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Jornal do Vestibulando
ENSINO, INFORMAÇÃO E CULTURA
JORNAL ETAPA – 2015 • DE 26/03 A 08/04
ENTREVISTA
A difícil luta de quem faz cursinho junto com o colégio. Gabriel Brito da Silva escolheu o curso de Engenharia Civil ainda antes do Ensino Médio. Este ano prestou o exame da Fuvest e entrou na Poli, para realizar sua escolha. Aqui ele conta como o cursinho no ano passado o fez melhorar 16 pontos na Fuvest que, como ele observou, “é muita coisa".
Gabriel Brito da Silva Em 2014: Etapa Em 2015: Poli – USP
JV – O que levou você a escolher Enge nharia Civil como carreira? Gabriel – No 8o ano do Fundamental eu percebi que gostava mesmo de Matemá tica e Física e acabei me interessando por Engenharia. Decidi ir para o Instituto Federal porque já pensava em estudar Engenharia Civil e queria fazer o curso Técnico em Edifi cações. Mas não tinha esse curso integrado com o Ensino Médio e então fiz o Técnico em Mecânica, que era o mais próximo. Como você conheceu o Etapa e veio estu dar aqui? O pessoal da Federal normalmente vem para o Etapa. Como foi o começo do cursinho? Comecei empolgado. Os professores daqui têm didática bem diferente. Você fazia o Etapa à tarde e também a Federal à noite. Dava para chegar em tempo no colégio? A aula lá começava às 6 e 50, aqui a aula aca bava às 6 e meia. Chegava 10, 15 minutos atrasado quase todo dia, mas estava dentro da tolerância de lá. Então não tinha problema. Como era seu método de estudo, sua ro tina? De manhã, das 7 horas até umas 10 e meia, eu estudava três matérias do dia anterior.
CONTO
Um homem célebre – Machado de Assis ARTIGO As transformações da condição feminina depois da Segunda Guerra Mundial (1a parte)
Quais as principais dificuldades que você enfrentou no ano passado? Uma foi estudar o que eu pensava que já sa bia. Você acaba achando: "Isto eu já sei, não preciso estudar". Você acaba não querendo estudar mais do que já sabe. Mas sempre tem questões que você não consegue fazer, mesmo tendo estudado a matéria. Outra di ficuldade foi o trânsito. O deslocamento na cidade era complicado. Quais matérias você achava que já sabia? Matemática. Era complicado estudar porque eu achava que já sabia. Por isso, talvez, na Fuvest foi a matéria em que me saí pior na 2a fase. Na prova do terceiro dia eu não soube resolver as questões. O que tinha deixado você confiar que sabia? Eu havia participado da OBMEP, Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públi cas onde ganhei medalhas. Em alguma outra matéria você se dava bem? Física, pelo que tinha visto na Federal. Mas essa eu acabei estudando mais quando vi exercícios no cursinho que eu não consegui fazer em sala. ENTRE PARÊNTESIS
ENTREVISTA
Gabriel Brito da Silva
Eram cinco, mas eu tentava manter o ritmo de três por dia. No fim da semana estudava o restante.
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Quem é o pai?
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POIS É, POESIA
Luís Vaz de Camões
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Em quais matérias você tinha mais difi culdade? Biologia. Falta de afinidade com a matéria. E Geografia Física.
Você melhorou nessas matérias? Creio que sim. No ano anterior eu prestei como treineiro, então tinha alguma ideia do que precisava fazer. Meus acertos cresce ram bastante.
Você passou a ter interesse em alguma matéria de que não gostava antes? Fazia uns seis anos que eu não tinha aula de História de que gostasse. Com os professo res aqui aprendi a gostar. E aprendi a matéria de verdade.
Você fazia os simulados? Acho que faltei só em dois simulados duran te o ano. Eu fazia quase todo sábado. E no domingo quando era o do Enem.
Como você ia nos simulados? Eu comecei bem, com um A em Matemática e um B em Ciências da Natureza. Durante o ano mantive C mais em quase todos.
Para a Poli você se sentia confortável com o C? Na verdade, eu sabia que era pouco e queria mais. Estudava, mas ficava só no C mais. MAS, MÁS, MAIS
Distância SERVIÇO DE VESTIBULAR
Inscrições
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ENTREVISTA
Qual foi a importância dos simulados? Acostumar com o tempo de prova foi uma coisa bem importante. Também acostu mar com o tipo de questão e ver meus acertos e erros. Você chegou a frequentar o Plantão de Dúvidas? Vim algumas vezes de manhã. No final do ano, como não ia para a Federal, ficava aqui direto até de noite tirando algumas dúvidas. Com o ritmo de suas escolas, não houve época em que se sentiu mais cansado? Antes das férias. Eu estava tendo provas na Federal e pretendia garantir a nota no começo para no final poder estudar para o vestibular. Deu certo. No terceiro bimes tre já tinha fechado quase tudo. Você treinava Redação? Eu fazia as dos simulados e também pro curava fazer redação em casa. Deu para ler as obras literárias obriga tórias? Não todas. E as palestras sobre os livros, assistiu? Sim, todas. E li os resumos. Qual foi a importância das palestras? Dos livros que eu li, relembrei tudo e aca bei aprofundando mais o que o autor quis dizer. Pelo contexto histórico, por exem plo, dava para entender melhor a obra. Nas palestras sobre os livros que eu não li, os professores me deram base para não ficar perdido nas questões. Em julho, nas duas semanas de férias, você descansou ou estudou? Viajei uma semana e na outra fiquei em casa descansando. Voltei renovado para estudar de verdade. Então depois das férias você conseguiu um bom ritmo de estudo? Passei a estudar mais. Na época da Revi são quase só estudava para o vestibular. Você conseguiu algum tempo para relaxar? Domingo à tarde meus amigos alugavam uma quadra para jogar futebol, dar uma re laxada, conversar. Era um tempo para me desligar do vestibular, ajudava bastante. Se não você fica pensando no vestibular o tempo todo. Você prestou Unesp, Fuvest, Unicamp, Enem. Em qual prova você se sentiu melhor? Nas da Fuvest e do Enem. Eram as que eu mais fazia simulados, estava bem acostu mado com as provas.
Quantos pontos você fez na 1a fase da Fuvest? Com o bônus de escola pública foi para 84. Para a 2a fase você mudou alguma coisa no seu método de estudo? Foquei em Literatura e no terceiro dia da 2a fase. Estudei isso quase o tempo todo. Reli os resumos que fiz das palestras, li o resumo dos livros e fui fazendo questões sobre isso. Quais foram suas notas nos três dias de provas da 2a fase? No primeiro dia eu tirei 67 na prova de Por tuguês. Na Redação minha nota foi 60.
Você está fazendo parte da Atlética? Estou participando do time de xadrez da Atlética. A equipe competiu no Bichusp e venceu. Tem treino duas vezes por sema na. Cada modalidade tem seu horário. O meu é terça e quinta depois da aula. Das 5 até as 7.
Qual é sua maior motivação para seguir na Engenharia Civil? É algo que eu gosto, imaginando o que eu posso fazer com ela. Trabalhar em grandes obras, em várias áreas, sempre vai ser ne cessário.
Você acha que tem algo que ajuda quem quer ir bem na Fuvest?
No segundo dia, nas 16 questões da prova multidisciplinar, qual foi sua nota? Tirei 64.
Não ficar preocupado demais com a prova. Você fez aqueles simulados 20 vezes no Etapa. Você consegue fazer aquilo.
E no terceiro dia, das matérias prioritá rias na carreira? No terceiro dia a minha nota caiu bastan te. Tirei 54.
O que você faria se não passasse na Fuvest?
Mesmo tendo estudado mais para essa prova? Não consegui fazer Matemática. Não con seguia resolver as questões. Fiz poucos itens. Bateu o desespero quando vi que não sabia fazer as questões. Achei que não conseguiria passar por causa disso. Como ficou sabendo de sua aprovação na Fuvest? Vim aqui no dia da lista. Estava a caminho ainda e minha tia me ligou dizendo que tinha visto meu nome na lista. O que você sentiu na hora? Não sabia se ria, se comemorava. Queria chegar no Etapa para encontrar o pessoal, comemorar. Aqui, olhei meu nome na lis ta, ainda sem acreditar que tinha passado. Você já conhecia a Poli? Conheci no dia da matrícula. O que chamou sua atenção no primeiro dia? A Poli é muito grande. A USP, então... Você se perde lá dentro. Eu me perdi no dia da matrícula. Na primeira semana eles apresentaram um monte de laboratórios. Fiquei empolgado com as aulas. Que matérias você tem neste primeiro semestre na Poli? Tenho Cálculo, Álgebra Linear, Física, In trodução à Engenharia, Química Aplicada, Química, Computação, Desenho. Do que você mais gostou até agora na Poli? Do pessoal e da estrutura, que é muito boa. Os professores passam a matéria, são re ceptivos. O ambiente é bem agradável.
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Como fui mal no terceiro dia, já estava preparando a viagem para me matricular na UFSCar. Quando a lista da USP saiu eu já ia para São Carlos, para ver onde morar.
O que você pode dizer para o pessoal apro veitar ao máximo o estudo no cursinho? Não deixar acumular. Aproveitar as aulas. No cursinho você está com professores bons, está com material, plantonista. Apro veite o que você tem disponível.
O que foi marcante para você no Etapa? As aulas. Foi isso que mais me marcou aqui. Tive professores que ficaram bem marcados na minha mente. Eles passam muito conteúdo.
Como você avalia o ano passado fazendo cursinho e colégio? Foi um ano bem diferente dos anteriores. Um ano em que tive de estudar bastante. Eu não estava acostumado a estudar tan to. Acho que foi um ano importante. Um ano que vou lembrar para o resto da vida.
O que você diria a quem prestou vestibu lar no ano passado, ficou no quase e está aqui este ano? Se ficou no quase, este ano você tem mais tempo para aprender, conhece seus pontos ruins do ano passado, tem ideia do que melhorar. Fica muito mais fácil estu dar. O Etapa conseguiu me fazer melhorar 16 pontos na Fuvest. É muita coisa.
O que você tira de lição dessa experiên cia? Tiro de lição que, se você se esforçar de verdade, tudo é possível.
Jornal ETAPA, editado por Etapa Ensino e Cultura REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343
CONTO
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Um homem célebre Machado de Assis
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h! O senhor é que é o Pesta na? perguntou Sinhazinha Mota, fazendo um largo ges to admirativo. E logo depois, corrigindo a familiaridade: – Desculpe meu modo, mas... é mesmo o senhor? Vexado, aborrecido, Pestana respon deu que sim, que era ele. Vinha do piano, enxugando a testa com o lenço, e ia che gar à janela, quando a moça o fez parar. Não era baile; apenas um sarau íntimo, pouca gente, vinte pessoas ao todo, que tinham ido jantar com a viúva Camar go, Rua do Areal, naquele dia dos anos dela, cinco de novembro de 1875... Boa e patusca viúva! Amava o riso e a folga, apesar dos sessenta anos em que entrava, e foi a última vez que folgou e riu, pois faleceu nos primeiros dias de 1876. Boa e patusca viúva! Com que alma e diligên cia arranjou ali umas danças, logo depois do jantar, pedindo ao Pestana que tocasse uma quadrilha! Nem foi preciso acabar o pedido; Pestana curvou-se gentilmente, e correu ao piano. Finda a quadrilha, mal teriam descansado uns dez minutos, a viúva correu novamente ao Pestana para um obséquio mui particular. – Diga, minha senhora. – É que nos toque agora aquela sua polca Não Bula Comigo, Nhonhô. Pestana fez uma careta, mas dissi mulou depressa, inclinou-se calado, sem gentileza, e foi para o piano, sem entu siasmo. Ouvidos os primeiros compas sos, derramou-se pela sala uma alegria nova, os cavalheiros correram às damas, e os pares entraram a saracotear a polca da moda. Da moda; tinha sido publicada vinte dias antes, e já não havia recanto da cidade em que não fosse conhecida. Ia chegando à consagração do assobio e da cantarola noturna. Sinhazinha Mota estava longe de su por que aquele Pestana que ela vira à mesa de jantar e depois ao piano, meti do numa sobrecasaca cor de rapé, cabelo negro, longo e cacheado, olhos cuidosos, queixo rapado, era o mesmo Pestana compositor; foi uma amiga que lho dis se quando o viu vir do piano, acabada a polca. Daí a pergunta admirativa. Vimos que ele respondeu aborrecido e vexado. Nem assim as duas moças lhe pouparam finezas, tais e tantas, que a mais modes
ta vaidade se contentaria de as ouvir; ele recebeu-as cada vez mais enfadado, até que, alegando dor de cabeça, pediu licença para sair. Nem elas, nem a dona da casa, ninguém logrou retê-lo. Ofere ceram-lhe remédios caseiros, algum re pouso, não aceitou nada, teimou em sair e saiu. Rua fora, caminhou depressa, com medo de que ainda o chamassem; só afrouxou, depois que dobrou a esquina da Rua Formosa. Mas aí mesmo espera va-o a sua grande polca festiva. De uma casa modesta, à direita, a poucos metros de distância, saíam as notas da composi ção do dia, sopradas em clarineta. Dan çava-se. Pestana parou alguns instantes, pensou em arrepiar caminho, mas dis pôs-se a andar, estugou o passo, atraves sou a rua, e seguiu pelo lado oposto ao da casa do baile. As notas foram-se per dendo, ao longe, e o nosso homem en trou na Rua do Aterrado, onde morava. Já perto de casa viu vir dois homens: um deles, passando rentezinho com o Pesta na, começou a assobiar a mesma polca, rijamente, com brio, e o outro pegou a tempo na música, e aí foram os dois abai xo, ruidosos e alegres, enquanto o autor da peça, desesperado, corria a meter-se em casa. Em casa, respirou. Casa velha, escada velha, um preto velho que o servia, e que veio saber se ele queria cear. – Não quero nada, bradou o Pestana; faça-me café e vá dormir. Despiu-se, enfiou uma camisola, e foi para a sala dos fundos. Quando o preto acendeu o gás da sala, Pestana sorriu e, dentro d’alma, cumprimentou uns dez retratos que pendiam da parede. Um só era a óleo, o de um padre, que o educara, que lhe ensinara latim e música, e que, segundo os ociosos, era o próprio pai do Pestana. Certo é que lhe deixou em herança aquela casa velha, e os velhos trastes, ainda do tempo de Pedro I. Com pusera alguns motetes o padre, era doido por música, sacra ou profana, cujo gosto incutiu no moço, ou também lhe transmi tiu no sangue, se é que tinham razão as bocas vadias, coisa de que se não ocupa a minha história, como ides ver. Os demais retratos eram de com positores clássicos, Cimarosa, Mozart,
Beethoven, Gluck, Bach, Schumann, e ainda uns três, alguns gravados, outros li tografados, todos mal encaixilhados e de diferente tamanho, mas postos ali como santos de uma igreja. O piano era o altar; o evangelho da noite lá estava aberto: era uma sonata de Beethoven. Veio o café; Pestana engoliu a primei ra xícara, e sentou-se ao piano. Olhou para o retrato de Beethoven, e começou a executar a sonata, sem saber de si, des vairado ou absorto, mas com grande perfeição. Repetiu a peça; depois parou alguns instantes, levantou-se e foi a uma das janelas. Tornou ao piano; era a vez de Mozart, pegou de um trecho, e executou -o do mesmo modo, com a alma alhures. Haydn levou-o à meia-noite e à segunda xícara de café. Entre meia-noite e uma hora, Pestana pouco mais fez que estar à janela e olhar para as estrelas, entrar e olhar para os re tratos. De quando em quando ia ao pia no, e, de pé, dava uns golpes soltos no teclado, como se procurasse algum pen samento; mas o pensamento não apare cia e ele voltava a encostar-se à janela. As estrelas pareciam-lhe outras tantas notas musicais fixadas no céu à espera de alguém que as fosse descolar; tempo viria em que o céu tinha de ficar vazio, mas então a terra seria uma constelação de partituras. Nenhuma imagem, des vario ou reflexão trazia uma lembrança qualquer de Sinhazinha Mota, que en tretanto, a essa mesma hora, adormecia, pensando nele, famoso autor de tantas polcas amadas. Talvez a ideia conjugal tirou à moça alguns momentos de sono. Que tinha? Ela ia em vinte anos, ele em trinta, boa conta. A moça dormia ao som da polca, ouvida de cor, enquanto o au tor desta não cuidava nem da polca nem da moça, mas das velhas obras clássicas, interrogando o céu e a noite, rogando aos anjos, em último caso ao diabo. Por que não faria ele uma só que fosse daquelas páginas imortais? Às vezes, como que ia surgir das pro fundezas do inconsciente uma aurora de ideia; ele corria ao piano, para aventá -la inteira, traduzi-la, em sons, mas era em vão; a ideia esvaía-se. Outras vezes, sentado, ao piano, deixava os dedos cor rerem, à ventura, a ver se as fantasias
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brotavam deles, como dos de Mozart; mas nada, nada, a inspiração não vinha, a imaginação deixava-se estar dormindo. Se acaso uma ideia aparecia, definida e bela, era eco apenas de alguma peça alheia, que a memória repetia, e que ele supunha inventar. Então, irritado, er guia-se, jurava abandonar a arte, ir plan tar café ou puxar carroça; mas daí a dez minutos, ei-lo outra vez, com os olhos em Mozart, a imitá-lo ao piano. Duas, três, quatro horas. Depois das quatro foi dormir; estava cansado, desa nimado, morto; tinha que dar lições no dia seguinte. Pouco dormiu; acordou às sete horas. Vestiu-se e almoçou. – Meu senhor quer a bengala ou o cha péu de sol? perguntou o preto, segundo as ordens que tinha, porque as distrações do senhor eram frequentes. – A bengala. – Mas parece que hoje chove. – Chove, repetiu Pestana maquinal mente. – Parece que sim, senhor, o céu está meio escuro. Pestana olhava para o preto, vago, preocupado. De repente: – Espera aí. Correu à sala dos retratos, abriu o piano, sentou-se e espalmou as mãos no teclado. Começou a tocar alguma coisa própria, uma inspiração real e pronta, uma polca, uma polca buliçosa, como dizem os anúncios. Nenhuma repulsa da parte do compositor; os dedos iam ar rancando as notas, ligando-as, menean do-as; dir-se-ia que a musa compunha e bailava a um tempo. Pestana esquecera as discípulas, esquecera o preto, que o es perava com a bengala e o guarda-chuva, esquecera até os retratos que pendiam gravemente da parede. Compunha só, teclando ou escrevendo, sem os vãos esforços da véspera, sem exasperação, sem nada pedir ao céu, sem interrogar os olhos de Mozart. Nenhum tédio. Vida, graça, novidade, escorriam-lhe da alma como de uma fonte perene. Em pouco tempo estava a polca feita. Corrigiu ainda alguns pontos, quando voltou para jantar: mas já a cantarolava, andando, na rua. Gostou dela; na compo sição recente e inédita circulava o sangue da paternidade e da vocação. Dois dias depois, foi levá-la ao editor das outras polcas suas, que andariam já por umas trinta. O editor achou-a linda. – Vai fazer grande efeito. Veio a questão do título. Pestana, quando compôs a primeira polca, em 1871,
quis dar-lhe um título poético, escolheu este: Pingos de Sol. O editor abanou a ca beça, e disse-lhe que os títulos deviam ser, já de si, destinados à popularidade, ou por alusão a algum sucesso do dia, – ou pela graça das palavras; indicou-lhe dois: A Lei de 28 de Setembro, ou Candongas Não Fazem Festa. – Mas que quer dizer Candongas Não Fazem Festa? perguntou o autor. – Não quer dizer nada, mas populari za-se logo. Pestana, ainda donzel inédito, recu sou qualquer das denominações e guar dou a polca; mas não tardou que compu sesse outra, e a comichão da publicidade levou-o a imprimir as duas, com os títulos que ao editor parecessem mais atraentes ou apropriados. Assim se regulou pelo tempo adiante. Agora, quando Pestana entregou a nova polca, e passaram ao título, o editor acudiu que trazia um, desde muitos dias, para a primeira obra que ele lhe apresen tasse, título de espavento, longo e me neado. Era este: Senhora Dona, Guarde o Seu Balaio. – E para a vez seguinte, acrescentou, já trago outro de cor. Exposta à venda, esgotou-se logo a primeira edição. A fama do composi tor bastava à procura; mas a obra em si mesma era adequada ao gênero, origi nal, convidava a dançá-la e decorava-se depressa. Em oito dias, estava célebre. Pestana, durante os primeiros, andou deveras namorado da composição, gos tava de a cantarolar baixinho, detinha -se na rua, para ouvi-la tocar em alguma casa, e zangava-se quando não a tocavam bem. Desde logo, as orquestras de teatro a executaram, e ele lá foi a um deles. Não desgostou também de a ouvir assobiada, uma noite, por um vulto que descia a Rua do Aterrado. Essa lua de mel durou apenas um quarto de lua. Como das outras vezes, e mais depressa ainda, os velhos mestres retra tados o fizeram sangrar de remorsos. Vexado e enfastiado, Pestana arremeteu contra aquela que o viera consolar tantas vezes, musa de olhos marotos e gestos arredondados, fácil e graciosa. E aí vol taram as náuseas de si mesmo, o ódio a quem lhe pedia a nova polca da moda, e juntamente o esforço de compor alguma cousa ao sabor clássico, uma página que fosse, uma só, mas tal que pudesse ser en cadernada entre Bach e Schumann. Vão estudo, inútil esforço. Mergulhava na quele Jordão sem sair batizado. Noites e
noites, gastou-as assim, confiado e teimo so, certo de que a vontade era tudo, e que, uma vez que abrisse mão da música fácil... – As polcas que vão para o inferno fa zer dançar o diabo, disse ele um dia, de madrugada, ao deitar-se. Mas as polcas não quiseram ir tão fun do. Vinham à casa do Pestana, à própria sala dos retratos, irrompiam tão prontas, que ele não tinha mais que o tempo de as compor, imprimi-las depois, gostá-las alguns dias, aborrecê-las, e tornar às ve lhas fontes, donde lhe não manava nada. Nessa alternativa viveu até casar, e de pois de casar. – Casar com quem? perguntou Sinha zinha Mota ao tio escrivão que lhe deu aquela notícia. – Vai casar com uma viúva. – Velha? – Vinte e sete anos. – Bonita? – Não, nem feia, assim, assim. Ouvi dizer que ele se enamorou dela, porque a ouviu cantar na última festa de S. Fran cisco de Paula. Mas ouvi também que ela possui outra prenda, que não é rara, mas vale menos: está tísica. Os escrivães não deviam ter espírito, – mau espírito, quero dizer. A sobrinha deste sentiu no fim um pingo de bálsamo, que lhe curou a dentadinha de inveja. Era tudo verdade. Pestana casou daí a dias com uma viúva de vinte e sete anos, boa cantora e tísica. Recebeu-a como a espo sa espiritual do seu gênio. O celibato era, sem dúvida, a causa da esterilidade e do transvio, dizia ele consigo; artisticamen te considerava-se um arruador de horas mortas; tinha as polcas por aventuras de petimetres. Agora, sim, é que ia engen drar uma família de obras sérias, profun das, inspiradas e trabalhadas. Essa esperança abotoou desde as pri meiras horas do amor, e desabrochou à primeira aurora do casamento. Maria, balbuciou a alma dele, dá-me o que não achei na solidão das noites, nem no tu multo dos dias. Desde logo, para comemorar o con sórcio, teve ideia de compor um noturno. Chamar-lhe-ia Ave, Maria. A felicidade como que lhe trouxe um princípio de inspiração; não querendo dizer nada à mulher, antes de pronto, trabalhava às escondidas; cousa difícil, porque Maria, que amava igualmente a arte, vinha to car com ele, ou ouvi-lo somente, horas e horas, na sala dos retratos. Chega ram a fazer alguns concertos semanais, com três artistas, amigos do Pestana.
CONTO Um domingo, porém, não se pôde ter o marido, e chamou a mulher para tocar um trecho do noturno; não lhe disse o que era nem de quem era. De repente, parando, interrogou-a com os olhos. – Acaba, disse Maria; não é Chopin? Pestana empalideceu, fitou os olhos no ar, repetiu um ou dois trechos e er gueu-se. Maria assentou-se ao piano, e, depois de algum esforço de memória, executou a peça de Chopin. A ideia, o motivo eram os mesmos; Pestana achara -os em algum daqueles becos escuros da memória, velha cidade de traições. Tris te, desesperado, saiu de casa, e dirigiu -se para o lado da ponte, caminho de S. Cristóvão. – Para que lutar? dizia ele. Vou com as polcas... Viva a polca! Homens que passavam por ele, e ou viam isto, ficavam olhando, como para um doido. E ele ia andando, alucinado, mortificado, eterna peteca entre a ambi ção e a vocação... Passou o velho mata douro; ao chegar à porteira da estrada de ferro, teve ideia de ir pelo trilho acima e esperar o primeiro trem que viesse e o es magasse. O guarda fê-lo recuar. Voltou a si e tornou a casa. Poucos dias depois, – uma clara e fresca manhã de maio de 1876, – eram seis horas, Pestana sentiu nos dedos um frêmito particular e conhecido. Ergueu -se devagarinho, para não acordar Ma ria, que tossira toda a noite, e agora dormia profundamente. Foi para a sala dos retratos, abriu o piano, e, o mais sur damente que pôde, extraiu uma polca. Fê-la publicar com um pseudônimo; nos dois meses seguintes compôs e publicou mais duas. Maria não soube nada; ia tos sindo e morrendo, até que expirou, uma noite, nos braços do marido, apavorado e desesperado. Era noite de Natal. A dor do Pestana teve um acréscimo, porque na vizinhan ça havia um baile, em que se tocaram vá rias de suas melhores polcas. Já o baile era duro de sofrer; as suas composições davam-lhe um ar de ironia e perversida de. Ele sentia a cadência dos passos, adi vinhava os movimentos, porventura lú bricos, a que obrigava alguma daquelas composições; tudo isso ao pé do cadáver pálido, um molho de ossos, estendido na cama... Todas as horas da noite passaram assim, vagarosas ou rápidas, úmidas de lágrimas e de suor, de águas-da-colônia e de Labarraque, saltando sem parar, como ao som da polca de um grande Pes tana invisível.
Enterrada a mulher, o viúvo teve uma única preocupação: deixar a música, de pois de compor um Requiem, que faria executar no primeiro aniversário da mor te de Maria. Escolheria outro emprego, escrevente, carteiro, mascate, qualquer cousa que lhe fizesse esquecer a arte as sassina e surda. Começou a obra; empregou tudo, arrojo, paciência, meditação, e até os caprichos do acaso, como fizera outro ra, imitando Mozart. Releu e estudou o Requiem deste autor. Passaram-se sema nas e meses. A obra, célere a princípio, afrouxou o andar. Pestana tinha altos e baixos. Ora achava-a incompleta, não lhe sentia a alma sacra, nem ideia, nem inspiração, nem método; ora elevava-se -lhe o coração e trabalhava com vigor. Oito meses, nove, dez, onze, e o Requiem não estava concluído. Redobrou os es forços; esqueceu as lições e amizades. Tinha refeito muitas vezes a obra; mas agora queria concluí-la, fosse como fos se. Quinze dias, oito, cinco... A aurora do aniversário veio achá-lo trabalhando. Contentou-se da missa rezada e sim ples, para ele só. Não se pode dizer se to das as lágrimas que lhe vieram sorratei ramente aos olhos, foram do marido, ou se algumas eram do compositor. Certo é que nunca mais tornou ao Requiem. “Para quê?” dizia ele a si mesmo. Correu ainda um ano. No princípio de 1878, apareceu-lhe o editor. – Lá vão dois anos, disse este, que nos não dá um ar de sua graça. Toda a gente pergunta se o senhor perdeu o talento. Que tem feito? – Nada. – Bem sei o golpe que o feriu; mas lá vão dois anos. Venho propor-lhe um con trato: vinte polcas durante doze meses; o preço antigo, e uma porcentagem maior na venda. Depois, acabado o ano, pode mos renovar. Pestana assentiu com um gesto. Pou cas lições tinha, vendera a casa para saldar dívidas, e as necessidades iam comendo o resto, que era assaz escasso. Aceitou o contrato. – Mas a primeira polca há de ser já, explicou o editor. É urgente. Viu a carta do Imperador ao Caxias? Os liberais fo ram chamados ao poder; vão fazer a re forma eleitoral. A polca há de chamar-se: Bravos à Eleição Direta! Não é política; é um bom título de ocasião. Pestana compôs a primeira obra do contrato. Apesar do longo tempo de si lêncio, não perdera a originalidade nem
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a inspiração. Trazia a mesma nota ge nial. As outras polcas vieram vindo, re gularmente. Conservara os retratos e os repertórios; mas fugia de gastar todas as noites ao piano, para não cair em novas tentativas. Já agora pedia uma entrada de graça, sempre que havia alguma boa ópera ou concerto de artista, ia, metia-se a um canto, gozando aquela porção de cousas que nunca lhe haviam de brotar do cérebro. Uma ou outra vez, ao tornar para casa, cheio de música, despertava nele o maestro inédito; então, sentava -se ao piano, e, sem ideia, tirava algumas notas, até que ia dormir, vinte ou trinta minutos depois. Assim foram passando os anos, até 1885. A fama do Pestana dera-lhe defini tivamente o primeiro lugar entre os com positores de polca; mas o primeiro lugar da aldeia não contentava a este César, que continuava a preferir-lhe, não o se gundo, mas o centésimo em Roma. Tinha ainda as alternativas de outro tempo, acerca de suas composições; a diferença é que eram menos violentas. Nem entu siasmo nas primeiras horas, nem horror depois da primeira semana; algum pra zer e certo fastio. Naquele ano, apanhou uma febre de nada, que em poucos dias cresceu, até virar perniciosa. Já estava em perigo, quando lhe apareceu o editor, que não sabia da doença, e ia dar-lhe notícia da subida dos conservadores, e pedir-lhe uma polca de ocasião. O enfermeiro, po bre clarineta de teatro, referiu-lhe o es tado do Pestana, de modo que o editor entendeu calar-se. O doente é que instou para que lhe dissesse o que era; o editor obedeceu. – Mas há de ser quando estiver bom de todo, concluiu. – Logo que a febre decline um pouco, disse o Pestana. Seguiu-se uma pausa de alguns se gundos. O clarineta foi pé ante pé pre parar o remédio; o editor levantou-se e despediu-se. – Adeus. – Olhe, disse o Pestana, como é prová vel que eu morra por estes dias, faço-lhe logo duas polcas; a outra servirá para quando subirem os liberais. Foi a única pilhéria que disse em toda a vida, e era tempo, porque expirou na madrugada seguinte, às quatro horas e cinco minutos, bem com os homens e mal consigo mesmo. Extraído de: Várias histórias.
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ARTIGO
As transformações da condição feminina depois da Segunda Guerra Mundial (1a parte) Rogério F. da Silva
A dupla revolução e a emancipação feminina
O rompimento da tradição Aos poucos, concepções tradicionais acerca dos papéis femininos foram se al terando. Por concepções tradicionais de ve-se entender ideias muito difundidas, como a de que as mulheres não consti tuíam herdeiras legítimas do patrimônio familiar, que, via de regra, era reservado aos primogênitos do sexo masculino.
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Entre as importantes mudanças ocorri das no decorrer do século XX, destaca-se, sem dúvida, a transformação dos papéis femininos, sobretudo no mundo ociden tal. Trata-se de um processo lento, porém contínuo, a que se convencionou chamar de emancipação feminina, expressão que adquire pleno significado se levarmos em consideração a posição cultural, social, econômica e política das mulheres no período anterior ao referido processo. Se tivéssemos de localizar na história o pon to de partida desses desenvolvimentos, este seria situado a partir de meados do século XVIII. A dupla revolução (a Revolução Francesa e a Revolução Industrial), conforme já assinalou o historiador britânico Eric Hobsba wm*, teve papel decisivo na trans formação dos papéis femininos: a primeira, por estabelecer o princípio da igualdade jurídica entre todos os cidadãos, inclusive mulheres; a se gunda, por inseri-las na produção manufatureira, até então exercida quase exclusivamente por homens. É verdade que o estabelecimen to do princípio da igualdade jurídica entre os cidadãos não significou a imediata inserção das mulheres no que diz respeito à fruição dos direitos ci vis: o direito de votar e ser votada, por exemplo, somente se efetivou no início do século XX. Foi, todavia, o começo de uma longa jornada que se estende até nossos dias. No caso da inserção da mulher no mundo do trabalho, é conveniente lem brar que elas dele já participavam, nas atividades agrícolas. A novidade foi o fato de passarem (junto de crianças) a traba lhar ombro a ombro com os operários nas fábricas.
Em ambos os casos ampliou-se a área de atuação das mulheres, que deixou de ser apenas a das responsabilidades do mésticas, para abarcar um campo muito mais extenso de atividades.
* Eric Hobsbawm. A era das revoluções. Tradução de Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
Desde o nascimento, elas eram educa das para as prendas domésticas, para a administração do lar, para servir aos pais e irmãos e depois ao futuro marido. As mulheres que, atingida uma certa idade, não contraíam matrimônio, eram cultu ral e socialmente marginalizadas, pois, de maneira geral, eram educadas para o casamento. Uma vez casadas, esperava -se também que procriassem. As outras dimensões possíveis da sexualidade fe minina não eram sequer levadas em con sideração, pois considerava-se papel fun damental da mulher o de instrumento de procriação. Por essa razão, se um casal não tivesse filhos, a culpa era em geral lançada sobre a esposa. Existiam dois pesos e duas medidas em relação a atos considerados trans
gressões para homens e mulheres. Aos homens era perfeitamente tolerado, e com frequência exaltado como sinal de virilidade, manter uma vida sexual ativa antes do casamento, ter filhos fora dele e mesmo cometer adultério. Por parte da mulher, porém, qualquer ato seme lhante bastava para que fosse vista como “mulher da vida”, repudiada e excluída do convívio familiar. No caso de adultério fe minino, era atenuado no plano judicial o assassinato da mulher quando o marido traído invocava “razões de honra” para cometer o crime. A inserção da mulher no mundo do trabalho, entre outros aspectos, per mitiu que a mulher começasse a con quistar sua independência econômi ca, provavelmente um dos primeiros passos efetivos para sua emancipa ção. Mesmo com salários aviltados se comparados aos dos homens em funções equivalentes, a mulher pas sou a poder dispor de suas próprias economias, não mais dependendo de terceiros para sua sobrevivência. Dessa forma, ampliando responsa bilidades e competências, as mulheres tiveram condições de reivindicar para si um papel mais decisivo no destino das sociedades em que vivem.
O feminismo No início do século XX, sobretudo na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, organiza-se o movimento feminista. Ten do como proposta, em sua fase inicial, a libertação feminina, esse movimento contestava a suposta e pretendida infe rioridade física e intelectual das mulhe res. A emancipação feminina procurou então ser obtida com a luta pelos mes mos direitos civis e pela extinção de leis discriminatórias contra as mulheres. Nes se contexto, destacam-se o direito ao voto feminino, à instrução e ao acesso às profissões liberais em pé de igualda de com os homens. Logo, no entanto, as integrantes do movimento feminista tomaram consciência de que assegurar
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mundo exterior. O feminismo passa a exi gir a corresponsabilidade dos homens na esfera doméstica, bem como a igualdade de oportunidades de emprego e salário no mercado de trabalho. Reclamam tam bém pela alteração dos códigos legais vigentes, que pressupõem uma posição de inferioridade das mulheres em relação aos homens. Antes do feminismo, as mulheres não exerciam plenamente os direitos de cida dania. O estabelecimento do voto femini no, o direito à elegibilidade, a criação de melhores condições, visando à igualdade de oportunidades no mercado de traba lho, e alterações significativas nas leis e códigos vigentes para que favorecessem a punição de atos contra a condição femi nina vieram ampliar o exercício da cidada nia por parte das mulheres. direitos no plano legal tratava-se apenas de um passo e que mais conquistas de veriam ser efetuadas. Tais vitórias seriam, assim, na visão de feministas nos anos 60 do século XX, insuficientes para modi ficar significativamente o papel da mulher na sociedade: não haviam ocorrido trans formações correspondentes na estrutura social e familiar que viabilizassem o efe tivo exercício dos direitos conquistados. Era preciso então desencadear ações que transformassem efetivamente a so ciedade masculina e seus respectivos valores, o que exigia a conscientização de que existia uma opressão real sobre as mulheres a ser desmantelada. Devia -se, por exemplo, questionar a divisão do trabalho estabelecida: as mulheres tradicionalmente com as responsabilida des domésticas e os homens atuando no
Limites da emancipação feminina Entretanto, devemos lembrar que o quadro que acabamos de descrever é restrito a algumas partes do mundo oci dental. No plano da população mundial pode-se afirmar até que a existência de um processo de emancipação feminina é bastante discutível. Basta lembrar alguns aspectos da condição feminina nos paí ses mais populosos do mundo (China e Índia) e nos países onde predominam, por exemplo, fundamentalismos religiosos. Os mais variados condicionamentos, de caráter cultural, étnico e religioso, deter minam a posição da mulher nessas socie dades. Em algumas delas, por exemplo, os pais que possuem filhas devem pro ver dotes vultosos para cada uma delas a
fim de que possam contrair matrimônio. Caso o pai não proveja o respectivo dote, estarão “condenadas” a permanecer sol teiras, criando uma situação de desdouro para a família. Uma filha significa, nessas sociedades, uma verdadeira sangria do patrimônio familiar ou uma possível perda de prestígio para a família caso elas per maneçam solteiras. Como consequên cia, em países como a China e a Índia, que limitam o total de filhos por casal, chega-se a observar a prática do infanti cídio feminino. Tal prática é utilizada para garantir que, dentro do reduzido número de descendentes admitido, o casal possa manter uma criança de sexo masculino. Em muitos lugares da África e da Ásia, da mesma forma que se pratica a circun cisão dos meninos, pratica-se nas meni nas a clitorectomia, que consiste na ex tirpação do clitóris por motivos culturais e religiosos. Acredita-se, nessas socieda des, que não se deve considerar qualquer outra dimensão da sexualidade feminina que não seja a procriação. Tida como rito de passagem da vida infantil para a pu berdade, esta mutilação, além de ter im plicações múltiplas sobre a condição fe minina, é realizada no início da puberdade e sem quaisquer cuidados de higiene, de forma que muitas meninas morrem víti mas de infecção. Tais práticas (infanticídio feminino e cli torectomia) são comuns, consentidas e muitas vezes incentivadas nessas socie dades, o que torna muito difícil afirmar a existência de um processo generalizado de emancipação feminina, especialmen te se levarmos em conta que esses fatos ocorrem em regiões do mundo densa mente povoadas.
(ENTRE PARÊNTESIS)
Quem é o pai? Dois homens, Pedro e Paulo, acompanhados de seus filhos Jorge e João, compram livros. Cada livro tem um desconto, em reais, igual ao número de livros comprados. Cada família (pai e filho) teve um desconto de R$ 65,00. Pedro comprou 1 livro a mais do que Jorge, e João comprou apenas 1. Como se chama o pai de João?
RESPOSTA
7
Temos duas possibilidades (U = N ): i) Pedro é pai de João. Assim, temos a equação: x2 + 1 = 65 + x2 = 64 + x = 8 V = {8} ii) Pedro é pai de Jorge. Então: x2 + (x − 1)2 = 65 + x2 − x − 32 = 0 V = Ø Logo x = 8 e Pedro é o pai de João.
1
1
João
(x − 1)2
x−1
Jorge
x2
x
Pedro
Desconto (R$)
No de livros comprados
POIS É, POESIA
8
Luís Vaz de Camões (1525?-1580) Pois meus olhos não cansam de chorar
L indo e sutil trançado, que ficaste
O h! Como se me alonga de ano em ano
Não canse o cego Amor de me guiar Onde nunca de lá possa tornar-me; Nem deixe o mundo todo de escutar-me, Enquanto a fraca voz me não deixar.
Aquelas tranças de ouro que ligaste, Que os raios do Sol têm em pouco preço, Não sei se ou pera engano do que peço, Ou para me matar as desataste.
Minguando a idade vai, crescendo o dano; Perdeu-se-me um remédio, que inda tinha; Se por experiência se adivinha, Qualquer grande esperança é grande engano.
E se em montes, se em prados, e se em vales Piadade mora algua, algum amor Em feras, plantas, aves, pedras, águas;
Lindo trançado, em minhas mãos te vejo, E por satisfação de minhas dores, Como quem não tem outra, hei-de tomar-te.
Corro após este bem que não se alcança; No meio do caminho me falece; Mil vezes caio e perco a confiança.
Ouçam a longa história de meus males, E curem sua dor com minha dor; Que grandes mágoas podem curar mágoas.
E, se não for contente o meu desejo, Dir-lhe-ei que, nesta regra dos amores, Por o todo também se toma a parte.
Tristezas, não cansadas de cansar-me; Pois não abranda o fogo em que abrasar-me Pôde quem eu jamais pude abrandar;
***
Em penhor do remédio que mereço, Se só contigo, vendo-te, endoideço, Que fora cos cabelos que apertaste?
***
Num bosque, que das ninfas se habitava,
C ara minha inimiga, em cuja mão
Cupido, que ali sempre costumava A vir passar a sesta à sombra fria, Em um ramo arco e setas, que trazia, Antes que adormecesse, pendurava.
Eternamente as águas lograrão A tua peregrina fermosura; Mas, enquanto me a mim a vida dura, Sempre viva em minha alma te acharão.
A Ninfa, como idóneo tempo vira Para tamanha empresa, não dilata; Mas com as armas foge ao moço esquivo.
E, se os meus rudos versos podem tanto Que possam prometer-te longa história De aquele amor tão puro e verdadeiro,
As setas traz nos olhos, com que tira. Ó pastores! fugi, que a todos mata, Senão a mim, que de matar-me vivo.
Celebrada serás sempre em meu canto; Porque, enquanto no mundo houver memória, Será a minha escritura o teu letreiro.
Cibele, ninfa linda, andava um dia; E, subida nua árvore sombria, As amarelas flores apanhava.
Pôs meus contentamentos a ventura, Faltou-te a ti na terra sepultura, Porque me falte a mim consolação.
***
***
A peregrinação cansada minha! Como se encurta e como ao fim caminha Este meu breve e vão discurso humano!
Quando ele foge, eu tardo; e na tardança, Se os olhos ergo, a ver se inda aparece, Da vista se me perde e da esperança.
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Por os raros extremos que mostrou Em sábia Palas, Vénus em fermosa, Diana em casta, Juno em animosa, África, Europa e Ásia as adorou. Aquele saber grande que juntou Espírito e corpo em liga generosa, Esta mudana máquina lustrosa, De sós quatro Elementos fabricou. Mas fez maior milagre a Natureza Em vós, Senhoras, pondo em cada uma O que por todas quatro repartiu. A vós seu resplendor deu Sol e Lua; A vós com viva luz, graça e pureza, Ar, Fogo, Terra e Água vos serviu. Extraído de: Sonetos. In: Obras completas, Porto, Lello & Irmão Editores.
MAS, MÁS, MAIS [E OUTRAS QUESTÕES GRAMATICAIS]
Distância Usa-se crase antes da palavra distância, se determinada. Por exemplo: Estava à distância de dez metros. Mas se a distância for indeterminada, não se usa crase. Por exemplo: Seguiram-me a distância.
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