos motivos das brigas entre Israel e seus vizinhos foi a ameaça, por parte dos árabes, de desviar o fluxo do rio Jordão, cuja nascente fica nas montanhas no sul do Líbano.

Á

Mesmo com tudo isso, cidadãos continuam jogando lixo nos rios, empresas ainda poluem reservas subterrâneas de água e o planeta vive cada dia com mais dificuldade. É certo que três quartos da Terra são recobertos por esse líquido essencial, o que quer dizer que num piscar de olhos pode-se encontrar água. Mas também num piscar de olhos o homem é capaz de acabar com essa fonte de vida, pois apenas 1% de todo esse volume é próprio para consumo. O restante forma os oceanos e geleiras, que podem representar uma solução caso a falta d’água seja crônica no futuro, dependendo de tecnologias aplicadas nesse sentido.

va para a gestão dos recursos hídricos. Ainda hoje em vigor, essa lei estabelece que a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico, e que a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas; a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos; a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades. O objetivo é claro: promover o uso sustentado dos recursos hídricos.

Subsolo: é proibido poluir E o Brasil, onde fica nesse mar de incertezas? Apesar de ter 8% de toda a água doce existente na superfície do mundo e a maior bacia hidrográfica, o Brasil vive as dores da distribuição desigual de seus recursos hídricos. Isso porque 80% do volume total dessas águas está concentrado na região Norte, que tem a menor densidade populacional do país – apenas 5% dos brasileiros. Entenda-se, portanto, que 95% dos habitantes têm de dividir os 20% das águas restantes. A consequência imediata desse quadro é a crônica escassez hídrica em algumas áreas, como o Nordeste. O crescimento das cidades, intensificado a partir da década de 1950, também trouxe problemas de suprimento de água para várias regiões metropolitanas. O Brasil nunca se preocupou em economizar água, pois este recurso sempre foi considerado inesgotável pela população. Porém, a distribuição geográfica desigual e a poluição dos mananciais, causada pelos dejetos industriais e domésticos, forçam-nos a ter de pensar sobre o uso racional e a conservação da água. Com a possibilidade de a vida estar sendo colocada em xeque, há tempos existe no Brasil um sistema para regulamentar a questão da água. Primeiro com as Ordenações Filipinas, editadas em 1603, depois, o Código Civil de 1916 e, por fim, o Código de Águas, de 1934, que enfatizava o direito do cidadão. Todos, porém, com resultados pouco satisfatórios frente à gravidade do problema de contaminação, aos conflitos de uso e à necessidade de promoção de uma gestão descentralizada e participativa. Em 1997 foi promulgada a Lei nº 9.433, que dispõe sobre a organização administrati-

Antes, porém, de existirem dispositivos legais de sustentabilidade, já existia a lei da natureza, que não reza o mesmo credo das regras humanas. Todos aprendem desde cedo que a evaporação de águas da superfície da terra inicia um ciclo em que, na sequência, os vapores se condensam na atmosfera, ou seja, transformam-se em água, que, ao atingir uma certa quantidade, precipita-se em forma de chuva, voltando à terra. Parte se infiltra no solo e nutre os lençóis subterrâneos, que possuem tamanho volume de água doce que extrapola os 95% do total disponível no mundo. Trata-se da maior e mais bem guardada reserva líquida do planeta, que não sofre impactos de imediato como as águas de superfície. Quando contaminada, porém, é de mais difícil recuperação. À medida que penetra no solo, a água vai sofrendo um processo de filtração em que bactérias e demais micro-organismos são retidos. A distância entre a superfície da terra e a água do subsolo pode variar de poucos a dezenas de metros e funciona como um reator: as bactérias existentes nessa área fazem a biorremediação ou descontaminação do solo, caso ele seja atingido por poluentes. Mas o reator natural não tem poderes supremos, infelizmente. Segundo o geólogo da Sessão de Águas Subterrâneas do Agrupamento de Geologia Aplicada ao Meio Ambiente da Divisão de Geologia do Instituto de Pesquisas Tecnológicas, Digeo/Agama do IPT, Claudio Benedito Baptista Leite, não existe, necessariamente, um agente poluidor mais significativo que outro. A quantidade e a maneira de usá-los são fatores mais preocupantes. Por exemplo, uma região agrícola no interior do esta-


ARTIGO do de São Paulo pode representar um problema para as reservas subterrâneas se receber grandes aplicações de agroquímicos e pesticidas, que penetram no solo e podem contaminar os lençóis. Outra fonte de poluição dessas galerias seriam os cemitérios. “Os produtos resultantes da decomposição dos corpos podem chegar até elas, contaminando-as, e é por isso que a regra básica para a construção de cemitérios impõe que os corpos têm de ficar pelo menos 2,5 m acima dos lençóis”, afirma o geólogo. Os lixões também constituem agentes poluidores significativos, bem como quintais de indústrias que armazenam contaminantes, e postos de combustíveis, cujos tanques sejam muito antigos, pois a corrosão é um dos maiores fatores de contaminação em potencial. Inclui-se nessa lista, ainda na opinião de Leite, a falta de saneamento básico. “Com as fossas de banheiros e cozinhas sem tratamento adequado, a terra parece se transformar num grande queijo suíço, mas com buracos preenchidos por dejetos orgânicos.” Tempo de decomposição de materiais jogados em rios, lagos e mares Papel ........................... 3 a 6 meses Tecido ................... 6 meses a 1 ano Filtro de cigarro ................... 5 anos Goma de mascar .................. 5 anos Madeira pintada ................. 13 anos Náilon ................... mais de 30 anos Plástico ............... mais de 100 anos Metal .................. mais de 100 anos Borracha ...... tempo indeterminado Vidro .................... 1 milhão de anos Corda .......................... 3 a 4 meses Roupa de lã ............................ 1 ano Saco plástico ....................450 anos Esse tipo de poluição, assim como a dos pesticidas usados na lavoura, é perigoso porque libera grande quantidade de nitrogênio. “O nitrogênio é um fertilizante fundamental, mas, no solo, transforma-se em nitrato, um importante agente poluidor. Como o que as plantas não assimilam, no caso das plantações, fica retido no solo, quando chove a água vai se infiltrando e carregando o excedente de nitrogênio para as reservas subterrâneas”, diz o geólogo. O excesso de nitrogênio e de outros elementos é prejudicial ao ser humano. Por isso, desde 1988 a Constituição já diz que é “proibido poluir”. Uma vez os lençóis estando isentos de contaminantes, é possível aproveitá-los para o abastecimento total ou parcial da população, como já ocorre em 75% dos

municípios do estado de São Paulo, segundo Leite. Para ele, as vantagens são muitas, a começar pelas financeiras. “A água do subsolo necessita de pouco tratamento, pois é mais bem preservada, podendo ser consumida praticamente in natura. Já as águas da superfície exigem grande controle de qualidade. No fim, o custo da retirada de água dos lençóis é menor que o do tratamento do líquido da superfície.”

Os projetos Mesmo com tamanha reserva subterrânea, o Brasil sofre com a falta de água, seja pela poluição de mananciais, seja pela falta de chuvas em algumas áreas. Para isso, vêm sendo criados inúmeros projetos. Um deles é o Programa de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido Brasileiro, Proágua, do Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal. Em sua primeira fase, o Proágua visa a atender o Nordeste brasileiro e os estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Mas seu objetivo pleno é assegurar a ampliação da oferta de água de boa qualidade em todo o território nacional, com uso racional dos recursos hídricos; atender as demandas por água de modo a promover o desenvolvimento socioeconômico do país em bases sustentáveis e consolidar o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; dotar a região semiárida de água para consumo humano e para produção e conclusão de obras inacabadas, como barragens, açudes e adutoras. Desde 1996, quando foi implantado, o Proágua já entregou quatro adutoras, duas na Bahia e duas no Ceará. Ao término das obras, serão 13, o que deve beneficiar cerca de 500 mil pessoas. O consultor técnico do projeto, Lázaro Luiz Neves, afirma que o problema da água no Brasil não se deve à sua pouca quantidade, mas ao seu mau gerenciamento e à má distribuição da população. Um bom exemplo citado por Neves é o estado do Ceará, que faz o melhor gerenciamento de barragens e construiu adutoras para levar água para as cidades mais baixas. “O Ceará tem competência para lidar com essa questão. A prova está na cidade de Fortaleza, onde, apesar de o rio mais próximo, o Jaguaribe, passar a 100 quilômetros, não falta água. Lá foi construído o Canal do Trabalhador para abastecer a cidade. Em contrapartida, Pernambuco tem o rio Capivari cortando a região metropolitana de Recife, que sofre com a constante falta de água.” Outros programas também priorizam a viabilização do consumo de água e tra-

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tamento de áreas poluídas, como o Projeto Tietê, da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, Sabesp. Durante a primeira etapa, foram gastos 900 milhões de dólares e a capacidade de tratamento de esgotos chegou a 18 m3 na Região Metropolitana de São Paulo, o que representa 65% do total coletado. Com a ampliação das redes de coleta e tratamento, apenas 25% do volume de esgotos é despejado no rio. No fim, o benefício é ainda maior, pois esse sistema de tratamento permite a recuperação ambiental e o reúso planejado da água para fins industriais. A Sabesp ainda mantém outros projetos ligados à água, como o Programa Guarapiranga, para despoluição da represa localizada na região sul da Grande São Paulo, e o Plano Emergencial, que compreende, também, a represa Billings, outro grande manancial poluído. O Programa Água Boa, da Secretaria dos Recursos Hídricos, do Ministério do Meio Ambiente, dessaliniza águas da região Nordeste e atende comunidades a partir de 250 pessoas. Juntamente com os governos estaduais, companhias estaduais de água, poder municipal e lideranças comunitárias, os técnicos do Água Boa elaboram projetos, acompanham a instalação e manutenção dos equipamentos e treinam operadores escolhidos entre os habitantes locais. O Ministério e a Secretaria lançaram uma série de livrinhos, da coleção Água, Meio Ambiente e Cidadania, para reforçar os cuidados com a água. Um destaque é o A água nossa de cada dia, escrito por Ziraldo.

Exemplos A proteção aos mananciais, por meio dos diversos projetos, parece não ser suficiente para a garantia da água no futuro. Os atuais índices de desperdício são alarmantes. Na agricultura, por exemplo, apenas 40% da água destinada à irrigação cumpre seu papel. Os outros 60% são desperdiçados pela quantidade excessiva empregada, pela aplicação fora do período de necessidade das plantações, pela irrigação em horários impróprios, como nos de maior evaporação, pelo uso de técnicas inadequadas ou falta de manutenção nos sistemas de irrigação. Na indústria, já se encontram maneiras econômicas de reutilização da água ou de seu tratamento antes de lançá-la no esgoto. Um exemplo é a Cervejaria Kaiser, cujo sistema de gestão ambiental reduz perdas durante o processo que poderiam acarretar danos à natureza. A base do sistema é o gerenciamento dos resíduos gerados, que podem ser usados como matéria-


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ARTIGO

-prima para outros produtos – podendo-se citar adubos e fertilizantes – e a meta é a emissão zero de qualquer resíduo que possa gerar problemas ambientais. A Kaiser ainda possui a Estação de Tratamento de Dejetos Industriais, ETDI, que controla o lançamento de resíduos nos rios. Na unidade de Ponta Grossa, no Paraná, a água utilizada no processo de fabricação da cerveja é retirada do rio Tibagi e retorna ao meio ambiente com uma qualidade superior (no que diz respeito a sólidos totais e demanda biológica de oxigênio), ou seja, atua como um filtro de água dos mananciais de abastecimento dos municípios. Outro caso que ilustra como uma empresa pode contribuir com a questão da água é o da Indústria de Papéis Independência, localizada na cidade de Piracicaba, interior de São Paulo. “A água que compramos da Sabesp é destinada ao uso exclusivo dos funcionários e da caldeira”, afirma o diretor industrial, Arnaldo Minniti, explicando que a água usada na fabricação dos papéis é retirada do rio Piracicaba e entra nos processos de moagem de papel, lavagem dos filtros e outras etapas industriais e, finalmente, passa por um tanque de decantação e flotação,

de onde é retirado um lodo seco compatível com o meio ambiente, ou seja, sua deposição no solo não causa poluição. O lodo seco, na verdade um composto químico, é utilizado como adubo para canavial e pasto num sítio de propriedade da empresa. E a água remanescente, melhor que a retirada do rio na fase inicial do processo, na opinião de Minniti, é reutilizada na fabricação de papéis. “Não devolvemos a água usada ao rio, apenas

retiramos mais quando parte é evaporada na etapa de secagem do papel”, diz. Fontes: Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal – Governo do Estado de Pernambuco, Secretaria da Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente – Secretaria do Meio Ambiente dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal – Rede Mundial de Computadores: www.cempre.org.br e www.cade.com.br. Extraído de: Banas ambiental.

Os números do prejuízo • Um litro de óleo lubrificante usado contamina 1 000 000 litros de água. • 16 milhões de pessoas na Grande São Paulo gastam 69 mil litros de água por segundo. A Sabesp consegue produzir, em média, 60 mil litros por segundo. • Um real a cada 1 000 litros é o valor da água que consumimos. • O consumo para fazer a barba e escovar os dentes em 10 minutos com a torneira aberta é de 24 litros de água, quantidade que uma pessoa poderia beber durante 12 dias. • As multas para quem não cumpre a Lei dos Recursos Hídricos variam de 100 a 10 000 reais, dependendo da irregularidade. • Em todo o mundo, a irrigação das terras de cultivo responde por 73% do consumo de água, as indústrias por 21% e o uso doméstico fica com os outros 6%. • 15% ou mais da água tratada nos sistemas de abastecimento são perdidos devido a vazamentos nas canalizações.

PARA PENSAR

Dourar a pílula

(Folha de S.Paulo, 25.02.2007.)

1) O que significa a expressão “dourar a pílula”? 2) Na fala do jornalista, há uma pequena troca vocabular que colabora com a graça da tira. Explique-a.

RESPOSTA 1) Tentativa de tornar mais agradável aquilo que é ruim. 2) Normalmente, os jornalistas dizem: “E, agora, as notícias (ou novidades, manchetes) do dia”; palavras essas de significado neutro – pode haver notícia boa ou ruim, etc. Quando o jornalista da tira diz: “E agora as catástrofes de hoje!”, fica subentendido que nada de bom será noticiado.

SERVIÇO DE VESTIBULAR Escola Superior de Engenharia e Gestão (Eseg)

Faculdade de Tecnologia de São Paulo (Fatec)

Período de inscrição: até 30 de maio de 2014. Somente via Internet. Endereço da faculdade: Rua Vergueiro, 1 951 – CEP 04101-000 – Vila Mariana – São Paulo – SP – Fone: (11) 2187-1230. Requisito: não há taxa de inscrição. Cursos e vagas: consultar site www.eseg.edu.br Exame: dia 31 de maio de 2014.

Período de inscrição: até 14 de maio de 2014. Somente via Internet. Endereço da faculdade: Praça Coronel Fernando Prestes, 30 – CEP 01124-060 – Bom Retiro – São Paulo – SP – Fone: (11) 3322-2200. Requisito: taxa de R$ 70,00. Cursos e vagas: consultar site www.vestibularfatec.com.br Exame: dia 15 de junho de 2014.

Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) Período de inscrição: até 14 de maio de 2014. Somente via Internet. Endereço da faculdade: Rua Itapeva, 432 – CEP 01332-000 – Bela Vista – São Paulo – SP – Fone: 0800-770-0423. Requisito: taxa de R$ 150,00. Cursos e vagas: consultar site www.fgv.br Exame: dia 1º de junho de 2014.


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