Jornal do Vestibulando Nº 1491

Page 1

1491

Jornal do Vestibulando

ENSINO, INFORMAÇÃO E CULTURA

JORNAL ETAPA – 2015 • DE 23/04 A 06/05

ENTREVISTA

Victor, calouro de Medicina, aos 28 anos. Nem sempre a primeira escolha é a última. Em 2007, Victor Hugo Canton fez Etapa e entrou na Poli, mas não se adaptou. Então tentou Administração. Começou a FEA, mas não havia feito a escolha final. Depois de muito pensar decidiu que Medicina se adaptava a suas preferências. Assim, em 2014, ainda fazendo a FEA, voltou para o Etapa à noite e, em 2015, com 28 anos, tornou-se calouro na Medicina da USP em Ribeirão Preto.

Victor Hugo Canton Em 2014: Etapa Em 2015: Medicina/USP-RP

JV – Você estudou um ano na Poli, foi para a FEA e, antes de se formar, decidiu tentar Medicina. O que motivou essas mudanças? Victor – A opção por Medicina não foi uma deci­ são do dia para a noite. Fiquei muito tempo pen­ sando em cima disso. Como eu já fazia faculda­ de, trabalhei em várias áreas desde o 1o ano na FEA, em 2009. Trabalhei em Administração, uma área bem ampla, trabalhei na área contábil, tra­ balhei em banco, em área comercial de empresa e percebi que tenho dificuldade em lidar com a rotina de escritório. Por isso até tentei várias áreas para ver se me identificava. A escolha por Medicina teve muito a ver com sentir vontade de fazer algo significativo com minha vida.

Além da Fuvest, você prestou outros vestibulares? Foi a terceira vez que tentei Medicina. Antes de vir para o cursinho, prestei duas vezes o vesti­ bular da Universidade Federal de Santa Cata­ rina. Agora, além da Fuvest, prestei Unicamp, Unifesp, Unesp, Famerp e Famema. Fui aprova­ do na Fuvest e na Famema.

Você prestou Fuvest para a Medicina da USP em Ribeirão Preto. Quando decidiu prestar Medicina já estava pensando em ir para o interior? Eu não pensava em sair da cidade. Mas, na pri­ meira vez que passei na USP, a casa de meu pai ficava na zona leste, levava duas horas para ir, duas horas para voltar todo dia. Quando entrei na FEA e comecei a trabalhar, tive de morar perto porque não tinha a menor condição de trabalhar oito horas por dia, ter aula e mais quatro horas no mínimo de trânsito. Fui morar perto da USP e do trabalho, na Faria Lima. Morei um tempo com um pessoal que fez transferência da FEA de Ribeirão Preto para São Paulo. Convivendo com

ENTREVISTA

Victor Hugo Canton CONTO

Clara dos Anjos – Lima Barreto

1

eles eu ouvi falar mais de Ribeirão, como era a USP lá, o dia a dia. Foi assim que escolhi.

Como foi seu retorno ao cursinho, depois de seis anos como aluno da USP? Eu entrei no período da noite onde fiquei até se­ tembro. Um pouco antes da Revisão mudei para a manhã. Parei de trabalhar para focar no estudo. Assistia às aulas de manhã e ficava estudando no cursinho até a hora em que fechava a Sala de Estudos.

Como estava seu ânimo nos meses em que trabalhava e fazia cursinho à noite? Meu ânimo foi 100% o ano inteiro. Eu queria dar outra direção à minha vida, então precisava pas­ sar para poder mudar.

Como era seu método de estudo no ano passado? Quando estava no noturno eu não tinha muito tempo para estudar durante o dia. Eu via a ma­ téria que o professor estava dando, se soubesse resolver os exercícios eu ia fazendo. Se não sou­ besse, eu prestava atenção na aula. Em História e Geografia eu prestava mais atenção, pois são ma­ térias com conteúdo muito extenso. Assim que mudei para a manhã, eu tinha mais tempo. Presta­ va muita atenção na aula e fazia exercício durante a tarde inteira. Basicamente, estudava a matéria do dia. Às vezes, quando eu acabava os exercícios da matéria do dia, tentava adiantar a matéria. Mas era difícil, porque é muita coisa todo dia. O co­ mum não era eu adiantar, era faltar tempo.

Como era sua rotina de estudos nos fins de semana? Às vezes eu estudava alguma coisa no sábado à tarde, em casa. No domingo, geralmente não fazia nada. Tirava o dia para descansar.

ARTIGO Política externa dos Estados Unidos (séculos XIX-XX)

O tabuleiro

À noite eu procurava tirar dúvida com o professor no intervalo de aula. Tem professores bem solí­ citos nisso. Quando passei para a manhã, ia ao Plantão. Anotava todas as questões que errava e fazia um resumo de tudo que eu não sabia para poder consultar os plantonistas. Fiz um mural na parede do meu quarto, com um monte de coisas, xerox de resumos, tabelas, parte das apostilas co­ ladas na parede, que eu olhei o ano todo.

Em que matérias você precisava de mais ajuda? O vestibular para Medicina Ribeirão Preto tem Geografia no terceiro dia da 2a fase, em vez de Física. Eu foquei muito em Geografia, porque é uma matéria que, apesar de parecer fácil, quan­ do aprofunda em detalhes fica bem complicada. Frequentei bastante o Plantão de Dúvidas para Geografia, Português e Química. Para Matemá­ tica também fui bastante ao Plantão, mas para Física, não muito. Para entrar na Poli em 2008 eu estudei muito Matemática e Física no cursinho.

Você treinava redação? Eu treinei pouco redação. Acho que até por in­ fluência do trabalho você se acostuma a escre­ ver. No trabalho você responde e-mail, faz relató­ rio, justifica muita coisa por escrito. Você adquire uma habilidade maior com a escrita. Quando saí do colégio eu tinha dificuldade em escrever 30 linhas. Hoje tenho dificuldade em escrever me­ nos de 60.

Você fez Reforço para Medicina? Fiz o RPM no sábado.

Para você, qual foi a maior importância do Reforço? Acho que o melhor do RPM é que é focado em exercícios.

POIS É, POESIA

6

ENTRE PARÊNTESIS

3

Quando tinha dúvidas, você ia ao Plantão?

7

Cláudio Manuel da Costa (1729-1789) SERVIÇO DE VESTIBULAR

Inscrições

8 8


2

ENTREVISTA

Nos simulados, quais eram os seus resultados? Geralmente eu ficava nas faixas B e C mais. Fiz poucos simulados escritos, fazia mais os de testes. E quando passei para a 2a fase não fiz muitos simulados, resolvi provas de anos ante­ riores. Até porque, como prestei vários vestibu­ lares depois da 1a fase da Fuvest, fiquei pratica­ mente fazendo prova sem parar. Entre Unesp, Famerp e Unifesp, fiz sete provas em 15 dias.

Você esperava ir melhor na 1a fase? Fiquei preocupado quando saí da prova, mas quando vi minha nota, vi que não tinha ido tão mal.

No primeiro dia da 2a fase, Português e Redação, qual foi sua nota? Nessa prova eu tirei 5 na Redação e um pouco mais de 6 nas questões. Fiquei com nota 57,25. Na Redação o tema estava bem complicado.

Quais eram seus resultados nos simulados do RPM?

No segundo dia, na prova geral, tirou quanto?

Geralmente era C mais no RPM. Como o nível é mais alto – o pessoal todo que quer Medicina está ali – é mais difícil ficar nas primeiras faixas.

Tirei 84,38. Achei uma prova muito bem feita. A Fuvest acaba privilegiando mais raciocínio, mais compreensão do conteúdo. Compreensão como um todo, como as coisas se interligam, se relacionam.

Você leu os livros indicados como obrigatórios pela Fuvest, nos quais são baseadas diversas questões das provas de Português? Li mais da metade.

No terceiro dia, prova de Geografia, Biologia e Química, qual foi sua nota?

Você assistiu às palestras sobre as obras literárias?

Essas notas eram o que você esperava?

83,33. Fui muito bem também.

Vi todas na internet.

Foi perto do que eu esperava.

Qual foi a importância das palestras para você?

Na escala de zero a 1 000, qual foi sua pontuação na Fuvest?

As palestras ajudam muito a perceber coisas que você não percebeu numa primeira leitura. E dos livros que não leu você consegue saber quais são os pontos principais.

770.

E nos vestibulares, você conseguiu resolver todas as questões de Literatura?

E a classificação na carreira Medicina Ribeirão Preto? 38o.

Na Famema, qual foi sua classificação?

Sim.

3o lugar.

Nas férias de julho, o que você fez?

Se não passasse na Fuvest, você ia para a Famema?

Só descansei. Li alguns livros, não lembro quais, mas não estudei durante aquelas duas semanas.

Tendo descansado nas férias, você conseguiu seguir um bom ritmo de estudos no segundo semestre? Sim, e para isso foi fundamental ter ficado as duas semanas descansando.

Você prestou para todas as faculdades públicas de Medicina. Em qual vestibular você achava que tinha mais chances de ser aprovado? Fuvest. Eu sempre tive mais facilidade com a Fuvest, porque acho que é um vestibular que prestigia mais o raciocínio. É muito mais focado em entender o enunciado e raciocinar em cima e menos em termos de conteúdo. O vestibular da Federal de Santa Catarina, que prestei em 2012 e 2013 é extremamente conteudista, mui­ to pesado.

Na 1a fase da Fuvest, quantos pontos você fez? Fiz 75 pontos. A nota de corte foi 70. Em todas as matérias, tirando Matemática e Física, errei três questões. As outras que errei foram em Matemática e Física. Estava muito difícil.

Nos simulados, quantos pontos você fazia? Geralmente fazia mais, 78, 80. Só em um fiz 71.

terças e quintas-feiras. Na terça as aulas são só de manhã, na quinta só durante a tarde.

Quais matérias você tem neste primeiro semestre? As matérias neste semestre são Anatomia Geral e do Aparelho Locomotor, Biologia Celular, Molecular, Tecidual e do Desenvolvimento, For­ mação Humanística I, Bioquímica, Primeiros Socorros e Atendimento Pré-hospitalar.

De quais matérias você está gostando mais? A aula mais legal, por enquanto, foi a de Primei­ ros Socorros, o mais próximo da prática médi­ ca no 1o ano. Nessa matéria a gente tem de fazer uma visita à unidade de emergência do Hospital das Clínicas e outra à maternidade. Na Unidade de Emergência assisti a uma cranioto­ mia descompressiva, cirurgia na qual o crânio é aberto para aliviar a pressão interna.

Como você acha que vai ser a sua futura atuação na Medicina? Não tenho intenção de ficar em consultório. Pretendo me especializar numa área. Isso pode mudar, mas a princípio quero me especializar em uma área cirúrgica.

Como fica marcado para você o ano passado? Um ano muito difícil. Trabalhava o dia inteiro, o tempo livre que eu tinha era para estudar. Ficou marcado como um dos anos mais difíceis da minha vida, mas tive a recompensa.

Você tem saudade de alguma coisa do ano passado?

O que pensou naquele momento?

Dos professores e colegas sempre tenho um pouco, mas acho que isso faz parte da vida. Você dá um passo e acaba tendo de deixar certas coisas para trás. Mudei para o interior, deixando a família em São Paulo, é complica­ do, mas acho que é uma fase na vida de todo mundo. Todo mundo passa por isso em algum momento. Cedo ou tarde você tem de seguir em frente.

Só pensei em avisar meu pai, que está me dan­ do uma grande força. Foi a primeira coisa que fiz, liguei para ele.

O que você tira de lição de seu tempo no cursinho, preparando-se para o vestibular de Medicina?

Você já se adaptou à faculdade em Ribeirão Preto?

Tem muito a ver com o esforço. Você tem de acreditar que vai dar certo. Fica essa lição de não desistir apesar do cansaço, da dificulda­ de, apesar da possibilidade de não dar certo. Aprende a deixar isso de lado e não deixar atra­ palhar.

Com certeza, por isso prestei todas.

O que sentiu ao ver que tinha sido aprovado na Fuvest? Quando saiu o resultado e vi meu nome na lista foi um grande alívio.

Estou me integrando ainda, não dá para conhe­ cer cem pessoas assim tão rápido.

O que está achando da cidade? Onde está morando? Já estou muito bem adaptado à cidade. Moro numa república, que tem outras quatro pes­ soas, uma do 3o ano e três residentes. Tenho um quarto só pra mim, pagando aluguel e tudo. Fica perto do campus da USP. Até o campus de­ mora uns 10 minutos andando. Até o prédio da Medicina, mais uns dez.

Como é o funcionamento do curso, o horário das aulas? Tenho aula das 8 horas da manhã até o meio­ -dia, e depois das 14 até 18 horas, menos nas

Jornal do Vestibulando

Você quer dizer mais alguma coisa para os nossos alunos sobre sua experiência no interior? Vida universitária aqui em São Paulo é pratica­ mente uma extensão do colégio. No interior, muitas pessoas moram sozinhas e isso faz toda a diferença em termos de vida universitá­ ria. Acaba sendo uma experiência muito mais completa, até de amadurecimento, você conse­ guir se virar sozinho. A vida universitária é mais completa, mais rica no interior. Além da qualida­ de de vida, que não tem comparação.

Jornal ETAPA, editado por Etapa Ensino e Cultura REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343


CONTO

3

Clara dos Anjos Lima Barreto

O

carteiro Joaquim dos Anjos não era homem de serestas e serenatas, mas gostava de violão e de modinhas. Ele mesmo tocava flauta, instrumento que já foi muito estimado, não o sendo tanto atualmente como outrora. Acreditava-se até músico, pois compunha valsas, tangos e acompanhamentos para modinhas. Aprendera a “artinha” musical na terra de seu nascimento, nos arredores de Diamantina, e a sabia de cor e salteado; mas não saíra daí. Pouco ambicioso em música, ele o era também nas demais manifestações de sua vida. Empregado de um advogado famoso, sempre quisera obter um modesto emprego público que lhe desse direito à aposentado­ ria e ao montepio, para a mulher e a filha. Conseguira aquele de carteiro, havia quin­ ze para vinte anos, com o qual estava muito contente, apesar de ser trabalhoso e o orde­ nado ser exíguo. Logo que foi nomeado, tratou de ven­der as terras que tinha no local de seu nascimen­ to e adquirir aquela casita de subúrbio, por preço módico, mas, mesmo assim, o dinhei­ ro não chegara e o resto pagou ele em pres­ tações. Agora, e mesmo há vários anos, esta­ va de plena posse dela. Era simples a casa. Tinha dois quartos, um que dava para a sala de visitas e outro, para a de jantar. Corres­ pondendo a um terço da largura total da casa, havia, nos fundos, um puxadito que era a cozinha. Fora do corpo da casa um bar­ racão para banheiro, tanque, etc.; e o quintal era de superfície razoável, onde cresciam goiabeiras maltratadas e um grande tamari­ neiro copado. A rua desenvolvia-se no plano e, quando chovia, encharcava que nem um pântano; entretanto, era povoada e dela se descor­ tinava um lindo panorama de montanhas que pareciam cercá-la de todos os lados, embora a grande distância. Tinha boas ca­ sas a rua. Havia até uma grande chácara de outros tempos com aquela casa caracterís­ tica decorada de azulejos até a metade do pé direito, um tanto feia, é fato, sem garri­dice1, mas casando-se perfeitamente com as anosas mangueiras, com as robustas jaquei­ras e com todas aquelas grandes e velhas ár­vores que, talvez, os que as plantaram, não tivessem visto frutificar. Por aqueles tempos, nessa chácara, se ha­ viam estabelecido os “bíblia”2. Os seus cân­ ticos, aos sábados, quase de hora em hora, en­chiam a redondeza. O povo não os via com hos­ tilidade, mesmo alguns humildes ho­ mens e pobres raparigas simpatizavam com eles, porque, justificavam, não eram como os pa­dres que, para tudo, querem di­ nheiro. Chefiava os protestantes, um america­ no, Mr. Sharp, homem tenaz e cheio de uma

eloquência bíblica que devia ser magnífica em inglês; mas que no seu duvidoso portu­ guês, se fazia simplesmente pitoresca. Era Sharp daquela raça curiosa de yankees que, de quando em quando, à luz da interpre­ tação de um ou mais versículos da Bíblia, fun­dam seitas cristãs, propagam-nas, en­con­ tram adeptos logo, os quais não sabem bem porque foram para a nova e qual a di­ferença que há entre esta e a de que vieram. Fazia prosélitos3 e, quando se tratava de iniciar uma turma, os noviços dormiam em barracas de campanha, erguidas no eirado4 da chácara ou entre as suas velhas árvores maltratadas e desprezadas. As cerimônias preparatórias duravam uma semana, cheia de cânticos divinos; e a velha propriedade, com as suas barracas e salmodias5, adquiria um aspecto esquisito de convento ao ar livre de mistura com um certo ar de acampamento militar. Da redondeza, poucos eram os adeptos ortodoxos; entretanto, muitos lá iam por mera curiosidade ou para deliciar-se com a oratória de Mister Sharp. Iam sem nenhuma repugnância, pois é próprio do nosso pequeno povo fazer um extravagante amálgama6 de religiões e crenças de toda a sorte, e socorrer-se desta ou daquela, conforme os transes de sua existência. Se se trata de afastar atraso de vida, apela para a feitiçaria; se se trata de curar uma moléstia tenaz e resistente, procura o espírita; mas, não falem à nossa gente humilde em deixar de batizar o filho pelo sacerdote católico, porque não há quem não se zangue: meu filho ficar pagão! Deus me defenda! Joaquim não fazia exceção desta regra e sua mulher, a Engrácia, ainda menos. Eram casados há quase vinte anos, mas só tinham uma filha, a Clara. O carteiro era pardo-claro, mas com cabelo ruim, como se diz; a mulher, porém, apesar de mais escura, tinha o cabelo liso. Na tez, a filha puxava o pai; e no cabe­ lo, à mãe. Na estatura, ficara entre os dois. Joaquim era alto, bem alto, acima da média, ombros quadrados; a mãe, não sendo mui­ to baixa, não alcançava a média, possuindo uma fisionomia miúda, mas regular, o que não acontecia com o marido que tinha o na­riz grosso, quase chato. A filha, a Clara, tinha ficado em tudo entre os dois; média deles, era bem a filha de ambos. Habituada às musicatas do pai, crescera cheia de vapo­ res das modinhas e enfumaçara a sua peque­ na alma de rapariga pobre com os dengues e a melancolia dos descantes7 e cantarolas. Com dezessete anos, tanto o pai como a mãe tinham por ela grandes desvelos e cuidados. Mais depressa ia Engrácia à venda de seu Nascimento, buscar isto, ou aquilo do que ela. Não que a venda do seu Nascimento fosse lugar de badernas; ao contrário:

as pes­soas que lá faziam “ponto” eram de todo res­peito. O Alípio, uma delas, era um tipo curioso de rapaz, que, conquanto pobre, não deixa­ va de ser respeitador e bem-comportado. Tinha um aspecto de galo de briga; entre­ tanto, estava longe de possuir a ferocidade repugnante desses galos malaios de apostas, não possuindo – é preciso saber – nenhuma. Um outro que aparecia sempre lá, era um inglês, Mr. Persons, desenhista de uma gran­ de oficina mecânica das imediações. Quando saía do trabalho, passava na venda, lá se sentava naqueles característicos tamboretes de abrir e fechar, e deixava-se ficar até ao anoitecer bebericando ou lendo os jornais do Sr. Nascimento. Silencioso, quase taciturno, pouco conversava e im­plicava muito com quem o tratava por “seu mister”. Havia lá também o filósofo Menezes, um velho hidrópico8, que se tinha na conta de sábio, mas que não passava de um sim­ples dentista clandestino e dizia tolices sobre todas as coisas. Era um velho branco, sim­ pático com um todo de imperador romano, barbas alvas e abundantes. Aparecia, às vezes, o J. Amarante, um poeta, verdadeiramente poeta, que tivera o seu momento de celebridade em todo o Brasil, se ainda não o tem; mas que, naquela época, devido ao álcool e a desgostos íntimos, era uma triste ruína de homem, apesar dos seus dez volumes de versos, dez sucessos, com os quais todos ganharam dinheiro menos ele. Amnésico, semi-imbe­ cilizado, não seguia uma conversa com tino e falava desconexamente. O subúrbio não sabia bem quem ele era; chamava-o muito simplesmente – o poeta. Um outro frequentador da venda era o velho Valentim, um português dos seus sessenta anos e pouco, que tinha o corpo curvado para diante, débito ao hábito contraído no seu ofício de chacareiro que já devia exercer há mais de quarenta. Contava “casos” e anedotas de sua terra, pontilhando tudo de rifões9 portugueses do mais saboroso pitoresco. Apesar de ser assim decente, Clara não ia à venda; mas o pai, em alguns domin­gos, permitia que fosse com as amigas ao cinema do Meyer ou Engenho de Dentro, enquanto ele e alguns amigos ficavam em casa tocando violão, cantando modinhas e bebericando parati10. Pela manhã, logo nas primeiras horas, os companheiros apareciam, tomavam café, iam em seguida para o quintal, para debaixo do tamarineiro, jogar bisca11, com o litro de cachaça ao lado; e aí sem dar uma vista d’olhos sobre as montanhas circundantes, nuas e empedrouçadas, deixavam-se ficar até à hora do “ajantarado” que a mulher e a filha preparavam.


4

CONTO

Só depois deste, é que as cantorias co­ meçavam. Certo dia, um dos companheiros domi­ nicais do Joaquim pediu-lhe licença para trazer, no dia do aniversário dele, que estava próximo, um rapaz de sua amizade, o Júlio Costa, que era um exímio cantor de modi­ nhas. Acedeu. Veio o dia da festa e o famoso trovador apareceu. Branco, sardento, insig­ nificante, de rosto e de corpo, não tinha as tais melenas12 denunciadoras, nem outro qual­quer traço de capadócio13. Vestia-se se­ ria­mente, com um apuro muito suburbano, sob a tesoura de alfaiate de quarta ordem. A única pelintragem14 adequada ao seu mister que apresentava, consistia em trazer o cabelo repartido no alto da cabeça, dividido muito exatamente pelo meio. Acompanhava-o o violão. A sua entrada foi um sucesso. Todas as moças das mais diferentes cores que, aí, a pobreza harmonizava e esbatia, logo o admiraram. Nem César Bórgia, en­trando mascarado, num baile à fantasia dado por seu pai, no Vaticano, causaria tanta emoção. Afirmavam umas para as outras. – É ele! É ele, sim! Os rapazes, porém, não ficaram muito contentes com isso; e, entre eles, puseram-se a contar histórias escabrosas da vida galante do cantor de modinhas. Apresentado aos donos da casa e à filha, ninguém notou o olhar guloso que deitou para os seios empinados de Clara. O baile começou com a música de um “terno” de flauta, cavaquinho e violão. A polca era a dança preferida e quase todos dan­ çavam-na com requebros próprios de samba. Num intervalo Joaquim convidou: – Por que não canta, seu Júlio? – Estou sem voz, respondeu ele. Até ali, ele tinha tomado parte no “ter­ no”; e, repinicando as cordas, não deixava de devorar com os olhos os bamboleios de quadris de Clarinha, quando dançava. Vendo que seu pai convidara o rapaz, animou-se a fazê-lo também: – Por que não canta, seu Júlio? Dizem que o senhor canta tão bem... Esse – tão bem – foi alongado macia­ mente. O cantador acudiu logo: – Qual, minha senhora! São bondades dos camaradas... Consertou a “pastinha”15 com as duas mãos, enquanto Clara dizia: – Cante! Vá! – Já que a senhora manda, disse ele, vou cantar. Com todo o dengue, agarrou o violão, fez estalar as cordas e anunciou: – Amor e sonho. E começou, com uma voz muito alta, quase berrando, a modinha, para depois arrastá-la num tom mais baixo, cheio de má­ goa e langor16, sibilando os ss, carregan­do os rr, das metáforas horrendas de que estava cheia a cantoria. A coisa era, porém, since­ ra; e mesmo as comparações estram­bólicas17 levantavam nos singelos cérebros das ouvin­ tes largas perspectivas de sonhos, erguiam desejos, despertavam anseios e vi­sões dou­

radas. Acabou. Os aplausos foram entu­si­ás­ ticos e só Clarinha não aplaudiu, porque, tendo sonhado durante toda a mo­dinha, fi­ cara ainda embevecida quando ela acabou... Dias depois, vindo à janela por acaso – era de tarde – sem grande surpresa, como se já o esperasse, Clara recebeu o cumpri­mento do cantor magoado. Não pôs malícia na coisa, tanto assim que disse candida­mente à mãe: – Mamãe, sabe quem passou aí? – Quem? – Seu Júlio. – Que Júlio? – Aquele que cantou nos “anos”18 de pa­ pai. A vida da casa, após a festança de ani­ versário do Joaquim, continuou a ser a mes­ ma. Nos domingos, aquelas partidas de bis­ ca com o Eleutério, servente da Biblioteca, e com o Augusto, guarda municipal, acompa­ nhadas de copitos de cachaça, e o violão, à tarde. Não tardou que se viesse agregar um novo comensal: era o Júlio Costa, o famoso modinheiro suburbano, amigo íntimo do Augusto e seu professor de trovas. Júlio quase nunca jantava, pois tinha quase sempre convites em todos os quatro pontos cardeais daquelas paragens. Tomava parte nas partidas de bisca, de parceirada, e pouco bebia. Apesar de não demorar-­ -se pela tarde adentro, pôde ir cercando a rapariga, a Clara, cujos seios empinados, volumosos e redondos fascinavam-no ex­ traordinariamente e excitavam a sua gula carnal insaciável. Em começo foram só olhares que a moça, com os seus úmidos olhos negros, grandes, quase cobrindo to­da a esclerótica19, correspondia a furto e com medo; depois, foram pequenas frases, galanteios, trocados às escondidas, para, afinal, vir a fatídica carta. Ela recebeu-a, meteu-a no seio e, ao deitar-se, leu-a sob a luz da vela, medrosa e palpitante. A carta era a coisa mais fantás­ tica, no que diz respeito à ortografia e à sin­ taxe, que se pode imaginar; tinha, porém, uma virtude: não era copiada do “Secretá­ rio dos Amantes”, era original. Contudo a missiva fez estremecer toda a natureza vir­ gem de Clara que, com a sua leitura, sentiu haver nela surgido alguma coisa de novo, de estranho, até aí nunca sentida. Dormiu mal. Não sabia bem o que fazer: se respon­ der, se devolver. Viu o olhar severo do pai; as recriminações da mãe. Ela, porém, preci­sava casar-se. Não havia de ser toda a vida assim como um cão sem dono... Os pais viriam a morrer e ela não podia ficar pelo mundo desamparada... Uma dúvida lhe veio; ele era branco; ela, mulata... Mas que tinha isso? Tinham-se visto tantos casos... Lembrou-se de alguns... Por que não havia de ser? Ele falava com tanta paixão... Ofega­ va, suspirava, chorava; e os seus seios duros estouravam de virgindade e de ansiedade de amar... Responderia; e assim fez, no dia seguinte. As visitas de Costa tornaram-se mais demoradas e as cartas mais constan­tes. A mãe desconfiou e perguntou à filha:

– Você está namorando seu Júlio, Clari­ nha? – Eu, mamãe! Nem penso nisso... – Está, sim! Então, não vejo? A menina pôs-se a chorar; a mãe não falou mais nisso; e Clara, logo que pôde, mandou pelo Aristides, um molecote da vizinhança, uma carta ao modinheiro, rela­ tando o fato. Júlio morava na estação próxima e a situação de sua família era bem superior à da sua namorada. O seu pai tinha um emprego regular na Prefeitura e era, em tudo, dife­ rente do filho. Sisudo, grave, sério, ia até a imponência grotesca do bom funcionário; e não seria capaz de admitir que a namorada do filho dançasse na sua sala. Sua mulher não tinha o ar solene do marido, era, po­rém, relaxada de modos e hábitos. Comia com a mão, andava descalça, catava intrigas e “novidades” da vizinhança; mas tinha, ape­sar disso, uma pretensão íntima de ser grande coisa, de uma grande família. Além do Júlio, tinha três filhas, uma das quais já era adjunta municipal; e, das outras duas, uma estava na Escola Normal e a mais moça cursava o Instituto de Música. Tiravam muito o pai, no gênio sobran­ ceiro20, no orgulho fofo da família; e ti­nham ambição de casamentos doutorais. Mercedes, Adelaide e Maria Eugênia, eram esses os seus nomes, não suportariam de nenhuma forma Clara, como cunhada, em­ bora desprezassem soberanamente o irmão pelos seus maus costumes, pelo seu violão, pelos seus plebeus galos de briga e pela sua ignorância crassa21. Pequenas burguesas, sem nenhuma for­ tuna, mas, devido à situação do pai e terem frequentado escolas de certa importância, elas não admitiriam para Clara, senão um destino: o de criada de servir. Entretanto, Clara era doce e meiga; ino­ cente e boa, podia-se dizer que era muito superior ao irmão delas pelo sentimento, ficando talvez acima dele, pela instrução, conquanto fosse rudimentar, como não po­dia deixar de ser, dada a sua condição de rapariga pobríssima. Júlio era quase analfa­beto e não tinha poder de atenção suficiente, para ler o entrecho de uma fita de cinemató­grafo. Muito estúpido, a sua vida mental se cifrava na composição de mo­dinhas delam­bidas22, recheadas das mais estranhas ima­gens que a sua imaginação erótica, sufocada pelas conveniências, cria­va, tendo sempre perante seus olhos o ato sexual. Mais de uma vez, ele se vira a braços com a polícia por causa de defloramentos e seduções de menores. O pai, desde a segunda, recusara inter­ vir; mas a mãe, D. Ignez, a custo de rogos, de choro, de apelo – para a pureza de sangue da família, conseguira que o marido, o capitão Bandeira, procurasse influenciar, a fim de evitar que o filho casasse com uma negrinha de dezesseis anos, a quem o Júlio tinha feito mal. Apesar de não ser totalmente má, os seus preconceitos junto à estreiteza da sua inteligência, não permitiram ao seu coração que


CONTO agasalhasse ou protegesse o seu infeliz neto. Sem nenhum remorso, deixou-o por aí, à toa, pelo mundo... O pai, desgostoso com o filho, largara-o de mão; e quase não se viam. Júlio vivia no porão da casa ou nos fundos da chácara onde tinha gaiolas de galos de briga, o bicho mais hediondo, mais repugnantemente fe­ roz que é dado a olhos humanos ver. Era a sua indústria e o seu comércio, esse negócio de galos e as suas brigas em rinhadeiros23. Barganhava-os24, vendia-os, chocava as ga­linhas, apostava nas rinhas; e com o re­sul­ tado disso e com alguns cobres que a mãe lhe dava, vivia e obtinha dinheiro para ves­ tir-se. Era o tipo completo do vagabundo doméstico, como há milhares nos subúrbios e em outros bairros do Rio de Janeiro. A mãe, sempre temendo que se repe­ tissem os seus ajustes de contas com a polícia, esforçava-se sempre por estar ao corrente dos seus amores. Veio a saber do seu último com Clara e repreendeu-o nos termos mais desabridos25. Ouviu-a o filho respeitosamente, sem dizer uma palavra; mas, julgou de boa política relatar, a seu modo, por carta, tudo à namorada. Assim escreveu: “Queridinha confesso-te que on­tem quando recebi a tua carta minha mãe viu e fiquei tão louco que confessei tudo a mamãe que lhe amava muito e fazia por você as maiores violências, ficaram todos contra mim, é a razão por que previno-te que não ligues ao que lhe disserem, por isso peço-te que preze bem o meu sofrimento. Pense bem e veja se estás resolvida a fa­ zer o que lhe pedi na última cartinha. Saudades e mais saudades deste infeliz que tanto lhe adora e não é correspondido. O teu Júlio.”

Clara já estava habituada com a redação e ortografia do seu namorado, mas, apesar de escrever muito melhor, a sua instrução era insuficiente para desprezar um galante­a­dor tão analfabeto. Ainda por cima, a sua fascinação pelo modinheiro e a sua obses­ são pelo casamento tiravam-lhe toda a ca­ pacidade crítica que pudesse ter. A carta produziu o efeito esperado por Júlio. Choro, palpitações, anseios vagos, esperanças ne­ voentas, vislumbres de céus desconhecidos e encantados – tudo isso aquela carta lhe trouxe, além do halo de dedicação e amor por ela com que Clara fez resplandecer, na imaginação, as pastinhas do violeiro. Daí a dias, fez o prometido, isto é, deixou a janela do quarto aberta para que ele entrasse no aposento. Repetiu a façanha quase todas as noites seguintes, sem que ele se demorasse muito no quarto. Nos domingos, aparecia, cantava e seme­ lhava que entre ambos não havia nada. Um belo dia, Clara sentiu alguma coisa de estra­ nho no ventre. Comunicou ao namorado. Qual! Não era nada, disse ele. Era, sim; era o filho. Ela chorou, ele acalmou-a, prometen­ do casamento. O ventre crescia, crescia... O cantador de modinhas foi fugindo, deixou de aparecer amiúde; e Clara chora­ va. Ainda não lhe tinham percebido a gra­ videz. A mãe, porém, com auxílio de certas intimidades próprias de mãe para filha, des­ confiou e pô-la em confissão. Clara não pôde esconder, disse tudo; e aquelas duas humil­ des mulheres choraram abraçadas diante do irremediável... A filha teve uma ideia: – Mamãe, antes da senhora dizer a pa­pai, deixa-me ir até à casa dele, para falar com sua mãe?

5

A velha meditou e aceitou o alvitre26: – Vai! Clara vestiu-se rapidamente e foi. Rece­ bida com altaneira27 por uma das filhas, disse que queria falar à mãe do Júlio. Rece­ beu-a esta rispidamente; mas a rapariga, com toda a coragem e com sangue-frio difícil de crer, confessou-lhe tudo, o seu erro e a sua desdita. – Mas, o que é que você quer que eu faça? – Que ele se case comigo, fez Clara num só hausto28. – Ora, esta! Você não se enxerga! Você não vê mesmo que meu filho não é para se casar com gente da laia de você! Ele não amarrou você, ele não amordaçou você... Vá-se embora, rapariga! Ora já se viu! Vá! Clara saiu sem dizer nada, reprimindo as lágrimas, para que na rua não lhe des­ cobrisse a vergonha. Então, ela? Então, ela não se podia casar com aquele calaceiro29, sem nenhum título, sem nenhuma qualida­ de superior? Por quê? Viu bem a sua condição na sociedade, o seu estado de inferioridade permanente, sem poder aspirar a coisa mais simples que todas as moças aspiram. Para que seriam aqueles cuidados todos de seus pais? Foram inúteis e contraproducentes, pois evitaram que ela conhecesse bem justamente a sua condição e os limites das suas aspirações sentimentais... Voltou para casa depressa. Chegou; o pai ainda não viera. Foi ao encontro da mãe. Não lhe disse nada; abraçou-a, chorando. A mãe também chorou e, quando Clara parou de falar, entre soluços, disse: – Mamãe, eu não sou nada nesta vida.

VOCABULÁRIO (1) (fig.) elegância. (2) (pop.) protestante. (3) indivíduos convertidos a uma doutrina, ideia ou sistema; adeptos. (4) terraço. (5) modos de cantar ou recitar salmos. (6) (fig.) reunião. (7) cantigas populares acompanhadas de um instrumento. (8) aquele que tem acumulação anormal de lí­quido seroso em tecido ou cavidade do corpo. (9) provérbios. (10) (pop.) cachaça.

(11) denominação de vários jogos de cartas. (12) cabelos longos e soltos. (13) impostor, trapaceiro. (14) qualidade de pelintra (malvestido), no texto indica modo de trajar. (15) penteado em que os cabelos são puxa­ dos sobre o rosto ou testa, formando uma onda. (16) o mesmo que languidez. (17) o mesmo que estrambóticas, esquisi­ tas, estranhas, extravagantes. (18) (fig.) aniversário. (19) membrana branca e fibrosa que reves­­te os globos oculares e, em sentido posteri­or,

se continua com a bainha externa do nervo óptico. (20) orgulhoso, arrogante, soberbo. (21) grossa, rude. (22) o mesmo que deslambidas, sem ex­ pres­são, chochas. (23) lugar onde se promovem brigas de galo. (24) do verbo barganhar, trocar, negociar. (25) rudes, grosseiros. (26) lembrança, sugestão, proposta. (27) altivez, soberba. (28) gole, sorvo; no texto, fôlego. (29) preguiçoso, vadio.

Crítica Lima Barreto é, entre nós, na verdade, o tipo perfeito do analista social, mas um analista que combate, que não ficou como Machado de Assis, por exemplo, no círculo de uma timidez intelectual esquiva ao julgamento. Ele não se limita a mostrar todos os fundos da cena, o que vai pelos bastidores da nossa vida; toma partido, assinala os atores que falam a linguagem da verdade, mostra o que há de falso, de mentiroso na linguagem dos outros (...) não tem as delicadezas, as intenções filosóficas de Machado de Assis, veladas pelo sorriso do cético. Antes é um forte, arremete, chicoteia os vendilhões da dignidade nacional. A sua ironia não traz o sombreado pudor da de Stone, é ríspida como a de Swift, ainda mais real, porém, porque não se vale da fantasia, fá-la sentir-se na vida mesma que nos rodeia. Jackson de Figueiredo


ARTIGO

6

Política externa dos Estados Unidos (séculos XIX-XX) Rogério F. da Silva

Doutrina Monroe (1823) Nas duas primeiras décadas do século XIX, processam-se os movimentos de emancipa­ ção de muitas colônias da América. Em se­ guida à derrota de Napoleão Bonaparte, as potências vencedoras, reunidas no Congresso de Viena (1814-1815), pretendem, por meio da política da chamada Santa Aliança, mobilizar exércitos europeus com a finalidade de res­ taurar a dominação colonial sobre a América espanhola. No ano de 1823, em mensagem ao Congresso norte-americano, o presiden­ te James Monroe (1817-1825) formula o que ficaria conhecido como a Doutrina Monroe: os Estados europeus não deveriam interferir em qualquer ponto do con­ tinente americano, pois isso passaria a ser considerado uma questão de segurança para os Estados Unidos. A expressão “a América para os ameri­ canos” sintetizou a referida doutrina.

• cessão do Texas; • fixação da fronteira no rio Grande; • indenização de US$ 15 milhões, cessão do Novo México e da Califórnia (onde havia sido descoberto ouro). Em 1846, após negociações com a Ingla­ terra, uma parte do território do Oregon (no noroeste) é anexada. Em 1853, é completa­ da a anexação de territórios mexicanos com a chamada Aquisição de Gadsden (nome do embaixador James Gadsden, que negociou o tratado de aquisição com o México), uma faixa de terras entre os atuais estados do Arizona e Novo México.

Formação do território dos Estados Unidos 1846

Destino Manifesto (1845) 1803 1848

1783 17 63

A partir dos anos 40 do século XIX, formula-se a doutrina do Desti­ no Manifesto, segundo a qual estaria no destino dos Estados Unidos obter uma maior quantidade de território e controlar a costa do Pacífico. O Destino Manifesto passaria a justifi­ car todas as atividades de expansão territorial norte-americana. A origem dessa expressão ligava-se a um artigo não assinado da The United States Magazine and Democratic Review (julho de 1845) que fazia menção ao “cumprimento de nosso destino manifesto de expandirmos por todo o continente dado pela Providên­ cia para o livre-desenvolvimento de nossos milhões de habitantes que se multiplicam ano a ano”. Em pouco tempo, a expressão tornou-se popu­ lar entre os membros do Congresso, interessados na expansão em dire­ ção ao México, Califórnia e Oregon.

1853

1845

Guerra Hispano-Americana (1898) Havia muitos interesses econômicos nor­ te-americanos em Cuba (colônia da Espanha). Desde 1895, desenvolvia-se na ilha uma re­ volta contra o domínio espanhol. A explosão por razões não esclarecidas do encouraçado norte-ame­ricano Maine, ancorado em Hava­ na (15.02.1898), levou o presidente William McKinley a abrir hostilidades contra as autori­ dades espanholas em Cuba. A Espanha decla­ ra guerra aos Estados Unidos (24.04.1898). A ação militar passou-se, simultaneamente, nas Antilhas e no Pacífico. A esquadra espanhola das Filipi­ nas foi destruída em Manila, e a es­ quadra espanhola de Cuba, nas Anti­ lhas. O Tratado de Paris (10.12.1898) pôs um fim à guerra e ao decadente Império Colonial espanhol. Cuba tor­ nava-se in­ dependente sob a tutela norte-americana. Porto Rico e Guam eram cedidos aos Estados Unidos, que obtinham igualmente as Filipi­ nas, mediante uma indenização de US$ 20 milhões à Espanha.

Big Stick Policy (1901-1909)

Big Stick Policy (Política do Grande Porrete) é o nome que se deu, durante a presidência de Theodore Roosevelt, à política ex­ terna dos Estados Unidos em rela­ 1763 – Território original (13 colônias). ção aos países do Caribe. O nome 1783 – Território indígena obtido com o reconhecimento da in­depen­ deriva de uma asserção a ele atri­ dência pela Inglaterra. buída: “Fale mansinho, mas carre­ 1803 – Louisiana comprada da França. gue um porrete grande”; ou se­ ja: 1819 – Flórida comprada da Espanha. use a polidez, mas, se necessário, utilize a força. Essa orientação atri­ 1845 – Texas anexado do México. buía um “poder de polícia” aos Es­ 1846 – Oregon comprado da Inglaterra. tados Unidos quanto aos problemas 1848 – Califórnia e Novo México comprados do México. latino-americanos. Sob o pretexto de 1853 – Aquisição de Gadsden (terras compradas do México). defender os interesses norte-ame­ ricanos, foram realizadas interven­ ções militares em várias regiões como, por Do isolacionismo ao exemplo, a que ocorreu na República Domini­ Guerra do México (1846-1848) imperialismo cana. Foi patrocinada a secessão do Panamá O Texas constituía um vasto território em relação à Colômbia, visando à construção Entre 1823 e 1900, os Estados Unidos do México, fra­ camente povoado e de fron­ do canal do Panamá sob o controle nortemantiveram-se, de maneira geral, fora dos teiras mal definidas com os Estados Uni­ -americano, bem como intervenções em problemas de política internacional da Europa, dos. Ocorreu um grande afluxo de norteCuba, Nicarágua e Honduras. fiéis à Doutrina Monroe. Nesse sentido, to­ -americanos para a região, que proclamaram a maram posição contra a França quando esta indepen­dência do Texas (1836) e, em seguida, interferiu no México (1865). No norte do conti­ Diplomacia do dólar solicitaram que o novo país passasse a fazer nente, o governo negociou a compra do Alas­ (1909-1913) parte dos Estados Unidos. O Congresso vo­ ca (1867) – até então pertencente ao Império tou a adesão em 1845, provocando uma guer­ Em seguida à Big Stick Policy, estabeleceu­ Russo – por US$ 7,2 milhões. Entretanto, na ra entre o México e os Estados Unidos (1846-se a “di­plomacia do dólar”. Essa expressão foi medida em que crescia o poderio norte-ameri­ 1848). Vencido, o México teve de assinar, em utilizada por crí­ticos hostis para descrever cer­ cano, o isolacionismo dificilmente poderia ser fevereiro de 1848, o Tratado de Guadalupe­ tos aspectos da política externa norte-america­ mantido. O rompimento dessa posição dá-se, sobretudo, a partir da guerra com a Espanha. na em relação à América Latina, especialmen­ -Hidalgo, que previa: 1819


ARTIGO te durante o governo do presidente William H. Taft (1909-1913). Afirmava-se que um dos mo­ tivos básicos da diplomacia norte-americana era promover os interesses de suas grandes companhias, garantindo oportunidades comer­ ciais e de investimentos nos países estrangei­ ros e, quando necessário, usando a força para proteger suas propriedades. As intervenções norte-americanas em países latino-americanos eram consideradas como manifestações da “diplomacia do dólar”.

14 Pontos de Wilson (1918) Durante a Primeira Guerra Mundial, os Alia­ dos pregavam a justiça de sua causa e diziam não pretender mais do que a paz. No final, ficou claro que cada nação queria sua parte sobre o espólio dos vencidos. Muitos acreditavam que essa guerra servi­ ra para acabar com todas as guerras. Os Es­ tados Unidos não queriam ga­nhos territoriais e, em janeiro de 1918, o presidente Woodrow Wilson, em mensagem ao Congresso norte­ -americano, apre­sentava catorze pontos que considerava importantes “para o estabeleci­ mento de uma paz duradoura”: 1. Abolição da diplomacia secreta; 2. Liberdade nos mares; 3. Remoção das barreiras econômicas; 4. Redução de armamentos; 5. Ajuste imparcial das reclamações colo­ niais; 6. Evacuação da Rússia; 7. Restauração da Bélgica; 8. Devolução da Alsácia-Lorena para a França; 9. Reajuste das fronteiras italianas; 10. Aceitação do princípio de autodetermi­ nação; 11. Evacuação dos Bálcãs pelas potências cen­trais; 12. Autonomia para as nacionalidades não tur­ cas e abertura do estreito de Dardanelos para todos os navios;

13. Criação de uma Polônia independente; 14. Criação de uma associação de nações para garantir a independência de todas elas.

Good Neighbor Policy (1933-1945) Na administração de Franklin Delano Roosevelt (1933-1945) foi inaugurada a Good Neighbor Policy, isto é, a Política da Boa Vi­ zinhança, que tinha por finalidade mudar a imagem dos Estados Unidos (extremamente negativa à época da Big Stick Policy). Abandona-se a intervenção na República Dominicana, fazem-se acordos comerciais com Cuba e chega-se a bons termos com a política de nacionalização conduzida pelo pre­ sidente mexicano Lázaro Cárdenas. Procura­ va-se, com isso, estabelecer denominadores comuns entre os Estados Unidos e a América Latina.

Doutrina Truman e Guerra Fria Por ocasião da eclosão da Segunda Guerra Mundial (1939), os Estados Unidos mantêm­ -se neutros. A economia tem um novo impul­ so, pois o país passa a fornecer produtos para os Aliados, especialmente à Inglaterra. Em dezembro de 1941, com o ataque japonês à base naval norte-americana de Pearl Harbor (Havaí), os Estados Unidos entram na guerra ao lado dos Aliados. Ao término do conflito, os Estados Unidos emergem como uma super­ potência econômica e militar. A Europa, mais uma vez, é devastada e formula-se um novo relacionamento internacional: a Guerra Fria. O mundo do pós-guerra, no intervalo entre 1945 e 1990, foi caracterizado pelo conflito entre duas potências mundiais, os Estados Unidos e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Devido ao perigo do uso de armas nucleares (que colocariam em risco a existência de toda a humanidade), a rivalidade entre EUA e URSS ficou conheci­ da como Guerra Fria. A doutrina da Guerra Fria foi elaborada por Winston Churchill e Harry S.

7

Truman e consistia basicamente na ideia de que era necessário “conter o avanço do co­ munismo no mundo”. No final da década de 1950, o governo soviético, sob a liderança de Nikita Kruchev, propôs a détente (política de coexistência pacífica) em substituição à Guerra Fria.

Macarthismo e Guerra Fria O auge da Guerra Fria pode ser conside­ rado o período de maior influência política do senador republicano Joseph McCarthy, entre 1948 e 1956, conhecido como macarthis­mo. Os Estados Unidos estiveram envolvidos em uma intensa campanha anticomunista, que ti­ nha como objetivo investigar o envolvimento de cidadãos com a União Soviética, através do FBI e do Comitê de Atividades Antiamerica­ nas. Por meio de leis aprovadas no Congresso durante o macarthismo, os Estados Unidos transformaram legalmente as opções ideoló­ gicas de alguns de seus cidadãos em risco à segurança nacional, podendo decretar a de­ tenção e eventual deportação aos acusados de traição ao país. Estima-se que o governo norte-americano tenha investigado o envolvi­ mento de aproximadamente 300 artistas com o comunismo, através de uma lista que ficou conhecida como Hollywood Blacklist. Entre eles estava o ator Charlie Chaplin. Em 1954, o Congresso aprovou uma lei que colocou o Par­ tido Comunista dos Estados Unidos na ilegali­ dade. Acentuaram-se, assim, as divergências ideológicas entre os EUA e o bloco soviético. Em 1950, a invasão da Coreia do Sul pela Coreia do Norte levou à eclosão do primeiro grande conflito entre os blocos capitalista e comunista: a Guerra da Coreia (1950-1953). Os Estados Unidos lideraram a intervenção na península coreana, em confronto com os exér­ citos chinês e russo. Ao fim do conflito, a paz foi restabelecida mediante a fixação de uma zona desmilitarizada próxima ao paralelo 38. Rogério F. da Silva é doutor em historiografia e professor coordenador do Curso Etapa.

(ENTRE PARÊNTESIS)

O tabuleiro É dado um tabuleiro quadrado 4 × 4. Quer-se ir do quadrado esquerdo superior para o quadrado direito inferior. Os movimentos permitidos são os mostrados ao lado. De quantas maneiras isso é possível?

RESPOSTA Qualquer sequência com 3 símbolos H e 3 símbolos V dá uma solução do problema. 6! = 20 percursos dessa forma. Há 3! 3! Qualquer sequência com 2 símbolos H, 2 símbolos V e 1 símbolo D dá uma solução. 5! = 30 percursos dessa forma. 2! 2! 1! Há Vamos indicar os movimentos permitidos por H ( ), V ( ) e D ( ). Alguns caminhos possíveis são: HVVHVH, VDHHV e HDVD, apresentados nas figuras a seguir:

Qualquer sequência com 1 símbolo H, 1 símbolo V e 2 sím­ bolos D dá uma solução. 4! = 12 percursos dessa forma. Há 2! 1! 1! Há também um único percurso constituído por uma se­ quência de 3 símbolos D. Número total de percursos: 20 + 30 + 12 + 1 = 63.


POIS É, POESIA

8

Cláudio Manuel da Costa (1729-1789) A i Nise amada! se este meu tormento,

Q uando cheios de gosto, e de alegria

Estes campos diviso florescentes, Então me vêm as lágrimas ardentes Com mais ânsia, mais dor, mais agonia.

Musas, canoras Musas, este canto Vós me inspirastes, vós meu tenro alento Erguestes brandamente àquele assento, Que tanto, ó Musas, prezo, adoro tanto.

Como alegre em servir-te, como atento Meus votos tributara agradecidos! Por séculos de males bem sofridos Trocara todo o meu contentamento.

Aquele mesmo objeto, que desvia Do humano peito as mágoas inclementes, Esse mesmo em imagens diferentes Toda a minha tristeza desafia.

Lágrimas tristes são, mágoas, e pranto, Tudo o que entoa o músico instrumento: Mas se o favor me dais, ao mundo atento Em assunto maior farei espanto.

Mas se na incontrastável, pedra dura De teu rigor não há correspondência, Para os doces afetos de ternura;

Se das flores a bela contextura Esmalta o campo na melhor fragrância, Para dar uma ideia da ventura;

Se em campos não pisados algum dia Entra a Ninfa, o Pastor, a ovelha, o touro, Efeitos são da vossa melodia;

Cesse de meus suspiros a veemência; Que é fazer mais soberba a formosura Adorar o rigor da resistência.

Como, ó Céus, para os ver terei constância, Se cada flor me lembra a formosura Da bela causadora de minha ânsia?

Que muito, ó Musas, pois, que em fausto [agouro Cresçam do pátrio rio à margem fria A imarcescível hera, o verde louro!

Se estes meus sentidíssimos gemidos Lá no teu peito, lá nos teus ouvidos Achar pudessem brando acolhimento;

***

A cada instante, Amor, a cada instante

***

No duvidoso mar de meu cuidado Sinto de novo um mal, e desmaiado Entrego aos ventos a esperança errante.

Destes penhascos fez a natureza O berço, em que nasci: oh quem cuidara, Que entre penhas tão duras se criara Uma alma terna, um peito sem dureza!

Por entre a sombra fúnebre e distante Rompe o vulto do alívio malformado; Ora mais claramente debuxado, Ora mais frágil, ora mais constante.

Amor, que vence os Tigres, por empresa Tomou logo render-me; ele declara Contra o meu coração guerra tão rara, Que não me foi bastante a fortaleza.

Corre o desejo ao vê-lo descoberto; Logo aos olhos mais longe se afigura, O que se imaginava muito perto.

Por mais que eu mesmo conhecesse o dono, A que dava ocasião minha brandura, Nunca pude fugir ao cego engano:

Faz-se parcial da dita a desventura; Porque nem permanece o dano certo, Nem a glória tão pouco está segura.

Vós, que ostentais a condição mais dura, Temei, penhas, temei; que Amor tirano, Onde há mais resistência, mais se apura.

***

***

Biografia Cláudio Manuel da Costa nasceu em Vargem de Itacolomi, em Minas Gerais. Era filho de mineradores ricos, tendo estudado em Coimbra e se formado em Direito. Em Vila Rica (Ouro Preto) viveu como advogado e funcionário público. Foi um dos poetas envolvidos na conspiração da Inconfidência Mineira. Preso, entrou em pânico e confessou sua participação nas reuniões tidas como subversivas. Já era um homem de sessenta anos quando cometeu suicídio na prisão, em Ouro Preto.

SERVIÇO DE VESTIBULAR Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) Período de inscrição: até 26 de maio de 2015. Somente via internet. Endereço da Faculdade: Rua Quatá, 300 – Vila Olímpia – São Paulo – SP – CEP: 04546-042 – Fone: (11) 4504-2649. Requisito: taxa de R$ 200,00. Cursos e vagas: consultar site insper.edu.br/vestibular Exame: dia 14 de junho de 2015.

Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) Período de inscrição: até 07 de maio de 2015. Somente via internet. Endereço da Faculdade: Av. Transnordestina, s/n – Novo Horizonte – Feira de Santana – BA – CEP: 44036-900 – Fone: (75) 3161-8000.

Requisito: taxa de R$ 100,00. Cursos e vagas: consultar site www.uefs.br Exames: dias 12, 13 e 14 de julho de 2015.

Centro Universitário São Camilo (São Camilo) Período de inscrição: até 08 de maio de 2015. Somente via internet. Endereço da Faculdade: Av. Nazaré, 1 501 – Ipiranga – São Paulo – SP – CEP: 04263-200 – Fone: 0300-017-8585. Requisito: taxa de R$ 324,00. Cursos e vagas: consultar site www.saocamilo-sp.br Exame: dia 07 de junho de 2015.

Universidade Estadual de Goiás (UEG) Período de inscrição: até 07 de maio de 2015. Somente via internet. Endereço da Faculdade:

Rua 82, 400 – Palácio Pedro Ludovico Teixeira – Goiânia – GO – CEP: 74088-900 – Fone: (62) 3201-5334/5335. Requisito: taxa de R$ 80,00. Cursos e vagas: consultar site www.ueg.br Exame: dia 31 de maio de 2015.

Universidade Nove de Julho (Uninove) Período de inscrição: até 18 de maio de 2015. Somente via internet. Endereço da Faculdade: Rua Vergueiro, 235/249 – Liberdade – São Paulo – SP – CEP: 01504-001 – Fone: (11) 3385-9000. Requisito: taxa de R$ 350,00. Cursos e vagas: consultar site www.uninove.br Exame: dia 30 de maio de 2015.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.